#ChegaDeAssédio

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Aqui em Madureira, no colégio Pensi, várias meninas usaram a rede social para relatar casos de assédio através da hashtag #AssedioÉHabitoNoPensi. O ato de denunciar teria sido incentivado por uma professora da própria escola e funcionou muito bem atingindo o trendig topics no twitter em poucas horas. Não tardou para que outras alunas de instituições como, por exemplo, o Miguel Couto no Méier e o CEFET no Maracanã também se manifestassem nas redes e nas ruas com cartazes e blusas vermelhas e pretas.

Esse caso me remeteu a um outro também iniciado nas redes sociais há três anos. A campanha #PrimeiroAssedio teve mais de 80 mil tweets e surgiu em apoio à menina de 12 anos que foi alvo de comentários de cunho sexual na internet durante sua participação em um reality show de culinária.

Vemos todos os dias casos de violência contra a mulher em seus mais variados níveis. Os números são assustadores e se há algo certo é que enquanto você está lendo esse texto várias mulheres estão sendo assediadas e estupradas.

Por que quando uma começa a falar aparecem milhares de outras atrás? Qual a explicação por detrás desse fenômeno?

Vamos entender: existe uma repetição da natureza da violência sexual contra a mulher como parte de uma misoginia institucionalizada e que resulta na contínua não penalização dos agressores em muitos processos.

A sociedade tende a corroborar com a famosa e maldita cultura do estupro que afirma de várias maneiras diferentes que a culpa é da vítima. Segundo pesquisa feita pelo IPEA em 2014, quase 60% dos brasileiros concordam com a afirmação de que “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros”.

Quando, porém, surge uma válvula de escape dada até mesmo na forma de uma hashtag onde mulheres não se sentem sozinhas, começamos a ouvir, literalmente, milhares de histórias. Sabemos que não é uma missão simples, indolor. Todas sabemos o quão difícil é se expor.

Concluímos que a média de  idade do primeiro assédio que sofremos não é quando já somos adultas, passamos batom e andamos de saia curta e salto alto na rua. A realidade é que a primeira vez que um homem comete essa violência é com meninas de nove anos e 65% dos casos são cometidos por pessoas próximas da família – muitos deles dentro da própria casa da vítima.

Mas o fato recente de encorajamento ao grito e à denúncia foi feito dentro de uma escola. Não faz sentido fixar o nome de uma somente já que o problema é endêmico. A Escola é uma das instituições que dão sustentação ao Estado patriarcal e ao sistema Capitalista. Cada vez mais se educa para o mercado de trabalho e cada vez menos para o pensamento crítico. Não sem motivo, quando começamos a debater os problemas de preconceito dentro das instituições de ensino, somos ameaçados até mesmo por projetos de lei que buscam amordaçar professores e professoras. Nada é por acaso. Tudo está conectado.

Já temos Estados no Brasil em que o governo decidiu instituir a obrigatoriedade da oferta de ensino religioso nas escolas. Tal decisão fere, inclusive, a constituição federal que determina a laicidade do Estado. Para tanto, as escolas do Rio Grande do Sul, por exemplo, estão tendo que diminuir carga horária de outras disciplinas e a opção tem sido cortar tempos de aula de sociologia e de filosofia, justamente por serem disciplinas que mais promovem o debate. Qualquer semelhança com a época da ditadura não é mera coincidência. O argumento de que a disciplina abordará a diversidade religiosa brasileira não procede pois diversidade religiosa já é um tema tratado nas aulas de filosofia, de sociologia, de história e quiçá de física. Não existe razão para a existência dessa disciplina além de transformar a escola num espaço de disseminação da fé cristã. Juntamente com isso, tivemos a retirada dos temas de diversidade sexual dos planos nacionais, estaduais e municipais de educação. Mais uma vez: nada é por acaso.

Por que estou dizendo isso? Porque tudo está conectado de verdade. A nossa saúde está ligada ao transporte que pegamos todos os dias para irmos ao trabalho, por exemplo. A violência está associada a falta de oportunidades e do tipo de educação que andamos recebendo dentro de casa e nas escolas – ou na ausência total dela.

A escola, o local onde todas e todos julgam ser o lugar do conhecimento e do ensino, também é um lugar onde se produz e reproduz violência. O assédio sexual cometido dentro delas é uma das grandes aflições que atingem meninas e jovens de várias idades. O problema está na própria sociedade demarcada pelo machismo da qual a escola também faz parte.

São quase 25 anos de magistério mais meus tempos como aluna sendo testemunha e vítima de diversos assédios, vendo professores e funcionários em posição de prestígio coagir meninas e mulheres.

O silêncio é a regra.

Nosso grito, exceção.

A média é que 80 % das mulheres que sofrem assédio preferem não prestar queixa.

A verdade é que temos medo. Medo de sermos reprovadas, medo de perdermos o emprego, medo de represálias, medo de passar vergonha e medo de levar a culpa, pois, o que mais vemos é o agressor nada sofrer após a denúncia e a mulher ser desacreditada e ridicularizada publicamente.

Quando crescemos e entramos no mercado de trabalho, queridas alunas, saibam: não estamos livres dessa violência. O machismo e o preconceito são estruturais. Muitas vezes envolvem não apenas a opressão de gênero, mas também a opressão de classe. Entendam, homens. que o assédio, assim como o estupro não é apenas o ato sexual em si. “Piadinhas” e comentários que nos colocam em situação de coação psicológica são enquadrados como assédio sexual. Não é nada fácil lidar com isso. Por vezes, ficamos deprimidas, desistimos de um curso, sofremos de ansiedade, não acreditamos no nosso próprio potencial,…

Quando voltamos para a casa após um dia cansativo, nós, mulheres, ainda temos que enfrentar muita coisa. Homens aproveitam os trens, metrôs e ônibus lotados para tocar nas nossas partes íntimas. Eles não entendem que o transporte é público, mas o nosso corpo não.

Isso tudo gera nojo, revolta. Porém, mais do que punir, o que mais precisamos fazer é desconstruir o patriarcado. Não quero andar armada e me tornar uma assassina para combater o estupro e o assédio. Há outros caminhos que indicam ser muito mais efetivos e duradouros; por eles andaremos. Precisamos debater em todos os lugares sobre igualdade de direitos, conscientização e empoderamento das mulheres. Mas, principalmente, dentro das escolas mais do que nunca.

Por isso, os “movimentos hashtag” devem ser vistos com toda a atenção. Eles nos mostram algo assustador. Quase 100% das mulheres são vítimas ou conhecem vítimas de assédio sexual que, como já falado aqui, muitas vezes ocorrem quando somos crianças. O medo e o risco são constantes justamente por não sabermos de quem e quando podemos sofrer um abuso.

