Sobre os nossos vulcões

Estava pela casa andando no modo aleatório, pegando uma roupa no chão aqui, colocando água para a minha gata, levando o lixo para fora, achando uma tarraxa de brinco no tapete sem querer, observando os livros que preciso ler, vendo uma mancha no sofá, conferindo se tem arroz para fazer o almoço e pensando no meu futuro gabinete quando, de repente, o Pipo me aparece indignado:

– Amor, você acredita que tem gente que mora perto de um vulcão mesmo sabendo que ele pode ficar ativo a qualquer momento? Imagina só, você está lá com sua família sabendo que pode morrer a qualquer momento!

E continuou a falar sobre lavas, fumaça tóxica, nuvens de fuligem, dióxido de enxofre, fluxo piroclástico (o que destruiu a cidade romana de Pompeia no ano 79 d.C.) e outras formas de morrer por estar perto de um vulcão.

Pipo estava de cara com essa (Teimosia? Obstinação? Insistência? Pertinácia? Intransigência? Excentricidade? Relutância? Ignorância?…) ignorância. Isso, ignorância. Gosto dessa palavra para esta situação porque vem do sentido de ignorar uma informação. Ignorar não necessariamente é falta de conhecimento. Ignorar pode ser sinônimo de muita sabedoria como a que vi em Riobaldo, do qual falarei adiante.

Enfim, Pipo estava passado com a ignorância de quem vive perto de um vulcão.

Ouvi meu amor atenta como os que refletem mirando um horizonte.

Daí, lembrei-me de uma criança olhando para o céu e perguntando para a mãe o que era aquilo passando pelas nuvens. A mãe explicou que se tratava de um meio de transporte super rápido que viaja pelo ar e que pode nos levar a vários locais do planeta em um curto intervalo de tempo.

A criança ficou curiosa. Queria saber como era possível esse voo, quantas pessoas cabiam, como algo pesado era sustentado pelo ar, como pousava, enfim, fez muitas perguntas como certamente muitos de nós também já fizemos, mesmo já adultos, diante de uma aeronave parada no pátio de um aeroporto.

A mãe falou sobre hidrodinâmica, equilíbrio de força, pressão e bababá bububú. A criança ficou reflexiva.

Até que ela perguntou:

– E não cai?

E a mãe respondeu:

– Bem, cair cai, mas é raro e…

– E morre todo mundo?

– É… Bem… quando cai… mas é raro cair…

A partir daí a pequena mudou o objeto da sua perplexidade.

– Por que cargas d’água uma pessoa podendo ficar em segurança no chão entra em um negócio daquele tamanho sabendo que pode cair e morrer?

O avião era para a criança algo como um vulcão é para o Pipo.

Creio que muita gente aqui faz um punhado de coisas que gera incompreensão em outras. Eu, por exemplo, tenho a política como um vulcão. Um galerão já veio me perguntar por que eu, que podia estar calma no meu canto lendo, escrevendo e dando aulas, desejei e sigo muito animada para estar na Alerj.

Por que as pessoas escalam o Monte Everest? Como tem gente que tem coragem de jogar futebol sob o constante risco de receber uma canelada no joelho? Por que damos saltos mortais e isso virou modalidade olímpica? De onde vem a tranquilidade para usar uma panela de pressão? Por que pagam para pular de paraquedas? Como conseguem beber refrigerante, consumir tanto açúcar refinado, andar de moto, mergulhar em cavernas, colocar piercing no nariz, fazer lipoaspiração, andar pelas ruas do Rio de Janeiro, dirigir em estrada, tirar cutículas ou amar alguém? Por que nos arriscamos tanto?

Impossível não me lembrar de Riobaldo, narrador-personagem do romance “Grande sertão: veredas”, de Guimarães Rosa. Riobaldo vira e mexe falava:

“Viver é muito perigoso”.

Eu, amante da Ciência, das técnicas, dos números, dos cálculos e das previsões que nos dão tempo para nos proteger de alguma ameaça, já pensei muito – quando resolvia equações envolvendo probabilidades – sobre o quanto somos reféns do imprevisível.

Ao ler Guimarães Rosa, compreendi na literatura – e não na matemática – que “o mais difí­cil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra”, como falou Riobaldo com seu maravilhoso dialeto.

Ou seja, o perigo não é se perder no meio dos próprios objetivos, ignorar os riscos e não enxergar a morte iminente.

Morar perto de um vulcão e andar de avião pode dar, de fato, a chance para fatalidade.

Mas…

Estar perdido é a própria condição de viver. Nosso querer não tem explicação e há um tanto de beleza nessas incompreensões.

Há como viver e não estar em perigo? Há uma melhor oportunidade de se chegar aonde não se espera do que fazer algo novo?

Fazemos boas especulações de como surgiu o Universo, mas por que ninguém ainda descobriu a origem desse ímpeto que vem de formas diferentes em cada pessoa? Estar em uma zona de conforto não é um tipo de morte em vida?

É isso. Estou aqui com uma tarraxa de brinco na mão pensando sobre os nossos vulcões.

—–

Em tempo, no mundo inteiro, 550 milhões de seres humanos moram perto de vulcões ativos, muitos desses com excelente qualidade de vida.

5 comentários em “Sobre os nossos vulcões

  1. As pessoas procuram a estabilidade, a segurança, a repetição e a ordem em suas vidas, entretanto, ao mesmo tempo, a existência da contradição entre filosofia e ciência, filosofia e economia política, a esfera teórica e a prática, a beleza da alienação cantada e dançada em verso e prosa.

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  2. Nunca me arrependo de ler seus textos. Costumo deixá-los “no cabide”, esperando o melhor momento pra leitura…um momento que esteja calmo e sem qualquer pressa. Abraço.

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