O meu estado

Há quatro anos sinto uma dor em um músculo específico chamado quadrado lombar esquerdo que piorou muito na pandemia pelo fato de ficar horas e horas sentada trabalhando com o psicológico zuretado com tantas notícias horríveis.

Meu avô sempre falou que se um motorista sabe o nome das partes do carro é porque anda em um veículo ruim que precisa ser trocado ou muito bem consertado. Nunca soube, como nesses últimos quatro anos, tanto nome de general, capitão, ministros e músculos. 

Em 2021, depois de ser vacinada, fui a um ortopedista e, após exames como ressonância magnética, ultrassonografia, hemogramas e raio X, a solução dada foi injeção de corticóide e anti-inflamatório por quase um mês.

Vivi a alegria das pessoas que acordam, sentam e se levantam sem dor. Havia até me esquecido da sensação de estar em paz com o universo das cadeiras, poltronas e sofás.

Passado o efeito das drogas, tudo voltou. Na verdade, foi “a volta dos que não foram”, pois, foi tratado o sintoma e não a causa como é a praxe, infelizmente, em muitos consultórios.

Voltei ao médico e, novamente, tomei outra injeção de corticoide e me entupi de novos anti-inflamatórios.

Passado um tempo, a dor, como avisei ao doutor que aconteceria, voltou.

Com o corpo inchado de tanta prednisona, prednisolona, hidrocortisona, dexametasona, metilprednisolona e beclometasona, parti para resolver a causa assim como os climatólogos e ambientalistas fazem em reuniões com lideranças políticas.

Fiz cinco meses de fisioterapia, acupuntura, massagem e fortalecimento muscular. Pela primeira vez em 49 anos, matriculei-me na academia e como aqueles que querem se livrar de algo ruim, trabalhei sério para isso. 

Aceitei orações, pedi que acendessem velas e segui todas as orientações do plano espiritual que me deram. Não existe ateu dentro de um avião caindo ou quando entra uma barata voadora no quarto, já disse alguém muito inteligente.

A minha meta era fazer a campanha sem dor. 

Qual o quê.

Ninguém entendeu o meu corpo e, por mais que eu pagasse, me esforçasse e rezasse, não consegui consertá-lo a tempo. 

Tudo o que vocês me viram fazendo, em todos os momentos em que estive nas ruas, eu estava pensando em Lula e no meu quadrado lombar esquerdo.

Terminado o segundo turno, enfim, dormi bem. 

Acordei e procurei outro médico. 

Este último, ao contrário do primeiro que nem encostou em mim, examinou-me decentemente. Colocou-me em muitas posições para observar a origem da minha dor, testou meus reflexos, viu meus exames e avaliou bem essa carcaça. 

Diagnóstico: “você não está doente, mas precisa de alinhamento e balanceamento. A sua contratura do quadrado lombar é gigante e o lado que ela existe está todo encurtado. Uma boa série de exercícios isométricos e muito RPG darão conta. Em 3 meses você estará sem dor.”

Há um mês, sigo à risca tudo. Não há sinal de melhora ainda, embora esteja em um novo caminho e descobrindo outras coisas nessa bagaça. Como dizem, estou velejando em águas nunca dantes navegadas.

A nova fisioterapeuta (beijo, Nayara!) está mexendo em músculos que eu sequer sabia que existiam e olha que a anterior também havia me apresentado a vários.

Para que o meu quadrado lombar se descontraia, se solte e me deixe em paz, é necessário mexer, alongar e fortalecer o glúteo médio, o sartório, o pectíneo, o iliopsoas, o bíceps o femoral, o tibial anterior e mais outros que me esqueci o nome.

Tenho lembrado muito do meu avô cada vez que a Nayara me fala o nome de mais um músculo que ela descobre que está atrofiado.

Entendi que andei errado, sentei errado, pedalei errado, deitei errado e que o Brasil não ajudou, pelo contrário. 

Mente e corpo não se separam e, cá para nós: isso começou lá pelos idos de 2019. 