Nem nas escolas estamos protegidas.

Nem nos hospitais.

Nem nas nossas casas.

Daí a expressão “todo homem é um estuprador em potencial”.

Acho bom que você, homem bonzinho e honesto, que se ofende com essa frase “todo homem é um estuprador em potencial avise a sua filha, a sua afilhada, a sua irmã e a sua mãe que todo homem é sim um estuprador e um assediador em potencial. Se tivessem me avisado isso com todas as letras, talvez eu não tivesse sofrido o que sofri com um médico, um vizinho e um desconhecido na rua. Todos me pegaram, me sarraram, botaram o pênis para fora… e, pasmem, quando eu ainda era criança.

Quando colocamos a boca no trombone e saímos gritando de forma uníssona seja nas ruas seja nas redes sociais não estamos querendo dizer que todos os homens são ruins. Estamos falando que precisamos do apoio de toda a sociedade. Estamos pedindo socorro e reflexão profunda sobre o tema porque há mulheres sendo estupradas e meninas sendo assediadas diariamente.

Algumas histórias pessoais:

9 anos. Fui fazer exame de vista. O oftalmo apagou a luz e mandou eu ler as letrinhas. A sala ficou muito escura. O médico segurou o meu braço e começou a me sarrar toda. Minha mãe estava na sala mas não viu nada naquela escuridão. Eu apavorada me calei. – ‪#‎PrimeiroAssedio‬

11 anos. Em Minas. Fui na beira do rio pegar capim para os porquinhos da índia. Um homem que estava passando abaixou as calças e começou a se esfregar todo em mim. Consegui me desvencilhar dele e corri gritando. Foi preso. – #‎SegundoAssedio‬

12 anos. No ônibus. Eu sentada sozinha um homem senta ao meu lado. Pega a minha mão com força e coloca em cima do pênis dele. Ameaça-me com um canivete. E eu sou obrigada a obedecê-lo. Mais gente entrou e ele parou e desceu. Fiquei em estado de choque. – #‎TerceiroAssedio‬

Acabou? Não. Mas acho que está suficiente.  A mente agoniza.

Para que todas as mulheres denunciem e digam basta para a violência, elas precisam se sentir seguras, acolhidas e aí está a última questão que gostaria de comentar. É importante o empoderamento entre nós, mas o poder público não pode se eximir do seu papel. A violência contra a mulher se dá por causa de uma opressão histórica de gênero dos homens em relação às mulheres em todas as esferas sejam elas públicas sejam privadas. Essa reparação precisa começar acontecer também e, principalmente, na escola com o apoio do Estado. É nesse templo que considero sagrado o local mais apropriado para debatermos as diferenças de direito e de tratamento na nossa sociedade. Não à toa, tenho sido alvo de críticas por quem defende um modelo de educação que se fundamenta na mera transmissão de conteúdos.

Não vou cair aqui na hipocrisia de dizer que a escola é neutra. Ser laica é uma coisa, neutra é outra. O meu conceito de educação inclui entender como funciona a sociedade e essa grande máquina chamada mercado de trabalho. Ou educa a favor dos privilégios ou contra eles, ou a favor das classes oprimidas ou contra elas. Ou para falar ou para ficar calado. E ambas as formas de educar são políticas. A primeira forma cidadãos-zumbis que acreditam que o mundo é assim, nada mais pode ser feito e só lhes resta ser mais uma peça substituível nesse sistema. A outra é a que eu defendo.

Por isso espero que tudo o que aconteceu nesses últimos dias seja amplamente discutido dentro das salas de aula, porque mais importantes do que o valor da força de atrito para que o bloco não desça num plano inclinado são os valores éticos e morais que levamos conosco em qualquer lugar pelo qual passemos.

Discussão de Gênero no Carro.

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Estava, como todos os dias, levando Yuki, meu caçula, à escola. Na rádio, ouvimos a chamada da matéria:

“Estão sendo investigados casos de homofobia e transfobia em um…”

– Mãe, o que é transfobia?

– Vamos pela lógica. Se homofobia é o preconceito e o ódio por vezes trazendo consequências físicas aos homossexuais, a transfobia é o mesmo com os transexuais.

– O que é um transexual?

– É alguém que não se identifica com o gênero biológico. Por exemplo, a pessoa nasce com bilau e se sente mulher. Ou nasce com bimbinha e se sente homem.

(Sim. São esses os termos que uso. Acho-os fofos).

– Não entendi.

– Não é para entender. Não precisa. Eu também não entendo e posso estar explicando tudo errado. Mas basta respeitar. As pessoas, incrivelmente, implicam e debocham por eu ser vegetariana. Não precisa entender porque eu mesma não consigo explicar essa mudança que aconteceu comigo. Mas fico triste quando alguém insiste em me forçar algo que simplesmente não consigo mais. E estou bem assim. Por que implicam tanto com minha vida?

– Entendi isso. Mas existe homem que…?

– Meu filho, existe de tudo. Saiba disso para começo de conversa.

– Ok. Mas existe homem que é transexual, ou seja, nasceu mulher e que goste de mulher?

– Sim. E neste caso como você o qualificaria?

– Como homossexual.

– Eu também. Quer dizer… não sei. Acho que neste caso está faltando uma outra palavra porque são situações diferentes. Há quem os defina como héteros nesse caso, mas os livros sobre isso não batem o martelo quanto a esse tema.

– E se um homem se interessar por uma mulher transexual. Eles podem ter filhos?

– Não de forma, digamos, natural. A transexual não tem útero e, portanto, não pode engravidar. Neste caso, eles partiriam para adoção, se quisessem.

E daí a conversa mudou e ficou muito mais profunda…

– Nossa. Deve ser horrível ser filho de um casal assim. Ou mesmo de dois homossexuais.

– Por que você diz isso?

– Porque na escola essa criança não teria paz. Seria zoada até a morte. Isso é muito diferente do “normal”.

– Acredito que ela poderia sofre bullying sim. A depender da escola. Mas, tirando o fato de isso “não ser normal”, você vê algo demais nisso?

– Nada demais. Apenas diferente.

Agradeci a Deus, mesmo sendo ateia, a oportunidade do diálogo e pedi sabedoria para este momento tão delicado.

– Ok. Você sabia que muitos de seus amigos são filhos, assim como você, de pais separados, não?

– Sim. Claro.

– E você sabia que muitos desses pais só vêem o filho de 15 em 15 dias?

– Por que tão pouco?!

(Eu e Nelson, a despeito de sermos separados, ainda saímos juntos com Yuki. E Nelson, sempre que pode, nos delicia com sua presença no meio da semana).

– Porque essa é a lei. Um final de semana sim e outro não.

– Mas por quê?! Por que tão pouco?

