Resenhas

Sem título

Esse espaço do meu blog está destinado a resenhas de livros que já li e ando lendo. Não está na ordem e muito menos estão todas as obras com as quais interagi. A página estará sempre em constante manutenção  e atualização, atrasada e defasada se tudo correr bem.

Que eu leia muito mais do que escreva…

 

 

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244 -Jardim de Inverno de Zelia Gattai

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Zélia Gattai, esposa de Jorge Amado é, para mim, a maior escritora brasileira. Foi a pessoa que mais me influenciou em estilo e grazadeus em vida pude falar isso para ela em uma carta. Como resposta, ela me mandou um cartão dizendo para quando fosse à Bahia, dar uma passadinha lá na casa deles para receber o abraço pessoalmente. Infelizmente, não deu tempo. Quando lá em estive, ambos eram falecidos.

Não consigo ler nada dela sem me derreter e virar uma torneira. Assim foi hoje ao ler Jardim de Inverno. Zélia Gattai é uma ótima contadora de histórias e como escritora se consagrou como memorialista. Pablo Neruda, o compadre, assim que a via, lhe pedia para contar histórias. Ele as apreciava muito. Em Jardim de Inverno, Zélia conta memórias de exílio, que vão desde o período em que o Partido Comunista é posto na ilegalidade e toda a bancada comunista tem os seus mandatos cassados durante o Governo Dutra. Estamos vivendo o período da Guerra Fria, que para os comunistas brasileiros não foi nem um pouco fria, sofrendo horrores, ou na clandestinidade, ou no exílio. Nos Estados Unidos vivia-se o auge do período do macartismo.

Jorge Amado, com o seu mandato cassado, busca sobrevida em Paris. O partidão lhe dá a missão de denunciar as arbitrariedades do governo Dutra, nos diferentes países europeus. Missão que ele cumpre a risca, em prejuízo de sua carreira de escritor. Zélia, com criança pequena, seguiu ao encontro de Jorge um pouco mais tarde. A criança era João, o primeiro filho do casal. O casal não encontrou sossego, nem mesmo em Paris, seguindo então para Praga, onde foram abrigados no castelo de Dobris, nos arredores de Praga. Eles eram hóspedes da União dos escritores tchecos, proprietários do castelo, assim como inúmeros outros, especialmente, dos países da América latina.

No castelo de Dobris havia um grande jardim e em torno deste jardim, surge o título de Jardim de Inverno. As companhias eram as melhores possíveis. O castelo era frequentado seguidamente por Jan Drda, o presidente da União dos Escritores, por Ilya Ehrenburg, o grande escritor soviético, por Luois Aragón, o francês, e pelos Pablos, o Neruda e o Picasso. Um tema lhes é comum: os horrores da guerra civil espanhola. Estes são apenas os mais conhecidos. O círculo de amigos entre os intelectuais da época é algo invejável.

Zélia ainda relata as emoções de Jorge e dela, quando foram receber o Prêmio Stalin da Paz, em 1951 e um longo passeio pela China e Mongólia. Na China aparecem de novo as dúvidas com relação a condução do socialismo, envolvendo o período da chamada revolução cultural, em que muitos amigos do casal, assim como já ocorrera em Praga, são envolvidos. Erros de condução do sistema, mas nunca erros de concepção do sistema. Depois deste passeio o casal volta para Praga e de praga vão para Gênova, onde embarcam no Giulio Cesare, para voltar ao Brasil. O livro terminou de ser escrito em Paris, no ano de 1988.

Zélia começou a escrever com mais de sessenta anos e sendo esposa de quem é podemos imaginar quanta coragem a mocinha precisou ter. Orgulhosa, humilde, gente que faz… inspira-me de todas as formas essa Gattai viu. Já li muito e diversos autores, mas nada, nem de longe, se compara ao que essa mulher faz em mim. Minhas lágrimas incontíveis sempre são uma forma de aplaudi-la de pé. Como me posto agora.

Qualquer livro de Zélia Gattai deve ser lido.

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243 – Cidade dos Sonhos de Daniel Cariello

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A princípio, parece um livro para quem mora em Brasília. Qual o quê. Quando o escritor é bom, até lugar que a gente não conhece e nem quer conhecer fica interessante. Daniel Cariello soube narrar com maestria a cultura brasilense. Aprendemos um vocabulário próprio de Brasília e desistimos de tentar aprender a andar por aquelas ruas que a moça do GPS se nega a soletrar. Tudo isso com direito a boas gargalhadas entre uma crônica e outra.

Não é o primeiro livro de Cariello. Chéri A Paris é o seu primeiro. Confesso que achei o segundo infinitamente melhor que o primeiro. Talvez porque quem vai até Paris espera uma experiência única e quem lê sobre Brasília sabe deus o que espera.

Encontrei aqui um escritor sabendo bem o que estava fazendo. Foi muito mais do que um guia turístico. Foi uma exposição fotográfica de primeira.

Para quem ama Brasília e não está nem aí para ela, o livro é um barato!

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242 – Suburburinho de Andre Gabeh

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Gabeh é suburbano como eu. Ganhou fama escrevendo de forma despretensiosa em sua rede. Seus textos são tão engraçados que Gabeh furou a bolha e de Cavalcante foi para o mundo com Suburburinho que traz a história de famílias suburbanas de forma bem humorada.

Nos quintais suburbanos não existe calma ou tranquilidade, nem vida simples e pacata. É uma constante balbúrdia, mas, acima de tudo, uma constante diversão. Tratando de acontecimentos desde os anos setenta até os dias atuais, André Gabeh produz uma obra de ficção, mas que gera identificação em qualquer suburbano leitor – claro, nos “de raiz”. Com situações tragicômicas, caóticas, confusas e absurdas, Suburburinho é uma perfeita representação dos bairros suburbanos, sem deixar de representar a alegria e a simplicidade de cada morador.

Mega divertido!

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241 – A Beleza que Existe de Z Carota

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A beleza que existe de Z Carota é um remédio para esses dias. Aqui temos crônicas perfeitas. Ri demais, me emocionei de verdade, me acalmei.

Tive esperança.

Só a literatura de alto nível me traz o equilíbrio para aguentar esses tempos sombrios. Obrigada, Carota! Sem você, estava adoecendo. Obrigada por conseguir escrever no inferno e por me lembrar o quanto isso é necessário.

Livro perfeito. Título perfeito. Frases que deveriam ser emolduradas como “ele sorriu hepatites”.

Leve sem ser superficial. Profundo sem ser cansativo.

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240 – A Poesia das Coisas Simples de Moacyr Scliar

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Livro de crônicas para mim não pode ser desperdiçado. Vi esse e não pensei duas vezes. Tiro certeiro. Moacyr Scliar, Prêmio Jabuti, escreveu crônicas por mais de 40 anos, mestre na área e é de uma sensibilidade impressionante. Neste livro, ele faz questão de falar sobre pessoas e eu conheci muita gente bacana. Nada como ser apresentada a Maurício Rosenblatt, Lasar Segall, Noel Nutels pelas mãos de Scliar.

Mas tem algo que me impressionou demais nesse livro. Leio autores homens e, não raro, me bate uma tristeza sem tamanho quando leio uma passagem machista de escritores que considero geniais. Amigos me consolam dizendo que isso é fruto de uma época. Moacyr Scliar está aí para contrariar essa regra. Scliar valoriza do início ao fim o papel da mulher. Pelas atuações políticas, conheci neste livro Rosa Luxemburgo, Simone Weil e Emma Goldman e também, no âmbito da literatura, Ligia Averbuck.

Scliar foi amigo de Jorge Amado, Rubem Braga, Josué Guimarães, Antonio Callado e os dois Veríssimos, Erico e Luis Fernando, todos presentes em crônicas nesta obra. Sem contar Carlos Drummond, Getúlio, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Sabino, Paulo Coelho e Josué de Castro. É muita história boa de se ouvir.

Encontramos aqui crônicas que relatam eventos experimentados pelo escritor. Parte deles expõe o modo como Scliar vivenciou acontecimentos históricos de importância internacional, com ênfase nas suas relações com Cuba.

Sim, senhoras e senhores, temos aqui um excelente livro.

Sem contar com essa edição da Companhia das Letras que fez a capa ficar aveludada e dá um prazer dos deuses segurá-lo em mãos.

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239 – Um Botequim  de Copacabana de Paulo-Roberto Andel

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Paulo- Roberto Andel é poeta e cronista de mão cheia. Depois de Eduardo Galeano e à frente de Xico Sá, é uma das únicas pessoas que me fazem ler sobre futebol. Mas Um Botequim de Copacabana não é sobre futebol e sim sobre um lugar.

Paulo tem o dom de nos levar pela mão por onde ele passou. Convida a gente para se sentar na frente dele e nos faz morrer de rir ou chorar. Conversas que não se jogam fora e sim para dentro. Assim acontece quando abrimos os livros dele.

Numa versão pocket, ele nos conta sobre momentos memoráveis neste botequim. Pegue uma xícara de chá, abra o livro e aproveite!

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238 – Bordados de Marjane Satrapi

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Já havia lido Persépolis de Marjane Satrapi. Bordados apareceu aqui em casa do nada. Nara deve ter esquecido em algum canto. E livro quando aparece meio assim perdido na minha frente não penso duas vezes. Coloco meu nome, leio e não devolvo nunca mais.

A  história em preto e branco com os traços cheios de personalidade narra as conversas das mulheres iranianas durante o ritual do Samovar, chá típico da cultura do país que é servido em três momentos do dia, sempre seguindo os protocolos seculares. Após o almoço, enquanto Marjane prepara o chá, as outras mulheres lavam a louça e durante a sesta dos maridos, elas se reúnem para tomar a tradicional bebida enquanto tricotam, ou seja, falam da vida alheia e delas mesmas.

Mal abri o livro e fiquei horrorizada e ao mesmo tempo maravilhada. A narrativa gira em torno das relações das mulheres, mais velhas que Marjane, com os homens e com o casamento. Desde mulheres obrigadas a casar aos 13 anos com generais 50 anos mais velhos a mulheres casadas que nunca viram um pênis, ainda que tenham concebido vários filhos. Tristeza demais.

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A temática central do debate são os casamentos, romances e suas vidas sexuais, bem como de conhecidas suas. Um tricô de dar gosto. Se esses temas já possuem seus tabus universais, imaginem na realidade iraniana, que tem o peso de uma cultura conservadora e opressora, sobretudo para as mulheres? E como elas lidam com isso?

O interessante dessa narrativa, além do humor ácido e da sinceridade exposta pelas mulheres, é observarmos as estratégias as quais elas utilizaram ao longo da vida para sair de situações inusitadas.

Práticas como reconstrução do hímen e outras cirurgias plásticas são bastante comuns na cultura iraniana, sempre com a intenção de agradar aos homens. H[a muito  sarcasmo  na fala das mulheres em relação aos seus maridos. A verdade é que o ritual do Samovar é uma espécie de terapia em grupo para que as mulheres consigam lidar com uma realidade que as trata como posses masculinas.

Triste. Lindo. Necessário. Mas uma observação, se ainda não leu Persépolis, compre os dois e tenha alegria em dose dupla.

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237 – Carnaval no fogo de Ruy Castro

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É difícil essa vida de ler gente que é machista… Ruy Castro é gênio mas puta merda… Há passagens nesse livro que dava vontade de socá-lo. Ainda assim, preciso dizer, é um livro fantástico. E eu aprendi um bocado.

A quantidade de informação do livro é tão grande que talvez seja a crônica mais bem escrita sobre uma cidade e seus personagens históricos. Ruy Castro é tão foda que mesmo quem não for do Rio de Janeiro vai se deleitar com o que ele nos apresenta. Vale observar, Rio de Janeiro aqui é sinônimo de Zonal Sul e Centro. Mas já estou acostumada.
Se colocar “mapa do Rio de Janeiro” no google, não será fácil encontrar Madureira. Ranços à parte, Ruy fala dos lugares em que ele, pela narrativa, ficou só olhando quinhentos anos de história para escrever essa pequena obra publicada pela Companhia das Letras com capa dura. Uma lindeza tirando as passagens de macho escroto que parece ter dentro de muitos escritores. Paciência.
Mas como a realidade é complexa e os seres humanos não são binários, ou seja, não somos isso ou aquilo, Ruy Castro me fez chorar (esse puto…). Vou dizer em que parte daqui a pouco. Antes vamos falar sobre o todo.
Carnaval no fogo não é um livro sobre Carnaval. Sua ação se passa em todas as épocas do ano e em todos os quinhentos anos da agitada história do Rio – da primeira índia tupinambá que namorou um pirata francês aos réveillons de Copacabana. Ruy Castro compõe um vibrante retrato do Rio de hoje, cheio de viagens ao passado, para revelar que, mesmo nos períodos de calmaria, havia sempre uma excitação no ar – um permanente “Carnaval no fogo”. Com uma linguagem coloquial e bem-humorada, Castro nos guia pela história da cidade maravilhosa, desde o dia em que os índios da Baía de Guanabara viram, no horizonte, as velas da nau de Américo Vespúcio, em 1502.
Ele nos leva até a Belle Époque carioca, de 1890 a 1914, quando poetas de colarinho duro flertavam com “senhoritas de anquinhas na porta da Colombo”. E quem diria que as calçadas com desenho de ondas em Copacabana, famosas pela sensualidade, foram batizadas com o sangue dos “18 do Forte” enquanto a poucos metros se construía o Copacabana Palace? E quem acredita que, mais de cem anos antes das garotas de Ipanema, já havia as garotas da rua do Ouvidor – as primeiras brasileiras que saíram à rua e aprenderam “tudo” com as francesas? Quando o assunto é mulher, parece sempre aquela velha história de sempre. Somos narradas como objetos sexuais ou pessoas fúteis em muitas passagens.
O Rio de Janeiro de Carnaval no fogo é o Rio dos antropófagos que encantaram os intelectuais europeus, dos escravos que se vestiam como os senhores, dos fotógrafos pioneiros que o clicaram como se estivessem num avião – setenta anos antes de o avião existir -, da Nair de Teffé e da Chiquinha Gonzaga, que, juntas, abalaram as estruturas. É também o Rio em que os salões se prolongaram nos botequins, em que um cafezinho tomado em pé na avenida Rio Branco podia alterar a cotação mundial do produto e em que o povo, habituado à própria pele, passou a desfilar quase nu pelas praias e até pelos restaurantes. É ainda o Rio das asas-deltas, do Fla-Flu entre os traficantes e a polícia, do bolinho de aipim e do indestrutível bom humor. A gente viaja de verdade pelo rio e pelo tempo.
Vamos ao pedaço em que ele me surpreendeu. Lá pela (quase) metade do livro, quando ele vem falando sobre o que os cariocas são bons como, por exemplo, frescobol, caldinho de feijão e colocar apelido nos outros, ele fala “Mas se o Rio é uma cidade sobre a qual não resta a menor dúvida é na categoria mulher”. Pronto, pensei. Lá vem ele falar de “bunda de mulata”. Vou reproduzir aqui o quanto sorri para o livro:
”No Brasil, a mulher carioca foi a primeira a fazer um curso superior, a trabalhar fora, a ter um salário e um carro, a fumar em público, a se separar do marido e, em vez de entrar para um convento, a ir viver a vida. Estou falando de um número considerável de mulheres de classe média no começo do século XX, não de casos isolados que podem ter acontecido anteriormente, aqui ou ali. Foi também na década de 50, a primeira a pôr um biquíni, enfiar-se na camisa social do irmão, amarrá-la na altura do umbigo e ir à praia vestida desse jeito num dia da semana, atravessando ruas cheias de homens engravatados a caminho do escritório. Mais até do que ir grávida e de biquíni à praia, com barrigão à mostra – como fez a carioca Leila Diniz em fins do as ano 60, inaugurando uma prática que, de tão inocente, seria logo adotada pelas mulheres mais convencionais. Muito antes disso, nos anos 40, a carioca já tinha sido a primeira a alugar apartamento e morar sozinha, a não dar bola para virgindade e, invertendo um jogo masculino de séculos, a escolher quais homens eram “para casar” e quais eram “para namorar”.
Adiante, ele me emocionou contando histórias sobre Chiquinha Gonzaga e Nair de Teffé, duas mulheres que quebraram o protocolo social brasileiro. Achei lindo demais tudo o que li. Como disse, não podemos julgar as pessoas binariamente.
A parte em que ele fala sobre as atrocidade cometidas pela prefeitura e pelo governo desde os idos de quando o Rio foi habitado é de uma riqueza de informações e bizarrices que a gente até se diverte chorando por tanto descaso e burrice de nossos governantes.

Enfim, livro maravilhoso. Além disso, a edição da Companhia das letras está uma lindeza. Com ilustrações de traço livre de Felipe Jardim, papel pólen soft de praxe e fonte Filosofia, uma fonte com as serifas redondinhas. Achei irada. E o melhor: encadernação e acabamento em capa dura, que, pelo preço dos livros hoje em dia, devia ser praxe também.

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236 – Ricardo e Vania de Chico Felitti

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Fui no Buraco da Lacraia, a boate LGBT mais tradicional do Rio de Janeiro que fica na Lapa na sexta passada. Cheguei cedo porque sou dessas toda trabalhada na ansiedade. Qual foi minha surpresa quando soube que estava tendo o lançamento do livro de Chico Felitti. Para quem não sabe, foi ele que fez a matéria que foi viralizada na internet e premiada sobre o “Fofão da Augusta” (https://www.buzzfeed.com/br/felitti/fofao-da-augusta-quem-me-chama-assim-nao-me-conhece). Lembro-me de que o texto me emocionou por demais dado o trabalho jornalístico impecável somado a uma narrativa literária mega sofisticada e delicada.  O texto, vencedor do Prêmio Petrobras de Jornalismo na categoria inovação, revelava o ser humano por trás do rosto deformado por aplicações de silicone e bochechas inchadas, iguais à do personagem infantil que lhe deu o apelido jocoso. A comoção na internet foi imediata.

Depois que ele fez a reportagem, muita gente começou a procurar Felitti para contar alguma história sobre Ricardo. Ricardo, conhecido como Fofão, ganhou esse apelido graças aos muitos mililitros de silicone industrial injetados no rosto ao longo de mais de uma década. E era figurinha conhecida de quem frequentava a região da avenida Paulista e da rua Augusta, em São Paulo. Conhecida inclusive do próprio Chico, que sempre passava por ele e, com o passar do tempo, sentia mais e mais vontade de contar essa história.

Ricardo morreu dois meses após a publicação da reportagem. Como a vida dá voltas e a internet está aí para ajudar, surgiu um elemento novo: Vânia Munhoz, o amor da vida de Ricardo, resolveu contar a sua parte da história. Foi o que possibilitou a publicação de “Ricardo e Vânia”, uma obra belíssima e surpreendente.

Vânia estava lá no dia do lançamento e conforme lia o livro, me lamentava por não ter conversado mais com ela. Vânia foi namorado de Ricardo quando ainda era Vagner, antes da transição de gênero. Foram quase dez anos de relacionamento entre os dois, que frequentavam todas as baladas da época e injetavam silicone no rosto um do outro, o que levava muita gente a acreditar que eles eram irmãos gêmeos.

 Na reportagem, não me lembro de ela ter aparecido..

A sua história é muito dolorosa, e ela resolveu contá-la para Felitti.

A primeira parte do livro, que conta a trajetória de Ricardo, nasceu a partir da matéria no Buzzfeed Brasil. Se lá já estava bom, no livro, ficou fabuloso. Em primeira pessoa, Felitti conta como foi a sua aproximação de Ricardo, quando ele estava internado no hospital. Diagnosticado com esquizofrenia, ele não era uma fonte muito confiável para falar de sua própria vida. E isso levou o repórter a investigar o passado de Ricardo, visitando parentes em sua cidade natal, Araraquara, e amigos que conviviam com ele na rua. Descobriu, assim, que ele havia sido um maquiador requisitado por celebridades, mas que teve a carreira interrompida por questões emocionais e de temperamento. Nos últimos anos, morava numa pensão e ganhava a vida distribuindo panfletos, entre uma internação e outra.

A segunda parte do livro é toda inédita: começa logo após a publicação da reportagem e narra diversas aproximações. Felitti conta que produtores propuseram até criar um reality show com Ricardo . Em seguida, passa pela morte do personagem, os primeiros contatos com Vânia e a história de amor entre os dois.

Longe de ser um romance LGBT. Nada disso. Trata-se de um documentário fantástico cheio de surpresas. Por exemplo, foi graças a Chico que Ricardo e Vânia se reencontraram via Skype pouco antes de Ricardo  morrer.

Vânia, hoje com 55 anos, saiu do Brasil em 1989, ainda Vagner, e começou a se apresentar como drag queen em um cabaré parisiense logo que chegou, adotando o codinome de Babette.  Logo depois, Vânia entrou para o mercado do sexo e foi a primeira a fazer anúncio em revista de sexo hétero, dizendo o que ela tinha a oferecer. Ganhou muito dinheiro, ficou milionária, viajou o mundo e continua trabalhando. Durante todos esses anos, o nome de dançarina Babette foi substituído por Kara, Rara, Vênus, Venusia e alguns outros usados por ela nos inúmeros anúncios. Durante quase 30 anos, ela teve 28 anos. O rosto dela era tão difícil de reconhecer que ela dizia ter sempre a mesma.

A verdade é que parece dois livros em um. Não importa. As duas partes se conectam em um tempo histórico e são maravilhosamente escritas.

Tive muita sorte de conhecer pessoalmente o autor e ver de longe Vânia. Chico Felitti faz algo que vi também acontecer em outro livro (que também recebeu um prêmio) da Eliane Brum: A vida que ninguém vê.  Felitti e Brum mostram para nós que por trás de cada rosto há um ser humano cuja história sempre merece ser contada. Olhar nos olhos de quem tem esse tipo de sensibilidade e ler tudo o que ele escreveu, sem sombra de dúvidas, me fez um ser humano melhor.

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235 – O Diário de Anne Frank em quadrinhos com adaptação de Ari Folman e ilustração de David Polonsky

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Todas as vezes que chego em sala de aula, eu peço para que os alunos e as alunas coloquem na mesa o livro que estão lendo. É uma forma de eu sempre ficar por dentro dos mais diversos assuntos que interessam a garotada e, penso que, conhecemos melhor as pessoas quando sabemos o que as emociona. Mal começou o ano, vi Lara lendo esse livro. O Diário de Anne Frank dispensa maiores apresentações já que é uma das obras mais lidas no mundo. Este em HQ, especificamente, pode ser apresentado de diversas maneiras e uma delas é: “aquele que foi proibido numa escola por ter conteúdos impróprios”. Mais uma das alucinações que essas pessoas estão tendo. Vamos ao livro que é uma obra de arte.

Desnecessário dizer: chorei rios. Anne Frank morreu muito nova e disso eu já sabia. No entanto, quando a gente percebe o quão gênia, criativa, inteligente, feminista e tudo o mais que não tenho palavras para elogiá-la, a dor se torna infinitamente maior. Morreram com ela vários personagens que jamais conheceremos, várias histórias engraçadíssimas que jamais leremos, várias divagações que jamais conheceremos. É assim que acontece quando morre uma grande escritora e Anne, tão jovem, era uma gigante nessa arte.

Agora… em quadrinhos? Conseguimos perceber essa genialidade toda com os textos dela suprimidos? Pois é. Conseguimos graças a Ari e David.  A graphic novel não tem a totalidade do diário – “isto nos obrigaria a conceber mais de 3.500 páginas”, disse Ari  Folman -, mas inclui várias cartas dirigidas por Anne Frank a sua amiga imaginária Kitty. Outros trechos de poucas linhas na obra original publicada em 1947 foram ampliados. Eles souberam preservar o senso de humor mordaz de Anne, seu sarcasmo e sua obsessão com a comida.

Os períodos de depressão e desespero da jovem foram tratados, sobretudo, com cenas de fantasia ou oníricas na publicação de forma que, no conjunto, a publicação de 160 páginas ficou extremamente fiel ao texto original.

Como disse David numa entrevista: “Nós pensamos em algo como uma homenagem; estamos recontando a história dela e, como homens adultos em Tel Aviv, não estamos tentando fingir ser uma garotinha de 12 anos se escondendo na Holanda. Isso não seria sincero, não estamos tentando falar com a voz dela. Isso seria impossível. O que podemos fazer é adotar sua abordagem, o que pra mim é o fato de ela usar humor e observação nas piores condições que você puder imaginar.  O melhor que podemos fazer é continuar com esse espírito e tratar o trabalho como uma obra de arte. E não tenho medo de dizer que também deve ser um pouquinho de entretenimento. Além disso, mostramos bastante do contexto histórico no qual o diário foi criado.”

Ou seja, os caras tiveram muito respeito e fizeram uma outra obra que, de forma alguma, substitui a original. Porém, quase tão forte quanto. O importante é que cumpre o seu papel de atingir leitores mais jovens que são mais resistentes, de uma maneira geral, a textos muito longos.

Obra de arte. Difícil vai ser devolvê-lo para linda Lara que me emprestou com tanto carinho.

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234 – Sapiens – Uma breve história da Humanidade de Yuval Noah Harari

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Bom. São quase 500 páginas, então, o que ele chama de breve é só uma questão relativa já que temos aqui 70.000 anos de história. O livro é simplesmente maravilhoso. Aprendi um bocado, me desconstruí um outro tanto, revi conceitos e discordei de vários pontos sem contudo saber como rebater o autor. Ou seja, uma verdadeira academia de ginástica para meus parcos neurônios.

O livro trata da história da humanidade, desde o surgimento do Homo sapiens como espécie, sua consolidação como única espécie de Hominídeo a ocupar o planeta (tanto exterminando quanto miscigenando com outras espécies), a ascensão da escrita, etc.

A estrutura do livro divide o assunto em três partes, que o autor, Yuval Noah Harari, batiza de Revoluções: A Revolução Cognitiva, a Revolução Agrícola e a Revolução Científica.

A Revolução Cognitiva, em resumo, explica como a capacidade de abstração e memória que somente o nosso cérebro possui dentre todos os animais permitiu que pudéssemos nos agregar em conjuntos humanos de tamanhos sem precedentes e, assim, criar coisas inimagináveis até então. A Revolução Cognitiva, escreve Harari, foi o ponto de virada no qual o ser humano tornou-se independente de suas limitações biológicas.

