Lembram disso?

Estou aqui no quinto dia de isolamento observando o trabalho que o coronavírus está tendo dentro deste corpo com três doses de vacina. Tosses, cansaço e dor de cabeça somados a um calafrio aqui e um intestino estranho ali. Nada demais. Tenho vencido do meu jeito e no meu tempo. A mente, se deixar solta, me carrega para hospitais e cemitérios. Fico pensando em 2020 e na quantidade de pessoas que não conseguiram respirar e nas outras que faleceram sem nenhum familiar ao lado. 

Daí, fico triste demais, começo a chorar nesse sofá cheio de pelo da minha gata.

Para me distrair, vou ler as notícias do dia. 

Não ajudam, como vocês bem sabem.

E fico em casa olhando para o teto tentando me amparar. Há um mundo sendo destruído lá fora e eu estou aqui com covid. Se cada vez que eu tossisse, o preço do combustível baixasse um centavo, já estaríamos em 2024.

Resolvi me proteger de pensamentos ruins lembrando de coisas boas como sempre fui aconselhada pela minha avó.

Peguei-me tentando discar rápido naquele telefone cinza de disco para falar com o Bozo. Tinha uma brincadeira do jogo da memória e o Bozo virava todos os números (era do 1 ao 20 – com 10 pares de desenhos) que ficavam na parede durante uns cinco segundos. Depois desse brevíssimo tempo, o Bozo desvirava. 

Se a gente acertasse tudo, ganhava uma bicicleta Caloi ou Monark, não me lembro qual das duas, mas só podia ser uma delas porque eram as únicas que existiam na época.

Eu tinha um irmão mais novo e uma irmã mais velha no tempo do Bozo. Muito tempo depois, veio a Lyli, a rapa do tacho da minha mãe, como ela, carinhosamente, sempre diz. Mas a Lyli já era Xuxa para cá. Estou no Bozo. Lyli não era nem zigoto. Então… 

Assim que o Bozo virava as figuras para a gente memorizar, nós, eu e meus irmãos, que juntos tínhamos seis mãos e seis pés, ficávamos com o rosto colado no vidro da televisão e colocava as palmas da mão e os pés em cada par de figuras que Bozo mostrava. Assim, com muita vantagem e astúcia, tínhamos rápido o gabarito do jogo de memória. Era só ligar e o Bozo atender.

Daí era o desespero de girar aquele disco do telefone bem rápido. Sempre dava ocupado. Lembro que o futuro estava chegando com o telefone de botão em muitas casas e a gente ficava pedindo pelo amor de deus para papai comprar um aparelho mais moderno porque estávamos sendo prejudicados em relação às demais crianças do Brasil.

Quando era o jogo de apostar em qual cavalinho ganhava a corrida, cada um escolhia um: preto, branco ou malhado. Era uma gritaria para ver qual cavalinho de um brinquedo tosco chegaria primeiro.

Pensando em coisinhas assim como a infância e a ingenuidade, resolvi escrever sobre essas lembranças já que a escrita sempre me aliviou desses apertos que a gente sente no peito de vez em quando. É sempre bom revisitar o pretérito mais que perfeito.

Já estou tossindo menos e me sentindo bem melhor. O olfato se foi hoje, mas disseram que ele volta rápido e sou dessas de acreditar quando me dizem que ele vai voltar em outubro.

Sorrindo para nosso futuro – como fiz há pouco com o meu passado – coloco esse ponto final.