Daí eu expliquei ao Yuki que o que ele tem em casa é a famosa exceção à regra. Disse que a mãe precisa também de momento de lazer com o filho e bababá bububú.

– Há muitas crianças que, como você já está percebendo, sofrem demais com isso, a dizer, com a falta do pai. Então te pergunto: ter dois pais juntos e amigos seria, para você, pior para a criança do que uma situação em que o pai e a mãe sequer se falam e o pai tem contato com o filho só de 15 em 15 dias?

– Acho que não. Pelo contrário. – disse ele ainda com o semblante muito confuso.

– Não me conformo, mãe, com isso de as crianças verem tão pouco o pai…- e os olhos se encheram de lágrimas.

Yuki é desses feitos de açúcar…

– O mundo é complexo, Yuki…

– Estou percebendo. Mas e se o filho tiver duas mães? Quem vai jogar basquete com ele?

– Há muitas meninas jogando bola e muitos pais que sequer ligam para isso. Veja. Eu ando de skate com você… Já te disse, cada casa tem uma singularidade. O que você tem na sua não é regra e nem se aproxima do que seja considerado “normal”. Portanto, visto de perto, todos deveriam se enquadrar na categoria “potencial para sofredor de bullying”. Daí dessa coisa de zoar o amigo por ser diferente não fazer o menor sentido.

– Entendi tudo, mãe. Há regras mas não há uma regra para ser feliz.

– Não mesmo, meu filho.

Deixei Yuki na escola. Assim que me despedi, tive uma crise de choro. Talvez por ter vivido algo tão intenso e ter a certeza de que esse diálogo será importante para o resto da vida de meu Yuki.

Ou talvez por lamentar por todos aqueles que não conseguem enxergar o quão bacana e fértil é discutir gênero com uma criança e que isso nada tem a ver com o incentivo à promiscuidade. Pelo contrário.

Nao tenho dúvidas de que meu filho hoje se tornou um ser humano muito melhor.

E eu? Resgatei a minha esperança perdida.

Seguimos na luta.

Vacinando Meus Filhos

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Ontem cheguei no quarto do Yuki e ele estava assistindo um vídeo no YouTube do Felipe Neto.

Respira. Expira. Inspira.

– Garoto, tu sabe que essa cara ridículo já falou mal da fofa da sua mãe no Twitter?

Comigo é assim. No equilíbrio. Imparcialidade é meu sobrenome. Só falo verdades e deixo que a criança conclua o resto.

– Ele? Mas ele é YouTuber, mãe!
– É tuiteiro também. Mas vamos ouvir o que esse imbecil tá falando.

O vídeo mostrava umas respostas mal criadas que ele recebia via rede social e o babaca do Felipe Neto debochava de quem escrevia e ainda ficava respondendo falando um bando de idiotice felipenetonianas. Um nojo.

– Olha aí. Por que você está vendo essa porcaria que só estimula o ódio e a desavença entre os seres humanos?
– Ele te xingou por quê?
– Porque eu falei dos negros e ele me chamou de racista.
– Você? Racista?
– Pois então. Ele não entendeu o texto e começou a falar impropérios ao meu respeito. Daí, que esses seguidores dele que acham bonito ficar xingando os outros e não sabem nem ler direito resolveram se unir e começaram a me xingar de tudo que é nome feio que eu só deixo você falar quando bater o dedinho na quina do sofá.
– Te xingaram?
– E muito! Estimulados por esse imbecil que tu tá dando ibope. Me chamaram de japonesa burra em um texto em que eu falava justamente de racismo e intolerância.
– Poxa vida, mãe. Não sabia. Me desculpa…
– Não tem que pedir desculpas. Você já está bem grandinho para entender os discursos. Se tem alguém estimulando o ódio, a briga, fuja disso. Jamais se revida uma resposta quando alguém nos xinga. Já te expliquei isso. E você aí vendo esse vídeo desse babaca ensinando justamente o oposto.
– Foi mal, mãe.
– Já te disse. Quando alguém nos xinga é porque esse alguém não tem amor no coração. Quem recebeu muito carinho só tem vontade de dar mais carinho. Quem foi muito xingado e humilhado acha que isso é o certo a ser feito. Essas pessoas precisam de abraços, de voz mansa, de uma verdadeira atenção.
– E você falou isso para ele?
– Tentei conversar. Mas ele continuou. Daí, deixei quieto. Não sei rezar, mas desejei paz para esse infeliz. Mas agora tenho que reequilibrar esse seu universo. Quantos minutos você viu desse lixo?
– Dois vídeos.
– Hmmm. Isso equivale a um filme de Chaplin. Bora ver aquele da nossa coleção?
– Formô, mãe.

Assim eu curo as doenças iminentes por aqui. Para sobreviver nesse mundo e não sermos contagiados por tanto vírus ruim, só mesmo vacinando nossos filhos com muita arte e poesia.

Quem aqui está sendo doutrinado?

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Acho que todos aqui já ouviram várias pessoas se dizerem contra a doutrinação marxistas nas escolas feitas por professores comunistas esquerdopatas. Quem fala isso fala como se estivesse havendo uma lavagem cerebral ideológica em massa nas escolas públicas brasileiras com a “injeção” de crenças marxistas na mente de crianças e adolescentes. E nem vamos falar dos que tentam diminuir Paulo Freire. Mentira. Vamos sim.

O que não me parece que seja levado em consideração é que desde que o mundo é mundo e a escola tal qual a conhecemos sempre utilizou de métodos educacionais doutrinários.

Muitos parecem não se dar conta já que nunca tiveram contato com outros métodos de ensino que incentivassem o questionamento daquilo que os detentores de poder vivem dizendo à população. Afinal, verdade seja dita, fomos submetidos a doutrinadores durante toda a vida.

O que não podemos negar é que a educação é e sempre foi um ato político. Não foram os “esquerdistas” (ou Paulo Freire) que inventaram isso. Ensinar é um ato político, a despeito de se ter ou não consciência disso. Não apenas os conteúdos que ensinamos, mas forma pela qual o fazemos.

Por exemplo, se ouvimos o aluno, mesmo quando ele discorda de nós, estamos ensinando a ele (concretamente e não apenas com palavras) um importante princípio da democracia. Por outro lado, quando reduzimos o tempo de debate dos alunos para poder ensinar mais “conteúdos objetivos” (que é o que defende Olavo de Carvalho, por exemplo), também estamos agindo politicamente e ensinando um certo modo de viver e de enxergar a vida.