Por quê? Porque só os humanos se juntam e cooperam baseados em uma ideia, em uma ficção. Antes da evolução do Homo sapiens, como o conhecemos, haviam outras espécies do gênero Homo habitando, simultaneamente, o planeta. Embora essas outras espécies pouco se diferenciassem, física e cognitivamente, da nossa, não prevaleceram. Como bem sabemos, nossa espécie é a única a habitar a face do planeta há anos. Não apenas dominamos os outros Homo como também saltamos ao topo da cadeia alimentar. Tudo devido à uma revolução na mente do Homo sapiens. A partir daí, nossos ancestrais puderam formar bandos e se espalhar pelo planeta. Da África à Europa, Ásia, Austrália e às Américas.

Harari fala sobre a origem da linguagem e, pasmem, diz ele, aprendemos a falar porque precisávamos fofocar e não para compartilhar um aviso como a chegada de um leão. Graças a informação precisa de quem era digno de confiança, pequenos grupos puderam se expandir para grupos maiores e os sapiens puderam desenvolver tipos de cooperação mais sólidos e mais sofisticados.

Aprendemos a falar sobre coisas que só existem nas nossas cabeças como lendas, deuses e religiões. Muitas espécies de animais conseguem avisar sobre a chegada de um leão, por exemplo. Mas depois da revolução cognitiva, o Homo Sapiens consegue dizer: “O leão é o espírito guardião da tribo”, por exemplo. Essa capacidade de criar ficções é a característica mais singular dos sapiens. Para além de criar, a linguagem que desenvolvemos nos permite comunicar uma quantidade extraordinária de infirmação sobre o mundo à nossa volta.

As diversas culturas foram se tornando mais complexas e tomando um papel cada vez mais relevante. Através dos mitos criados, a humanidade se tornou capaz de colaborar entre grupos cada vez maiores e, apesar de não notarmos, tais mitos ainda prevalecem na atualidade. Não apenas em religiões, mas também no próprio sistema político, financeiro; basicamente em tudo. Coisas como a ideia de estado, direitos humanos, hierarquia social, dentre outras, são apenas imaginação, uma alucinação coletiva.

 Harari vai nos mostrando a partir de estudos e evidências como criamos o mundo em que vivemos. E como a existência de tais mitos é importante em todas as esferas da sociedade em que queremos que haja colaboração entre pessoas completamente estranhas umas às outras.

Segundo Harari, foi esta capacidade de convergência de humanos desconhecidos em torno de ideias em comum que possibilitou que nos libertássemos da número de Dunbar, que diz que só é possível estabelecer laços sólidos baseados em confiança mútua com até 150 pessoas. Mais do que isso, extrapola nossa capacidade cognitiva. Todavia, estabelecemos laços com seres humanos fora de nossas relações de confiança todos os dias devido a partilharmos ideais em comum, sejam político partidários, esportivos, amorosos, religiosos, etc., etc. et al.

A partir daí, teoricamente, poderíamos ter tribos cada vez maiores, formando até verdadeiras cidades, como temos hoje. Todavia, por muitos milhares de anos, continuamos organizados em pequenas comunidades devido à escassez de alimentos típicas de sociedades caçadoras-coletoras, uma vez que nem sempre os animais se deixavam caçar e as plantas estavam disponíveis. Isso acabou com a segunda revolução, a chamada Revolução Agrícola.

Apesar de muitos considerarem a revolução agrícola como os primórdios da civilização humana e o primeiro passo em direção à busca contínua pelo bem estar da espécie, Harari nos mostra como essa crença é pura fraude. É verdade que foi a partir daqui que baseamos toda a estrutura atual, onde aprendemos a melhor manipular a produção de alimentos e a domesticação de animais. Por outro lado, a revolução agrícola pode não ter sido tão benéfica quanto imaginamos. Harari chega a mostrar que a revolução agrícola foi uma armadilha criada por nossos antepassados a eles mesmos e da qual não havia mais saída. Naturalmente, o humano agrícola passou a ver e interagir com o mundo de uma forma diferente de seus antepassados caçadores-coletores. Foi a partir das primeiras sociedades agrícolas que surgiu a necessidade de escrita, primeiramente para registro de transações e controle de alimentos. Nesse ponto, achei interessante o surgimento do que me pareceram os primeiros sistemas de informação; não computadorizados, claro. Com o aumento dos registros veio a necessidade de classificá-los, organizá-los e acessá-los. E, a partir daí, a necessidade de treinar pessoas que pudessem registrar, classificar, organizar e acessar os dados importantes para a administração. A escrita técnica pouco se parecia com a linguagem falada e, com isso, os aprendizes passaram a aprender uma língua diferente das pessoas comuns, uma linguagem mais prática para as tarefas de registro e acesso. Ainda hoje, aprendemos linguagens de programação de computadores e a linguagem matemática, ambas mais úteis para manipulação de computadores e a compreensão e modelagem de fenômenos naturais que a linguagem natural.

É a partir da necessidade de expansão do império que cresce a revolução científica. A capacidade da ciência de descobrir e melhorar armas e equipamentos se mostrou útil aos impérios, quais passaram a financiar pesquisas. Até os dias atuais, a ciência avança com base nos interesses da império dominante, o capitalismo. O diferencial que a revolução científica traz para a humanidade é uma visão baseada no não saber. Enquanto nas sociedades antecessoras, as pessoas creram que todo o conhecimento já fora descoberto e, para saber as verdades do mundo, bastava consultar os anciãos, os oráculos ou livros antigos; a ciência passa a ter consciência de sua ignorância. É por não sabermos que procuramos descobrir. A expansão européia encontra nesse ideal o alicerce perfeito. Enquanto navegadores europeus buscavam terras desconhecidas, cientistas buscavam saberes desconhecidos. Assim, império e ciência cresceram lado a lado, alimentando-se mutuamente.

Nos capítulos finais, Harari nos traz a ideia de que o Homo sapiens não está mais preso às suas limitações biológicas. A revolução cognitiva e científica nos dotou da capacidade de manipular a natureza e a nós mesmos de forma que, em breve, podemos nos tornar uma outra espécie, transcendendo o Homo sapiens. Os avanços em biotecnologia nos permitem criar quimeras, manipular bactérias. A integração humano-computador pode nos levar a criar seres híbridos, com capacidades amplificadas pela tecnologia. Tais ideias são melhor exploradas em Homo Deus, o segundo livro de Harari, qual provavelmente posso ler e resenhar em breve.

O livro oferece não apenas uma visão da história da humanidade, mas também da história da ciência, da política e da economia. As partes como a exploração dos animais, as origens do capitalismo e da sociedade patriarcal (que para ele não tem explicação) foram as minhas prediletas.

Livro bom toda vida de ler e reler.

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233 – Medicina não é saúde de Jayme Landmann

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Se os sintomas de dúvidas persistirem, um médico deverá ser questionado.

Vamos às apresentações. Jayme Landmann foi um médico de prestígio, dono de uma próspera clínica e diretor do Centro Biomédico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e autor da publicação, em 1982, de seu best-seller, Evitando a Saúde e Promovendo a Doença.  Ao contrário do que pensam, Landmann não usa linguagem marxista, nem cita ou leu Foucault.

Sua contribuição ao debate da prática da medicina no país nunca foi reconhecida pela saúde pública brasileira, até onde entendi essa história. Será porque a deformação da medicina pelo “complexo médico-industrial” ainda era incipiente perto da provocada nos anos 90? Ou porque combateu o corporativismo motivando uma reação inquisitorial do então Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro que lhe aplicou uma censura sigilosa que ele tornou pública em recurso ao Conselho Federal de Medicina?

O livro é uma denúncia do início ao fim do modus operandis da medicina no Brasil.  Ele aponta as causas reais das doenças no mundo contemporâneo (final do século 20). Alerta a todos contra a injustiça social, a falta de saneamento básico, a poluição industrial, a indústria farmacêutica e alimentícia, o excesso de álcool, o desemprego… tudo que ocasiona as grandes enfermidades em nós.

Vale observar que grande parte dos best-sellers norte-americanos publicados hoje em dia nos EUA abordam exatamente o que o professor Landmann já nos alertava há quase 30 anos. Termos como Overdiagnosis (título de um livro do Dr. Gilbert Welch) e “bases não-farmacológicas da terapêutica” (em referência aos conflitos de interesse que agem no ato da prescrição médica, descritos pelo professor Dr. Carl Elliott ao longo de sua obra) já eram utilizados e discutidos pelo professor na década de 80. Certamente, um médico além do seu tempo.

Landman explica que os pacientes têm que ser enquadrados numa taxonomia por vezes capciosa e frequentemente criada apenas para satisfazer o médico intelectualmente. A mais grave dessa taxonomia, aponta Landman, é levar a uma teoria que separa a doença do doente e que dá ao médico um caráter de infalibilidade.

Parece haver uma pretensão médica, sob a chancela da OMS, de medicalizar todos os atos de nossa vida – o médico poderá codificá-los, considerá-los normais ou não e agir sobre eles. Temos documentado um abuso de indicações cirúrgicas em que não sabemos se é por conta dos incentivos financeiros ou de uma educação médica capitaneada pela indústria farmacêutica e de equipamentos. A finalidade do curso de graduação de medicina parece ser a de doutrinar o estudante para maior conhecimento farmacológico e maior utilização de drogas.

Não sem motivo, pacientes e médicos acreditam piamente na cura de todas as doenças através de uma ação química ou cirúrgica. Por outro lado, vemos um complexo médico industrial que mais enriquece no mundo:  a companhia de remédios e de equipamentos. Investimentos nessas áreas fornecem uma imagem de benevolência do mesmo modo que a indústria militar projeta uma (falsa) imagem de segurança.

Há estudos que Landmann aponta que mostram que a existência de maior número de cirurgiões me determinadas áreas resulta em maior número de cirurgias desnecessárias. É assustador ler os dados e as histórias que Landmann nos conta. Quando o assunto é doença mental a coisa piora e muito. O autor nos mostra estudos que demonstraram que “doentes” que não aceitaram o rótulo de doentes ficam menos tempo no hospital e se recuperam mais cedo. Já os pacientes que aceitam o rótulo melhoram muito menos e ficam muito mais tempo internados. Juntando com mais alguns dados, ele mostra que  as sociedades industrializadas processam seus pacientes psiquiátricos de tal forma que os alienam de sua vida normal e os forçam a continuar doentes. Ou seja, ao tratar um indivíduo como se ele fosse doente, os médicos, ainda que de forma inconsciente,  encorajam-no a sentir-se doente e não sadio.

Landmann mostra como o capital financeiro invadiu, transformou e dominou a arena da assistência médica, que se tornou mercadoria de consumo, comprada e vendida e insiste que a saúde é muito importante para ser deixada unicamente ao critério médico. A saúde, insiste o autor, depende do estilo de vida e, portanto, de política social.

Quando entra na seara da simbiose da ciência com a propaganda, é de sentar e chorar. Landmann mostra como a publicidade se infiltrou nas áreas mais acessíveis à informação médica: nos artigos de revistas, nas apresentações científicas, nas conferências e até na subvenção a pesquisas. A apresentação, a publicação e o reconhecimento desses “novos progressos” trazem lucros diretos à comunidade científica.

Por essa via, Landmann nos mostra como a propaganda industrial deforma a mente dos médicos que são submetidos diariamente ao bombardeio dos propagandistas dos laboratórios farmacêuticos. Por isso, quando um médico prescreve um remédio, este ato é frequentemente baseado em forças não relacionadas às propriedades químicas da droga que ele chama de “a base não farmacológica da terapêutica”.

Fica claro que a indústria de fármacos não tem a ambição de produzir remédios que não sejam lucrativos. Não investiga remédios para doenças cujo número de vítimas seja pequeno. A maioria das companhias farmacêuticas concentra seus esforços em um mercado garantido: tranquilizantes, drogas cardiovasculares e antidepressivos.

O livro não para. Como foi escrito lá pelos idos dos anos 90, ele cita as cirurgias da moda para época, por exemplo, a ponte de safena. Na Holanda, fala Landmann, para fazerem essa operação os pacientes entram na fila. A fila às vezes demorava mais de um ano. Nesse intervalo, inúmeros pacientes melhoravam de desistiam de ser operados. É mais fácil pedir exames, operar, dar remédios do que pensar, alfineta Landmann.

Segue daí, uma discussão profunda sobre o uso da alta tecnologia e a ideologia da inutilidade. A saúde e a doença são consideradas como elementos individuais e, assim, o pensamento médico dá muito mais atenção às “necessidades específicas” de um paciente (por exemplo, a necessidade de uma ponte de safena) do que às necessidades gerias de uma população.

Esse ponto de vista é que justifica o crescente aumento dos gastos requerido pela medicina altamente sofisticada em detrimento de formas menos espetaculares de cuidados. Do ponto de vista do paciente, não há alternativa. Se o médico disser que o melhor é fazer um exame em tal aparelho, caberá ao paciente obedecer.

E quem não tem como pagar pelos exames? Mais essa que Landmann ataca. Todo o sistema de seguro-saúde, frisa ele, está em contradição com a concepção filosófica de saúde como direito de todos. Se a saúde é um direito, o dinheiro não pode ser considerado a condição essencial para a sua obtenção ou condição para discriminar o tratamento recebido. Através dos planos de saúde reforçamos a base capitalista dessa discriminação.

A profissão teria maior confiabilidade se fosse generalizado o princípio de que o médico, no exercício de sua profissão, só pode obter benefícios profissionais através dos serviços que presta, e não como associado do mercado de consumo.

Quando reconhecemos que as elites médicas são, na verdade, segmentos da classe dominante e não uma facção setorial médica e que possui um alto grau de coesão e interesses que ultrapassam muito os específicos do setor médico a que pertencem, passamos a entender que a classe médica submete-se ao sistema da atual estrutura social. O modo como os problemas de saúde são definidos e a estratégia desenvolvida para resolvê-los constituem uma resposta à forma como o esquema social vigente os encara. Ou seja, a profissão médica, seguindo a linha de Ladmann, é apenas uma executora e não a criadora dessas diretrizes.

Na realidade, ousa Landmann a dizer, medidas médicas específicas e a expansão de serviços médicos têm pouco ou nenhum efeito sobre a saúde geral da população. Há pouca relação, como mostram os documentos pelo autor apresentados, entre os gastos com os cuidados médicos convencionais e o retorno obtido em matéria de saúde. Nosso país desvia recursos substanciais e cada vez maiores para práticas de medicina que, na realidade, servem mais ao complexo médico-industrial do que à população. Em outras palavras, o caminho para a saúde não está na medicina.

Landmann é médico, vale lembrar. Ele não nega em nenhum momento que o desenvolvimento industrial trouxe uma melhora na expectativa de vida. Ele concorda que nem todos os aspectos da sociedade industrial são maléficos. Mas reforça em todo o livro que muitas doenças infecciosas poderiam ser prevenidas por medidas adequadas de higiene sanitária. Ou seja, a solução para a saúde do povo não virá pela medicina e sim através da intervenção nos fenômenos sócio-estruturais que afetam a vida de todos: a pobreza e as más condições de trabalho somadas à péssima alimentação.

Landmann deixa claro que é mister, em muitos casos, a atenção médica e ouvir certos profissionais de saúde. É claro, e em momento algum ele nega isso, que a intervenção médica pode salvar a vida em muitos casos. Porém, Landmann não deixa de mostrar que em inúmeros deles pode também não apresentar efeito algum.

Há uma necessidade urgente de reorientar a formação de nossos médicos. Não há um esforço no sentido de criar uma consciência social nos cursos de medicina para que o médico entenda que, assim como não existe uma linha nítida dividindo o psicológico do somático, também não há uma linha que divide a saúde do bem estar social. Essa foi a conclusão de Landmann em 1983.

Termino esta resenha como comecei : Se os sintomas de dúvidas persistirem, um médico deverá ser questionado.

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232 – Não me toca, seu boboca! de Andrea Viviana Taubman com ilustrações de Thais Linhares.

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São frequentes as noticias que envolvem abusos infantis. Não raro, estes são cometidos por pessoas da própria família. Por ser considerado um tabu, esse assunto muitas vezes não é discutido com as crianças.

Por entender a dificuldade de muitos responsáveis em tocar no assunto com suas crianças, Andrea Taubman escreveu Não me toca, seu boboca! Neste livro, é ensinado como diferenciar uma brincadeira de uma potencial situação de risco. Além disso, encoraja a criança a se defender e a denunciar quando uma pessoa age de forma suspeita ou inadequada.

Tratar o tema sobre abuso sexual de forma “divertida” não é nada fácil. Taubman usa uma linguagem simples e lúdica conseguindo transmitir completamente o recado. Que bom que existem pessoas como Andrea Taubman hoje em dia!

A orelha é feita por Rita Lisauskas, autora de Ser mãe é padecer na internet. Lisauskas, que fez também a orelha do meu livro Filhosofia (ainda não publicado), alerta que a maioria das crianças abusadas conheciam seus abusadores e que toda criança precisa saber que não pode ser tocada de uma certa forma. Por isso, este livro de Taubman faz um excelente trabalho.

O livro, infelizmente, é necessário. Está perfeito para o que se propõe. Super indico para quem tem criança em casa.

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231 – A Condenação de Emília: o politicamente correto na literatura infantil de Ilan Brenman

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Bicho. Pelamordedeos. Que livro tenso. Ganhei A Condenação de Emília de uma ilustre, linda e adorável bibliotecária Sarah Lombello que simplesmente colocou-o na minha mão e disse: toma, quero saber a sua opinião.

Preciso lhes explicar uma coisa. Confessar, diria: eu sou uma leitora devassa. Um perigo, minha gente. Sou rapidamente seduzida pelas frases bem colocadas de quem leio. Eu, a fiscal de carteirinha do politicamente incorreto, fui confrontada por Brenman.

Quando Sarah me deu esse livro quase devolvi de tanto medo de ler e mudar de opinião. Daí, lembrei daquela ladainha que sempre conto que cresço no divergência e vamos lá partir para os braços de Brenman. Pavor do estupro mental, gente.

Literatura para mim é algo sagrado. Entendo, assim como Montaigne, que a criança não pode ser comparada a uma garrafa que se deve encher, mas como um fogo que se deve acender. No entanto, compreendo perfeitamente e defendo que precisamos nos conscientizar de que há a necessidade de tornar a linguagem neutra em termos de discriminação e evitar que possa ser ofensiva para certas pessoas ou grupos sociais. Exemplos não faltam. É possível enumerar diversas expressões que foram varridas da mídia, dos livros e de nossas conversas por serem politicamente incorretas, ou seja, por conterem ideias discriminatórias ou pejorativas relacionadas a um grupo.

Daí vem Brenman e me faz pensar se este comportamento é sempre positivo ou pertinente – ainda mais na literatura.

Recentemente, nota-se uma tendência de levar o “politicamente correto” para as histórias e cantigas tradicionais pelo fato de elas apresentarem conteúdos (supostamente) (olha eu já colocando o supostamente entre parênteses…) inadequados ou violentos demais para as crianças. Você já ouviu a famosa canção Atirei o pau no gato, entoada de maneira diferente da original, alardeando uma letra mais pacífica? “Não atire o pau no gato, porque isso não se faz. O gatinho é nosso amigo. Não devemos maltratar os animais. Miau!”. Particularmente, já me questionava que diabos era isso. Afinal, passei a vida ouvindo essas cantigas e acredito que isso em nada contribuiu para construir minha visão de mundo. Mas daí a fazer vista grossa a certas passagens preconceituosas  na literatura vai um abismo.

Ao perceber o crescimento dessa questão em outras áreas como livros, desenhos e filmes, o psicólogo e escritor Brenmam resolveu investigar a presença do “politicamente correto” nos enredos infantis. Seu estudo A condenação de Emília: uma reflexão sobre a produção de livros politicamente corretos virou tese de doutorado defendida na USP.

No que pese minha concordância quanto a algumas passagens como as de que a TV e o videogame não são causadores de violência e que o que mais contribui é a vivência virtual, ou seja, o tempo que se passa em frente aos aparelhos eletrônicos porque tomam tempo de socialização e, consequentemente, a criança não aprende a lidar com o mundo, me afasto de Brenman quanto ao fato de que não viramos racistas porque “lemos Monteiro Lobato ou ouvimos cantigas tradicionais”. Essa frase tem uma conotação forte. Significa, grosso modo, que a nossa linguagem não molda o nossa forma de ver o mundo. Há teses que afirmam exatamente o contrário disso, ou seja, que temos que ter cuidado com a maneira pela qual estamos nos expressando para não naturalizar certos comportamentos. A linguagem, ela mesma, é fruto de seu tempo. Viva e passível de se transformar sempre. Devemos sim ficar atento a ela.

Há, fato, passagens dos livros de Monteiro Lobato que são racistas. Não acho que “o preconceito está na cabeça do adulto” e que a criança não precisa ser alertada quanto a isso. Ainda que entenda perfeitamente que uma boa leitura, na verdade, é capaz de levar ao caminho oposto: ao pensamento, à reflexão, ao fim da intolerância e do preconceito, percebo que há crianças que precisam ser alertadas sobre as passagens permeadas de preconceito.

Se o professor vai ler Monteiro Lobato à sua turma, precisa fazer em sua integridade, sem pular páginas e sem cortar trechos, quanto a isso eu e Brenman concordamos. O adulto, nesse caso, precisa situar historicamente o autor. Por que Monteiro Lobato, por exemplo, usa certas expressões? Em que época viveu? Se uma criança não questionar certos trechos, penso que devemos, dependendo da criança, até mesmo questionar por que ela não se incomodou com certa passagem. Brenman parece achar isso altamente desnecessário.

Como tudo é muito complexo, ainda mais o nosso comportamento, há trechos do livro de Brenman que não posso discordar.  A literatura de autoajuda tenta apresentar respostas e soluções para uma vida feliz. Ela se afasta da realidade humana, e da própria literatura, que não oferece respostas, mas expõe conflitos e reflete a vida. O “politicamente correto” das histórias infantis, nesse sentido aqui tomado agora, também tenta fazer as crianças felizes e muitos livros são um desserviço para o intelecto, assim penso. Por exemplo,  há uma onda de livros que mostram como as crianças podem ser felizes, perfeitas, obedientes. Em nome de trazer certos ensinamentos, há uma significativa oferta de livros feitos para crianças que mais parecem ter sido escritos por encomenda do que por prazer de algum escritor ou ilustrador. Secos, previsíveis, com respostas prontas, interpretações únicas e superficiais, estes livros apenas “ensinam” sem deixar espaço para questionamentos e conflitos. Desse tipo de  “politicamente correto” eu também tenho ranço.

Livros que distanciam as crianças de problemas e arquétipos tão humanos e tão reais pode gerar seres incapazes de lidar com as diferenças e com o outro. Despreparados para reconhecer a diversidade de que somos feitos em essência, as crianças entram em conflito com o que esperam dela e acredita que há seres humanos passíveis de serem explicados.

Isso, para mim, dá mais medo que Lobo Mau, piratas ou a bruxa mais malvada dos contos de fadas que são condenados pelos que se dizem a favor do “”politicamente correto””.

Enfim, não concordei com muitas passagens do livro e não discordei de outras tantas. Achei válido ter lido e ter refletido sobre diversos pontos em que nunca havia pensado. Sigo militando a favor do “politicamente correto” mas sem deixar, como Brenman, que amordacem a Emília.

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230 – As traumáticas aventuras do Filho de Freud de Pacha Urbano

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Quer morrer de rir e se divertir a vera e a brinca? Pois, conheçam essa série As traumáticas aventuras do Filho de Freud de Pacha Urbano.

Pacha Urbano imagina o cotidiano nada convencional da família do criador da psicanálise. O protagonista é Jean-Martin, o primogênito, um devorador de livros que tenta a todo custo agradar ao pai, muitas vezes fazendo confusões com os conceitos defendidos por ele. Jean é frequentemente enganado pela irmã caçula, Anna, uma criança que faz ironias dignas de adulto, literalmente apaixonada pelo pai e interessada nas facetas mais hediondas do ser humano – uma sátira à futura psicanalista que a verdadeira Anna Freud veio a se tornar. A esposa Martha, o corvo Edgard e o cão Jo-Fi completam o clã. Tive que pesquisar na internet. Jean Martin e Anna existem!

Falar em sexualidade infantil virou coisa de comunista hoje em dia. Pacha Urbano ajuda a desmistificar tudo isso apresentando as ideias de Freud e nos fazendo chorar de rir com as possíveis traumáticas aventuras do filho do pai da psicanálise, em sua condição de pai de Jean e Anna.

Vamos ouvir sobre Complexo de Édipo e de Electra, Ego, Id, Superego e narcisismo com a participação hilária de Jung! Pacha não é psicanalista, por incrível que pareça. Apenas um curioso com uma criatividade e um talento invejáveis.

Os personagens são fortes, ficam retidos na gente mesmo quando fechamos o livro. Os diálogos são inteligentíssimos e as ilustrações simples e fofuréééésimas!

Amei conhecer todas essa turma que saiu da mente brilhante de Pacha Urbano. Super indico para qualquer um quer goste de psicanálise quer ame se divertir.

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229 – Iscola… o crime de Rose Araujo

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“Iscola… o crime” é uma coletânea das tiras de quadrinhos criadas em 2006 e publicadas no jornal Graphiq (SP) desde 2007 feita pela cartunista carioca Rose Araujo que fez também no Jornal Extra (Revista Canal Extra – RJ) as tirinhas “Os Amigos da Lis” de 1998 até 2012.

O livro  retrata o atual universo escolar cheio de problemas como violência, dificuldade de aprendizagem, bullying e desvalorização do profissional de educação. Rose faz tudo isso com, pasme, muito humor através dos personagens criados por ela (uma turma de alunos anônimos, que têm suas identidades ocultadas e protegidas por tarjas pretas, capuzes e bonés).

Uma simples ordem “arme e efetue” pode virar motivo de confusão na escola. O pior, essa história é real.

O livro é uma experiência sensorial porque seu formato remete aos antigos cadernos escolares pautados. Além disso, intercalando com as tiras, Rose trouxe fragmentos trabalhos de alunos e reportagens que mostram a violência que testemunhamos em nossas salas de aula.

A gente ri, a gente chora, a gente se diverte e se desespera. É isso que “Iscola… o crime” provoca em nós.

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228 – Dez textos de Eduardo Marinho

Eduardo Marinho para quem não conhece é um “filósofo de rua” que ficou famoso porque algumas pessoas o filmaram falando e postaram em redes sociais. A história dele é impressionante e sugiro, para quem nunca viu nada, fuçar no Youtube e ver qualquer coisa dele.

