
Eugênia é mãe de Cláudia que é mãe de Beatriz que não quer ser mãe de ninguém.
Com quase oitenta anos, Eugênia que teve uma educação religiosa rigorosíssima casou-se virgem e tentou levar Cláudia sem sucesso para esse caminho. Beatriz nasceu sem que seu pai e sua mãe fossem sequer casados para desespero e vergonha de Eugênia.
Nada como o tempo.
Eugênia entendeu, assim como aprendemos com os livros de forma lenta e profunda, vendo Cláudia viver. Compreendeu que hímen não define caráter. E foi até aí seu aprendizado.
Claudia educou Beatriz para ser independente, não precisar de macho e não desejar príncipes.
– Bia, seja feliz do jeito que quiser.
Hoje, Bia tem 24 anos, faz faculdade de teatro, dá aula de canto e para um monte de gente. Tem cabelo azul e se declara bi e não binária.
Cláudia que achava que era prafrentex porque se casou depois da maternidade está aprendendo coisas ao conviver com os sovacos cabeludos de Bia. Com quase cinquenta anos, fez a transição capilar na pandemia e hoje está grisalha.
Cláudia descobriu um tipo de liberdade como a dos urubus que não usam maquiagem, mas tem um voo calmo e belíssimo.
Dona Eugênia não compreende os cabelos brancos de sua filha Cláudia e sempre comenta que a filha está envelhecendo – o que é o normal que aconteça com quem vive. Quando Cláudia explica para a mãe que está com quase cinquenta anos, Eugênia diz que ela pode estar assim, mas não parecer tão velha.
– Pinta esse cabelo, Cláudia!
Cláudia titubeia. Olha no espelho e reflete também sobre si mesma.
– Bia, vou pintar meu cabelo e parar com esse movimento de ser bonita naturalmente que dá muito trabalho.
– Mãe, se você pintar seu cabelo, eu vou raspar meus sovacos!
Cláudia – que tem os sovacos raspados porque as revoluções, por vezes, são muito lentas – fica em silêncio pensando que talvez seja uma boa a Bia sem aquela cabeleira saindo debaixo dos braços.
– Mãe, você está linda assim. Está grisalha e está bem! Vó, deixa ela!
– Ah não deixo não porque tá feio. Tá envelhecida. E se pintar de muito preto também pode ficar estranho. Faz como eu.
Bia e Cláudia olham para Eugênia que está com o cabelo castanho claro com um rosto ótimo de quem tem oitenta anos bem vividos.
– Mãe, você fica linda assim ao natural. – Disse Beatriz.
– Beatriz, o seu cabelo é azul, Beatriz. – Observou Dona Eugênia.
Célia, irmã mais velha de Eugênia com cabelos branquiiiinhos branquiiiiiiionhos, chegou para almoçar e observou as três comendo.
– Ninguém de vocês pinta unha não? Que coisa horrorosa três gerações que não cuidam das mãos. Vou ligar para a Marinete vir aqui fazer as unhas de vocês agora!
Como já dito muitas vezes, cada cabeça uma sentença. E ponto final.
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