Se não fomentamos o debate em sala de aula, estamos dizendo com essa atitude que o debate público é uma perda de tempo, que o importante é se preparar para a dura vida que vem a seguir. Estudar, adquirir conhecimentos “de verdade” para poder competir no mercado de trabalho. Ou seja, dizemos para nossos alunos como já disseram tantas vezes para nós com todas as letras para esquecermos os outros e nos preocuparmos somente com nós mesmo porque a vida é dura, o que há aí fora é competição e se não estivermos preparados para competir sofreremos as consequências disso.

Isso é uma mentia? Claro que não! Mas poderíamos repensar sobre o propósito de tudo isso que está acontecendo no mundo de, por exemplo, ao invés de competição, alimentarmos mais a ideia da empatia. Por que não? Ao invés de ficar repetindo que o mundo é assim e que se não estudar vai ser pedreiro (o que não seria vergonha nenhuma, vale observar), por que não pensarmos em formas de melhorar o mundo para o pedreiro?

Acho que as pessoas têm todo o direito de não gostar de Marx ou de Paulo Freire, e de fato há um forte vínculo entre os dois. Mas o legado de Paulo Freire vai muito além do marxismo. Reduzí-lo a ideias comunistas ou doutrinantes é um delírio de quem vê inimigos vermelhos por toda parte.

Paulo Freire é uma das grandes referências (se não a maior) da educação brasileira no exterior, não vamos jogá-lo fora junto com a água suja da  banheira.

A história dessas pessoas é muito parecida. Quando crianças eram educadas por uma família conservadora (como eu fui).  “Aprenderam” no ambiente doméstico e religioso valores preconceituosos, discriminatórios e excludentes porque seus responsáveis também foram assim criados e achavam que o mundo dessa forma fosse o natural. Um mundo onde os gays não podem amar livremente, as mulheres serem independente, os negros exercerem cargos de chefia… tudo isso era visto como algo bizarro e anti natural.

A maioria de nós que estudamos em escolas tradicionais e que hoje somos os adultos da sociedade passou por uma escola que nos fez entender que a meritocracia era um conceito dado na natureza. Que o mundo era assim, que vença o mais forte, portanto, estude para ser alguém na vida (sinônimo de ganhar dinheiro) e saiba que o seu coleguinha (estudante secundarista) é seu inimigo porque vai disputar a mesma vaga em uma universidade que você. Eu ouvi isso N vezes e sei que muitos também.

E nem vamos falar da televisão que sempre fortaleceu essas ideias. A mídia tem um papel fundamental na doutrinação de um modelo correto de sociedade passado em novelas, revistas e jornais.

O que temos hoje? Temos desde os idos da virada do século, um avanço da inclusão social e um aumento no volume do grito (antes mudo) das minorias. Incrivelmente, e esse é um ponto em que tenho estudado, lido e conversado muito porque não entendo, esse movimento de pedido de aceitação e menos preconceito foi visto como algo de esquerda, ou “coisa do PT”. Assim, aqueles que não tem simpatia pelas ideias da esquerda, o que não há o menor problema em pensar diferente, passaram a  odiar e rejeitar quase de maneira irracional os movimentos de inclusão (sejam eles de qual tipo for!).

Será que não pensam que eles foram as maiores vítimas de doutrinação já que nunca fomos estimulados a refletir nas nossas escolas sobre crenças políticas, nunca ou quase nunca nos deram oportunidade de aprender a usar o senso crítico e o ceticismo em temas sociopolíticos e históricos quando estivemos na escola?

Daí, ao se deparar com projetos pedagógicos que pretendem implantar métodos diferentes dos tradicionais de ensino de ciências humanas e mesmo de outras disciplinas, consideram-nos uma “doutrinação ruim”, diferente da “doutrinação boa” à qual foram submetidos por toda a vida.

O que se prega é exatamente uma educação não doutrinadora. Está se colocando e propondo o debate de textos dos mais variados temas. Não é estranho quando temos um ensino que estimule o pensamento livre e autônomo ser visto como doutrinador?

 

 

Mãe, tá orgulhosa de mim?

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Tenho três filhos. Um adulto de 9 anos, Yuki, Nara de 18 e uma criança de 23 que se chama Hideo. Para completar, sou solteira e ontem foi Domingo, dia de Manifestação. Yuki estava com o pai, voltaria meio dia. Nara está possessa com o Temer e estava saindo com mais de vinte cartazes debaixo do braço para protestar. Hideo estava super preocupado com a Nara e resolveu acompanhá-la caso desse algum xabú como tem dado – já que a Polícia Militar serve a um determinado tipo de gente. E eu estava em casa gerenciando tudo isso. Até que Hideo, que não está tão envolvido quanto deveria com o que anda acontecendo, politicamente falando, pediu-me para ir também e lhe fazer companhia. Nara engrossou esse coro dizendo que é nas ruas que vamos resolver isso. Ok ok… liguei para a minha mãe (que mora ao meu lado) e pedi para ela receber o Yuki para mim porque eu ia acompanhar Hideo que ia acompanhar Nara que quer mudar o mundo..

Poderia, nesta crônica, focar na Nara que deu literalmente um show ontem cantando Roda Viva à capela em pleno (antigo) canecão fazendo o presidente do PCdoB chorar vendo algo tão genuíno e depois ir até ela agradecer por aquilo. Ou poderia me estender com Yuki que estudou sobre relevos e chegou em casa querendo montar uma maquete da Chapada Diamantina com argila depois de ter pesquisado no gúgol como ela foi formada e está desde então com essa ideia fixa. Mas não. Quero lhes contar sobre Hideo.

Moramos em Madureira e ir e voltar de Copacabana onde o povo-Fora-Temer estava reunido foi uma viagem em todos os sentidos. Deixamos o carro no Shopping Nova América onde tem metrô e de lá partimos para lutar pela Democracia. Acabado o protesto, Nara decidiu ficar com o pai que mora no Leme e eu e Hideo tivemos que voltar sozinhos. O povo começou a dispersar lá pelas 13h quando nos despedimos da revoltada (não sem razão) da Nara e eu cheguei em casa com Hideo às 19h da noite. Durante este tempo, nós ficamos voltando para a casa. Paramos na casa de um amigo, Hideo capturou um monte de Pokemon, depois almoçamos um peixe em um restaurante que tem um aquário cheio de peixinhos iguais ao Nemo e a Dory, pegamos skate, cipó, metrô e chegamos ao Shopping onde estava estacionado o Takimóvel.

Foi aí que o motivo da crônica começa. Hideo, na ida, foi dirigindo o meu carro e, quando estávamos nos aproximando do caixa para pagar o estacionamento, ele me disse:

– Passa o ticket aê.

– Que ticket mané ticket. Você que veio dirigindo o Pafúncio (Pafúncio é o nome do Takimóvel), você que guardou a budega.

– Eu joguei na sua bolsa.