Tive a honra de conhecê-lo pessoalmente. Como não sou de deixar passar as oportunidades, fiz várias perguntas a ele e absorvi o máximo daquele encontro. Na ocasião (não poderia ter sido mais linda porque ambos estávamos participando da reabertura da Biblioteca Parque aqui no Rio), comprei o livro dele onde se tem um breve resumo de suas ideias. Não encontramos aqui a vivência narrada nos vídeos, mas seus textos impressionam pela força.

Esse livro não vende em livrarias e acho que nem na internet. Eduardo Marinho não se tornou um produto e nem uma marca. É autêntico até nisso. Para comprar, tem que ser direto com ele que expõe sempre sua arte nas ruas de Santa Teresa.

Vou dizer, esse livro é um tapa na cara. Já li muita gente legal, acadêmicos e coisa e tal. Em nada, Eduardo Marinho deixa a desejar. Sua inteligência é nata e suas verdades alavancam nossas ideias.

Feliz por ter visto de perto que é tudo real e genuíno. Um privilégio ter lido esse grande filósofo.

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227- Persépolis de Marjane Satrapi

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Ganhei esse livro de presente do Pipo que me viu lendo Pílulas Azuis e me deleitando com quadrinhos. Eu que nunca gostei de HQs saí de um maravilhoso e fui para um épico.

Marjane Satrapi tinha apenas dez anos quando se viu obrigada a usar o véu islâmico, numa sala de aula só de meninas. Nascida numa família moderna e politizada, em 1979 ela assistiu ao início da revolução que lançou o Irã nas trevas do regime xiita – apenas mais um capítulo nos muitos séculos de opressão do povo persa.

O livro é autobiográfico e vai desde a infância até a vida adulta.  O que impressiona demais é a semelhança de sentimentos em relação à libertação da mulher. Não importa o lugar do mundo.

O mais lindo é saber que foi escrito por uma mulher. Esse universo do HQs é repleto de homens. Difícil ver mulher sobressaindo nesse meio. Pela história, pelos desenhos, pela sensibilidade, por existir, Marjane Satrapi fez a diferença no mundo e em minha biblioteca.

Em Persépolis, o oriente toca o ocidente, o humor se infiltra no drama – e o Irã parece muito mais próximo do que poderíamos suspeitar. Achei incrível a semelhança em vários níveis. Ri, chorei, refleti…

Manas, comprem Persépolis. Leiam Persépolis. Indiquem Persépolis.

 

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226- Pílulas Azuis de Frederik Peeters

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Ganhei esse livro de aniversário de um amigo que me conhece muito bem. Ao me dar esse presente ele me disse: “Você não gosta de histórias em quadrinhos (HQ), mas vai amar isso aqui.”

Peguei Pílulas Azuis como quem pega uma fralda suja. Sou chata com essa coisa de livros. Amo literatura e tenho lá meu pé atrás com HQs como bem sabe Sérgio Duarte, quem me deu essa preciosidade.

O livro é uma obra de arte. Lindo do inicio ao fim. Um novelão baseado em fatos reais por ser autobiográfico. A foto de capa é uma passagem do livro de quando Peeters conhece uma garota. Me vi ali naquela cena porque quando conheci Pipo estávamos em uma festa. Ele me levou para um sofá e ali comunicou que estava me namorando. Era a segunda vez que nos víamos.

A minha história não tem absolutamente nada a ver com a que Peeters conta aqui, tirando o fato de que há uma constatação de que existem pessoas que foram feitas umas para as outras. Vale observar que “nascemos” várias vezes em uma vida a cada transformação.  Se me encontrasse com Pipo em outra época, não teria me ilhado com ele em um sofá tal como Peeters e Cati nesta belíssima ilustração.

Outro ponto maravilhoso neste livro é ter mostrado que somos muito complexos e que não nos conhecemos, tal como fazem os grandes livros de literatura. Quem diz que se conhece muito bem é porque vive na zona de conforto, ou seja, está morto e nem sabe. O livro traz uma história forte e Peeters se vê mergulhado num mar de emoções contraditórias que confluem. Não vou contar nada sobre o drama que eles viveram. Apenas leiam Pílulas Azuis se quiserem se distrair muito e aprender um bocado.

Aviso: Frederik Peeters foi uma porta de entrada para drogas mais pesadas. Depois dele,  já li mais uns seis livros de HQs de outros autores e me viciei nisso


225- Porta de tinturaria de Aldir Blanc

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Não vou discutir o talento de Aldir Blanc para falar sobre o cotidiano. Vou discutir a orelha do livro assinada pelos editores que fala que este livro, publicado há 36 anos “continua atual”.

O livro reúne várias crônicas e são poucas que não trazem um conteúdo machista. Sou leitora voraz, gosto de ler quem pensa diferente de mim porque sinto que ao ser confrontada, cresço. Porém, confesso, tive que ter estômago. Já ri muito com Aldir em outras épocas, mas não consegui mais relaxar vendo a mulher o tempo todo sendo tratada como um objeto sexual como foi de capa â capa neste livro.

O prefácio é de Paulo Emílio Leite que, óbvio, enche o livro de elogios e diz que Aldir é um lírico. Mário Prata assina a contra-capa  e diz que “Não seria exagero dizer que Aldir Blanc reúne literatura gaiata de Sergio Porto com a dramática de Nelson Rodrigues, se apropriando do lirismo prosaico de Manoel Bandeira”. Prata resume bem o livro: “Brilhantes e loiras falsas transitam por bordéis sórdidos nas histórias de simpáticos cafajestes de botequins”.   Sim, o livro é isso praticamente. Mas não é só isso.

Empregada doméstica é boneca inflável aqui. Não tem sentimentos, vontade e muito menos merece o mínimo de respeito e nem cuidado na narrativa. Uma cena de estupro narrada com naturalidade me chamou a atenção:

“Velhos chapinhas de praia do Tavinho, jantaram juntos Marluce, pobre odalisca natural do Recife que, depois de comida, foi atirada seminua, ironicamente, no Jardim de Alá”. Marluce era a tal “mulata gostosa” que tinha o sonho de ir ao baile do Monte Líbano, trabalhava de arrumadeira na Visconde de Pirajá. Tavinho era o “filho da patroa”.

“Porta de tinturaria” me serviu para uma coisa: entender mais ainda o feminismo das mulheres pretas porque mulher para muitos homens é um ser submisso. Mas mulher preta nem ser humano eles, os personagens “atuais” deste livro, consideram. A literatura escancara isso. Fernando Sabino que o diga… Duro foi ouvir que esta é um “obra atual”.

Há crônicas de Aldir Blanc que fogem do preconceito, mas as que os expõe, a meu ver, faz deste livro, uma obra indigesta. Comprei porque não posso ver um livro de crônicas na livraria dando sopa. Não me arrependo de tê-lo lido pelo motivo acima mencionado. Perceber o preconceito na linguagem é fundamental para desconstruí-lo em nós.

 

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224- Feminismo em comum para todas, todes e todos de Marcia Tiburi

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Marcia Tiburi tem o currículo que me causa inveja. Li muitos livros dela, vi várias entrevistas e a sua lucidez e calma me assustam mas, ao mesmo tempo, me inspiram.

Comprei esse livro por um motivo. Por que Todos? Como Tiburi vai incluir o objeto causador da opressão nessa luta? Ando cansada de ver homens querendo aparecer utilizando de forma errada a bandeira do feminismo. Por isso, quis ouvir Tiburi porque desconstrução é o que há. Pensar sobre a natureza dos meus preconceitos é sempre um ato que me tira da zona de conforto, esse local que se morre em vida.

Tiburi reforça a ideia de que precisamos, nós mulheres, ser donas da nossa própria sexualidade  porque o corpo feminino, assim como o corpo marcado como negro e o corpo usado precisa ser devolvido a si mesmo. Nesse ponto, o feminismo se torna um gênero, uma nome que se dá a nossa consciência política.

Não aguento mais ouvir de homens (e até mesmo de mulheres) que não conseguimos nos unir porque há uma predisposição que nos confere uma inconfiabilidade natural. Esse discurso misógino porque nos associa à histeria foi feito para abalar a relação das mulheres e contribui para que não confiemos umas nas outras. De onde surgiu essa ideia? Tiburi nos convida a pensar sobre sua origem.

Desmontar essa máquina misógina patriarcal é desativar um programa de pensamento que orienta nosso comportamento. Nessa esteira, o feminismo é a própria democracia que queremos que interroga sobre os direitos de todos que sofrem sob jugos diversos, em cenários nos quais o poder do capital estabelece diversas formas de violência.

Desmontar a ideia do “feminino” como algo ligado á doçura é urgente. Por sermos consideradas frágeis de de fácil dominação muitas são espancadas até a morte. Segue daí, uma discussão sobre o que é ser mulher. Se o feminismo luta pela igualdade e pela desconstrução desse conceito tal como ele sempre foi usado (beijo, Beauvoir!), por que excluir os homens dessa discussão? O feminismo liberou as pessoas de ter a obrigação de se identificar como mulher ou homem e ajudou a abrir espaço para várias expressões de sexualidade. Excluir homens de nossos movimentos e querer calá-los é uma atitude contraditória porque eles não podem falar sobre o que sentimos como seres oprimidos, mas podem também ter sofrido com toda essa estrutura patriarcal e ser também contra ela.

Enfim, aprendi um bocado, para variar, com Marcia Tiburi. Fica a dica para as manas, manes e manos.

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223- A vítima tem sempre razão? de Francisco Bosco

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Ler é um exercício e tanto. Somos obrigados a ficar em silêncio, concentrados, ouvindo o que o outro tem a nos dizer.  A princípio, nem deveria perder meu tempo lendo um livro com esse título, mas sou dessas. Gosto de ter minhas ideias confrontadas.

O livro trata das dinâmicas dos linchamentos digitais, que se tornaram frequentes e frisa que os melhores encaminhamentos para problemas de indivíduos concretos estão na identificação e na transformação de problemas estruturais e aponta o tempo todo que a empatia distorce julgamentos morais de modo muito próximo ao que faz o preconceito.

Tive vontade de tacar o livro longe quando Bosco se pergunta: Até que ponto o desequilíbrio vigente nas sociedades patriarcais compromete a autonomia desse exercício? retroagindo ao fundamento: até que ponto as sociedades democráticas contemporâneas são patriarcais?

Não parei a leitura. Fui em frente porque sei que as relações humanas são demasiadas ambíguas. Quanto mais amor, mais ódio, quanto mais entrega, mais desejo de romper. O ser humano é extremamente abusado no quesito sentir. Por outro lado, Bosco analisa de forma detalhada como surgem os movimentos identitários, cita grandes filósofos como Foucault e mostra que as lutas identitárias emergiram também como uma resposta à dominação do poder não institucional diversa do modelo centrado na primazia da classes sociais. Aquilo que define uma relação de poder é um modo de ação que não age direta e imediatamente sobre os outros, mas que age sobre sua própria ação, nos diria Foucault. E daí, Bosco encalacra na natureza do “poder”.

Foi exatamente essa coisa difusa de “poder” que permitiu aos interessados em suas consequências, defender no espaço público que ele não existe, que denúncias de seu funcionamento são paranoicas. Bosco analisa alguns casos famosos como o clipe de Malu Magalhães, Marchinhas de Carnaval e outras polêmicas geradas em redes sociais. Parece que ele entende que partimos da premissa de que as representações e a nossa linguagem naturalizam preconceitos, contribuindo para a reprodução efetiva em nossas relações e parece também que ele entende a necessidade de desconstruir essas representações e repensar na estrutura da nossa fala para interromper o circuito reprodutor de preconceitos. No entanto, ele bate na tecla de que todo militantismo se choca com uma dificuldade: levar em conta a diversidade da realidades. Nesse ponto, suas colocações me fizeram refletir sobre uma possível cegueira já que vários linchamentos têm se dado contra pessoas que pertencem ao mesmo espectro político daqueles que os atacam.

O problema é que a realidade não é dicotômica como mostram as novelas. Há várias verdades co-existindo e querer simplificar o nosso comportamento é um desserviço no caminho de entender minimamente tudo o que está acontecendo. Nesse sentido, entendendo que Bosco não me representa totalmente, não posso deixar de parabenizá-lo pelas análises profundas e agradecer pela reflexão que ele promoveu em mim.

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222- Mundo da Lua e Miscelanea de Monteiro Lobato

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Passei por um sebo e vi por 10 reais. Como não?  Adoro ler devaneios de escritores, rascunhos, cartas… sou dessas, bem fofoqueira.

Monteiro Lobato dispensa apresentações. Tem sido alvo de polêmica por ter sido acusado de racista pelos movimentos identitários e ter seus livros a ponto de serem proibidos pelo MEC. Defendê-lo dizendo que Lobato “é um homem do seu tempo” é uma falácia e não estou aqui em sua defesa, vale frisar.

Há, pela razão que somos todos extremamente complexos, pessoas geniais e ao mesmo tempo hiper preconceituosas. A princípio isso não deveria acontecer, mas acontece. Encontramos isso no campo das artes aos montes. Monteiro Lobato é um deles. Além de racista (como já mostrado em muitas passagens de seus textos), ele foi extremamente machista. Mulher para ele não era nem gente, pelo que entendi aqui.

“Não sei de homem que se casasse com mulher cega ou aleijada – e não há cego ou aleijado que não encontre esposa”.

“Acentua-se o antagonismo de crenças entre o homem e a mulher. Aquele professa o livre pensamento, ou a indiferença, mesmo quando se crê ou se diz religioso, porque a mentalidade do homem evolui. A da mulher não. O cérebro da mulher não digere as ideias recebidas. Conserva intactas todas as noções que lhe inculcam e criança ou moça. Conheço inúmeras que não passam de bichos ensinados. A beata, a feminista, a literata, a “terceira”, a filha de Maria, são bichos ensinados, papagaios que decoram crenças e creem sem exame”.

O livro traz anotações livres de Lobato, portanto, não se trata de um personagem falando e sim dele próprio. Só tem isso? Não. Há passagens lindíssimas também. Há outras que demonstram que, se vivo, ele seria do time da extrema-direita pois demonstra acreditar que há quem nasceu para ser escravo e quem nasceu para governar (os letrados).

Enfim, conheci melhor o lado (des)humano de Monteiro Lobato. Antes, para mim, ele estava em outro nível: os do meta-humanos, dos gênios, ao lado dos super-heróis. O livro serviu para que eu, mais uma vez, percebesse que não cabemos em caixas. Isso fez com que eu admirasse menos a sua obra? De forma alguma. Mas me colocou, para variar, no topo da montanha sentada em uma pedra com a mão no queixo a refletir.

Por que diabos somos tão multifacetados? Haverá, um dia, uma ciência que nos explique? Como posso amar e odiar alguém ao mesmo tempo? De onde surge o preconceito? De onde vem essa vontade louca de ler tudo o que Lobato escreveu?

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221- Minha vida é um blog aberto de Elika Takimoto, resenha feita por Gabi Orlandim:

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Encontrei essa resenha na internet. Achei fofa e vou deixar aqui para guardar para mim e vai que alguém se interesse:

“Nesta coletânea de crônicas, encontramos várias divagações sobre a vida da Elika e vários trechos bem engraçados. A autora tem esse humor, de fazer piada consigo mesma, que é impossível não divertir o leitor. Entre um capítulo e outro, ela aborda a sua vida de mãe (quando às vezes precisa fazer coisas mirabolantes pra cuidar dos filhos), sua carreira acadêmica e as viagens a trabalho (e um certo incidente com uma roupa de mergulho pequena demais – eu ri muito!). Além disso, a autora fala sobre incidentes do dia a dia, como conversar com alguém e não lembrar o nome, lembranças da infância e vários outros assuntos que ela vai devaneando ao longo das páginas.

O ponto diferencial deste livro é, com certeza, a linguagem. Elika escreve de forma a imitar a língua falada ou o pensamento. Muitas vezes, inclusive, ela não faz uso da vírgula, expressando a rapidez do pensamento. Ou ainda escreve de forma “errada” propositalmente, para demonstrar a língua falada no subúrbio do Rio de Janeiro, onde vive.

Eu adoro livros de crônicas porque, além de rápidos de ler, nos permitem adentrar em várias situações engraçadas ou reflexivas. Minha vida é um blog aberto é, em suma, uma coletânea divertida que leitor nenhum, fã de histórias curtas, vai querer perder. E aposto que depois vai correr ao blog pra continuar lendo! 🙂

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220 – Como enlouquecer seu professor de física de Elika Takimoto. Resenha feita por Rodolfo Cordón.

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Vou abrir uma exceção aqui e colocar essa resenha do meu livro feita por nada menos que Rodolfo Cordón, escritor, ator, um dos integrantes do G7 – cia de comédia -, poeta, artista completo e, quis o destino, hoje, meu amigo:

“Conheci a Elika Takimoto por intermédio do meu grande amigo e irmão Ricardo Garcia. Graças a ele também, consegui um exemplar de “Como Enlouquecer Seu Professor de Física” e decidi retribuir a gentileza escrevendo esta resenha.

Elika Takimoto é doutora em filosofia, mestre em História das Ciências e das Técnicas, graduada em Física e coordenadora do CEFET no Rio de Janeiro. E além disso tudo, tem uma incrível capacidade literária.

O livro é muito bonito, bem escrito e conta as histórias de Hideo e o seu professor Inácio, passeando por temas interessantíssimos da filosofia da ciência e da física, com pontuais e brilhantes intervenções com questões sobre ética, direitos dos animais e até uma pitada de Pavarotti.

É um livro que todo mundo deveria ler e que eu adoraria ter lido mais novo. Por outro lado, o fato de eu ter estudado um pouco de filosofia da ciência, física quântica e os vários modelos e paradigmas da linguagem da sociedade, me fez voltar no tempo. Em alguns momentos, senti-me novamente na cadeira péssima da UnB, na aula do ótimo professor Cristiano Paixão, discutindo se o princípio de Heisenberg estava vivo ou morto.

O mais interessante do livro é a “disputa” saudável entre professor e aluno. Com a adoção de uma dinâmica literária muito dialética e eu diria até maiêutica, em que se questiona a verdadeira fonte do saber. Nem só o professor ensina como nem só o aluno aprende. Obrigo-me a imaginar como seria lindo se nosso país seguisse esse estilo de “ensinar”.

A esperança é que existam mais Elika Takimoto. Ela que é verdadeiramente a professora e a aluna desta cativante história, bem como a energia que transita em várias passagens supostamente autobiográficas. Mas afinal, se não podemos ter certeza de nada que observamos, por que não olharmos para dentro de nós mesmos?
Eu recomendo muito esta leitura. Parabéns para a querida e gentil Elika Takimoto, parafraseando Manoel de Barros, “você pode medir a ciência mas a ciência não pode medir os seus encantos literários”.

“Como enlouquecer seu professor de física” deveria ser obrigatório nas escolas, ou pelo menos, nos cinemas. Em contraposição a uma estranha tendência de alguns comediantes que preferem focar no pior das pessoas, o livro espalha a mensagem de que, dependendo da referência, melhor e pior sequer existem.

Captou?”

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219 – Garotas&Sexo de Peggy Orenstein

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Eu não sei exatamente como esse livro veio parar em minhas mãos. Sei que jamais o compraria por acreditar que manjo tudo sobre o assunto. Antes de colocar na prateleira dos livros-que-um-dia-quem-sabe-leio, abri para ler o prefácio na sexta de noite. Domingo acabei de ler o livro.

Eu não sabia, mas Peggy Orenstein é uma referência no tema juventude e sexualidade nos Estados Unidos. No início, pensei que fosse mais uma sexóloga repetindo coisas que já ouvi. Que nada, minha gente. 

Orenstein entrevistou dezenas de garotas (de diferentes origens e orientações sexuais) no ensino médio e na faculdade, além de psicólogas, educadoras e especialistas. As conversas, sempre francas e reveladoras, apresentaram, para mim, um quadro perturbador. Peguei-me pensando sobre um tema que estava crente crente crente que dominava!

Orenstein aborda temas que já conhecemos bem como cultura do estupro, machismo, virgindade, pornografia e falta de informação sobre o prazer feminino. Mas ainda assim, aprendi um bocado! Esses assuntos, definitivamente, são inesgotáveis.


218 – A Utilidade do Inútil de Nuccio Ordine

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Há tempos invisto quase todo o meu tempo e meu dinheiro em coisas que não me darão retorno financeiro. Aulas de teatro e música para meus filhos, peças e peças teatrais, cinema, shows, espetáculos e livros, livros e mais livros. Muitos questionam sobre nosso futuro. O pior que pode nos acontecer e sermos mais humildes do que já somos mas, certamente, mais humanos e felizes também.

Acredito que há saberes considerados “inúteis” que são indispensáveis para o nosso crescimento pessoal. Útil, portanto, é tudo aquilo que nos ajuda a termos uma vida mais plena e um mundo melhor.  Em defesa da arte, Ordine fala tudo o que queria falar.

“Não nos damos conta, de fato, de que a literatura e os saberes humanísticos, a cultura e a educação constituem o líquido amniótico ideal no qual podem se desenvolver vigorosamente as ideias de democracia, liberdade, justiça, laicidade, igualdade, direito à crítica, tolerância, solidariedade e bem comum”.

Ele aprofunda argumentos como esse que considerei muito bons para mostrar que essa lógica de acumular dinheiro e poder (apenas pelo dinheiro e pelo poder) é desumana.

A estrutura do livro é bem diferente. O livro é composto de de capítulos curtos, diretos, não necessariamente conectados uns com os outros, e funciona como um compêndio de sacadas que o filósofo teve ao longo dos anos, dando aulas sobre o assunto na Universidade de Calábria.

E ainda tem a cereja do bolo. Ordine completa o livro com um ensaio do famoso educador americano Abraham Flexner, inédito traduzido para o português, que prova como também as ciências exatas nos ensinam a utilidade do inútil. Uau! Que pérola, minha gente…

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217 – O Eterno marido de Fiódor Dostoiévski

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Spoiler. O livro poderia se chamar O Eterno Corno.

Dostoiévski. Bom situá-lo. Dostoiévski foi um escritor russo do século XIX. É considerado um dos maiores romancistas de todos os tempos. É um dos pais do existencialismo – escola literária e filosófica que fala da liberdade individual, subjetividade e responsabilidade do ser humano.

Abrir um livro de um monstro como Dostoiévski tem lá os seus efeitos. Duas viagens:

Uma é no tempo e no espaço, viagem que a literatura proporciona com maestria. Em O Eterno Marido, por exemplo, vemos um desfile dos costumes russos do século XIX. Conheci a vida boêmia dos solteiros e viúvos daquele local. Vi homens arrumando facilmente amantes, noivas ou esposas. Também testemunhei preconceitos de idades, classes sociais e gêneros. Descobri as tradições do beijo na boca entre homens em sinal de amizade, do crepe no chapéu como luto, das cuspidas de desprezo. Vi a influência francesa na Rússia que foi evidenciada no beber champanhe ao invés de vodca e no uso de expressões e palavras. Dostoievski cita peças teatrais e músicas conhecidas da época que se harmonizam com a história. Ou seja, galeris, cultura.

A outra viagem não sei muito bem explicar. Arrisco-me colocar alguns trechos para ver se vocês conseguem entender do que se trata:

“Existem mulheres predispostas inconscientemente a serem esposas infiéis. Antes de se casarem são modelos de virtude, mas depois se tornam dominadoras e veem a infidelidade apenas como um mero aspecto do casamento.”

“Toda esposa infiel tem um parceiro que a aceita assim. São os “eternos maridos””

“Pode-se amar alguém pelo ódio que se sente por ele. Páviel admirava Vieltchâninov por sua cultura antes de descobrir que era amante da esposa. Por ser de personalidade inocente, facilmente enganável, quando confrontado com a verdade, perdeu-se entre sentimentos e pensamentos. Como poderia odiar quem sempre admirou por uma falta cometida há tantos anos?”

“Existem homicidas não premeditados, irracionais, impulsivos. Estes estariam na teoria do crime andando sobre a linha tênue que separa os criminosos culposos dos dolosos, podendo desiquilibrar-se e cair tanto para um lado quanto para outro.”

Daí que lendo essas passagens e tantas outros fiquei a refletir sobre a natureza humana. Dostoiévski  entra em méritos psicológicos e emocionais, de forma nada ingênua e nem romântica demais.

A história é simples. O protagonista Vieltcháninov reencontra Páviel Pávlovitch Trusótski que foi casado com Natália Vassílievna  que foi amante de Vieltcháninov e agora está morta. Natália, porém, deixa uma filha, Lisa, que assim como Capitu, Bento e Escobar (personagens de Dom Casmurro), ficamos sem saber se Lisa é ou não filha do amante. Lisa é, nesse paralelo, os olhos de Capitu.

Certezas são coisas que ficam suspensas em toda a  história, que envolve o surgimento de uma amizade um tanto quanto estranha entre os dois homens. Ao mesmo tempo em que parecem odiar-se e temer-se, comportam-se como  amigos de infância, quase que confidentes que acreditam, porém, conservar seus segredos longe um do outro.

Eu ficava sem entender patavinas em diversas passagens ao mesmo tempo em que me via, em parte, em todas elas. Talvez porque O Eterno Marido não seja uma novela e sim literatura nível hard onde as coisas não dão certo no final, o tempo não cura nada, e o amor não salva. Assim como a vida.


216 – Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire

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Paulo Freire dispensa apresentações. Quanto ao livro, acho que idem. Vai aqui a minha impressão sobre o mundo: não devemos julgar ninguém pela cor da pele, por ser gay, bi, trans, fluido, vegano ou pelo gosto musical. O critério é: se falar mal de Paulo Freire trata-se de um completo imbecil. Perceba, pode até discordar de algumas ideias deles, daí para falar mal ou querer diminui-lo em qualquer esfera, friso, trata-se de um imbecil.

Neste livro específico, Paulo Freire procura apresentar uma reflexão sobre a relação entre educadores e educandos, elaborando propostas de práticas que visam a desenvolver a autonomia, a capacidade crítica e a valorização da cultura.