O fato de eu perder a concentração para a leitura – que tanto me acalma –  desde o golpe em 2016 tem a ver com o estado que ficou o meu quadrado lombar.

Compreendi que o meu abdômen e um outro governo precisavam ter sido acionados há anos.

Enfim, hoje estive em uma reunião em que debatemos a emergência climática. Fui convidada como deputada eleita.

Discutimos que, para reverter o quadro de urgência e evitar tragédias, é necessário diminuir a desigualdade social, mexer com a Educação, com a nossa alimentação, investirmos em uma outra forma de mobilidade urbana, para além de reflorestar muitas áreas e plantar um novo sistema.

Enquanto via os slides e ouvia especialistas de diversas áreas nesse Fórum, lembrava do meu quadrado lombar não somente porque doía muito, mas por entender que tudo é uma coisa só. 

Somos holísticos assim como o planeta – quiçá o Universo.

Se algo está ruim, ainda que seja do lado de fora, mais cedo ou mais tarde, seremos afetados.

Não se conserta uma parte sem mexer no todo se a maneira equivocada que o todo se articula é o que machuca muitas partes.

Olho para o estado do meu corpo torto e lembro do Estado do Rio de Janeiro. 

Tem jeito. Sabemos que tem. 

E não vou sossegar até descobrir como aliviar tanta dor.

3 comentários em “O meu estado

  1. >Lindeza de texto, pra variar! Me identifiquei muito, também tenho meus “quadrados” que não param de doer e nada resolve, assim como os quadrados sociais, políticos e planetários que também doem muito. Mas confio em você nessa frente de luta (e nessas costas também), você teve meu voto e tem minha confiança e esperança!

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  2. A dança é os quadrantes de cura – físico, o emocional, o mental e o espiritual, síntese do momento histórico (Hegel).
    A somaterapia – a sensibilidade na compreensão do humano e da crítica da realidade, passa pela antipsiquiatria, a gestalt terapia e o trabalho de Reich.
    Os conflitos de poder no cotidiano e a criação.

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  3. Em se tratando da coluna vertebral, temos muitos pequenos músculos em continua atividade, tanto para estabilização como para movimentação de todo o conjunto das vértebras.
    Exercícios de fortalecimento dos grandes músculos do corpo trabalham “por tabela” cada um dos pequenos seguimentos musculares/vertebrais da coluna.
    Mas, dependendo do grau de gravidade da tensão de algum seguimento, os exercícios globais podem não ser suficientes.
    Algum seguimento vertebral estando “bloqueado” mantém “irritado” os sensores neurais das articulações daquele seguimento, o que por sua vez realimenta a tensão do músculo associado (por exemplo, o quadrado lombar).
    É aí que entra a técnica da quiropraxia, que foca justamente nos seguimentos “bloqueados”, para “destravá-los”, com isso liberando o livre movimento das articulações envolvidas, e “acalmando” a irritabilidade dos sensores neurais envolvidas, relaxando assim o músculo alvo.

    Por este motivo, em complemento ao importante trabalho fisioterapêutico de alongamento/fortalecimento da musculatura global do corpo, e de grandes músculos específicos, é interessante adicionar também a técnica da quiropraxia, que atua nós pequenos seguimentos

    Os Exercícios de fortalecimento/alongamento/equilíbrio devem ser pensados para a vida toda, e para prevenir as ocorrências dos traumas nos pequenos seguimentos.

    Já as “correções” quiropraticas precisam ser feitas como importante complemento nas abordagens corretivas, como no seu caso.

    O tratamento quiroprático tem duração variada de acordo com a individualidade do paciente, podendo durar desde uma única sessão até uma série seguida de 10 a 20… e outras, como coadjuvante nos trabalhos preventivos, a cada seis meses… um ano… ou quando sentir dor.

    Tem-se a impressão de que somente o tratamento quiroprático é o suficiente para recuperar os desequilíbrios do sistema músculo-esquelético. Porque ele costuma impressionar com resultados muitas vezes imediatos.
    Mas este é um engano comum.
    A abordagem fisioterapêutica/educação física é fundamental para conduzir à recuperação e à prevenção.

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