Aff. Abri a bolsa. Tirei lenço umedecido, cuequinha do Yuki, guarda-chuva, toco de lápis, caneta sem tampa, bolsinha com absorvente, necessé com maquiagem, capa de óculos do Hideo, caneta Pilot de escrever em cartaz, garrafa d´água vazia, a chave de casa, papel de bombom, bombom (que comi), mas…

– Hideo, o ticket não tá aqui!

– Eu coloquei aí caralho!

Hideo é desses que usam palavrão como ponto de exclamação.

– Mas não tinha nada que ter enfiado na minha bolsa, cacete! Você é o motorista! E se eu não tivesse vindo? Por que quando estou por perto vocês enfiam tudo na minha bolsa? Não tá aqui! E agora? vai ter que pagar uma multa de trezentos reais! Ai jesus, Hideo! Puta merda, meu filho!

Eu estava desesperada.

– Mãe, se acalma. Você é igual a mim. Quando tem um problema entra em desespero.

– Que igual a você mané igual a você onde? O mundo está acabando, vou ficar pobre com o mês mal começando e você está calmíssimo! Cadê a semelhança?

– Estou calmo porque não há problema algum aqui.

– Como não há, Hideo! Cadê a porra do ticket cacete!

– Mãe, entra no carro. Liga o rádio. Ouve o CD que está lá. Relaxa que eu vou resolver isso sem gastar o que já iríamos gastar. Nem um real a mais. Relaxa.

Eu já perdi o ticket de estacionamento uma vez e tive que vender o carro para pagar a multa. Duvido Hideo resolver isso. No mais, o documento do carro estava na minha bolsa também. Como ele ia dar um jeito sem sequer ter levado a comprovação da placa do Pafúncio e bababá bububú? Duvido…

Enquanto pensava, ele sumiu e voltou meia hora (!!!!) depois. Entrou no carro com um sorriso de orelha a orelha e me mandou na lata:

– Não disse que eu ia resolver tudo? Não disse que não tínhamos problema algum? Não disse que era para você ficar calma?

E deu de balançar um ticket novo e pago no meu nariz.

– Pagou quanto por isso jesus?

–  Nada a mais do que pagaríamos. Fui ali, falei com o cara da administração, dei a placa do carro, ele fez um novo ticket e pronto. Mãe, você está falando com Hideo. Parece que não me conhece. Sabe quantas vezes eu já perdi o cartão de estacionamento na vida? Você me subestimou, mãe. Viu só? Mãe, você está orgulhosa de mim agora?

Eu poderia ter feito um escândalo nessa hora. Ter dado uma lição de moral dizendo que estaria mais feliz se ele não tivesse perdido um papel valoroso tantas vezes, poderia ter falado que fiquei quase meia hora no carro (tudo bem que fiquei ouvindo Jimi Hendrix que é o CD que Hideo havia colocado para eu degustar e que desconhecia e fiquei encantada…), mas pensei. Se ele não tivesse perdido o ticket, eu não teria vivido tamanha experiência de encontro com meu filho. Se Hideo não fosse desses indicados a tomar Ritalina desde os oito anos por ser extremamente desligado e se eu permitisse que ele ingerisse essa droga, ele se lembraria de guardar tudo que é dito ser importante, teríamos entrado no carro e voltado sem maiores percalços para a casa, é verdade; mas também, é válido observar, sem que eu tivesse recebido tanto carinho e o sorriso de satisfação dele por ter conseguido dar um jeito na situação sem se estressar um tiquinho de nada e me ensinado a fazer um verão quando nos são oferecidos muita chuva e ventos giga frios.

– Razô, meu filho. Só deu tu hoje.

– Ouviu Jimi Hendrix? Gostou? Conhece a história dele?

E voltamos com Hideo me contando sobre a vida desse ídolo do Rock na paz do senhor. Ele falando e eu ouvindo. Plena de orgulho do meu filho.

 

Coisa de Viado

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Yuki, meu caçula de 9 anos, passou este fim de semana com uma pessoa da família dele que, ao vê-lo calçar um chinelo com lacinho, advertiu-o:

– Não faça isso! Isso é coisa de viado!

Hoje, pela manhã, ele me contou a história e pediu a minha ajuda de como deve se comportar em uma situação como essa. A pessoa em questão é amada por ele e isso pesa nessa história já que ele tem como objetivo melhorá-la como ser humano.

– Mas como, mãe?

Vale observar que Yuki já sabe o que é homofobia, uma relação homoafetiva e caga para isso já que para ele toda forma de amor é mais do que natural – dado as pessoas que frequentam aqui em casa. Isso só faz com que ele fique ainda mais assustado quando ouve de alguém uma frase com o tom pejorativo sobre os gays.

Tratar de um tema como esse com uma criança não é uma tarefa das mais simples (o que para mim faz a coisa muito mais estimulante pelo desafio).

Então, tentei.

– Meu filho, para começar, você pode mostrar para ela que não há nada melhor para se rotular como “coisa de viado” do que a própria homofobia. Em outras palavras, Yuki, homofobia é coisa de viado.

– Não entendi nada, mãe.

– Vou te explicar. Há tempos, mais precisamente, há vinte anos, provaram na Universidade da Georgia que os homens que mais reclamavam dos gays em público e por eles se sentiam incomodados, ou seja, os famosos homofóbicos, frequentemente são homossexuais reprimindo suas próprias tendências biológicas. Ou melhor, o cara quer namorar outro homem, não consegue por problemas pessoais dele lá, e daí dá de falar mal de quem venceu o preconceito e assumiu sua sexualidade. Essa pesquisa vira e mexe é reforçada. Em 2012, por exemplo, na Universidade da Inglaterra foi feito um teste bem mais preciso com imagens cerebrais de homofóbicos que corroborou essa ideia. Claro que nem todos os homofóbicos são gays, Yuki. Esse comportamento pode ser cultural ou simplesmente uma dificuldade de lidar com o diferente. Mas pessoas que nascem gays em ambientes repressivos muitas vezes aprendem a suprimir a homossexualidade e sentem raiva dela. Geralmente quando vemos uma reação muito agressiva, excessiva até ao ponto da gente ter dificuldade de entender e a pessoa de se explicar é porque há um conflito interno em quem ataca. Enfim, meu filho, comportamento homofóbico muitas vezes é a manifestação de homossexualidade reprimida. E, por isso, aqueles que fazem discurso de ódio mereçam mais compaixão do que raiva.