Vou colocar aqui o sumário para vocês sentirem o nível do monstro:

Cap. 1 – Não há docência sem discência
1.1 – Ensinar exige rigorosidade metódica 14
1.2 – Ensinar exige pesquisa 15
1.3 – Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos 16
1.4 – Ensinar exige criticidade 17
1.5 – Ensinar exige estética e ética 18
1.6 – Ensinar exige corporeificação das palavras pelo exemplo 19
1.7 – Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a discriminação 20
1.8 – Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática 22
1.9 – Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural 23
Cap. 2 – Ensinar não é transferir conhecimento
2.1 – Ensinar exige consciência do inacabado 28
2.2 – Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado 31
2.3 – Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando 34
2.4 – Ensinar exige bom senso 36
2.5 – Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores 39
2.6 – Ensinar exige apreensão da realidade 41
2.7 – Ensinar exige alegria e esperança 43
2.8 – Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível 46
2.9 – Ensinar exige curiosidade 51
Cap. 3 – Ensinar é uma especificidade humana
3.1 – Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade 56
3.2 – Ensinar exige comprometimento 59
3.3 – Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo 61
3.4 – Ensinar exige liberdade a autoridade 64
3.5 – Ensinar exige tomada consciente de decisões 68
3.6 – Ensinar exige saber escutar 70
3.7 – Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica 79
3.8 – Ensinar exige disponibilidade para o diálogo 86
3.9 – Ensinar exige querer bem aos educandos 90

Menos de 100 páginas. Dá para ser lido em uma tarde e vai levar uma vida para digerir tamanha sabedoria.

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215 – Jane, a raposa e eu de Isabelle Assenault e Fanny Britt.

Obra de arte. Livro lindíssimo feito com  uma delicadeza de arrancar suspiros.

A autora Fanny Britt e a ilustradora Isabelle Arsenault se juntaram para contar a história de Hélène, uma garota de Montreal que foi abandonada pelo grupo de amigas e se vê isolada na escola, vítima de piadas e perseguições. A obra trata do isolamento causado pelo bullying de um modo muito real, incluindo as mentiras que Hélène conta para a mãe. A obra apresenta com delicada precisão a crueldade que as crianças e jovens podem desenvolver entre eles.

Enquanto tenta sobreviver ao dia a dia e ficar invisível, a garota encontra refúgio onde? em um livro! Achei lindo isso… O livro Jane Eyre. A história de Jane, que se acha feia e desinteressante, é um reflexo de Hélène. O livro acaba sendo uma proteção também física,  uma verdadeira barreira entre ela e o mundo (super me identifiquei), principalmente quando Hélène é obrigada a ir para um acampamento com a turma.

A trama é simples, mas contada com maestria. O uso de Jane Eyre é como uma dança harmoniosa: a identificação de Hélène com a personagem faz sentido e acompanhamos sua leitura da história até o final feliz de Jane, que Hélène não crê que acontecerá com ela.

Para completar a poesia, contrastando com o mundo preto-e-branco do dia a dia de Hélène, as partes que tratam de Jane Eyre são coloridas. Assim que adentra ao universo onde a – também oprimida – Jane Eyre busca sua emancipação, o belíssimo traço cinzento de Isabelle Arsenault ganha fortes e bem marcadas cores, enfatizando esses momentos de escapismos da personagem principal. Ou seja, o uso da cor continua transmitindo as sensações da protagonista, e também aparece em um encontro singelo com uma raposa que encanta a garota.

A natureza está sempre presente nas páginas do álbum, até mesmo no retrato do meio urbano. É também com essa mesma natureza ao redor que a personagem evidencia tanto as suas angústias e decepções, quanto seus momentos de bem-estar, sozinha ou ao lado da mãe.

A leitura é rapidinha, a edição está impecável e o livro é lindo!

Recomendo!


214- A águia e a galinha de Leonardo Boff

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Para quem não sabe, Leonardo Boff formou-se em Teologia e Filosofia no Brasil e na Alemanha. Durante mais de vinte anos foi professor de Teologia Sistemática no Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis. Por vários anos esteve à frente do editorial religioso da Editora Vozes. Junto com outros ajudou a formular a Teologia da Libertação, que por causa desta teve conflitos com a Igreja Católica, sendo proibido de dar aulas por um determinado período e a fazer um ano de silêncio. Mais tarde foi professor de Ética e Filosofia da Religião na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É autor de mais de sessenta livros ligados à teologia, à filosofia, à espiritualidade e à ecologia, em sua grande maioria publicada pela Editora Vozes. É membro da Comissão da Carta da Terra. Em 2002, em razão de seu compromisso com o direito dos pobres, ganhou o prêmio Nobel alternativo para a paz.

Ou seja…

O livro para mim agradou e desagradou. Explico-me. A história da águia e da galinha é riquíssima em muitos níveis e Boff aprofundou todos eles. Porém, em muitos foram para o lado místico e eu não sou lá muito chegada a isso. Em alguns momentos, o livro teve um quê de auto-ajuda e eu tenho verdadeiro repúdio aos livros dessa estirpe.

Surpreendentemente, a despeito dessa crítica e de eu ter torcido o nariz em muitos parágrafos, eu preferi ter lido este livro do que não ter interagido com Boff.

A águia e a galinha divide-se em sete capítulos, onde conta a história de uma águia criada como uma galinha. Essa história é compreendida como uma metáfora da condição humana.

Ao ler o livro, você vai se confrontar com duas dimensões fundamentais da existência humana: a dimensão do enraizamento e do cotidiano que seria, óbvio, o símbolo da galinha e a dimensão da abertura, do desejo, do ilimitado, o símbolo da águia. A partir disso, Boff nos questiona maneiras de impedir que a cultura da homogeneização afogue a águia dentro de nós e nos impeça de voar.

Para dar uma resposta convincente a esses desafios, o autor visita tudo que tem direito. Ele fala sobre a moderna cosmologia, a nova antropologia, a psicologia, a ecologia e sobre os pontos que me causaram estranhamento e onde percebi o tom de auto-ajuda: a espiritualidade e a mística. O resultado é uma reflexão que pode provocar entusiasmo em quem se descubra águia no meio da leitura.

A mim, nada. Nem águia nem galinha. Vejo-me como um beija-flor.


213 – O fio das missangas de Mia Couto

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Mia Couto é gênio nessa arte e vou lhes dizer: atualmente não há escritor vivo que faça esse serviçomelhor do que ele. Conteúdo e forma se harmonizam por completo. Cada texto é uma escultura de ideias e de palavras. Arte pura.

Para quem não sabe, Mia Couto é um escritor moçambicano e já recebeu uma série de prêmios literários. Como disse, a meu ver, não há nada que se equipare. Sorte a nossa ele escrever em português, pois, sinto que ele é intradutível assim como Guimarães.

Já fiz resenhas de outros livros de Mia Couto, mas O fio das missangas tem algo de muito especial que não vi em outras obras dele: a sensibilidade chicobuarqueana ao narrar o universo feminino. Mia Couto conseguiu dar voz  a almas condenadas à não-existência, ao esquecimento. Como objetos descartados, uma vez esgotado seu valor de uso, as mulheres são aqui equiparadas ora a uma saia velha, ora a um cesto de comida, ora, justamente, a um fio de missangas.

Agora, estou sentada olhando a saia rodada, a saia amarfanhosa, almarrotada. E parece que me sento sobre a minha própria vida.

Exemplos:

  • No conto o Cesto:
“Pela milésima vez me preparo para ir visitar meu marido ao hospital. Passo uma água pela cara, penteio-me com os dedos, endireito o eterno vestido. Há muito que não me detenho no espelho. Sei que, se me olhar, não reconhecerei os olhos que me olham. Tanta vez já fui em visita hospitalar, que eu mesma adoeci. Não foi doença cardíaca, que coração, esse já não o tenho. Nem mal de cabeça porque há muito que embaciei o juízo. Vivo num rio sem fundo, meus pés de noite se levantam da cama e vagueiam para fora do meu corpo. Como se, afinal, o meu marido continuasse dormindo a meu lado e eu, como sempre fiz, me retirasse para outro quarto no meio da noite. Tínhamos não camas separadas, mas sonos apartados.”
  •  No conto A saia almarrotada:
“Na minha vila, a única vila do mundo, as Mulheres sonhavam com vestidos novos para saírem. Para serem abraçadas pela felicidade. A mim, quando me deram a saia de rodar, eu me tranquei em casa. Mais que fechada, me apurei invisível, eternamente noturna. Nasci para cozinha, pano e pranto. Ensinaram-me tanta vergonha em sentir prazer, que acabei sentindo prazer em ter vergonha.”
  • No conto A despedideira:
“Há mulheres que querem que o seu homem seja o Sol. O meu quero-o nuvem. Há mulheres que falam na voz do seu homem. O meu que seja calado e eu, nele, guarde meus silêncios. Para que ele seja a minha voz quando Deus me pedir contas.
No resto, quero que tenha medo e me deixe ser mulher, mesmo que nem sempre sua. Que ele seja homem em breves doses. Que exista em marés, no ciclo das águas e dos ventos. E, vez em quando, seja mulher, tanto quanto eu. As suas mãos as quero firmes quando me despir. Mas ainda mais quero que ele me saiba vestir. Como se eu mesma me vestisse e ele fosse a mão da minha vaidade.”

Os neologismos do autor, que por mais que leia jamais me habituarei, para além de mera experimentação formalista, revelam-se chaves fundamentais de interpretação da leitura. É um deleite absurdo.

Mia Couto demora-se em lirismos que a sua maestria de ourives da língua consegue extrair de uma escrita simples, calcada em grande parte na fala do homem da sua terra, Moçambique, um pouco à maneira de Guimarães Rosa, um pouco Manoel de Barros, ídolos confessos do autor.

Há em O fio das missangas 29contos, um melhor do que o outro. Deixarei aqui, como aperitivo, um com o qual me identifiquei.

A infinita fiandeira

“A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.
E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem nem finalidade. Todo bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatias funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.
Para a mãe-aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.
– Não faço teias por instinto.
– Então, faz porquê?
– Faço por arte.
Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:
– Minha filha, quando é que acentas as patas na parede?
E o pai:
– Já eu me vejo em palpos de mim…
Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse:
– Estamos recebendo queixas do aranhal.
– O que é que dizem, mãe?
– Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.
Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro.
– Vai ver que custa menos que engolir mosca – disse a mãe.
E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?
A aranhiça levou o namorado a visitar sua coleção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.
A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime. Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Qaundo ela, já transfigurada., se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?
– Faço arte.
– Arte?
E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos – chamados de obras de arte – tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.”

Enfim, leiam Mia Couto. Bebam Mia Couto. Engulam Mia Couto.

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212 – A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato de Jessé Souza

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A Elite do Atraso é um livro para ser lido, debatido e questionado. É impossível reagir de maneira indiferente à leitura contundente de Jessé Souza a ideias difundidas na academia e na mídia. A Elite do Atraso discute a importância da escravidão na formação da sociedade brasileira e na perpetuação do ódio e da indiferença que permeiam as relações sociais e forma uma espécie de trilogia com os anteriores A ralé brasileira (2009) e A tolice da inteligência brasileira (2015).

A premissa da obra é de que os chamados donos do poder perpetuaram um modelo baseado na servidão, simbolizada pela “ralé” dos dias atuais. “É uma elite que entrega o país, sempre entregou, sempre produziu golpes de Estado”, afirma o autor. O livro defende que nada mais falso que atribuir as mazelas e desigualdades do Brasil a uma herança cultural portuguesa, como repetem muitos intelectuais brasileiros: “uma intelectualidade que diz besteiras como a de que viemos dos portugueses, que trata de uma herança ibérica maldita, de corruptos, e de uma autoestima de vira-lata, uma loucura repetida na sociedade nas escolas e na mídia”, dispara o sociólogo e cientista político Jessé Souza.

Em uma entrevista, Jessé mesmo explica o que tenta fazer com esse livro:

“Tento discutir a conjuntura atual, mas lançando uma luz histórica, uma genealogia. Isto é extremamente importante porque a imagem do Brasil que temos hoje, que nos é repassada nas escolas, em livros, jornais e outros meios, é uma imagem falsa. Ela afirma que viemos de Portugal e que, por conta disto, somos patrimonialistas, temos uma tendência à desonestidade e a corrupção. É aquela concepção de vira-lata do brasileiro, moldada por intelectuais brasileiros, o que é algo impressionante. Que outros moldem essa imagem, porque a partir dela poderão, por exemplo, receber a Petrobras a preço de banana, é até compreensível, embora lamentável. Agora, que nossos intelectuais montem uma imagem que nos limita e humilha, isso é inadmissível.”

“Faço uma reconstrução histórica, repondo a questão da verdadeira elite, que faz o assalto real à população brasileira, e que está no mercado. Porque, no fundo, se fizermos uma analogia entre esta corrupção que está tão na moda hoje em dia e o narcotráfico, os políticos desempenham o papel dos ‘aviõezinhos’. Eles não são os chefes, eles ficam é com as sobras. Quem realmente assalta a população são os oligopólios que impõem preços e os atravessadores financeiros que impõem a taxa de juros mais alta do mundo, embutida em tudo o que compramos. O nosso dinheiro, o de todas as classes, vai para essa pequena elite financeira. A construção real é esta.”

Enfim, sem dúvidas, a obra é de uma ousadia de assustar. Numa época em que a questão das desigualdades racial e social está nos grandes veículos de comunicação aos comentários nas redes sociais e até mesmo nas conversas das mesas de bar, o sociólogo Jessé Souza escancara o pacto dos donos do poder para perpetuar uma sociedade cruel forjada na escravidão.

Em tempos atuais, é uma luz diferente  a tudo isso que anda sendo debatido. Quer agrade ou não, o livro merece ser lido e considero válido, no que pese a total falta de rigor acadêmico, esse novo ângulo de contemplar a nossa história.

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211 – A Dieta do Chocolate de Rodolfo Ernesto

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Preciso ser sincera, jamais compraria esse livro dado o meu preconceito com a capa (não gosto de capas que usam fotos). Ganhei do próprio autor como presente assim que nos conhecemos em uma ocasião para lá de especial em Brasília.

Rodolfo Ernesto é um dos integrantes do grupo de teatro G7, conhecidos pelas comédias que já apresentaram e continuam apresentando pelos palcos do Brasil.

Vamos ao livro. A dieta do chocolate faz parte de uma coleção Contos de Humor que reúne quatro livros de contos com, histórias inéditas, um de cada componente do G7. Este livro, especificamente, é um misto de crônicas a la Minha Vida é um Blog Aberto e outras nada a ver com as minhas,  contos e  devaneios. Depois que o li, pensei que todos nós deveríamos escrever ao menos um conto e quando fôssemos apresentados, entregarmos o que produzimos como uma tentativa da pessoa nos conhecer melhor.

Eu que vivo disso – não no sentido financeiro e sim no que há de valor – senti que entendi um pouco mais sobre um ser humano – não no sentido da compreensão e sim na noção do tamanho do caos .

Enfim, estou feliz em adentrar um pouco na cabeça de uma pessoa tão sensível como Rodolfo. E foi uma experiência diferente ser apresentada assim a alguém. O cartão de visitas dele para mim não poderia ser mais especial.

Não é um livro de comédia. É um puta livro de textos super bem escritos plenos de uma criatividade que, deus me perdoe, morri de inveja. Eu quebrei minha cara mais uma vez com meus preconceitos.

Rodolfo, você é gênio e muito mais do que adorável.

A dieta do chocolate é diversão garantida em todos os sentidos.


210 – Pequeno tratado da Intolerância de Charb

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O caricaturista e jornalista francês Stéphane Charbonnier (ou Charb, como assinava) foi assassinado no atentado terrorista de 07 de janeiro de 205, em Pari, quando se tornou uma das 12 vítimas do ataque terrorista à sede do jornal.

Pequeno tratado da intolerância reúne 106 textos curtos, de um sarcasmo absoluto, nos quais Charb critica comportamentos, hábitos e práticas sociais contemporâneas (e também objetos, eventos, animais, o clima, conceitos, filosofias).

São crônicas que eu achei muito engraçadas tamanho mau humor ao serem escritas. Todas elas sugerem – ironicamente – a violência física e a morte, num exercício de saturação de nossa sensibilidade atordoada pela estupidez do comportamento “politicamente correto” e das boas e aleatórias “causas nobres” de nosso tempo. Após ler Pequeno tratado da intolerância, foi inevitável eu começar a pensar na minha própria lista de sentenças de morte.

Para vocês terem uma ideia, parte  do sumário:

Morte ao “bebe alguma coisa?”!
Morte aos que soltam balão de ar!
Morte aos decoradores de restaurantes!
Morte aos festivais!
Morte aos fetichistas nacionalistas!
Morte aos indecisos!
Morte aos óculos descolados!
Morte aos desenhos infantis no escritório!
Morte aos vendedores de roupa!
Morte à classe executiva!
Morte aos etiquetadores de maçãs!
Morte a  todos os que voltam da Índia! – morri com essa de tanto rir…
Morte aos farmacêuticos de jaleco!
Morte aos jovens papais!
Morte aos que têm medo da morte!
Morte aos pais de alunos!
Morte aos mamilos embaçados!
Morte ao champanhe obrigatório!
Morte à emoção das famílias de reféns!
Morte aos falsos anarquistas!
Morte aos coletes “bem vindo”!
Morte aos casais com filho!
Morte aos devotos sem fé! – a que eu mais gostei.

Charb sempre termina seus textos com um “Você há de concordar…” e um “Amém“. Um exemplo: “Você há de concordar, é preciso cozinhar os jornalistas no forno de micro-ondas para verificar a qual temperatura se derrete o gene das idéias feitas desses doutores Mengele da desinformação. Amém.”

Chorava de rir com esse Tratado. Em tempo, Charb era de esquerda e como muitos escritores deste lado, inteligentíssimo.

Se tiver estômago e mente aberta e estiver de bem com a vida, super recomendo!

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209 – Mensagem de uma mãe chinesa desconhecida de Xinran

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Meu nome é Elika Takimoto. Mas estou exatamente agora incorporada por um espírito,- chamemos assim – de uma mãe chinesa que, da mesma forma que milhares, foi obrigada a matar e/ou abandonar suas filhas.

Sou uma mulher do campo e aqui temos pavor de que o primeiro bebê seja uma menina. Isso significa, para nós, não receber nada do governo, nem um pedaço de terra e ainda ter mais uma boca para alimentar. Quando a menina cresce, temos que pagar as roupas do casamento. Até lá, elas são usadas como escravas a partir do momento que conseguem aprender a fazer algo. Carregam lenhas, cortam bambus, plantam sementes…

A gente do campo vive na miséria. Nós não sabemos ler nem escrever. Nossas casas não têm móveis. Dormimos no chão de barro seco.

Aqui, o filho homem cuida dos pais e as filhas mulheres dos sogros. Todas são obrigadas a casar. Com a lei do filho único que passou a valer na década de 80 para conter o aumento populacional, houve um aumento dramático de bebês meninas abandonadas. Não raro, assim que elas nasciam, ao saberem que não era um homem, eram afogadas em um balde que já estava pronto para isso. Outra forma comum, era colocar um pano úmido feito de um material bem barato em seus rostinhos para que elas morressem asfixiadas.

Não tínhamos como saber o sexo antes e se tivesse, abortaríamos com certeza se fosse menina.

Os orfanatos começaram a surgir por esse tempo. Por orfanato entendam um lugar sem berço, sem comida, sem roupa, sem fraldas, sem brinquedos… havia neles somente uma ou duas mulheres dispostas a não deixarem as bebezinhas morrerem sozinhas. Era um não-lugar. Um cemitério de bebês que ainda respiravam.

Quando em 1992 o governo chinês passou a permitir a adoção de crianças chinesas por estrangeiros, milhares de menininhas foram viver em outros países. Eu, uma mãe chinesa que já havia visto a morte matada de duas filhas, respirei aliviada quando estava grávida diante dessa possibilidade caso viesse outra menina. Dá muita pena tirar a vida de uma bebezinha perfeita.

E aconteceu de novo de eu engravidar.

Fui largada pelo meu marido que disse que eu não servia para gerar filho homem. Meus sogros não me aceitaram com a minha filha e, para meus pais, eu era um estorvo. A única chance de ela sobreviver seria abandoná-lá em um orfanato que agora recebia um apoio do governo depois da política de adoção.

Minha filha foi levada rapidamente por um casal de americanos.

Se eu tenho remorso? Eu sou uma das milhares de mulheres chinesas que tiraram a sua própria vida por não suportar a dor de ser mulher e de gerar uma mulher na China. A despeito do amor ser cultural, o amor materno – mesmo o não romantizado – existe. E ter que abortá-lo é um dos maiores crimes que a humanidade inventou.

Mensagem de uma mãe chinesa desconhecida de Xinran é um livro tão forte que nos faz sentir a presença de todas essas mães chinesas dentro da gente.

A sensação é que fui incorporada mesmo. Nunca mais vou me esquecer do que vi e percebi com essa meta experiência.

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208 – A Bíblia segundo Beliel de Flavio Aguiar

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Flávio Aguiar é pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro.

Em A Bíblia segundo Beliel, nos deparamos com personagens secundários das Sagradas Escrituras contando suas versões dos fatos. Temos aqui a história sob o ponto de vista de Caim, o filho desprezado, a versão da pomba de Noé, os bastidores do incêndio de Sodoma e Gomorra, como foi a fuga do Egito, temos também o testemunho dos Escravos de Jó, as memórias de um dos mercadores que teve a sua barraca destruída por Jesus e um depoimento divino de um diabo e de um anjo secundário.

Termina com o Apocalipse, é claro.

No meio dos contos, temos algumas intervenções interessantes. Se estivermos atentos, conseguimos identificar a presença de MArx, Rosa Luxemburgo, Maiakovski, Luiz carlos Prestes e outros canhotos ilustres.

Eu diria que o MBL não deveria ler esse livro. Ele não vai agradar muito a essa galera que, certamente, vai preparar uma fogueira para ele.

Quanto a mim, me diverti em várias passagens. Outras, nem tanto. Achei-as por demais cansativas pela linguagem ainda que percebesse a criatividade e a genialidade de Flavio Aguiar nelas.

Em tom de paródia, mas solidamente ancorada nas tradições bíblicas – que Flávio Aguiar, pesquisador e professor de literatura da USP, conhece como poucos –, A Bíblia segundo Beliel combina a leveza da chanchada com reflexões profundas e ousadas sobre temas como a religião, o fanatismo, a crença e a descrença, a opressão e a liberdade, a desigualdade e a justiça e, last but not least, o amor, como objetivo e possibilidade de redenção da humanidade.


207 – Meu querido Canalha de Ruy Castro, Carlos Heitor Cony, Aldir Blanc, Marcelo Madureira, Bráulio Pedroso e Geraldo Carneiro.

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Tenho mania de comprar e ler qualquer livro onde apareça na capa Ruy Castro e Aldir Blanc. Meu querido canalha foi um deles.

Odiei com todas as minhas forças esse livro. Não consegui achar graça de nada pois entendo que pode haver riso no lugar da dor, mas há de se ter respeito com ela. Fiquei chata (mais atenta e empática) depois de ler tanta notícia sobre  mulheres que morrem nas mãos desses canalhas e por conviver com o sofrimento de muitas delas.

Se fossem escritos por mulheres, os cinco contos de “Meu Querido Canalha” certamente seriam associados a mau-caratismo e pilantragem. Como foram escritos por homens, os textos tentam retirar o canalha do campo moral – de onde não consegui como leitora sublimar –  e colocam os homens sujeitos aos clamores da fisiologia. Nojo! Argh!!!!

Seduzindo virgens, uma viúva de general, uma falsa irmã ou sete mulheres por semana, os personagens aplicam seus instintos com doses de baixaria, de pequenez, de falta de caráter e canalhice mesmo. “Sou do bem”, repete o cafajeste de Madureira. Mas todos os autores querem que pensemos isso, a dizer: que os homens “não fazem por mal”. Fazem “porque amam demais”.

No cu.

Livro-lixo. Só não jogo fora porque com livro nenhum devemos fazer isso. Mas que deu vontade ah isso deu.


206 – Da Favela ao “Poder” de Washington “Quaquá”

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Eu vou colocar aqui a mensagem que mandei para o autor desse livro, Washington Quaquá, via WhatsApp assim que acabei de ler Da Favela ao “Poder”:

Puta merda, seu Quaquá!

Li seu livro todo hoje numa sentada só.

Confesso que não fui esperando uma leitura agradável. Pensei que fosse ver algo mais técnico.

Me emocionei como já aconteceu com a saudosa Zélia Gattai que é a maior memorialista que já li.

O livro tem uma pegada literal ao mesmo tempo que didática. De fato, não tem uma linguagem acadêmica mas é um puta registro histórico e bem menos chato do que os livros da academia por apresentar uma linguagem leve. Veja bem, linguagem leve não quer dizer linguagem pobre. A narrativa é de uma riqueza que puta merda, Quaquá. Tu leva jeito para a coisa!

Enfim, parabéns! Obrigada pelo presente e por ter registrado tudo isso com tanto carinho. Ri, chorei, pensei e te escrevi. Não aguentei. O livro é dez!

Beijo grande!

Para quem não sabe, Quaquá é, além de uma figura pública e uma verdadeira liderança política de massas, cientista social formando pela Universidade Federal Fluminense, professor concursado de Sociologia do Estado do RJ, foi prefeito de Maricá onde governou por 8 anos e realizou uma verdadeira revolução administrativa e política saindo com 90% de aprovação.

O livro é autobiográfico e lindíssimo. Como disse a ele, Quaquá tem uma pegada literária forte e  narra com maestria os tempos que viveu na favela do Caramujo, em Niterói, onde nasceu.  Tendo como berço a pobreza e por viver nela, Quaquá soube falar desse lugar e como combateu – sempre ao lado de sua classe de origem – as injustiças em toda a sua vida.

É um livro-exemplo e necessário nos dias de hoje pois nos traz esperança e mostra que temos motivo para alimentá-las já que a solução existe. Basta lutarmos para alcançarmos nosso objetivo, a dizer, a diminuição da desigualdade social em nosso país.

Como ele disse para mim, “nada há de mais concreto do que nossos sonhos e nossas utopias e a vida só faz sentido quando se está a serviço deles”.

Puta livro, gente…


205 – Profissão: Suburbano de Leandro Leal

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Geralmente coloco o currículo do autor do livro nas minhas resenhas mas, neste caso, ele já veio estampado na capa. Leandro Leal foi nascido, criado, bem tratado, assaltado, desvirginado e moldado em Cascadura. Para quem mora no subúrbio, sabe o que isso mais ou menos significa em termos de resistência a dor e de facilidade para sorrir.

O livro, publicado pela Editora Autografia que leva o selo Subúrbio Editorial, é ímpar em vários níveis: na linguagem, na simpatia, na leveza, na preocupação com o outro e no amor ao próximo que transcende. Parece até que estamos no subúrbio mesmo, esse lugar onde a beleza nem sempre salta aos olhos mas que excede por aqui.

