Ano passado eu morri, mas em 2022 eu não morro.

Último dia do ano. Gostaria, antes de qualquer coisa, de agradecer a vocês pela companhia. Tem sido um dos piores momentos da nossa história. Estamos lidando com um vírus e com um verme ao mesmo tempo.

Assim como em 2020, em 2021, eu escrevi muito pouco e li menos ainda. A ansiedade é inimiga da literatura. Neste final de ano, resolvi encarar isso. Vejam vocês, até ler virou uma forma de resistência. Consegui, agora em Dezembro, ler 5 livros que vieram para minha mão autografados e dados como presente por gente querida. Já me sinto bem mais forte porque, para além do conteúdo adquirido, venci a mim mesma. Bem se sabe o quanto os nossos monstros internos são poderosos.

Ainda assim, tem sido muito difícil. Não tem como esquecer que temos um presidente que durante três anos, em nenhum momento, seja na pandemia, seja em desastres ou tragédias humanitárias, seja em qualquer situação que signifique prestar solidariedade à vida humana tenha feito qualquer gesto. É muito difícil viver em um país cujo presidente não demonstra nenhum sentimento em relação à dor do próximo e seja contra vacinar nossas crianças.

O Sul da Bahia e outras regiões do Brasil pedem socorro. Milhares de pessoas estão sem casas, municípios desapareceram, crianças, pessoas idosas sentindo frio e fome e, sabendo disso tudo, Bolsonaro faz questão de mostrar como está curtindo suas férias em um jet-ski e brincando de carrinho em um parque de diversões. Eu não estou inventando isso. Ele próprio faz questão de mostrar isso em suas redes.

Bolsonaro não nega – verbalmente e em gestos como esses – o seu imenso desprezo às vidas das camadas populares. Por quê? Porque o seu eleitorado-raiz exige isso dele. Não são a maioria, mas são muito barulhentos e, meodeos, como irritam…

Já falei por aqui que tenho um certo ranço da palavra “resistência”. Como professora de física falo sempre na “força de resistência” e explico que ela é sempre menor ou igual à força que provoca o movimento. Sei que a conotação social é outra, mas tenho” memória desafetiva” com essa palavra. E fomos, em certa medida, durante esses três anos condenados a reagir. Quando nos atacam, seja verbalmente seja com uma pedra, usamos nossa energia para a defesa, nossas mãos para protegerem o nosso rosto e isso impossibilita qualquer possibilidade de fazer outra coisa como segurar um livro ou escrever, por exemplo.

Estivemos durante esse tempo com nossa mente e nossas mãos ocupadas defendendo professores e professoras, profissionais de saúde, mulheres, indígenas, pretos e pretas, defendendo o direito à vacina, o direito de amar quem quiser, o direito de ser quem quiser. Chegamos a exaustão de tanto falar o óbvio.

Resistir não quero mais. Existir será meu verbo. Já dizia em plena campanha de 2018…

Para tanto, ou seja, para agir, é necessário entender uma coisa: o quanto o ódio nos mobiliza (ao mesmo tempo que nos paralisa) e por que precisamos evitá-lo.

Primeiramente, saber que somos reféns e estamos somente reagindo é um começo.
Entender que estamos sendo manipulados é um caminho para sairmos dessa prisão. Bolsonaro não está brincando de carrinho no Beto Carrero enquanto milhares de pessoas estão desabrigadas porque é um perverso “apenas”. É estratégico gerar esse ódio porque enquanto falamos mal dele especificamente não atacamos seu programa econômico, seus projetos inexistentes para os reais problemas do nosso país e, principalmente, não nos organizamos internamente como deveríamos.

O modelo que propõem já foi visto na história: é o de um povo etnicamente puro. Por isso, eles apelam diariamente para o perigo de múltiplas religiões e culturas diferentes. Elas devem ser vigiadas e perseguidas para que não “contaminem” a identidade do povo puro e “cristão”.

Daí vem essa obsessão em relação a pureza nas artes, na política, nas escolas, nas casas, nas igrejas… “Pureza” aqui está sendo usado como sinônimo de homogeneidade, ou seja, exclusão efetiva da diversidade. E bem se sabe o quanto isso é impossível até mesmo entre duas pessoas, quanto mais em uma sociedade.

Para conseguir esse impossível, eles avançam nos irritando porque enquanto odiamos, não pensamos direito.

Uma democracia comporta muito bem pensamentos divergentes, religiões diversas e múltiplas culturas, desde que sejam estabelecidas diretrizes seculares para todas as pessoas. É necessário explicar isso para o maior número de pessoas: divergência de ideias e de credos não pressupõe desarmonia. É possível viver respeitando o diferente.

O que estou querendo dizer é que esse ódio que sentimos e a reprodução que fazemos das falas perversas de Bolsonaro e seus pares fazem parte do projeto deste governo que é normalizar todo esse ódio pelo tanto que o repetimos.

Ficamos mais frios, mais burros, mais apáticos porque fomos manipulados por esse ódio e passamos, de um jeito ou de outro, a normalizá-lo.

Para 2022, devemos, com todas as nossas forças, desde o primeiro dia, assumir com firmeza a luta contra o neofascismo, denunciando e explicando o perigo que ele nos representa sem, contudo, fazer propaganda para eles.

A luta é infinita mesmo. A História está aí para mostrar que não estou delirando. Por isso, não podemos nos dar o luxo de dizer que cansamos ou desistimos. Tudo, ao final, se resume ao que você fez com a sua vida: ajudou os mais vulneráveis ou fingiu que eles não existem?

O futuro é agora e os outros somos nós mesmos. A responsabilidade é de cada pessoa neste minuto. Para partirmos para o coletivo, precisamos ter essa consciência individualmente.

Para nos curarmos desse ódio (que, de fato, nos adoece), precisamos nos lembrar sempre de que somos maioria e só o que nos falta é um pouco de organização. Não somente nas redes. Falo, principalmente, nas que exigem a presença, o corpo, o olhar e o sorriso mesmo que seja por trás de uma máscara.

Não há nada que eles temem mais do que pessoas que se unem. Por isso, debocham sempre quando vamos para as ruas ou tentam nos colocar medo para que fiquemos em casa e não nos mobilizemos.

Antes de terminar, uma observação: de março a dezembro de 2021, nada menos que 23 decisões judiciais inocentaram o presidente Lula ou anularam processos forjados contra ele e seus familiares.

Lula trabalhou neste ano com a disposição de um presidente decente. Conversou com grandes lideranças pelo mundo e, principalmente, aqui dentro. Foi convidado para dar palestras por várias universidades, enquanto, o máximo que o Bolsonaro conseguiu foi participar do programa do Ratinho.

Eu sei que não tem comparação, mas é sempre bom lembrar que estamos prestes a ter Lula de volta e do quão gigante ele é.

Mais uma vez, muito obrigada por terem ficado por aqui e compartilhando minhas dores, minhas tímidas alegrias no meio de tanto luto e meus devaneios.

Parafraseando Belchior, ano passado eu morri, mas em 2022 eu não morro.

Desejo a vocês um presidente que se sensibilize com a fome e um congresso que nos represente.

Desejo a vocês um país melhor e saibam que estou na linha de frente desta luta. Contem comigo porque estou contando com vocês.

Que neste ano que está chegando, o Brasil volte a ser de todas as pessoas.

Feliz 2022, gente!

4 comentários em “Ano passado eu morri, mas em 2022 eu não morro.

  1. Gostei de seu desabafo, mas não vejo que haja todo ees ódio . O que vejo é repulsa e raiva justa, e espero que durem até a eleição, pra tirar os eleitores de casa!

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