– Mas ela é mulher, mãe…

– Então. O que nos leva a uma outra reflexão em cima daquilo que acabei de falar. O que seria “coisa de viado”? Usar um chinelo rosa? E quantos homens héteros se vestem de forma, diria, “feminina” porque assim se sentem mais bonitos? Ser sensível é coisa de viado? Quantos homens héteros choram por qualquer coisa? Ser fresco? Já viu o seu pai lavando um copo? Quer mais frescura que aquilo? Chamar bolinho de cupcake? Já viu Hideo, seu irmão, quando fica quando falamos “cupcake”? Ele é gay? Não. Percebe como é difícil definir essa expressão “coisa de viado”?

– Mas e aí… o que faço?

– Ah, Yuki. Isso já não é mais problema meu. Eu só te coloco para pensar. O que você vai fazer vai do seu sentimento na hora. Eu não sei. Mas usando outra expressão de forma que ela entenda, eu acho que no seu lugar eu falaria que tem que ser “muito homem” para ser gay em um país como esse. Mas, pensando bem, também não gosto dessa expressão porque remete a outra pejorativa “coisa de mulherzinha”. Outro dia,veja você, postei no facebook que passei a tarde com meu amigo gay conversando. Não demorou surgiu um comentário: “Toda mulher deveria ter um amigo gay. Deve ter sido ótimo para você passar uma tarde falando sobre sapatos”.

-Você falando de sapatos?

– Pois é, Yuki. Para você ver. Eu, mulherzinha, e ele, um viado, passamos a tarde falando sobre matemática e literatura… O preconceito sempre levando na cara.

– Mas e então?

– Então. Para finalizar, você é viado?

– Não sei. Ainda não sou nem adolescente.

– E se for? Ela vai te amar menos?

– Alguém ama menos porque o outro é gay, mãe?

– Acontece, infelizmente, por causa dessa sociedade que insiste em diminuir o outro com esse tipo de expressão vazia em sua essência. Você sentiu vontade de calçar o chinelo rosa?

– Não. Eu ia com ele porque foi o primeiro que vi. Mas, na verdade, nem havia reparado na cor do chinelo.

– E se sentisse, você vê algum problema nisso?

– Nenhum. Na verdade, o problema foi ela querer que eu tirasse o chinelo. Eu acabei nem indo onde queria.

– Então. Quando alguém te falar isso de novo, o que pensa em responder, meu filho?

– Penso em falar tudo isso aê que você me falou e depois dizer: dizer “coisa de viado” é “coisa de gente que não pensa sobre o que diz”.

– É, mas sempre com carinho para que o outro não se feche ao que você tem a dizer, ok?

– Ok, mãe…

Enfim, é difícil, dá trabalho, mas vale a pena dialogar sempre. Mais um dia fazendo “coisas de mãe” por aqui.

A Queda dos Corpos e o Peso das Reflexões.

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Hoje, eu levando Yuki para a escola, rolou um diálogo entre nós:

– Mãe, qual o nome daquele negócio que tem em volta dos planetas no Angry Birds Stars Wars?
– Sei lá, Yuki. Atmosfera?
– É a atmosfera que atrai os projéteis quando passam perto dos planetas?
– Ah não, é o campo gravitacional.
– Isso! Era esse o nome que tinha me esquecido.
– Mas ó, filho, o campo gravitacional existe mesmo nos planetas que não estão no jogo do AngryBirds, tá?
– Então quer dizer que se tacarem algo no planeta Terra, isso pode ficar rodando até cair de vez?
– É.
– E se jogar muito rápido? Pode ficar girando sem cair como no AngryBirds StarWars?
– Sim. Esse é o princípio que se usa para colocar satélite em órbita.
– Que maneiro! Quem descobriu isso?
– Isaac Newton. E ó, atmosfera não tem nada a ver com campo gravitacional. Na Lua, não tem
atmosfera e ela também atrai os corpos.
– Da mesma forma que a Terra?
– Não. Como ela tem a massa muito menor, a força da gravidade que é gerada é bem menor.
– A gravidade depende da massa do planeta?
– Justamente. É o que falam. E a até agora não teve nada, até onde eu saiba, que contradissesse isso, ou melhor, um planeta com pouca massa e com um campo gravitacional muito potente.
– Mas pode acontecer?
– Nada impede. O universo sempre é capaz de nos surpreender e teoria científica, ao fim e ao cabo, não deixa de ser um ato de crença.
– Como assim?
– “Acreditou-se” um dia que um corpo só se movia se houvesse uma força atuando sobre ele, ou seja, só tem velocidade se tiver força.
– E não é mais assim?
– Não. Newton mostrou que força não tem nada a ver com velocidade e sim com variação de velocidade. Um corpo pode se mover sem que nenhuma força atue sobre ele.
– Como ele explicou isso?
– Usando a palavra inércia…

A conversa se estendeu a ponto de eu ter a ideia de escrever mais um livro infantil e Yuki chegar atrasado.

Deixei meu menino na escola, ele está no quarto ano. Mas tive a impressão de que se ele fizer a prova do Enem, pelo menos em física, ele se sairia muito bem. Está sabendo as três leis de Newton e a essência da lei da gravitação universal. E creio eu que não vai se esquecer já que aprendeu com o coração.

Assim deveria ser qualquer aprendizado. No tempo em que as perguntas aparecem, com alegria e trabalhando a curiosidade e o prazer da descoberta e não isso que temos… com crianças e jovens aprendendo o que não tem a menor vontade de saber no tempo em que queremos que ela aprenda e não quando ela está preparada. Se o estômago não tiver preparado, não adianta, ele não vai digerir o alimento que sairá do jeito que der e assim que puder do nosso corpo. Por que insistem nesse modelo?

Enfim, acho que essa foi a melhor manhã de terça que tive na minha vida… Yuki se despediu de mim pensando e eu muito mais.

Sobre o “Escola sem Partido”

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Há muitos ainda que não entenderam qual é dessa discussão da “Escola sem Partido”. Primeiramente, há de se concordar que o nome é lindo e que de cara nos leva a pensar: “claro que sim! Escola não pode ter partido!” e, a depender da pessoa, ainda complementam: “chega de doutrinação esquerdistas nas escolas!”. De uma forma, digamos, objetiva, trata-se de um Projeto de Lei (n. 193/2016) em tramitação no Congresso Nacional que pretende subordinar conteúdos e atividades escolares às crenças de pais, bem como “monitorar a doutrinação ou cooptação política e ideológica em sala de aula”.

Gostaria de falar que não basta ler o nome do projeto e ler o projeto como um todo. Deve-se prestar atenção em quem defende esse projeto e com quais objetivos. Você deve ler, claro, mas deve também contextualizá-lo. Saber, por exemplo, que temos dois Bolsonaros envolvidos e encabeçando esse projeto é bastante significativo e já coloca em xeque a tal “neutralidade” apontada e defendida no Escola sem Partido. A escola, segundo quem luta pela aprovação desse projeto, deve servir para incentivar ideias como meritocracia e propriedade privada. Isso é ser neutro, segundo seus defensores. Discutir temas em sala de aula, não é ser neutro, portanto, deve ser proibido para esses que estão defendendo a Escola sem Partido.