Leandro é gênio. Ficou conhecido das redes sociais justamente pelos textos que aqui em Profissão: Suburbano foram, em parte, reunidos. Sua inteligência é perceptível porque bem se sabe que para fazer graça, a despeito de parecer fácil, é tarefa para poucos mortais.

O livro se lê em umas três viagens de trem ou de ônibus do subúrbio ao centro. Só temos que tomar cuidado para não rirmos alto e acordar o coleguinha ao lado que tira aquele cochilo. Tá ligado? Eu sei que tu tá ligado!

Me diverti a vera e a brinca. Super indico!


204 – A Morte é um dia que vale a pena viver de Ana Claudia Quintana Arantes

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Ganhei esse livro de Dia das Mães do meu irmão. Coloquei-o na fila dos livros “que um dia lerei”. O nome assustou, tema tabuzão, isso vai me deprimir, parece auto-ajuda, bora pro final da fila.

Daí que ando fazendo umas arrumações nas estantes daqui de casa e peguei o livro para realocá-lo. Li o prefácio. Quando me dei conta, estava em pé ainda o lendo e quase na metade dele.

Primeiramente (fora temer),  acho que tooodos os médicos deveriam ler esse livro.  Ana Claudia, a autora, é médica mas, ao contrário da grande maioria que não recebe o treinamento para isso, Ana consegue enxergar o paciente além das vísceras. Ana enxerga o ser humano sempre.

“Sempre digo que a medicina é fácil. Chega a ser simples demais perto da complexidade do mundo da psicologia. No exame físico, consigo avaliar quase todos os órgãos internos de um paciente. Com alguns exames laboratoriais e de imagem, posso deduzir com muita precisão os sistemas vitais. Mas, observando um  ser humano, seja ele quem for, não consigo saber onde fica a sua paz. Ou quanta culpa corre em suas veias, junto com seu colesterol. Ou quanto medo há em seus pensamentos, ou mesmo se estão intoxixados de solidão e abandono.”

Mais ainda:

“Os médicos profetizam: “Não há mais nada a fazer”. Mas eu descobri que isso não é verdade. Pode não haver tratamentos disponíveis para a doença, mas há muito a fazer pela pessoa que tem a doença”. (grifo da autora)

Aqui uma passagem com a qual me identifiquei muito já que muitos vivem me freando dizendo que sou louca em insistir nos projetos que invento:

“Teimosia ou determinação dizem respeito à mesma energia, mas são identificadas somente no fim da história. Se deu errado, era teimosia. Se deu certo, era determinação.”

Outra parte que achei bem pertinente já que vivo perdida sem saber para onde ir retirada, por sua vez, do filme Piratas do Caribe:

“Quando estamos perdidos, a gente encontra lugares que, se a gente soubesse onde estavam, jamais teria encontrado.”

Aqui uma parte bem crucial do livro:

“É um grande desafio para médicos e profissionais de saúde compreender que não há fracasso quando acontece a morte. O fracasso médico acontece se a pessoa não vive feliz quando se trata com ele. Muita gente está curada do câncer mas se sente completamente infeliz estando viva. Por que isso acontece?  De que adianta curar e controlar doenças se não conseguimos fazer com que o paciente entenda que a saúde conquistada pode ser a ponte de realização de experiências plenas de sentido na sua vida? O papel mais importante do médico em relação ao seu paciente é o de não o abandonar.”

E quando ela fala de religiosos e ateus? Porque não falta na hora da morte gente rezando, né?

“De todas as crenças, o “ateu convertido” é o ser humano em quem percebo o maior sofrimento espiritual diante da morte. Ateu convertido é aquela pessoa que um dia acreditou em Deus, que até então praticava alguma religião; em algum momento, porém, Deus não se comportou bem e perdeu credibilidade. A pessoa que se decepcionou com Deus decide que não acredita em mais nada e se converte ao ateísmo”.

Ou seja, temos sofrimento enorme meu pela frente porque me vi aí em cima nesse parágrafo.

Outra parte que achei sensacional:

“Há também quem faça o bem para se dar bem. Os benefícios que poderão ser adquiridos em outra vida fazem com que as pessoas queiram fazer o bem. E também entra na balança das vantagens. Isso não é sagrado, é negócio. Sagrado é aquilo que fazemos e em que acreditamos, mesmo que não recebamos nenhuma vantagem por isso, mesmo que sejamos prejudicados.”

Enfim, o livro é profundo demais e fala muito mais da vida do que da morte, penso eu. No mais, a autora também não acredita em escolhas e em livre arbítrio embora ela use essa palavra. Ela deixa claro que fazemos sempre o que podemos fazer e nos ensina a nos despedirmos  de quem amamos e até de desconhecidos. Mas muito mais do que isso, mostra o quanto a relação  -seja ela com quem for – é uma oportunidade única de nos transformarmos em um ser infinitamente melhor. Perdemos tantas ao longo do tempo vivido, e talvez percamos a mais importante que é o momento da despedida por medo de encarar algo que desde que nascemos sabemos que nos espera. Ana Claudia me ajudou a viver o futuro.

Eternamente grata por tanta luz.

Maravilhoso é pouco.

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203 – Rio em Shamas de Anderson França

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Anderson França já é conhecido por muitos nas redes sociais. Eu, particularmente, tive a honra de conhecê-lo pessoalmente por conta de um convite feito na cara de pau de minha parte para que ele prefaceasse meu livro “Beleza Suburbana”.

Independente de sua resposta que ainda não sei qual seja, na ocasião, ganhei esse livro publicado pela Editora Objetiva no qual Anderson conta histórias que viveu no subúrbio carioca.

Anderson mostra que não somente a língua é viva, mas também o estilo e que a elegância não tem nada a ver com o local no qual moramos. A personalidade na narrativa é impressionante e as histórias não são, como dizem, fanfic. São casos reais. Ora nos divertimos, ora gargalhamos, ora ficamos pensando que somos uma ameba, ora refletimos sobre o que estamos fazendo com a nossa vida. Tudo isso e muito mais Rio em Shamas nos proporciona.

Anderson é o lado muito bom que a internet e as redes sociais nos proporcionaram. Se não fosse por elas, não sei como ele poderia se fazer conhecido e lido já que aos suburbanos como nós nunca foi dada qualquer oportunidade de sermos lidos. Talento de sobra, inteligência a deixar-nos perplexos, vivência que vale mais do que qualquer  conhecimento passado nas escolas, ainda bem que Anderson foi descoberto.

Simplesmente adorei.

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202 -Senti na Pele, organização de Ernesto Xavier

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Ernesto Xavier é jornalista e ator e em 2015 lançou a campanha no Facebook #sentinapele que incentiva pessoas e denunciarem casos de racismo contra elas (https://www.facebook.com/sentinapele/).

Tive a sorte de ter me tornado sua amiga e poder realizar grandes trocas com ele (virtualmente e pessoalmente) com as quais cresci muito como ser humano.

Esse livro  – que é uma seleção de várias histórias que apareceram na campanha – é necessário para o mundo. Os relatos são um tapa na cara de pessoas que, como eu, acham que sabem alguma coisa sobre o tema. Assim como no livro “Vozes do Bolsa Família” onde os autores (Walquiria Leão e Alessandro Pinzani) dão, literalmente, a voz para as pessoas pobres, “Senti na pele” dá a voz para quem sofre muito por ser negro ou negra. E isso, de fato, tem muito valor quando é registrado.

Explico:

A literatura nos promove um tipo de viagem que não tem igual em outra arte. Quando lemos, estamos totalmente concentrados e as imagens vão se formando na nossa mente e conseguimos perceber muita coisa que um outro tipo de linguagem não é capaz de nos proporcionar. Passamos a ver com os olhos de quem narra, é isso que quero dizer. Não ouso, porém, afirmar que senti na pele da mesma forma que todos os que narram sentiram. Mas posso assegurar que senti na alma muita coisa lendo tantas histórias doloridas.

Já respeitava o movimento. Já respeitava a dor. Já respeitava a fala. Mas, depois desse livro, algo aconteceu dendimim. Algo forte. Talvez a palavrinha da moda: “empatia”. Mas some-se a essa uma outra: “gratidão” ao amigo por ter registrado e publicado isso.

Melhorei muito depois de ter lido.

Não apenas recomendo. Exijo a leitura de quem quer que o mundo se torne um lugar mais agradável de se viver.

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201 – Cenas do Centro do Rio de Paulo Roberto Andel

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Esse livro tem um sabor mega especial, pois, tive a honra de fazer o prefácio para o autor que, sem ele, jamais escreveria uma frase. Paulo foi meu maior e principal incentivador dessa arte solitária. Quando ele me convidou para apresentar seu livro nem preciso narrar a alegria pela confiança e o suor frio pela responsabilidade. Segue, então, uma parte do prefácio que escrevi para o ilustríssimo amigo gênio Paulo Andel.

“Sempre que vemos um filme, estamos, na verdade, ouvindo uma história que nos é contada pelo diretor. Este procura os melhores planos, as melhores sequências e coloca a música (ou o silêncio) em um quadro muito bem estudado. Cenas do Centro do Rio de Paulo-Roberto Andel nos dá a sensação de estarmos diante uma tela de cinema. As descrições são precisas a ponto de nos fazerem enxergar o que Andel viu. Mas não falo aqui só de fotografias. Como disse Veríssimo, a principal matéria-prima para uma crônica são as relações humanas e neste livro elas aparecem de forma intensa e diversa.

Andel é mestre cuca nessa arte!

Bom filme para todos.”

Belíssimo. Super recomendo.

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200 – Boca de Luar de Carlos Drummond de Andrade

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Não achei que este seja o melhor livro que li de Drummond.  Sem dúvidas, foi muito melhor ter lido do que não ter lido . Aqui temos as últimas crônicas feitas por ele e, ainda assim, parece bem longe de ser o livro de um octogenário. A vitalidade está em muitas crônicas assim como a curiosidade, típica das crianças. São páginas cheias de energia, humor, genuíno interesse humano e criatividade – coisa de moleque, na melhor acepção do termo.

Há em Boca de Luar  desde crônicas que se enquadram nas convenções deste gênero tão brasileiro (do qual faço do autor meu maior mestre), até ficções e causos escritos com extrema imaginação.

Também não poderiam faltar o pendor memorialístico do autor em alguns textos, como “Milho cozido” (que primor de texto…), “Coisas lembradas” e “Participação de casamento”.

Enfim, é Carlos Drummond de Andrade. Leiam leiam Drummond!

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199 – A Pátria em Sandálias da Humildade de Xico Sá

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Conheci Xico Sá com o livro “Os Machões Dançaram” e virei fã. A partir de então, leio sempre suas crônicas. Não pensei duas vezes quando vi esse livro na livraria. Comprei sem saber do que se tratava. Pois bem, A pátria em sandálias da humildade é o primeiro em que o escritor reúne duas paixões: futebol e romances fervorosos. Na publicação, há crônicas escritas entre 1995 e 2016.

Eu achei algumas crônicas chatas já que não é meu universo. Fazer eu ler sobre futebol somente Paulo-Roberto Andel havia conseguido. Mas, em se tratando de Xico Sá, abri a mente e me deixei levar como se estivesse nos livros de Andel. Não deu outra. O saldo foi bem positivoe me diverti bastante.
Produzido via financiamento coletivo (se Xico Sá fez vou fazer também) e lançado pela editora Realejo, A pátria em sandálias da humildade tem como tema predominante o futebol, mas há outros assuntos ligados à sociedade e à política que são abordados dentro de suas relações com a bola.
Não ameeeeeei como amei “Os Machões Dançaram”. Mas gostei muito de ter lido. E super indico, principalmente, para quem gosta de futebol.

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198 – Do Big Bang ao Universo Eterno de Mario Novello

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Tive a honra de ganhar do próprio autor Mário Novello esse livro e mais outros três que ele escreveu. Novello tem um currículo impressionante como, dentre tantas coisas, ter sido orientado por José Leite Lopes, fundador do CBPF e do CNPq.

Esse livro já me impressionou no prólogo quando ele, referência em Cosmologia no Brasil e em parte do mundo, afirma que o uso indevido do status elevado que a ciência possui nada mais será que uma “máscara atrás da qual se esconde um poder político que não ousa se declarar como tal”.

Ele  defende a ideia de que é impossível construir uma ciência da natureza envolvendo a totalidade do que existe: “não seria possível construir uma base teórica a partir da qual se estabeleceria uma história completa do universo. A Cosmologia não descreveria essa totalidade. Assim, no modelo big bang stricto sensu, a cosmologia não poderia se constituir como ciência”.

Isso fez com que minhas antenas fossem acionadas. Encontrei alguém que pensa como eu sobre ciência? Logo um cientista renomado?

Ao longo do livro, encontramos um texto bastante técnico em seus fundamentos, cujas proposições não podem ser recebidas sem uma devida reflexão. Adoro.

O que Novello discute é um modelo alternativo ao Big Bang, um modelo de cosmologia sem singularidade. Segundo ele os argumentos científicos favoráveis à teoria do big bang foram historicamente superestimados. Na teoria do big bang se entende a origem do universo a partir de um estado extremamente denso e quente. Esta origem é razoavelmente bem localizada no tempo (algo em torno de 13,73 bilhões de anos atrás). Mas há dez anos comprovou-se experimentalmente que o universo está acelerando sua expansão e isto implicou em uma espécie de adaptação do big bang para incluir o que se chama usualmente de energia escura.

Novello argumenta que futuros resultados experimentais farão com que a comunidade científica volte a discutir a possibilidade do universo não ter tido origem em uma singularidade, associando o que identificamos hoje como um ponto singular a um mínimo local no horizonte visível do universo.

Ele discute brevemente as propriedades não convencionais do espaço tempo, as possibilidades de formas de energia exóticas e faz um catálogo de cosmologias alternativas.

O livro funciona bem como um convite à reflexão sobre estes temas.

Se você curte, como eu, esse tipo de assunto, super indico. Aprendi bastante com ele.

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197 – Rita Lee – Uma Autobiografia

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Simplesmente amei. Rita Lee como ela mesma diz, numa autobiografia tem que “contar o côté podrêra de próprio punho é coisa de quem, como eu, não se importa de perder o que resta de sua pouca reputação. Se eu quisesse babação de ovo, bastava contratar um ghost-writer para escrever uma ‘autorizada’”.

Como disse Marilyn Monroe: mulheres comportadas não fazem história.  E Rita Lee faz parte da história de nossa música de uma forma extremamente autêntica. Ler Rita Lee foi uma delícia, pois ela conseguiu escrever de um jeito só dela, livre, solta, despudorada como foi em tudo o que se meteu. A leitura flui que é uma maravilha.

Sou muito sensível a biografias. Sempre choro no final e com essa não foi nada diferente. Rita Lee nos ensina como envelhecer “Sempre dei mais valor à dignidade de uma Hilda Hilst do que àquelas em busca da fonte da juventude que não percebem o tempo como aliado da feitiçaria feminina”.

Quanto as suas internações, seus acidentes causados por excesso de álcool essa linda conclusão: “Não faço a Madalena arrependida com discursinho antidrogas, não me culpo por ter entrado em muitas, eu me orgulho de ter saído de todas. Reconheço que minhas melhores músicas foram compostas em estados alterado, as piores também.”

A parte que mais babei de tanto deleite foi o namoro eterno dela com Roberto que aparece em todo o livro. Invejei com toda a minha força no sentido de querer muito um igual e ficar feliz por eles. Os dois até hoje morrem de tesão um pelo outro e produzem muito juntos. Ô sonho… Tiveram três filhos e nutrem o amor pelos animais. A casa é cheia de bichos que saem pegando pelas ruas.

Enfim, super indico e discordo de todas as críticas que o livro recebeu.

Rita Lee é o que há e seu livro é embucetante (adorei esse termo).

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196 – Cuca e Racha: Subindo pelas paredes de Sampaio

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Morri!, como dizem os que se deleitam de tanta risada. O livro começa sendo apresentado por nada mais nada menos que Ziraldo que se rasga em elogios não sem exagero já que o livro está uma graça em todos os sentidos.

“Que sujeitim danado! Como diria o Henfil. Pode haver título mais preciso e mais adequado (criatividade é alcançar estes dois adjetivos) num livro em que os personagens são duas baratas? Sampaio, como certamente diria o Barão de Itararé, seu livro é um barato!”.

escreveu Ziraldo.

O premiado cartunista Fernando Gonsales também se declarou ao exímio trabalho de Sampaio:

“Cuca e Racha, uma dupla que escracha [..] Com um desenho limpo e ligeiro, a vida cotidiana desses seres rasteiros vai se desenrolando bem-humoradamente sob nossos olhos. E, ao fim da leitura, a coisa que você menos vai sentir por Cuca e Racha é repulsa. Essa é a mágica de Sampaio“

E depois tem mais comentários da Paulo Caruso e Lan. Ou seja, quem sou eu depois dessa galera para falar mais alguma coisa…

Como está na própria capa, Cuca e Racha nenhuma vez foi citado na lista do New York Times! Já pensou que máximo?!

Adorei, morri de rir e de orgulho por ter Sampaio entre meus amigos.

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195 – A experiência do espaço na física contemporânea de Gaston Bachelard

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A experiência do espaço na física contemporânea” tem um rigor analítico, uma inteligência e uma belíssimo estilo que só Bachelard tem. O livro é fininho, mas demorado pela sua densidade.

Adoro livros que discutem conceitos que nós estamos crentes que sabemos o que significam.

Foi uma surpresa, nos primeiros tempos da era de Bohr, quando foi preciso interditar grandezas consideradas como possíveis à primeira vista. O espaço não era indiferença ao movimento! Não era uma forma pura, pronta para todos os preenchimentos! A física geométrica tradicional partia de um esquema ilusório.

Tal descoberta sobre o espaço teve tremendo impacto sobre o ato de conhecer. O caráter descontínuo da física quântica eliminou a localização segura do objeto em uma região especificada, conferindo um caráter probabilístico à localização experimental. Até mesmo a mais precisa das experiências só nos fornece uma probabilidade, nunca um fato absoluto; quando for refeita não mostrará os mesmos valores. Meodeos…

A pesquisa se torna um empreendimento progressivo que busca reduzir o erro: “Não existe conhecimento primitivo que seja conhecimento realista”, diz Bachelard: “O mais real é o mais retificado.”

Como lidar com isso?

O que podemos reconstituir de maneira bem definida é a nossa atitude experimental, e a objetividade sobre a qual podemos nos entender é uma objetividade de informação, de enquadramento. Eis aí uma revolução epistemológica causada pela física quântica.

“A física pré-quântica supunha como evidente que a situação no espaço individualizava os corpúsculos como ela individualiza os corpos na escala comum. Bastava que dois objetos estivessem em lugares diferentes para que fossem diferentes e, se eram diferentes, estavam necessariamente em lugares diferentes. O lugar exato era um sinal essencial. […] Já não é mais assim: dois objetos podem ser espacialmente idênticos, geometricamente indiscerníveis, de um modo que nenhuma experiência pode distingui-los. […] Precisamos, pois, proceder experimentalmente seguindo uma lenta e regular redução do erro, por meio de uma conquista das probabilidades positivas. O mais real é o mais retificado, e não existe conhecimento primitivo que seja conhecimento realista. A realidade máxima está no término e não na origem do conhecimento.”

Enfim, me fez pensar e repensar. Adorei.

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194 – Nômade de Ayaan Hirsi Ali

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Tudo começou quando fiz uma postagem no Facebook falando sobre feminismo e recebi um comentário de uma pessoa que me disse: “mimimi. Você não sabe o que as  mulheres passam pelo mundo”. O comentário era de um homem, motivo esse que poderia responder de várias maneiras sobretudo grosseira já que aqui dentro corre sangue e bem quente.

Resolvi, no entanto, saber o que ele entende de mulher. E vi que ele esteve em vários lugares do mundo onde as coisas parecem muito mais atrasadas do que aqui em termos de direitos humanos. Conversa vai conversa vem, ele acabou me pedindo desculpas depois de muito me ouvir dizendo que uma luta não exclui a outra, mas, ao final, ele me recomendou esse livro para eu ficar mais consciente sobre o tema.

O livro é, de fato, uma porrada. A autora é ex-muçulmana e afirma de forma categórica que islã encoraja a prática da violência e que o véu islâmico é uma forma de “escravidão mental”, Nesse livro, temos fortes depoimentos sobre mutilações genitais, relatos de sua rotina de repressão sexual e provas e mais provas de como a religião cega o ser humano.

Ayaan foi criada como muçulmana. Nasceu na Somália, morou na Arábia Saudita, na Etiópia e no Quênia. Fugiu para a Holanda para, segundo ela, escapar de um casamento arranjado. Lá virou parlamentar e votou a favor da guerra ao Iraque. Em 2007, escreveu o best-seller “Infiel”. Hoje vive nos EUA.

Nômade é um misto de memórias e manifesto político. Relatando histórias de sua família, fala de violência doméstica, de rigores impostos pela religião, de opressão às mulheres. Diz ela que os muçulmanos sofrem “uma lavagem cerebral”e mostra em sua narrativa como isso acontece.

Ayaan, pelo pouco que li sobre sua vida, sobreviveu milagrosamente para agora ter o direito de dar suas opiniões. Se você ainda não a conhece, faça isso já. A mulher é da pá virada, polêmica de dar gosto. Leiam Ayaan nem que seja para discordar do que ela diz.

Nômade é triste demais. Porém, melhorei muito após tê-lo lido.

Agradeço a que me indicou.

Fiz o trabalho de casa.

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193 – Delta de Vênus: Histórias eróticas de Anais Nin

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Pois é. Me enveredei por esse tipo de leitura também por curiosidade já que, bem, é sexo e todos queremos saber mais sobre o assunto.

Logo no início, numa espécie de prefácio, a autora, muito franca, deixa escapar que escreveu esse tipo de literatura com apenas uma intenção: ganhar dinheiro. Os anos em que viveu em Paris foram anos difíceis. Para poder viver, tanto ela, Miller e outros escritores tiveram que se submeter aos caprichos e aos generosos pagamentos de um homem muito rico que patrocinava esse tipo de literatura. As histórias se passam num mundo europeu-aristocrático decadente, no qual as crenças de alguns personagens são corrompidas por novas experiências sexuais e emocionais.

Daí, vamos lá. Mal o livro começa, o queixo caiu. Fiquei na dúvida se deveria continuar a leitura ou queimar o livro em praça pública. Pedofilia, incesto , estupro fazem parte de vários contos ditos “eróticos” que, infelizmente, excitam mesmo muita gente. Insisti já que o livro tem lá sua fama e eu sou dessas de ver até onde chegamos. Daí vi relatos de voyeurismo, sadomasoquismo, exibicionismo, zoofilia, necrofilia, coprofilia, urofilia, bondage, frottage, menage, sacanage…

Tem de tudo essa desgraça.

Os contos são zero romance, puro erotismo carnal em suas mais diversas nuances, sejam dentro do tradicional papai-e-mamãe, passando por relações bi e homoafetivas e chegando às conhecidas e muitas vezes incompreendidas perversões sexuais descritas nas obras de Sigmund Freud.

Eu não sei o que dizer. Foi uma aventura e tanto mas muita coisa ali acho que preferia não ter visto. Que o ser humano é capaz de tudo isso eu sei, mas poderia ser poupada de crimes em um livro que se propõe a ser erótico. Isso foi o mais bizarro que achei.

Enfim, se interessar… prepare o estômago e esteja com a mente aberta.

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192 – Divina Graça: Poesia em Deus de Eraldo Amay

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Vocês devem estar se perguntando como eu, atéia por parte de pai, li um livro desses. Pois é. Coisas da vida e do destino. Eraldo apareceu na minha vida assim como muitos passarinhos. Foi chegando com seu jeito doce, amigável, sempre com comentários que me traziam paz e muita luz. Até que um dia: toma, leia, eu que escrevi.

O que fazer? Um livro de poesias falando de Deus? Procrastinei, óbvio. Mas como era o Eraldo, deixei em um lugar onde pudesse ler assim como quem não quer nada, uma por dia. Coloquei o livro no banco do carona do carro e antes de sair sempre lia um pouco do Eraldo.

Agora veja que bonito:

Súplica:
Senhor empresta-me
os Teus ouvidos
ouve o que eu digo
ouve o meu grito
silencioso
sê compassivo
sê piedoso
com este Teu filho

faz com que eu seja
como o caniço
da flauta oca
pra que por ele por seu vazio
sopre incontido
Teu doce lento
o hálito santo
do Santo Espírito

Pai Mãe
não sejas tardo
no atendimento
do meu pedido

dá-me um carinho
dos Teus carinhos
para que eu viva
e que os desejos
todos que sinto
todos se tornem
um só desejo
denso e infinito
o só desejo
de estar Contigo

Zero para meu preconceito. Ponto para poesia.

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191 – A Vida Longa dos Vermes de Paulo Santoro

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A vida longa dos vermes é um romance de ficção sobre a democratização e a ética dos avanços científicos, com um enredo moderno e envolvente ambientado no Brasil como descrito na contra capa.

Não é meu forte livro de ficção, mas Paulo Santoro soube me prender do início ao fim com essa história que me fez parar para pensar em vários momentos do livro.

Sente o enredo: “Há quase 5 mil anos, Gilgamesh desceu ao fundo do oceano primordial para tentar encontrar a alga da imortalidade. No século XVI d. C., Ponce de León atravessou o Atlântico em busca da fonte da juventude. Em setembro de 2013, a Google Inc. anunciou a criação da Calico, empresa destinada a desenvolver uma cura para o envelhecimento. A velhice é a nova doença a ser derrotada. Mas estaria o mundo preparado para manter bilhões de pessoas capazes de viver por mil anos?”

Para quem gosta de ler uma boa história e passar momentos agradáveis com um livro na mão, Paulo Santora vai saber te distrair bem nessa empreitada.

Adorei. De uma forma que até mesmo me vi surpreendida já que não é meu estilo preferido.

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190 – Dois anjos e uma menina de Misa Ferreira

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Este livro é uma delícia de fofo. Trata-se da história de dois anjos contemporâneos inventada por Misa Ferreira e o ilustrada lindamente pelo artista carioca, João Kammal.

Misa tem um jeito de escrever peculiar com gosto de pudim de leite condensado. Esse livro tem várias figuras fantásticas dessas que toda criança saudável imagina e toda criança que sofre precisa – como o caso da personagem encantadora Lia.

Os anjos são um espetáculo à parte. A calda do pudim. A cereja do bolo. Imperfeitos mas cheio de boas intenções tornam a história uma aventura dessas que, ao terminar, damos um suspiro longo já com saudades.