Uma das bandeiras levantadas por esses políticos que avançam com esse projeto (e que já está sendo implementado em algumas escolas no Brasil) é que “professor não é educador”. O professor, segundo dizem, foi feito para instruir. Educação vem de casa e da Igreja. Nessa esteira, seus defensores dizem que, com isso, protegem as crianças e os jovens de serem doutrinados e, para tanto, ficamos, nós professores, proibidos de discutir qualquer tema em sala como religião, política, notícias, atualidades… e assim, dizem, prepararemos melhor os futuros cidadãos. Oras…Como é que se desenvolve um pensamento crítico se não discutindo política, filosofia, sociologia, história?

O advogado Miguel Nagib, por exemplo, afirmou que “em matéria de educação religiosa e moral, vale o princípio: meus filhos, minhas regras. Nós não queremos impor a nenhuma família uma maneira de agir em relação a seus filhos. Mas também não aceitamos que a escola venha fazer isso”. Assim, a crença ou a moralidade dos pais passaria a ser adotada como critério para o controle familiar da educação escolar, podendo inclusive resultar em punição para os desobedientes. Como seria esse controle? Através de denúncias anônimas. Bastaria um aluno me denunciar para o Ministério Público ser acionado. Ou seja, a conduta de professores, gestores e funcionários passará a ser a ser patrulhada por todo e qualquer indivíduo caso o projeto seja aprovado.

Vale observar que a Constituição Federal distingue educação familiar da educação escolar, do ensino, atribuindo a este último o papel principal de preparar o educando para o exercício da cidadania. Isso significa, por exemplo, que se a família decide educar a criança para torná-la fiel a uma determinada crença, o mesmo não pode ser exigido da educação pública, laica, cujo escopo jurídico-político não se subordina a valores. Amém. Ao professor, segundo nossa Constituição, cabe a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. E é ótimo para o futuro cidadão ter contato com outras ideias e que seja estimulado a pensar e repensar, não? O pluralismo de ideias implica que a educação pública deve transmitir livremente a ciência e a arte, preparando o educando não somente para desenvolver pensamento crítico, mas também para respeitar a diversidade, a alteridade e a divergência de opiniões que caracterizam as sociedades democráticas. Por que isso é visto como algo ruim?

Não estou dizendo que a família não seja fundamental na sociedade. Mas, os pais não têm e nem devem ter direito absoluto sobre seus filhos. A educação moral não pode (e nem deve) ser exclusiva da família. Toda pessoa tem direito a se apropriar da cultura e a observar o mundo de forma crítica. A educação escolar é uma atribuição do Estado brasileiro. E o cidadão brasileiro tem o direito de aprender sobre o evolucionismo de Darwin, a origem do pensamento científico, a luta pela abolição da escravatura, a origem das desigualdades sociais e por aí vai. Como vamos conseguir debater esses temas se esse projeto for aprovado?

Todo professor, claro, sempre faz uma escolha ideológica e isso sempre fica claro para os alunos que costumam sair de sala, muitas vezes, fora da área de conforto (esse local que se morre em vida) porque estão repensando, refletindo, questionando sua leitura sobre o mundo. Desde quando isso é ruim? Oras… que tipo de cidadão se prepara para uma sociedade que frequenta uma escola que não o prepare para pensar, debater, discutir, criticar? Que tipo de cidadão estão querendo que formemos e com quais objetivos? No mais, nenhum país que tem bons sistemas de ensino tem leis absurdas como essas propostas pelo Escola Sem Partido.

Eu, como professora de física, adoto uma metodologia que coloca o aluno a todo tempo que comigo está em sala de aula a questionar o conceito de ciência, por exemplo. Procuro mostrar o modus operandi de como as ideias surgem sempre fazendo uma contextualização histórica com um enfoque estritamente filosófico. Dentro dessa perspectiva, questionamos sempre sobre “verdades universais”, “objetividade” e se procede, de fato, a separação entre ciências exatas e humanas já que não existe ciência sem uma mente humana para concebê-la. Ou seja, meus alunos refletem sobre valores, repensam o que lhes é passado pelo senso comum, questionam se procedem as “verdades” que lhes são apresentadas. Se o projeto Escola sem Partido vingar, serei obrigada a me calar. Não mais ensinarei ninguém a refletir e sim, como está escrito no projeto, serei obrigada somente a instruir meus alunos. Serei escrava de um sistema que gera mais escravos passivos.

Se os pais hoje preferem que seus filhos frequentem escolas orientadas por valores idênticos aos de suas famílias têm a opção de matriculá-los em escolas confessionais, privadas, instituídas pela Constituição Federal exatamente para atender ao tipo de demanda prevista. Mas nas escolas públicas, mantidas com impostos pagos por todos os brasileiros, a prioridade deve ser a formação do cidadão –não do escravo obediente e acrítico– e nela devem prevalecer a tolerância e a cultura de respeito recíproco e de convivência harmoniosa entre todas as opiniões, ideologias, crenças e religiões.

Em que contexto surge esse projeto? Hoje, nas escolas, debatemos sobre a cultura eurocêntrica, o consumismo moderno, a urbanização do mundo, a atuação das empresas multinacionais, a corrida desenvolvimentista, a sustentabilidade e a história contada por pensadores brancos entre outros assuntos marcados pela hegemonia do saber. Questionamos por quê as mulheres são tão agredidas, os negros assassinados, a indignação ainda é tão seletiva, debatemos sobre o sucesso ser baseado unicamente na ascensão econômica, enfim, falamos sobre vários temas conectados a natureza da perversidade das relações. Discutir as desigualdades sociais, o feminismo, a discriminação sexual, entre outros assuntos tem feito os futuros cidadãos pensar e tem gerado instabilidades nesse sistema. Bolsonaros defensores desse projeto Escola sem Partido, por outro lado, cultuam suas verdades e por isso, esse projeto busca silenciar e amordaçar professores fazendo com que escola seja um espaço de conformismo social, cultural e intelectual. Educar sempre foi um ato político e, com Bolsonaros no poder, busca-se fazer com que a política propagada seja somente uma. À luz desse projeto, analisar criticamente as realidades, óbvio, é um problema já que hoje educamos para autonomia e para o pensamento crítico.

Não tem como não citar Paulo Freire numa hora dessas e vou terminar com ele: “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”. Por isso, a pressa desses conservadores em aprovar o projeto e a luta em barrá-lo. Lembrando que essa luta não é somente de nós, professores, e sim de todos que não querem uma sociedade plena de amebas ambulantes e rindo quando chicoteadas.