Leitura recomendada para crianças e adultos!

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189- LogicoMix de Doxiadis, Apostolos /Papadimitriou, Christos H.

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Ganhei esse livro de presente de meu amigo Marcelo Ribeiro e até agora não tenho palavras. Você gosta de matemática, filosofia e obra de arte? Não pense duas vezes, adquira Logicomix já! ‘Logicomix’ é ao mesmo tempo um romance histórico e uma introdução acessível a algumas das mais brilhantes ideias do campo da Matemática e da Filosofia moderna. Com um trabalho de caracterização sofisticado e ilustrações expressivas e sugestivas, ele transforma a busca dessas ideias em uma narrativa cativante. Este livro foi o primeiro colocado na lista dos mais vendidos do New York Times, só para vocês sentirem.

Esta inovadora história em quadrinhos conta a vida do filósofo Bertrand Russell e seu apaixonado objetivo de estabelecer os fundamentos lógicos de todos os princípios matemáticos. Nessa sua angustiante busca pela verdade absoluta, Russell cruzou com pensadores como Gottlob Frege, David Hilbert, Kurt Gödel e Ludwig Wittgenstein.

Em meio a amor e ódio, paz e guerra, Russell persistiu em sua obstinada missão, que ameaçava tanto sua carreira como sua vida pessoal, e o levou ao limiar da insanidade.Eu conhecia parte dessa história, mas Logicomix… pelamor, faz muito mais do que contar, ele faz você ficar de queixo caído…

 Obra de arte mesmo…

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188- Trinta e Poucos de Antônio Prata

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Virei fã. Nem leio sinopse, nem quero saber de opinião de mais ninguém. Compro todos os livros de Antônio Prata que vejo em minha frente.

Trinta e poucos traz crônicas selecionadas pelo próprio autor a partir de sua coluna na Folha de S.Paulo. Li em uma tarde. Simplesmente, 100% de chances de agradar qualquer um desse mundo. Não tem erro mesmo!

Meu remédio para me acalmar e equilibrar meu universo que vira e mexe fica instável diante de tanta notícia ruim, é Antônio.

Leiam! Leiam Antônio Prata!

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187- Rubem Braga. Crônicas. Organizadores: André Seffrin, Carlos Didier e Bernardo Buarque de Hollanda.

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Eu vi essa caixa em uma livraria com três livros do Rubem Braga e comprei imediatamente para dar de presente. Ela estava lacrada com plástico. Cheguei em casa, abri com cuidado para dar uma folheadinha básica e depois embrulhada tudo de novo que o aniversariante nem ia perceber nada. De fato, não percebeu porque a caixa ficou para mim.

O Rubem Braga cronista incomparável, aquele que redimensionou o gênero no Brasil, eu já conhecia. O Rubem Braga correspondente de guerra, o mesmo que conseguiu a proeza de apontar para aspectos tocantes durante momentos tão terríveis, idem. O Rubem Braga ecologista que defendia a natureza em uma época em que isso mais parecia um capricho, idem idem. Essa caixa, porém, me mostrou um lado totalmente desconhecido!

O cronista capixaba tratava com igual clareza e sensibilidade de assuntos pouco lembrados, como política, música e artes visuais de sua época. São justamente esses temas que compõem a coleção de três volumes lançada agora pela editora Autêntica, Rubem Braga – Crônicas.

Não são crônicas comuns. Parece que se, na época, houvesse Facebook, essas seriam as suas postagens cheias de opiniões, humanidade, mostrando um Braga bem fruto de uma época mesmo com um jeito bacana e super humano, mas usando expressões machistas e até mesmo racistas. Isso choca um pouco o leitor atual. A sensação é a mesma quando lemos Monteiro Lobato.

Rubem Braga (1913-1990) deixou, em 62 anos de atividade profissional, a impressionante marca de 15 mil textos, acreditam? Profissional da escrita, ele opinava sobre quase tudo com rara sensibilidade. Por meio de colunas escritas para a imprensa e publicadas nesses três livros, Braga  defendeu a democracia e os direitos humanos e criticou a desfaçatez dos donos do poder, a violência policial, a miséria dos trabalhadores rurais e a situação desastrosa da educação e saúde públicas. Fiquei besta como quase tudo que li soou tão atual… Impressionante como os artigos ressoam com força nos dias de hoje, como se o cronista também olhasse para o futuro

No livro “Bilhete a Um Candidato” Braga discorre sobre o poder em textos datados da década de 1940 à de 1980, período que cobre desde o fim da ditadura de Getúlio Vargas até o incompleto mandato de Fernando Collor de Melo.

Em, Os Moços Cantam & Outras Crônicas Sobre Música, Braga se mostrou um fiel frequentador da noite e cultivador de boas amizades. As crônicas deste volume traçam um panorama completo do cenário da canção carioca.

Por fim, em Segredos Todos de Djanira & Outras Crônicas Sobre Artes e Artistas, ele fala sobre sobre artes visuais. “Se no período em que mais escreveu sobre o tema, as décadas de 1950 e 1960, havia uma tendência concretista de julgar e estimular a arte, propondo procedimentos matemáticos e industriais de produção, a postura de Rubem está diametralmente oposta”, observa o escritor Miguel Sanches Neto, na orelha do livro.

Mais uma vez, quando me vejo cansada de receber tanta crítica por querer escrever sobre tudo que me dá na telha, Rubem Braga vem do além para me dizer: eu fiz isso, por que você não pode?

Não que faça algo que chegue aos seus pés, mas sei que a paixão de escrever pode sim ser equiparada.

Mas, sinceramente, se não conhecem Rubem Braga, acho que começaria por outros livros. Não vejo que esse tipo de coletânea agradando muita gente.

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186- Convite ao Pensar. Organizado por Manuel Antônio, Igor Fagundes, Antônio Máximo e Renata Tavares

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Ganhei esse livro de uma pessoa que estava na plateia de uma palestra que estava ministrando. Na verdade, Marília Pereira apenas me emprestou. Receber indicação de livro de quem não me conhece direito é tenso para mim. Eu leio de tudo, mas sou chata com muita coisa.

No final, curti muito a leitura. Convite Ao Pensar faz, de fato, juz ao título. Diante de tantas palavras desgastadas e banalizadas pela repetição cotidiana; de tantas questões aparentemente resolvidas ou anestesiadas por conceitos – científicos, religiosos, estéticos, filosóficos – que se sobrepõem uns aos outros na suposta linha progressiva e ascendente da História, este livro pretende resgatar as brasas vivas de 121 sobreviventes a quaisquer teorias e sistemas que se lhes apliquem, seguindo, por isso, contemporâneas.

Quanto à construção, organização interna do livro, a miscelânea se estende à diversidade do pensamento encontrado nos 16 autores que escreveram os pequenos ensaios que integram essa rede de 121 palavras:

“propusemos o presente livro, convidando diferentes autores para pensarem a poética de cada palavra, contrapondo-a com seu uso banal, cotidiano, desgastado, e resgatando suas possibilidades de inaugurarem sempre novas e poéticas realizações. Assim como os autores se viram livres para dialogar conosco no pensar de cada palavra que lhes coube, os leitores também estarão livres para questionar e que, no diálogo com todas, entrevejam em si as possibilidades que já receberam para se realizarem, de maneira que a vida de cada um se torne um autopoema.”

Portanto, não foi erigido apenas um livro teórico, acadêmico, chato.

Well… O convite está aberto a todos, que sejam bem-vindos!

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185- Como Eu era Antes de Conhecer Você de Jojo Moyes

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Ultimamente ando com muita preguiça de ler romances. Esse mundo rápido também não tem ajudado. Ganhei de presente este livro de meu amigo de todas as horas Lucas Nunes. Daí, não pude dizer que não ia ler porque ele não me deu outra opção.

Romance está a anos luz de ser meu gênero favorito atualmente, pois tornou-se um dos que mais se repete, e a gama de clichês é tão extensa que sempre me desmotivou sobre investir mais nesse tipo de literatura.

Lucas é cadeirante, não é tetraplégico, faz mil coisas que eu só de olhar fico cansada. Diria que é uma das pessoas que mais me inspiro. Aprendi a amá-lo como aprendemos a falar. Foi super natural. E acho que entendi por quê ele quis que eu lesse um livro tão bacana que fala sobre amizade.

Os personagens são fortes e acabaram por me cativar, assim como a narrativa. Will Traynor, 35 anos, é rico, inteligente, mal humorado, agressivo e tetraplégico. Louisa Clark tem 26 anos, não tem pretensões nem objetivos a longo prazo, mora ainda com os pais, irmã que é mãe solteira e tem um namorado que só pensa em exercícios físicos e calorias. Ela é demitida de um Café onde era garçonete e desempregada começa a procurar algo para trabalhar, mas sofre por não ter qualificações.  É contratada com um ótimo salário, para ser cuidadora de Will por 6 meses, com uma convivência bem difícil no inicio, mas aos poucos ele foi se abrindo de uma forma que não fazia com ninguém, nem com sua família, desde os quase dois anos de seu acidente.

Enfim, o livro é mostra uma trama bastante envolvente.  Gostei bastante e super indico para quem quiser ler algo para se emocionar.

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184- Matéria e Pensamento de Jean-Pierre Changeux e Alain Connes

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Que viagem maravilhosa… Em Matéria e Pensamento, o matemático Alain Connes e Jean-Pierre Changeux, autor do célebre O homem neuronal, debatem amistosamente. Para ter ideia de quem são os debatedores, busquei aqui um breve curriculum:

JEAN-PIERRE CHANGEUX
É Doutor em Ciências, Neurobiólogo, é presidente do Comité Nacional de Ética, membro do Conselho Científico do Instituto Pasteur e da Academia das Ciências (Paris), entre outras instituições. É Professor no Collége de France e no Instituto Pasteur, além de responsável do Laboratório de Neurobiologia Molecular (Paris).
ALAIN CONNES
Doctor Honoris Causa, University of Oslo, Norway, Foreign Associate Member of the Royal Danish Academy of Sciences, Corresponding Member of the French Academy of Sciences, Member of the French Academy of Sciences, Foreign Honorary Member of the American Academy of Arts and Sciences, Foreign Associate Member of the Norwegian Academy of Science.

Matéria e Pensamento é um mergulho sem precedentes nos próprios fundamentos das Matemáticas e nas fronteiras da Biologia. A discussão traz à tona temas históricos, como a indagação sobre a relação entre a Matemática e a realidade ou sobre a natureza do vínculo entre o mundo físico e o cérebro. No final, o diálogo concentra-se na questão das relações entre Ciência e Ética.

É bem complexo e, por isso, por me deixar muito confusa, amei.

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183- Nu, de botas de Antônio Prata

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Comprei dez desse livro para dar de presente. Simplesmente, não tem como não gostar. Antonio Prata foi a minha grande descoberta este ano. Considero um dos maiores cronistas atuais.

Neste livro, ele faz algo que achei muito genial. Os textos não são memórias do adulto que olha para trás e revê sua trajetória com nostalgia ou distanciamento. Ao contrário, o autor retrocede ao ponto de vista da criança, que se espanta com o mundo e a ele confere um sentido muito particular – cômico, misterioso, lírico, encantado.

Eu nunca vi ninguém fazer isso. Achei fantástico e bom demais!

Quer morrer de rir e ter um ótimo entretenimento para se desestressar um pouco? Leia. Leia Antônio Prata. Esse agora é o meu remédio.

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182- A Radiografia do Golpe de Jessé Souza

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Spoiler: Dilma é afastada no final. A despeito de todos termos lido muito sobre o golpe, Jessé Souza me surpreendeu em muitos momentos desse livro me mostrando um outro ângulo de toda essa história. No prefácio, ele diz que o interesse dele em escrever esse livro foi “possibilitar o entendimento por parte de qualquer pessoa com formação média e boa vontade para compreender como e por que a sociedade brasileira foi enganada em um dos golpes de Estado mais torpes de nossa história.”

Contrapor-se a essa leitura dominante e superficial do mundo, que é reproduzida em praticamente todos os nossos jornais e canais de televisão, é o que esse livro faz com maestria. Jessé conseguiu articular e tornar compreensível a complexa rede de interesses impessoais.

Seu fio condutor é mostrar como todos os golpes, inclusive o atual, são uma fraude bem-perpetrada dos “donos do poder”. O núcleo de toda fraude da elite do dinheiro que faz os outros de tolos é o tema da corrupção seletiva. Nessa parte, particularmente, aprendi um bocado. “Como não se sabe nem se define com precisão o que é corrupção — até bem pouco tempo só o agente do Estado podia ser punido por esse crime –, esta passa a ser uma construção arbitrária daquilo que o inimigo político faz”.

O ponto central dos dois capítulos introdutórios deste livro foi mostrar como a exploração material de todo um povo só é possível com a colonização de seu espírito e de sua capacidade de refletir.

Ficou mais claro como classes sociais inteiras agiram de modo contrário aos seus interesses e, sob o pretexto de combater a corrupção, acordaram no dia seguinte ao golpe com um sindicato de ladrões mandando no país.

E Jessé ainda fala muito sobre o judiciário… No prefácio, já dá o recado:

“A “casta jurídica” também assalta o país com salários nababescos e vantagens de todo tipo que o mortal comum sequer sonha. A relação entre o gasto da máquina judiciária e o PIB nacional no Brasil é singular no mundo, como mostra a tabela abaixo.

O fato de o Brasil gastar, comparativamente, cerca de seis vezes a mais que os EUA com o poder judiciário não implica, como todos sabem, seis vezes mais eficiência na administração da justiça. Muito pelo contrário.

É que o gasto não é na eficiência do sistema, mas sim em construções faraônicas e luxuosas e em salários e vantagens de todo tipo — que evitam a transparência que o executivo mantém quanto aos salários de seus servidores –, que vão parar no bolso dos operadores jurídicos.

Sua arma mais comum para conseguir tamanhos privilégios corporativos é a chantagem política, do mesmo modo como acontece na grande mídia. O recente aumento de 41% em salários já altíssimos, pelo menos para o alto escalão do judiciário, revela o tamanho do descolamento dessa casta privilegiada em relação ao restante da sociedade.”

Enfim, queria poder selecionar o livro todo para vocês. Como não dá, só posso pedir que comprem o livro e leiam.

Altamente necessário.

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181- Pornopopeia de Reinaldo Moraes

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O livro é imenso e foi lido em uma semana. Ele é um corpo vivo, e escroto. Uma pereba literária, uma lufada de oxigênio carregado de vícios e CO2. Reinaldo Moraes escreveu um “Ulisses” da retro-xavasca. Trouxe Dublin para dar umas bandas na rua Augusta.
Pornopopéia é o típico livro que a pessoa que gosta de ler necessita reunir uma certa coragem para adentrar no emaranhado alucinante que a literatura de Reinaldo Moraes não apenas propõe, mas deixa a primeira e segundas mãos, bocas, pés e bundas. A história é épica porque a vida pode ser épica, no bom e no mau sentido – ainda que nada desse bom e mau tenha algo a ver com o maniqueísmo barato de programas religiosos que perduram nas madrugadas das redes de TV aberta. Zeca, o tragicômico protagonista do livro, é um fracassado no mais sórdido e verdadeiro sentido da palavra “fracassado”.
É extasiante percorrer com a personagem todos os percalços (e são vários) retumbantes que o momento de sua vida retratado (mas nunca é apenas um momento de verdade, é tudo ali, jogado ao leitor e leitora, esporrado na cara com um sorriso podre e sem algum dente perdido num buteco da vida) oferece. Aceitar ultrapassar o primeiro capítulo de Pornopopéia é mergulhar de verdade no que existe de mais podre e escabroso a vida literária pode oferecer aos amantes da literatura.
Entendam, leitores e leitoras do Cabaré das Ideias, vale a pena demais ultrapassar o primeiro capítulo do livro, mas o risco das risadas e das revoltas e das desilusões e das indiferenças e risadas e revoltas, etc. continuará num ciclo, bem parecido com o ciclo de sexo, drogas e experiências escabrosas que Zeca tem a oferecer ao mundo e aos leitores e leitoras.
Que experiência, gente… que experiência…

 

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180- O Cheirinho do Amor de Reinaldo Moraes

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Não conhecia o autor e agora quero ler tudo o que ele já escreveu nessa vida. Nunca vi um humor tão inteligente e refinado. O Cheirinho do amor reúne um conjunto de crônicas organizadas a partir do eixo aromático evidente: o sexo. As 36 crônicas transpiram sexo, em todos os formatos, posições, gêneros, ideologias e diversidades imagináveis. O humor de Reinaldo, e a capacidade de ligar assuntos aparentemente díspares, também. O resultado é um livro único, escrachado e cômico, de um dos autores mais originais da literatura brasileira, sem sombra de dúvidas



179- 90 livros clássicos para apressadinhos de Henrik Lange

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A ideia é a seguinte: 90 dos maiores clássicos (e best-sellers) da literatura mundial resumidos em quadrinhos. Genial. A edição brasileira foi ilustrada pelo Ota, que mandou muito bem.
90 Livros Clássicos para Apressadinhos, não dispensa a leitura dos clássicos em si, mas dá uma perspectiva curta e extremamente bem humorada sobre as histórias, uma coisa que eu percebi é que se a pessoa não tiver lido e/ou assistido o clássico, não vai entender a ironia contida nas piadas dos quadrinhos. Cada história é cotada por 4 quadrinhos em uma única página de 14×21. As informações dadas do livro são o título, o título original, a data de publicação, o nome do autor, e a data de nascimento e talvez morte dele. Sem sinopse. Consegui entender quase metade das 90 narrativas, que são os que eu já conhecia previamente. Gostei muito, uma perspectiva totalmente inusitada, irreverente e ousada.
Eu me diverti de montão com esse livro.


178- Fup de Jim Dogge

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“Fup” é aquele tipo de livro que pode mudar a vida de alguém. Ou não. É um livro bem diferente de todos que já li. O livro é pequeno, mas tem algo gigantesco dentro dele… é estranho…
“Fup” é daqueles livros que “não estão no cânone. E não estão nem aí”, diz, Marçal de Quino na Introdução do livro, certamente atribuindo à novela de Jim Dodge algo daquela voltagem zen de certas obras artísticas dos anos 60, período em que filosofias orientais (acrescidas de outros temperos) espanaram parafusos de cabeças ocidentais em profusão.
Pasmem com a sinopse: Vovô Jake é um beberrão viciado em jogo e rabugento que ouve de um índio moribundo a receita de uísque que mudaria sua vida, ou melhor, que estenderia sua vida, já que ele confere ao “Velho Sussurro da Morte” o poder de tornar imortal quem o bebe. Trânsfuga da sociedade e de numerosos casamentos, Jake de repente vê-se obrigado a criar Miúdo, o neto órfão que não sabia ter. E é o que ele faz, comprando um rancho e levando o garoto para lá. Para compensar a dieta “insuportável” do bebê, Vovô Jake acrescenta algumas doses de seu estranho uísque à mamadeira do neto. Resultado: Miúdo torna-se um adulto de 1,92 m e 155 kg, obcecado em construir cercas. Assim segue a rotina rural dos dois até surgir Fup, uma pata gordíssima e desastrada que recusa-se a voar, e o Cerra-Dente, um porco-do-mato que diverte-se em destruir as cercas de Miúdo, tornando-se seu nêmesis.
Mega doido, não? Eu sem saber de nada, li o livro e fui surpreendida por uma das histórias e personagens mais inusitados e carismáticos que já vi. No mais, vi muita poesia em diversas passagens e um humor refinadíssimo.
Eu? Adorei.


177-A Dama do Cachorrinho de Tchekhov

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Foda. Desculpe-me a linguagem mas o livro é foda. Os russos são mestres nessa arte de literatura. É interessante notar que no contexto russo do século XIX tivemos escritores, tais como: Aleksandr Púchkin (1799-1837) a Mikhail Lérmontov (1814-1841), passando por Nikolai Gógol (1809-1852) e Ivan Turguêniev (1818-1883), até chegar a Fiódor Dostoiévski (1821-1881), Liev Tolstói (1828-1910) e Anton Tchekhov (1860-1904). Afirmo, mesmo correndo o risco, de que em nenhum outro contexto temporal ou espacial, tivemos tantos autores de extrema qualidade e importância para a literatura, reunidos num mesmo período e espaço.
E neste time de galácticos, Anton Tchekhov ficou consagrado como o mais ousado da tradição clássica e um precursor das formas e da linguagem contemporânea. Ficou conhecido como o mestre das narrativas curtas (na época era de costume os romances, e de grande tamanho, por exemplo, Guerra e Paz, de Tolstói e Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski), recriando em sua escrita o microcosmo literário que abrange o infinito e a imensidão do ser humano e do mundo.
Os contos breves, precisos e tocantes de Anton Pavlovitch Tchekhov (1860-1904) revolucionaram a maneira de escrever narrativas curtas, tornaram-se mundialmente conhecidos e influenciaram os principais escritores que se dedicaram ao gênero depois dele e a mim que sigo eternamente aprendendo com esses gigantes.
Grande parte da originalidade de Tchekhov reside no papel fundamental que desempenham, em suas histórias, a sugestão e o silêncio, a ponto de, muitas vezes, o mais importante ser justamente o que não é dito. Esta é uma coletânea de trinta e seis de seus melhores contos, selecionados e traduzidos diretamente do russo por Boris Schnaiderman, que assina também o posfácio e as notas à edição. De ‘Nos banhos’ (1883) a ‘A dama do cachorrinho’ (1899), que dá título ao livro e encerra o volume, podemos acompanhar o desenvolvimento da arte deste escritor que sempre colocou o homem como centro de suas preocupações, e que via na literatura um instrumento para sua emancipação.
Dentre as peculiaridades de sua escrita, podemos destacar: ridicularização do que se considera normal, ou seja, daquele senso comum que rege a vida corriqueira; cortar cada palavra supérflua, cada frase escassa, para atingir um alto grau de condensação; e mergulhar na vida cotidiana, cheia de fatos miúdos para captar através deles o essencial e o eterno da existência humana. Assim, Tchekhov dizia que o seu objetivo era “matar dois pássaros com um tiro: descrever a vida de modo veraz e mostrar o quanto essa vida se desvia da norma. Norma desconhecida por mim, como é desconhecida por todos nós”.
Outro aspecto importante é que Anton Tchekhov não se achava pregador da verdade (talvez, por isso suas críticas a Tolstói e Fiódor Dostoiévski), pois nunca sugere soluções para os problemas tão difíceis da vida, logo suas obras não têm desfecho, pois terminam em reticências, como o fluxo natural da vida. Acreditava na liberdade da interpretação de texto, que seria um privilégio de cada leitor, participante ativo no ato da criação literária, chegando a dizer que “confio inteiramente no leitor, supondo que ele próprio vai acrescentar os elementos subjetivos que faltam ao conto”. E é exatamente este elemento que irá universalizar e imortalizar o seu mais conhecido e admirado conto, A Dama do Cachorrinho.
Foda.

176-O Muro de Jean-Paul Sartre

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Sartre é uma figura e tanto. Além de ter sido marido de Simone de Beauvoir, ele foi filósofo, escritor e crítico francês, Sartre é conhecido como representante do existencialismo. Nascido em Paris no ano de 1905, levava a ideia de que os intelectuais têm de desempenhar um papel ativo na sociedade. Artista militante, ele apoiou causas políticas de esquerda na vida e nas obras e recusou-se a receber o Nobel de Literatura de 1964. Sartre afirmava e defendia que o homem é responsável e livre por tudo que está à sua volta… Isso posto, deve ser lido.
Escrita às vésperas da Segunda Guerra Mundial, as cinco narrativas de ‘O muro’ buscam refletir a perplexidade do homem frente a um mundo em convulsão. Nesse momento, quando as circunstâncias parecem carregar todos ao mais fundo individualismo, Sartre levanta questões que apelam à consciência política e filosófica. O apelo é feito a causas como valores burgueses, preconceitos sexuais e raciais – panos de fundo deste livro escrito por um jovem Sartre e indicado para todos os humanos inconformados com o modo a realidade do mundo é imposta.
Assim como sua esposa, Sartre não tocou o meu coração em sua literatura. Achei tedioso em algumas partes… mas prefiro eu depois de O Muro do que antes.
Há livros que são como a beterraba. Não são um deleite em si, mas fortalecem muito nosso sangue. É o caso de O Muro.

175-A Mulher Desiludida de Simone de Beauvoir

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Simone de Beauvoir foi uma das vozes mais atuantes e autorizadas do feminismo no século 20, quase um emblema. Casada com o filósofo Jean-Paul Sartre, autora do polêmico ensaio O Segundo Sexo (1949), Beauvoir lançou em 1967, pouco antes de completar 60 anos de idade, sua melhor obra literária: A Mulher Desiludida. Eu não conhecia o estilo de Beauvoir. Assim como muitos de vocês, conheço suas ideias apenas e algumas frases que as feministas vira e mexe soltam por aí. Pois bem, li. Conheci. E achei um saco. Pode ser que eu não estivesse no momento certo de pegar algo nesse estilo, mas… ainda assim, tenho algo a dizer.
Este livro reúne três narrativas sobre uma questão central, que poderia ser definida como “a condição feminina”, numa sociedade ainda dominada pelos homens. Na primeira narrativa, a mais autobiográfica, vemos um casal de intelectuais maduros, ambos de esquerda, em conflito com as posições cada vez mais conservadoras do filho, Philippe. O conto prenuncia não só as reflexões posteriores de Beauvoir sobre a velhice, mas também o confronto de gerações que explodiu em maio de 68. O segundo quadro deste tríptico é o monólogo angustiado de Murielle, que, depois de dois casamentos fracassados e do suicídio da filha, rumina em solidão o seu ódio pelo mundo e por um Deus que talvez não exista. Na última história, a mais longa, acompanhamos o irreversível desabamento da vida familiar de Monique, uma típica dona-de-casa que de repente se vê abandonada pelo marido e desprezada pelas filhas.
Ou seja, o livro nos remete a uma época que mostra o quanto não evoluímos em quase nada. As mulheres continuam sofrendo violências de N tipos e Beauvoir faz um registro com um tom bem literário de como foi para ela.
A despeito de não ter me emocionado, preferi ter conhecido essa obra e não descarto a possibilidade de ela ser uma experiência boa para quem quer que seja.

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174-Os Machões Dançaram de Xico Sá

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Disseram-me que Xico Sá era coxinha. Não sabia nem ao certo quem era ele, quando vi esse livro com essa capa de um mau gosto de dar gosto. WTF? Paguei para ver, literalmente. E não me arrependi. Adorei. Nada de oh meodeos que coisa linda, mas como entretenimento e para dar risada… olha, valeu.
Em “Os Machões Dançaram – Crônicas de Amor & Sexo em Tempos de Homens Vacilões”, o escritor e jornalista Xico Sá faz uma reflexão sobre como os machos andam encarando os relacionamentos em tempos de internet, em que até um “perdido” fica mais difícil porque não há como se esconder. Politicamente correto aqui manda lembranças, o que de vez em quando, vem a calhar.
Me diverti muito e se é coxinha ou não, já nem quero saber para não estragar a festa…

173-O Melhor da Crônica Brasileira – Ferreira Gullar, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Luis Fernando Veríssimo

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Quando tem no título “O Melhor…” ou “Os melhores…” as antenas logo são acionadas. Em se tratando de contos e crônicas, para mim é o tipo de livro irresistível. Li em uma tarde sem celular.
A reunião de crônicas de Ferreira Gullar, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Luis Fernando Verissimo permite-nos conhecer, segundo o professor Ivan Cavalcanti Proença e Maria Lucia Lima o que “há de mais significativo na produção brasileira de prosa e poesia”. Minha opinião: isso foi um exagero. A despeito de uma variedade de narrativas, a parte, por exemplo, de José Lins do Rego para mim foi bem arrastada. Já li crônicas infinitamente melhores.
Mas o livro valeu pela parte de Rachel de Queiroz. A crônica “O Menino e os Santos Reis” foi uma das coisas mais lindas que já li. Luis Fernando Veríssimo dispensa comentários e Gullar foi bacaninha mas nada oh que Rubem Braga…
Enfim, foi bem melhor que nada, mas a seleção não contemplou o título.

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172-A Bela e A Fera de Clarice Lispector

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A Bela e a Fera nada tem a ver com o conto da Disney. Trata-se aqui de um livro lançado postumamente que reúne seis escritos do período 1940-41 e dois de 1977, pouco antes da morte da autora, ambos falando de escolhas, sentido da vida, solidão e condição feminina. Oras, por que não consigo parar de ler Clarice?
Os textos do primeiro conjunto, ao se debruçarem sobre conturbadas relações amorosas entre homem e mulher, não escondem a atmosfera romântica e certa ingenuidade. Mas ao mesmo tempo trazem discussões que atravessam a ficção clariciana. Lá estão a percepção aguda de dramas familiares e o senso de ironia. A obra convida à leitura retrospectiva. Lado a lado, a escritora madura, em momento de profunda crise devido à doença que a tomava, e a jovem autora, na descoberta do mundo e da ficção.
Curioso é que o olhar adulto sobre experiências remotas é simulado em textos juvenis, como “História interrompida”. A narradora recorda a paixão juvenil: um rapaz “moreno e triste”, roupa escura, analítico; ela, jovem perspicaz, inteligente e romântica, de roupa florida, diminuída com a altivez dele, mas já intuindo haver sob aquela soberba um pensamento estéril. A rememoração, forma de compreensão, ou tentativa de, registra a força da acomodação a valores dominantes: “Estou casada e tenho um filho”. A história é retomada com variações em “Obsessão”, também rememória de personagem com origem similar: “Nasci de criaturas simples, instruídas naquela sabedoria que se adquire pela experiência e se adivinha pelo senso comum”. Ela é preparada para “casar, ter filhos e, finalmente, ser feliz”.
No outro grupo de textos, que assume a perspectiva de dentro do casamento ou de quem já viveu muito, há uma dimensão dilacerada quanto aos rumos e equívocos cometidos ao longo da vida, em nome da estabilidade e do bem-estar. Sim, porque se o livro como um todo encena a indagação clariciana sobre a felicidade, os contos escritos no final da vida dão ao tema uma acidez e uma revolta inexistentes nos anteriores, aniquilando de vez os parâmetros afetivos pequeno-burgueses. Chega a atingir o patético, na reflexão da socialite(“– Como é que eu nunca descobri que sou também uma mendiga?”), ou na figura de Margarida, de “Um dia a menos” (que reverbera personagens nos textos com viés autobiográfico de Avia crucis do corpo e também de A paixão segundo gh), mulher que habita o depois, e enfrenta o diálogo surdo com o tempomorto que nela habita.
Achei engrandecedor e necessário sempre. Viver sem lispectorar é viver menos…

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171-Clarice Lispector – outros escritos

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Não adianta. Se eu entrar em uma livraria e vir um livro de Clarice, ele já é meu. Esse eu não tinha e como se trata de uma bruxa inspiradora, tive que adquiri-lo.
Em Clarice Lispector – outros escritos, temos uma reunião de textos de natureza diversa produzidos ao longo da trajetória literária de Clarice. Os escritos foram selecionados a fim de mostrar a escritora sob várias facetas – a jornalista, a mãe, a estudante de direito, a dramaturga, a conferencista, a colunista feminina e a ensaísta. Por fim, a cereja do bolo,nesle temos uma entrevista concedida por Clarice Lispector ao Museu da Imagem e do Som onde ela discorre sobre a sua vida e obra.
Como eu amo, amei.

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170- Mulheres de Cinza de Mia Couto

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Incrivelmente não gostei desse livro. Não sei explicar o motivo. Fiz a leitura sem emoção e arrastada. Dormi várias vezes com o livro na mão. Mas, não tenho dúvidas, o problema não é do livro e sim meu. Não era nosso momento… Não vejo como Mia Couto dar sono a não ser que o espírito esteja doente.
Esse é o primeiro livro da trilogia As Areias do Imperador, Mulheres de cinzas é um romance histórico sobre a época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane (ou Gungunhane, como ficou conhecido pelos portugueses), o último dos líderes do Estado de Gaza – segundo maior império no continente comandado por um africano.
Em fins do século XIX, o sargento português Germano de Melo foi enviado ao vilarejo de Nkokolani para a batalha contra o imperador que ameaçava o domínio colonial. Ali o militar encontra Imani, uma garota de quinze anos que aprendeu a língua dos europeus e será sua intérprete. Ela pertence à tribo dos VaChopi, uma das poucas que ousou se opor à invasão de Ngungunyane. Mas, enquanto um de seus irmãos lutava pela Coroa de Portugal, o outro se unia ao exército dos guerreiros do imperador africano.
O envolvimento entre Germano e Imani passa a ser cada vez maior, malgrado todas as diferenças entre seus mundos. Porém, ela sabe que num país assombrado pela guerra dos homens, a única saída para uma mulher é passar despercebida, como se fosse feita de sombras ou de cinzas.
Ao unir sua prosa lírica característica a uma extensa pesquisa histórica, Mia Couto construiu um romance, narrado alternadamente entre a voz da jovem africana e as cartas escritas pelo sargento português. Achei um saco. Mas, como disse, o problema deve ser meu e não dele…

169- As Mentiras que as Mulheres Contam de Luis Fernando Veríssimo

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Veríssimo é irresistível. Não há motivo para não comprarmos e devorarmos um livro dele. Gênio na crônica e no humor só nos faz ficarmos mais leves e mais sábios ao lidarmos com o outro porque percebemos o quanto somos complexos e dignos de muita piada.
Neste livro, tudo começa com a mãe, com o “Olha o aviãozinho!” à mesa do almoço. É a mentira inaugural, que vai se desdobrando em outras ao longo da vida. Mas calma lá. Nem sempre a ideia é disfarçar um caso ou ocultar um segredo. Por vezes são apenas eufemismos, ambiguidades, desculpas educadas — tudo com o objetivo um pouco mais nobre de preservar a harmonia social. Nesta coletânea de crônicas aparecem, por exemplo, a senhora que tenta enganar a si mesma fazendo uma plástica atrás da outra e a moça que mente a idade — para mais! — apenas para ouvir que ainda está nova. Há dramas, comédias, tragicomédias — e até histórias que terminam em tragédia. Mas tudo permeado pelo humor irresistível de Verissimo.
Por que não ler Veríssimo???

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168- As Crônicas de Fiorella de Vanessa Martinelli

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Vanessa Martinelli Levandowski fez um livro que é simplesmente uma fofura. Um excelente presente para qualquer adolescente! O livro me rendeu muitas gargalhadas com as trapalhadas e o jeito de Fiorella (Vanessa, de onde surgiu esse nome lindo da personagem?). Ou seja, o livro serve de presente para adultas também!
Sabemos que vida de adolescente não é moleza. Novas responsabilidades, hormônios, o adeus à infância e a entrada na vida adulta: todos têm suas boas e más recordações desses momentos – e quem ainda não tem não perde por esperar! Com Fiorella não é diferente. Ela é uma menina comum, com pais divorciados, que vive com o irmão e a mãe e vai à escola todos os dias. Ah, ela também tem uma melhor amiga, a Flávia, e uma forte queda por pasta de chocolate.
A partir das crônicas narradas por Fiorella neste livro, você vai se divertir e se emocionar com o amadurecimento da personagem. A grande vencedora do 1º Prêmio Saraiva na categoria Literatura Juvenil foi genial em construir essa personagem e escrever no referencial de Fiorella.
Vanessa fofa, Fiorella fofa, Rufus fofo, tudo fofo, gente…
Super indico.

167- Tempos de Chuva de Carlos Almeida

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Carlos Almeida foi juntamente comigo finalista do 1º Prêmio Saraiva na categoria Literatura Juvenil. Carlos, pasmem, é mestre em engenharia civil! Sempre escreveu por diversão sobre situações cotidianas, sendo elas fictícias ou não. Foi somente quando resolveu juntar 35 crônicas e enviá-las a projetos literários que começou a receber diversos prêmios. Ficou em primeiro lugar em diversas premiações, e foi um dos selecionados pela Saraiva em 2014 para publicar um livro pelo selo de literatura juvenil.
Carlos parte de sua experiência pessoal e profissional para criar textos breves e reflexivos. Ao misturar memórias, cenas cotidianas e acontecimentos fictícios, as crônicas reunidas neste volume nos apresentam um universo rico em personagens cativantes e passagens memoráveis. Os textos, que se inclinam ora para o humor ora para o drama, são redigidos sempre de forma elegante e realista, mas sem perder o ímpeto dos causos, conquistando o leitor à primeira vista.
Eu fiquei impressionada com a sensibilidade e maestria com que Carlos narra e, principalmente, termina as suas crônicas. Lembrou-me demais o mestre Fernando Sabino…O livro é simplesmente delicioso de ler e Carlos merece todos os prêmios que já ganhou e mais o que há de ganhar.
Parabéns, meu amigo. Orgulho de ter te conhecido e dividido momentos inesquecíveis ao seu lado. Não pare nunca de escrever. O mundo precisa de você!

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166- Aprendendo a Viver de Clarice Lispector

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Aprendendo a viver é uma seleção das crônicas mais confessionais escritas por Clarice Lispector na década de 70. Organizado por Pedro Karp Vasquez, o livro reúne uma série de textos em que a escritora conta sua própria vida. É Clarice Lispector na primeira pessoa, detalhando passagens marcantes de sua história, divagando sobre os temas mais variados, revelando particularidades de seu cotidiano e esmiuçando seu processo criativo. Consegue imaginar coisa melhor? Eu não…
Há trechos de extrema beleza. Descobri que Clarice, apesar de casada e com filhos, passava as noites de Natal na companhia de uma amiga solitária, sempre em restaurantes cheios, para que ela visse quanta gente sozinha havia no mundo. Também é encantador quando Clarice se imagina lendo seus próprios livros em outra encarnação, sem saber que foi ela mesma quem os escreveu, numa outra vida. Ou quando ela se mostra incapaz de comer algo que tenha plantado, por amor ao ser vivo que ajudou a criar. Simplesmente lindo e necessário…
Mesmo quando Clarice fala de banalidades, seu texto nunca é frívolo. Sua narrativa pode começar com um relato sobre um cisco no olho e evoluir para uma reflexão sobre a vida, a morte, o amor, o infinito, a mentira. Ela escreveu numa crônica sobre sua viagem ao Egito: “Vi a Esfinge. Não a decifrei. Mas ela também não me decifrou. Encaramo-nos de igual para igual. Ela me aceitou, eu a aceitei. Cada uma com o seu mistério. Não é à toa que a obra de Clarice é tão estudada por filósofos e psicanalistas”, diz Teresa Montero, autora de Eu sou uma pergunta, biografia de Clarice Lispector publicada pela Rocco.
Gente, Clarice… leiam Clarice…

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165- A Via Crucis do Corpo de Clarice Lispector

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A Via Crucis do Corpo é um livro composto por treze contos, que possuem, antes de dar início a sua leitura, uma explicação da autora.
“ Este livro de contos nasceu a partir da encomenda de um editor que contou três histórias para Clarice, cujo assunto, como ela disse, “era perigoso”. E ela completa: “Se há indecências nas histórias a culpa não é minha.” Nestes treze contos, mais do que revelar os desejos inconfessáveis do corpo, insinuam-se os delírios da alma crivada pelas experiências da velhice, da morte, do desejo carnal e dos momentos de fracasso.”
As histórias foram feitas por encomenda, o que contrariou o instinto inicial da autora em aceitar algo assim. Havia pensado em assinar com seu pseudônimo, Cláudio Lemos, mas seu editor acabou convencendo que ela deveria ter a liberdade de escrever o que quisesse. Clarice relata até que alguém chamara seus contos de lixo, o que ela concordava. “Mas há hora para tudo. Há também a hora do lixo.
Sem dúvidas, na época que seus contos foram escritos, seria impossível não chamá-los de imorais, já que a sociedade tinha uma visão bem diferente do papel da mulher, o que ela poderia e deveria fazer. Mas para mim, ao lê-los, funcionaram como o desnude da figura que muitas pessoas têm, coisa que Clarice conseguiu mostrar uma nova realidade por sua obra.
Todos os contos são incríveis e conseguiram mexer comigo de alguma forma, mas os que mais me chamaram atenção foram Miss Algrave, onde Ruth descobre o que é e qual a sensação que é fazer sexo com um ser de outro mundo, e Via crucis, onde Maria das Dores dá a luz ao “novo Jesus“.
Miss AlgraveMas vou morrer de saudade de você! Como é que faço?Use-se!
Via Crucis Não se sabe se essa criança teve que passar pela via crucis. Todos passam.
O homem que apareceu Óh Cláudio – tinha eu vontade de gritar – nós todos somos fracassados, nós todos vamos morrer um dia! Quem? Mas quem pode dizer com sinceridade que se realizou na vida? O sucesso é uma mentira.
Enfim, Clarice, gente…

164- Matteo Perdeu o Emprego de Gonçalo Tavares

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Ainda não sei se amei ou não este livro. Gonçalo é considerado pelo Le Monde o prodígio da literatura portuguesa. Mas algo me incomodou neste livro especificamente, mas não sei dizer exatamente o quê. Vou tentar…
O livro está dividido em duas partes. Na primeira parte, temos 25 pequenas histórias caricatas, vividas por 25 personagens. Em cada uma delas há um pormenor que faz a ligação com a história seguinte. As histórias aparecem por ordem alfabética dos personagens. “Matteo perdeu o emprego” é a 25ª história, e a mais desenvolvida. Amei esse estilo. Achei o máximo.
Na segunda parte, num Posfácio, o autor analisa os contos e explica a ligação entre os vários acontecimentos, onde tudo acontece por ordem alfabética. “tudo responde pela ordem alfabética do seu nome. Mas uma ordem inclui dentro de si a possibilidade de infinitas combinações.” Nesta parte, ele faz algumas afirmações que me pareceram prepotentes. De certo que ele ficou com medo de ninguém entender o livro com a profundidade que ele escreveu de modo que encheu o fim de notas filosóficas e analíticas sobre o que acabamos de ler. E depois vocês acham que piada de português é algo criado a partir da cabeça imaginativa dos brasileiros…
O livro é um híbrido de conto e romance. Híbrido porque é um romance em que cada capítulo desenvolve uma história com um protagonista diferente. Um chama o outro, em ordem alfabética, e assim a história vai. Aaronson é um corredor que corre em volta de uma rotatória até que é atropelado por Ashley, que precisava entregar uma encomenda a Baumann no número 217 de uma rua que é composta apenas por números 217; Baumann que limpava o lixo e era observado por Boiman, que é interrogado por Camer, que pergunta sobre o homem dos tiques chamado Cohen, que é convidado por Diamond para uma viagem, e por aí vai. Isso até chegar no tal Matteo, que perdeu o emprego e é contratado por uma jovem chamada Ana, que não tem braços, para fazer as paradas por ela. O fato do título do livro fazer referência a Matteo sugere que precisamos percorrer tudo isso para chegar nele, e isso é dito no meio da história, o que é deveras bizarro, mas enfim. Fato é que a história toda até esse ponto é um exercício de conexão e hierarquia, ao que parece, numa mensagem clara de que algumas coisas seguem uma ordem que não podem ser desconsideradas. Tensa essa sensação, vale observar (Liberdade? O que é isso? Gostei demais de viver essa cumplicidade com Gonçalo).
Na capa do romance, tem um suposto elogio do Le Figaro que diz que Matteo Perdeu O Emprego é um Kafka português. Oi? Acho que qualquer coisa que pareça desnecessária, sem sentido e aparentemente muito mais profunda do que se supõe é chamada de kafkiana.
Enfim, fiquei cativada com o estilo mas não com o livro. Eu entendo como as pessoas podem se encantar por esse livro, porque afinal é um livro verdadeiramente autêntico e esse mérito ninguém lhe tira, mas percebi no posfácio o autor me chamando de burra… e isso me irritou profundamente… Começou humilde e terminou numa metideza escancarada…
O livro acaba ainda com uma citação do Giorgio Agamben. Achei pedante. Tem Musil, Agamben, Burroughs na epígrafe do posfácio, “Um Kafka português” assinado pelo Le Figaro na capa e uma orelha escrita por alguém que entendeu tanto desse livro quanto eu, e na contracapa ainda tem o Saramago falando que o cara vai ganhar o Nobel um dia… achei meio exagerado.
Gostei. Mas não entendi tantos elogios…

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163- Um lugar na janela de Martha Medeiros

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Peguei esse livro porque ando numa fase de querer viajar sozinha. Mas tem um problema: eu morro de medo. Talvez ficar muito tempo em minha companhia me assuste mais do que aos outros. Não sei porque cargas d´água  resolvi que esse ano enfrentaria essa barreira e um bom começo seria ouvir outras pessoas que já fizeram o mesmo. Em ‘Um lugar na janela’, a cronista Martha Medeiros abre espaço para a viajante. Aqui não há nada inventado, tudo aconteceu de verdade: as melhores lembranças, as grandes furadas ainda em tempos pré-internet, as paisagens de tirar o fôlego.

Eu chorei, eu ri, eu fiquei perplexa com N passagens do livro que é uma delícia… A autora de Feliz por nada compartilha com seus leitores as mais afetuosas memórias de viagens feitas em várias épocas da vida, aos vinte e poucos anos e sem grana, depois, já mais estruturada, mas com o mesmo espírito aventureiro, e com diversos acompanhantes: as amigas, o marido, as filhas, o namorado, não importa a companhia, vale até mesmo viajar sozinha…

Um lugar na janela é um convite para deixar de lado a comodidade do sofá, as defesas e embarcar junto com Martha. O bom viajante é aquele que está aberto a imprevistos, ou seja, a viver.

Meu medo continua aqui porque sem ele eu não sou Elika Takimoto. Mas agora dá a entender que a animação está a ponto de superá-lo.

Para mim, esse livro muito mais do que contingente. Foi necessário.

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162- Jovens de um novo tempo, despertai! de Kenzaburo Oe

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É difícil definir e enquadrar Jovens de um novo tempo, despertai! de Kenzaburo Oe. Publicado em periódicos japoneses no início da década de 1980, o livro, mistura de romance, autobiografia e ensaio, não parece conter em si a pretensão de figurar em uma categoria única. Ao contrário: fluidamente fragmentado, belamente cindido, a totalidade da obra, mesmo com centenas de pausas e retomadas, mostra-se uma homogênea e límpida mistura, que só funciona graças ao assombroso talento de Oe.

Dividido em sete capítulos — onde cada um traz, sem aviso prévio, um pouco das três modalidades —, o livro é narrado em primeira pessoa por um escritor, que é, tanto na superfície cotidiana como no canto mais escuro da alma, o próprio Kenzaburo Oe. Apesar dessa associação imediata e inelutável, é difícil precisar quais das recordações e reflexões ali contidas são de fatos verdadeiras: daí a hesitação entre apontar o todo como ficção ou como realidade (e bem sabemos que a incapacidade de discernir entre ambas pode ser desastrosa). Já o ensaio se faz presente quando o narrador analisa, de forma contínua, precisa e apaixonada, a obra do poeta William Blake — pela qual se mostra incrivelmente fascinado e com a qual possui uma espécie de conexão de ideias, sensações e valores. Essa profunda e genuína ligação, aliás, se reflete em boa parte da produção de Kenzaburo Oe.

As primeiras páginas narram a chegada do escritor a Tóquio após uma viagem relativamente longa pela Alemanha e pela Áustria. Ao retornar a sua casa, o protagonista encontra a família em crise: a mulher e os dois filhos mais novos haviam se indisposto com o primogênito, Iiyo, porque este, deficiente mental, se comportara com extrema violência durante a ausência do pai. É bom frisar que Kenzaburo Oe possui um filho com uma grave deficiência mental nascido em 1963 e cujo nome é Hikari (o nome verdadeiro, aliás, é citado neste livro); Hikari já esteve presente (en passant, indiretamente ou como figura central) em alguns trabalhos de Kenzaburo Oe. Neste caso, em Jovens de um novo tempo, despertai!, parece que a motivação do autor é, além de reagrupar uma parte de si há muito fragmentada, restabelecer os rumos de sua relação com o primogênito.

Quem ler a sinopse do livro verá a seguinte frase: “Atravessando a meia-idade, um escritor japonês decide escrever um ‘manual de definições do mundo, da sociedade e do ser humano’ com explicações para todas as coisas existentes”. Percebo uma espécie de interpretação limitada. O autor não se decide (de forma peremptória e inelutável), em momento algum, a escrever tal volume de definições; ele menciona a ideia, ronda-a com certa culpa, faz tentativas vacilantes de colocar o projeto em prática — mas a história não é, em absoluto, focada nisto. Este não é o mote da narrativa, que é muito mais abrangente. O tal livro de definições é mencionado pouquíssimas vezes, e jamais em tom de ultimato, jamais com um movimento decidido e contínuo rumo à realização do objetivo. É muito mais ampla a rede de proteção que Kenzaburo Oe, ao encaixar no lugar peças sobressalentes de sua vida, estende abaixo de si e do filho. Ao descobrir suas falhas, ao vê-las sem nenhum subterfúgio, o pai de um deficiente mental toma consciência de si e procura estender, de muitas maneiras, esta consciência ao jovem. Ao narrar seu amor pelo filho, ao dar-se conta da intensidade deste amor e do seu desejo de proteção em relação ao garoto, o autor lamenta que não estará vivo para guiar o filho, e que, portanto, precisa lhe dar as melhores ferramentas para que a vida de Iiyo seja menos dolorosa. E estas são várias — especialmente o afeto.

De uma beleza inefável, absolutamente sublime e tocante, Jovens de um novo tempo, despertai! é, talvez, um dos livros que melhor mesclam sorrisos e lágrimas, desilusão e esperança. De qualquer forma, Kenzaburo Oe desmembrou e reagrupou parte de sua vida — e, ao fazê-lo, legou um presente infinitamente precioso aos leitores.

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161- Uma Questão Pessoal de Kenzaburo Oe

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Kenzaburo Oe foi Prémio nobel da literatura (1994) e facilmente se percebe porquê;  só talvez Kafka exprimiu melhor a desumanização. No contexto de um país industrializado como o Japão… Em 1964, o romancista japonês Kenzaburo recebia a notícia de que o seu primeiro filho nascera com uma anomalia cerebral. É a mesma situação enfrentada pelo protagonista de Uma questão Pessoal, o professor Bird. Aos 27 anos, Bird leva uma vida medíocre, bebendo pelos bares de Tóquio a sonhar com aventuras no continente africano. A gravidez da mulher acrescenta angústia ao quotidiano de Bird. A ideia de que será pai e chefe de família faz com que se sinta condenado à vida quotidiana. Para piorar, depois do parto, os pais descobrem que a anomalia cerebral fará o menino ter uma vida vegetativa. Bird não suporta a possibilidade de se ver atrelado para sempre a um filho anormal. Passa, então, a desejar a morte da criança. Aos poucos, porém, dá-se conta de que a crise era uma oportunidade. O tema acarreta desde logo um tom perturbador, que assusta pela estranha realidade de um fenômeno que a nossa mente só concebe como irreal: o desejo de morte de um filho…
O pai é Bird de alcunha; “pássaro”: alguém que inocentemente procurava a liberdade; como se isso fosse coisa simples… ele é um modesto professor japonês que vive obcecado por colecionar mapas de África. Absurdo? Infantil? Ilógico? Talvez não… África era a liberdade. Estranha e distante. Inimaginável.
À medida que Bird vai sendo confrontado com a realidade da deficiência do filho, perante a quase insignificância da mãe, Bird deambula pela vida à procura de um sentido; nem a amante, que o leva ao extremo do prazer carnal, lhe pode dar esse sentido; e, lentamente, a partir do nascimento de um filho horrivelmente deformado, Bird leva o leitor a colocar a terrível questão: até onde pode chegar a degradação? Bird mostra-nos que se pode ir cada vez mais fundo, até atingir limites inimagináveis de desumanização…
Estamos perante um livro revoltante pela crueza com que a vida pode submeter um ser humano à mais degradante desumanização; um livro original pela forma única como as palavras ferem como facas, palavras simples, diretas, cortantes. E, finalmente, em termos formais, uma escrita algo surrealista, em que o Hospital pediátrico onde o bebé é destinado à morte, faz lembrar a estrada no deserto, de Outono em Pequim, em que nada faz sentido a não ser a dor, a tortura da alma…
Mesmo assim, no final há sempre a hipótese de uma redenção. E a perturbação com que lemos o livro esvai-se, alivia-se um pouco num final de esperança e crença no ser humano. É sempre possível reformular o sentido da vida…
Gostei. Mas longe de ter sido o melhor dos que já li.

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160- Ô, raça! de Tutty Vasques

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Esse livro nasceu para mim e Tutty é o que pretendo ser um dia: Uma pessoa que informa e diverte seus leitores e quem sabe, fazer disso um livro como o maravilhoso e engraçadíssimo Ô, raça! Deixo aqui o próprio depoimento de Tutty em relação a essa obra que super indico para qualquer um.  Lido devidamente em um dia (com o celular no conserto).