Parabéns também aos que NÃO estão no quadro!

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Eu queria parabenizar também os alunos que não estão nesse quadro pendurado no meio do pátio da escola. Certamente, são pessoas bacanas, esforçadas, cheias de potencial, empáticas, amigas e criativas. O que não quer dizer que esses que aí estão não sejam serumaninhos legais, mas não estão aí por isso.

O conceito “A” dos alunos que estão nesse “quadro de honra” quer dizer que eles se adaptaram bem a um sistema de ensino que prima pela competitividade e exclusão dos que dele fazem parte e dos que não conseguem a ele se moldar. Vale observar, que se Einstein vivo fosse e estudasse nessa escola não somente não estaria com seu rosto estampado nesse cartaz como poderia ter sido expulso dado seu comportamento rebelde com esse modelo que não estimula os alunos a perguntar, a questionar e sim a responder e obedecer regras.

O conceito “A” desses alunos significa que eles entendem bem como resolver um determinado tipo de problema. Certamente, eles sabem aplicar a equação de Torricelli, fazer gráficos de equações logarítmicas e a diferença entre briófitas e pteridófitas. Mas absolutamente nada diz sobre a capacidade de lidar com o próximo e sobre a felicidade que eles terão no futuro e até mesmo se tem no presente. Por outro lado, nada garante que os que não estão no quadro também estejam se sentindo bem, sejam jovens soltos e felizes. Possivelmente, muitos até estão se sentindo burros e incapacitados por não terem conseguido obedecer regras de redação que se Guimarães Rosa e Mário de Andrade tivessem obedecido não teriam escrito o que escreveram e, portanto, não tiraram conceito A”.

O conceito “A” significa que os alunos sabem fazer um determinado modelo de prova e se adaptaram bem a um sistema de ensino que me fez acreditar por mais de trinta anos que eu não sabia escrever. Nunca tirei nota dez em redação alguma feita na escola por sempre fugir do tema e escrever sobre o que me desse na telha.

O Colégio Pentágono merece parabéns porque tem cumprido bem o objetivo, a dizer, colocar alguns alunos com conceito “A” nas provas de seleção e aprovar um percentual nas universidades. Isso eu posso garantir porque meu filho estuda aqui desde o primeiro ano e se tem uma coisa que essa escola se preocupa desde o ensino fundamental é com vestibular. E que fique claro que eu não tenho nada a opor a uma política de seleção rigorosa. Se tivermos que encarar isso de frente, ok. Eu encaro. Apenas me recuso a chamar isso de “Educação” já que o meu conceito de Educação envolve um bem estar de uma maioria. E rigor, competição e disciplina que são tão valorizados nesse sistema de “Ensino” nunca geraram tantas crianças e jovens frustados, infelizes, doentes, egoístas e que pouco ou nada sabem sobre empatia. No mais, esses alunos que estão nas fotos em destaque serão os melhores independente­mente do método de ensino?

Mas enfim, a escola e esses alunos, dentro desse método e com esse objetivo esclarecido, estão de parabéns sim.

Não pude, porém, ao ver esse quadro pendurado na sombra assim que trouxe meu filho à escola hoje, deixar de pensar nos alunos que não estão nesse cartaz. Certamente, são pessoas extremamente iluminadas…

Portanto, parabéns aos que não estão com o rosto impresso. Entendam bem o que significa estar no quadro. Esse conceito “A” nada tem a ver com capacidade intelectual, ainda que os que estão no quadro sejam capacitados a pensar em outras áreas e ambientes.

Não desistam dos seus sonhos e jamais deixem de acreditar no potencial de vocês, ok?

Alunos à Prova [2]

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Hoje foi dia de prova de física no CEFET. Dei bom dia para meus alunos e disse:

– Ninguém aqui precisa ficar preocupado em colar. Podem ficar tranquilos. Quem vai corrigir a prova são vocês mesmos comigo na semana que vem. Então, se tiverem que me enganar, façam isso na quinta quando corrigiremos a prova em sala. Vou resolvendo questão por questão no quadro e mostrando quanto eu daria para cada coisa que vocês fizeram. Vocês que irão pontuar o que está escrito. Daí, se quiserem, é só copiar o gabarito no quadro e dar dez para vocês.

Os alunos me olharam assustados. Continuei:

– A prova é o meio onde não somente o aluno é avaliado, mas o professor também. Se a média foi baixa, certamente falhei eu com vocês de alguma forma. Ensinei mal, errei na mão… sei lá. Então, terei obrigação de me redimir tentando fazer melhor e dando uma oportunidade para vocês subirem a nota. E se vocês tirarem uma nota baixa, não precisam ficar nervosos com isso. Darei o máximo de oportunidades que eu puder para você se recuperar e estarei ao seu lado te ajudando. Se, no entanto, você colar agora ou copiar o gabarito do quadro achando que está me enrolando, você dificultará esse nosso diálogo. Mas se não quiser tê-lo, será uma escolha sua. Estou te dando toda a liberdade, minha amizade e meu voto de confiança. Você faça com tudo isso o que achar melhor.

Dito isso, entreguei a prova para a turma e falei:

– Vou ali conversar com outra turma e dizer o mesmo para meus outros alunos. Vocês vão ficar sozinhos por alguns minutos. Evitem conversar porque pode atrapalhar a concentração do colega. A prova tem um tempo para ser feita e eu fiz pensando no tempo justo. Não posso passar disso porque teremos mais provas depois de vocês. Se tiverem que perguntar alguma coisa, perguntem para quem sabe: eu. Isso será bom porque eu verei onde você está com dificuldade e poderei te ajudar. Sou paga para isso.

Saí.

O mesmo fiz na outra turma.

Voltei.

Turma toda em silêncio fazendo a prova. Ao longo da avaliação, vários alunos vieram tirar dúvidas. Ajudei no que pude, sem contudo, responder. É claro.

Conheci muito mais meus alunos hoje. O processo vai continuar na semana que vem. E, pelo que entendi, será enriquecedor para todos nós em vários sentidos. Pode ser que tenha um ou outro que me enrole mas, sinceramente, haveria de qualquer maneira. No mais, há melhor avaliação do que a feita por nós mesmos? Há melhor aprendizado do que enxergarmos com nossos próprios olhos o que e onde erramos? Encarar de frente as nossas deficiências não é uma das melhores formas de amadurecermos?

Acredito que tenha mostrado, nesta manhã fria de sexta-feira, que meus alunos têm a capacidade e a responsabilidade de escolher se as ações deles seguirão um caminho virtuoso ou não. Dei a oportunidade de experimentarem essa sensação e pretendo fazer isso muito mais vezes.

Enfim… Os pais educam. E a escola também.