“Jornalista metido a humorista – e vice-versa –, estabeleci com a má notícia uma convivência feliz e duradoura. Estamos juntos há quase três décadas, virados na internet desde a virada de 2000. Quanto mais assustadora a crônica que a imprensa faz de nossos dias, mais a parceria com o humor se justifica como estratégia de sobrevivência coletiva ao tsunami de aborrecimentos na leitura da vida como ela web nas plataformas de informação. ‘Ô, Raça!’ (o livro) celebra os últimos 15 anos desse meu lobby obsessivo pelo rebaixamento da nota de classificação de risco das más notícias para a categoria ‘fatos irrelevantes’ de um século ainda adolescente.

Esta coletânea nasceu com a pretensão de buscar em mais de 30 mil notas e crônicas dispersas na blogosfera um conjunto de textos que desse sentido próprio à existência do livro. A edição privilegiou assuntos recorrentes no conjunto da obra: a evasão de privacidade, a política aloprada, a cultura do desaforo, a economia idiota, a poção bizarra do ser humano – ô, raça! –, sem contar o fim do mundo no sentido literal da expressão climática.

O jornalista Fábio Rodrigues, parceiro da vida inteira dentro e fora da profissão, foi o primeiro a meter a mão na massa para separar o trigo do joio na saraivada de exclamações que atirei para todos os lados que a mídia apontou o nariz entre 2001 e 2015. Optamos por indicar a data (ao menos o ano) de publicação em tudo que selecionamos para localizar o leitor no tempo: há textos de 2002, por exemplo, que parecem da safra 2015 – e vice-versa. Notícia enguiçada, descobrimos isso agora, prolonga a vida útil da piada jornalística, perecível pela própria natureza da velocidade da informação.

Quase tudo parece besteira em ‘Ô, Raça!’, quase sempre é mesmo, mas – acredite! – quase toda palhaçada que você ler aqui foi assunto sério durante dias, semanas, meses ou anos nas rodas de gente bem informada. Nem tudo nesta publicação é verdade, mas experimenta só ‘dar um Google’ quando se deparar com algum registro de notícia fora da curva de tolerância do absurdo. Capaz de você se surpreender!

Das três partes que compõem o livro, as duas primeiras (‘Fatos irrelevantes’ e ‘Diário de Bordo’) têm o noticiário como matéria-prima exclusiva da brincadeira. ‘Retratos Falados’ fecha a tampa com uma série de perfis pessoalíssimos que fiz com gente muito especial que encontrei pelo caminho. São meus malucos de estimação! Se quiser, comece a leitura por uma página qualquer do meio do livro, recue ao início, dê um pulo lá no fim. ‘Ô Raça!’ permite leituras homeopáticas e é recomendado em especial para aqueles momentos em que não dá mais pra aguentar tudo-isso-que-aí-está. Acalma!

Os textos deste livro circulam na web originalmente publicados entre 2001 e 2015 nos seguintes veículos: No., NoMínimo, AOL, O Estado de S. Paulo, Época, Veja-Rio, Piauí, Lance!, Criativa, Consumidor Moderno, Ser Médico, Oi Bazar , Facebook e o escambau.”

Enfim, quero ser Tutty quando crescer!

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159- Polegarzinha de Michel Serres

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Ganhei esse livro de presente de Caco Xavier.

Ao contrário do que pode parecer, o título da nova obra de Michel Serres “Polegarzinha”, não se remete ao famoso conto de Andersen, mas ao jovem de hoje em dia que não se desliga do mundo virtual e tem como maior companheiro o celular. Originalmente um discurso na Academia Francesa, o autor afirma: começa uma nova era que assistirá à vitória da multidão anônima sobre as elites. Segundo Serres, as sociedades ocidentais sofreram duas revoluções: a da transição do oral para o escrito, e, em seguida, do escrito para o impresso. Como as anteriores, a terceira, sob o império das novas tecnologias, é acompanhada por mudanças políticas, sociais e cognitivas. Tempos de crise. O livro apresenta um paralelo entre o surgimento da impressão e o das mídias atuais. Na época da criação da primeira, Martin Luther King disse que cada homem seria o Papa com uma bíblia na mão. Agora o autor afirma: “todo homem é um político com um laptop na mão. Graças à internet, há um espaço que já não é determinado pela distância, mas pelas proximidades”. Um retrato do mundo tal como ele é hoje, em que prova que as tecnologias atuais criaram um novo humano e que esse pequeno polegar teve, por sua vez, muitas coisas a inventar para esse novo mundo em que ele nasceu.

Mas o motivo pelo qual ganhei o livro é que “Polegarzinha” mostra também que os professores terão que se adaptar à nova realidade. E há tempos essa é a minha bandeira que tem me rendidos tantos inimigos. Os alunos não se adaptam mais ao tradicional método de ensino e preferem aprender por meio da internet. Muitas vezes, eles já chegam em sala de aula conhecendo o assunto, situação inimaginável há décadas. Ou o professor muda ou vai continuar nessa chatice de ficar reclamando dos Polegarzinhos em sua sala de aula.

Não tem que proibir o celular. Temos que aprende a fazer uso dele em nosso benefício, digo, em nosso trabalho como professores. Se a aula que se dá tem igual no google, para que o aluno vai acordar cedo ou ficar prestando atenção em uma pessoa falando quando se tem tanta coisa mais legal a se fazer como olhar para a coleguinha ao lado e ficar imaginando coisas? Oras…

Michel Serres me deu uma cobertura e tanto. Me senti correndo em um campo aberto com os inimigos escondidos e mirando seus tiros em mim com ele os matando antes.

Polegarzinha foi cotonete  para meus ouvidos, colírio para meus olhos, cremes para minhas mãos, oxigênio para meu cérebro e própolis para minha garganta. Só melhorei depois de tê-lo lido.

Obrigada, Caco.

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158- Short Movies de Gonçalo M. Tavares

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Gonçalo M. Tavares era um ilustre desconhecido para mim até que António me chamasse inbox e de lá do Porto onde mora bateu na minha porta para me dar um puxão de orelha. Como assim, dona Elika, a senhora lê tanto e não conhece os autores portugueses? Bem, well,… conheço Saramago, não basta?, respondi. Qual o quê. Claro que não. António tratou de me indicar, para começar, Gonçalo M. Tavares e eu, que não durmo no ponto, rapidamente entrei na internet e comprei alguns livros dele, entre eles, Short Movies.
Esse é o segundo livro que resenho antes de terminar. O outro foi um escrito por Kawabata, um autor japonês, extremamente machista (como a maioria dos japoneses) e que eu tive náuseas lendo e resenhei antes de queimar o livro na minha mente e ter jogado na parede quando atingi 25% dele e nunca mais o peguei. Mas Short Movies é o oposto dessa sensação. Estou simplesmente arrepiada…
A narrativa é algo que jamais vi igual. E olha que eu leio viu… Não sei explicar. Talvez o título descreva bem o que seja. Parece que estamos vendo uma fotografia, uma cena. E o ângulo da câmera é mudado e passamos a ver tudo de uma outra forma.
É importante ficar claro, como disse o próprio autor, que não são contos, ou seja, quando alguém acaba de ler um texto, não deve avançar logo ao outro, e sim esperar que sua cabeça, como um cinema, deixa passar as várias imagens feitas a partir da leitura. Não há espaço para arroubos reflexivos, apenas para descrições de cenas e imagens, fazendo a narração alcançar o efeito de uma câmera cinematográfica.
– Se estamos em uma rua e olhamos com muita velocidade para as pessoas, não vemos nada. Mas, se pararmos de repente e olharmos com atenção para uma única pessoa, no modo como ela anda ou segura uma bolsa, começamos também a olhar para a alma dela de alguma maneira – explica Tavares.
Enfim, é o mundo que todos conhecem, mas visto de uma maneira que jamais vi.
Bom, deixo aqui a opinião de Saramago sobre Gonçalo M. Tavares:
“Ele não tem direito de escrever tão bem. Dá vontade de lhe bater!”
Estou simplesmente impressionadíssima…

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157- O Muro de Jean-Paul Sartre

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Devo confessar. Nunca havia lido nada da obra literária de Sartre embora já soubesse muito sobre ele e só comprei esse livro porque li na orelha que ele e Simone de Beauvoir namoraram por anos. Se Beauvoir gostou, coisa muito boa deve ser. Aquele tiro de olhos vendados que você tem certeza que vai atingir o alvo  assim foi O Muro para mim. Ela, eu já sabia, foi uma pioneira do feminismo. Ele, um mito filosófico, um verdadeiro gênio.
Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir foram, talvez, o casal mais influente do século 20. Eles nunca se casaram, mas juraram devoção mútua um ao outro com total liberdade, uma tentativa de derrubar a hipocrisia sufocante que, por tanto tempo, tinha ditado a vida das pessoas. Sempre empurrando novas fronteiras, eles exploraram os seus pensamentos em romances, peças de teatro e obras filosóficas. Ele ganhou o maior prêmio literário do mundo, o Prêmio Nobel. No entanto, ele se recusou a aceitá-lo porque pensou que faria dele uma figura estabelecida e, portanto, silenciar sua mente inquiridora.
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alberto korda ©Sammlung Falckenberg Herr Bandel Philo Fine Arts Verlag, fon: 040 / 45 01 94 – 0, mail: bandel@philo-fine-arts.de
Filósofo, escritor e crítico francês, Jean-Paul Sartre é conhecido como representante do existencialismo. Nascido em Paris no ano de 1905, levava a ideia de que os intelectuais têm de desempenhar um papel ativo na sociedade. Artista militante, ele apoiou causas políticas de esquerda na vida e nas obras e recusou-se a receber o Nobel de Literatura de 1964. Sartre afirmava e defendia que o homem é responsável e livre por tudo que está à sua volta…. A minha frase favorita dele é:
“Se os comunistas têm razão, então eu sou o louco mais solitário em vida. Se eles estão errados, então não há esperança para o mundo”.
Escrita às vésperas da Segunda Guerra Mundial, as cinco narrativas de ‘O muro’ buscam refletir a perplexidade do homem frente a um mundo em convulsão. Nesse momento, quando as circunstâncias parecem carregar todos ao mais fundo individualismo, Sartre levanta questões que apelam à consciência política e filosófica. O apelo é feito a causas como valores burgueses, preconceitos sexuais e raciais – panos de fundo deste livro escrito por um jovem Sartre e indicado para todos os humanos inconformados com o modo a realidade do mundo é imposta.
Simplesmente profundo e genial.

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156- Contos Novos de Mário de Andrade

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Mário de Andrade tem seu estilo ímpar. Ele foi o principal líder do movimento modernista brasileiro, que começou com a Semana de Arte Moderna de 1922. Soube unir as influências das vanguardas européias à construção de um projeto de cultura nacional, buscando, assim, modernizar a arte brasileira e romper com a tradição literária, aplicando novos princípios estéticos à expressão de nossa realidade.
Os Contos traz uma síntese dos principais traços do estilo do autor: oralidade, linguagem simples e livre, referências pessoais mais ou menos explícitas, temática do trabalho e da solidão.
As narrativas de Contos novos podem ser divididas em dois grandes grupos, de acordo com o foco narrativo. Assim, temos quatro contos narrados em primeira pessoa (“Vestida de preto”, “O peru de natal”, “Frederico Paciência” e “Tempo da camisolinha”) e cinco em terceira (“O ladrão”, “Primeiro de maio”, “Atrás da Catedral de Ruão”, “O poço” e “Nelson”).
O traço comum aos contos narrados em primeira pessoa é a presença de um mesmo narrador, Juca. Sua personalidade é formada a partir de experiências marcantes de rejeição e luta contra a repressão. Das primeiras, destaca-se a relação adolescente com a prima Maria de “Vestida de preto”. Das segundas, mais marcantes, os exemplos se sucedem. Entre as imagens da repressão, ganha destaque a figura paterna, que aparece em “Tempo da camisolinha” obrigando o narrador a podar as madeixas – alegoria simples da castração.
Em “Peru de natal”, o pai, já morto, ainda representa a instância capaz de anular a celebração e a liberdade. A fama de louco que Juca adquire com o tempo é uma reação ao rigor familiar e superá-lo representa a deglutição paterna de que trata Freud.
A oposição entre prazer e repressão, no entanto, nem sempre tem final feliz: a relação com Frederico Paciência termina sem conclusão e sem nome porque as barreiras sociais e psicológicas são fortes demais para Juca. Mas o desejo de libertação pode também ter fornecido as bases para a estética não convencional que o narrador manifesta nos contos em sua linguagem marcada pela oralidade.
Nos contos narrados em terceira pessoa, duas imagens sobressaem: de um lado, a solidão; de outro, a solidariedade. Solitário é Nelson, do conto homônimo, cuja identidade se limita ao título, já que no corpo da narrativa ele não tem nome e nem sequer uma história precisa. Sua condição se acentua no interesse sádico e desrespeitoso demonstrado pelos rapazes que comentam sua vida, tão passageiro quanto a comunhão provocada pela correria de “O ladrão”, depois da qual cada morador retorna ao seu insulamento, reforçando a solidão. Note-se, aliás, que neste último conto
o ladrão que lhe dá título não é sequer visto – marca de uma marginalização contundente. Solitária é ainda a Mademoiselle de “Atrás da Catedral de Ruão”, envolvida em suas fantasias sexuais e seus desejos contidos.
Por outro lado, a solidariedade se manifesta no universo do trabalho na união dos empregados de “O poço”, que enfrentam o fazendeiro – imagem acabada do autoritarismo paternalista e do desprezo elitista pela vida humana. E também na trajetória de 35, o protagonista de “Primeiro de maio” que faz da celebração da data uma forma de oposição ao oficialismo – demarcado no conto pela presença de policiais pelas ruas de São Paulo, representativa da opressão da ditadura Vargas. O 35 busca escapar, assim, de um trabalho alienante para o qual a única saída parece ser a solidariedade, evidente em seu gesto final de auxílio ao colega idoso.
Esse livro não é para qualquer dia e muito menos para qualquer um. Há de se querer para saber aproveitá-lo e degustá-lo.

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155- Os Sapatos – Histórias do Senhor Valéry de Gonçalo M. Tavares

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Comprei errado esse livro. Acho. Pensei que fosse um livro para adultos, mas trata-se, aparentemente, de um livro infantil. Já que comprei, vamos ler. Agora estou em dúvida para que público é esse livro…
O livro conta que o senhor Valéry anda na rua com um sapato branco no pé esquerdo e um sapato preto no pé direito. Às vezes é ao contrário. Mas nunca se engana. Ao final, estamos com o autor pensando no conceito de certo e errado e se tudo o que dizem a respeito disso faz sentido…
Gonçalo M. Tavares até hoje era um ilustre desconhecido para mim. Já estou no segundo livro dele e me pergunto onde eu vivia esse tempo todo que não o conhecia. A vida, com certeza, agora ganhou outro sentido…
Os Sapatos servem para trabalhar a imaginação de crianças… e dos adultos. Pelo visto, há muito mais Histórias Do Senhor Valéry. Vou ler todas. Óbvio.

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154- O Homem ao Lado de Sérgio Porto

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Sérgio Porto foi gênio. Atacava em todas: TV, rádio, teatro, shows, cinema. Mas sobretudo deixou algumas das mais hilariantes e afiadas crônicas da literatura brasileira. Seu olhar para captar o humor nas relações sociais, sua habilidade em desnudar – sempre com riso – as imposturas de nossos políticos e seu ouvido para captar as irresistíveis expressões inventadas no dia a dia do Rio de Janeiro dos anos 1950 e 1960 o entronizaram no panteão de nosso melhor humor literário. Eu o leio atenta para ver se consigo aprender alguma coisa desse estilo super elegante e inteligente.
O homem ao lado reúne crônicas com as melhores características de um autor que foi campeão de audiência: desde pequenas ficções sobre personagens e situações do Brasil e escrachos sobre personagens da História até um lado mais nostálgico e lírico. O conjunto é impressionante ao mostrar as diferentes e criativas maneiras do carioca de construir seus textos.
Eu simplesmente sou apaixonada por Sérgio Porto. Super recomendo a leitura. Deleite garantido.

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153  – Crônicas. Organização de Humberto Wernek

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Nascida e criada em revistas e jornais, ao longo do século XX a crônica se firmou como uma expressão muito particular na literatura nacional – um gênero tipicamente brasileiro, como lembra o jornalista Humberto Werneck. Eu, como cronista que agora sou, nunca perco oportunidade de ler uma seleção seja feita por quem for.

A crônica se mostrou capaz de fixar de modo único cenas e situações cotidianas da vida brasileira, chegando ao século XXI como um dos gêneros literários mais lidos no país. Aqui pelas redes, ela funciona muito bem, diga-se de passagem.

No terceiro lançamento da série Boa Companhia, 42 cronistas formam um painel da crônica no Brasil, falando de futebol, de um bicho de estimação ou de uma cena de infância, de palavras e gestos, de política, de uma conversa de bar, de amor, da paisagem na janela ou até mesmo de uma canja de galinha tomada num hospital.

Aníbal Machado – Antônio Maria – Antonio Prata – Apicius – Arnaldo Jabor – Caio Fernando Abreu – Carlos Drummond de Andrade – Cecília Meireles – Clarice Lispector – Danuza Leão – Elsie Lessa – Fernando Gabeira – Fernando Sabino – Geraldo Mayrink – Guilherme Cunha Pinto – Humberto de Campos – Ivan Angelo – Ivan Lessa – João Antônio – João do Rio – Joaquim Ferreira dos Santos – José Carlos Oliveira – José de Alencar – Lima Barreto – Luis Fernando Verissimo – Luís Martins – Machado de Assis – Manuel Bandeira – Marcos Rey – Mário de Andrade – Mario Filho – Mario Prata – Moacyr Scliar – Olavo Bilac – Oswald de Andrade – Otto Lara Resende – Paulo Mendes Campos – Rachel de Queiroz – Rodrigo Naves – Rubem Braga – Vinicius de Moraes – Xico Sá

Como não ter adorado essa seleção? Impossível.

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152  – Éramos mais unidos aos Domingos de Sérgio Porto

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Sérgio Porto é mestre nessa arte de escrever. Eu aprendo demais  e me divirto muito com ele. Não é sem motivo que é considerado um dos mais divertidos de nossos cronistas brasileiros. Éramos mais unidos aos Domingos é uma seleção com textos engraçados, líricos ou francamente debochados. Eis a receita que, até hoje, faz do carioca Sérgio Porto (1923-1968) ser reconhecido como uma referência nesse tipo de texto leve que fala do cotidiano de todos nós. E sua escrita vai além: a linguagem das ruas, as situações inusitadas do dia a dia, a comédia da vida privada, as transformações dos costumes nas grandes cidades brasileiras, as mentiras que contamos para os outros, a convivência com os vizinhos. Tudo isso vem recuperado numa prosa deliciosa, que demonstra um ouvido apurado para capturar a realidade, transformando-a em literatura e em diversão.

Super indico. Dilícia.

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151  – Demência: O Resgate da Ternura de Misa Ferreira

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Conheci a linda escritora Misa Ferreira na ocasião do lançamento do meu livro Minha Vida é um Blog Aberto. Misa também escreve crônicas, tem blog (http://misaferreirablog.blogspot.com.br/) e é autora dessa preciosidade: “Demência: O Resgate da Ternura”.

Chorei com esse relato para lá de emocionante. Nesta obra, que considero obrigatória para todos nós, Misa conta as etapas que passou quando sua mãe teve Alzheimer. Não preciso dizer que muito aprendi sobre a doença lendo esse livro. Mas foi muito mais do que isso. Aprendi uma infinidade de ternuras sobre o amor.

E é incrível o que vou dizer, mas Misa teve, digamos, sorte com a doença de sua mãe. Todos os envolvidos foram, por incrível que pareça contemplados, porque todos tiveram oportunidade de amar demais. Gente, é amor em sua forma plena o que testemunhamos aqui. O que para muitos é a falta de esperança, para Misa foi uma oportunidade de crescer e melhorar a sua história.

Eu simplesmente recomendo esse livro para o mundo inteiro. Lindo. Como o resgate de qualquer ternura.

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150  – Onde Estivestes de Noite de Clarice Lispector

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Com uma literatura ingênua, crua, e verdadeira, Clarice interliga os contos presentes em Onde estivestes de noite, deixando ainda a sensação de que algumas reminiscências de outras coletâneas foram utilizadas.
Recomendo aos que já conhecem o trabalho da escritora e também aqueles que nunca leram nada de sua autoria. É um bom começo para se apaixonar por seu jeito delicioso de escrever. Após sua leitura sentimos vontade de sentar, de frente para o mar ou alguma região verde, sobretudo, e escrever de dentro para fora.
“Havia uma multidão que existia pelo vazio de sua ausência absoluta” Pág. 10 conto 1
“Mas bem sabia que a desistência magnética só dava resultados positivos quando era real, e não apenas um truque como modo de conseguir”. Pág. 16 conto 1
“Estou melancólica porque estou feliz. Não é paradoxo. Depois do ato do amor não dá uma certa melancolia? A da plenitude.” Pág. 58 conto 5
“Mim é um eu que anuncio. Não sei sobre o que estou falando. Estou falando do nada. Eu sou nada. Depois de morta engrandecerei e me espalharei, e alguém dirá com amor meu nome” Pág. 70 conto 8
“Às vezes me dá enjoo de gente. Depois passa e fico toda curiosa e atenta.” Pág. 85 conto 13
“Quem terá inventado a cadeira? Alguém com amor por si mesmo. Inventou então um maior conforto para o seu corpo. Depois os séculos se seguiram e nunca mais ninguém prestou realmente atenção a uma cadeira, pois usá-la é apenas automático.” Pág. 93 conto 16
Um livro curto com menos de 100 páginas de Clarice. Por que não lê-lo?

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149  – A língua de Três Pontas de Moacyr Scliar

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Este é um livro pequeno, de 157 páginas, que reúne citações sobre a política, economia, advogados, medicina, dinheiro, intelectuais, mídia e casamento.
É uma compilação de Scliar, de frases famosas, onde prevalece a crítica, não necessariamente construtiva. Cada capítulo inicia com uma crônica do autor, prefaciando a ironia, a realidade e a banalidade que virão a seguir, de fatos e acontecimentos que cercam a vida de todos nós.
O curioso das citações (ou provérbios, críticas) é que muitas ultrapassam séculos, gerações e gerações, sem perderem a veracidade. Por exemplo, no capítulo sobre a política (pág. 32): “A política é mais perigosa que a guerra. Na guerra só se pode morrer uma vez; na política, várias.” É ou não é uma frase que poderia ser aplicada hoje em dia, em nosso país? Pois ela foi dita por Winston Churchill, que viveu entre 1874 e 1965 e foi Primeiro Ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial.
Mas não são só de críticas políticas, que acabam por perder a graça diante da veracidade e atualidade, que o livro de Scliar é feito. Também há notas engraçadas, como esta: “Não te cases com velho por dinheiro; vai-se o dinheiro, o velho fica.”
E é assim, entre o bem e o mal, o sarcasmo e a verdade escondida nas frases engraçadas, que Scliar ilustra um pouco da nossa sociedade. Com humor e sabedoria peculiares.
Lendo e relendo Scliar, num misto de homenagem e saudade…
Nem sempre precisamos conhecer pessoalmente alguém para sentir a sua presença, ou sua ausência.
Gostei.

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148  – Negrinha de Monteiro Lobato

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Outro dia li um livro do Monteiro Lobato que me deixou triste. Fiz uma resenha e só não o chamei de bonito. Mas eu havia comprado dois livros e o segundo era esse. Um livro de contos escritos no início do século XX: Negrinha.
Quero deixar registrado que Monteiro Lobato é gênio. Gênio nível sobrenatural. Os contos neste livro são lindimais!
Sublimei o homem e fiquei com o escritor e quanto a este último não tenho palavras para elogiar. Ri. Chorei. Emocionei-me demais.
Negrinha é divino. Super recomendo.

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147  – Na Berma da Nenhuma Estrada de Mia Couto

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Este é o quarto livro de Mia Couto que leio e resenho aqui. Mia Couto selecionou 38 textos, publicados originalmente em jornais e revistas ao longo dos últimos anos, para esta coletânea que chamou de Na berma de nenhuma estrada. Nestes contos, cada novo encontro com a sua escrita significa uma viagem que não queremos ver terminar.

A intensidade das personagens, a multiplicidade de registros em que as várias tramas ocorrem, o universo do fantástico e do sobrenatural coexistindo em perfeita sintonia com o cotidiano da tradição, da cultura e da vivência; a capacidade de fabulação e a oralidade sonora da palavra escrita são encantatórias e misteriosas.

Mia Couto reinventa o português. Eu costumo sublinhar frases que acho bonitas nos livros que leio. Este livro está quase todo sublinhado. Destaco uma passagem não por achá-la melhor que outras, mas por ter me identificado muito:

Dizem que sou louca. Por pouca sorte, não sou. Quando somos loucos a vida nunca nos faz mal. Eu sou é de outra vida, não venho de ninguém, nem vou para nenhum Deus.

Mas há tantas outras, gente… Vai, leiam. Não tem como não amar Mia Couto.

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146  – Mundo da Lua de Monteiro Lobato

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Se você quer odiar Monteiro Lobato, leia Mundo da Lua. Este livro reúne crônicas, resenhas, críticas e comentários que Monteiro Lobato escreveu durante a sua juventude, quando tinha vinte e poucos anos e frequentava a Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Esses textos vieram de um antigo diário no qual Lobato anotava esquetes, descrições de paisagens, flagrantes do cotidiano e opiniões sobre temas variados. Nessa época, o autor costumava usar muitos pseudônimos e o seu favorito era Helio Bruma. Em textos bem curtos, deixou registrado a revolta e o inconformismo típicos da mocidade. São breves relatos críticos e utópicos de pensamentos que refletem uma fase em que Lobato vivia com a cabeça no mundo dos sonhos. Publicado pela primeira vez em 1923, Mundo da Lua não poderia ter um título mais apropriado.

Li Reinações de Narizinho inteiro para Yuki, meu caçula de oito anos.  Sobre a polêmica do livro apresentar passagens racistas, nós lidamos com isso através de muitas conversas. De fato, há passagens pesadas de racismo explícito. Não gosto de justificar isso pela época em que foi escrito porque há escritores contemporâneos a Monteiro Lobato que não eram racistas. Mas enfim, as passagens serviram para que eu iniciasse uma discussão com Yuki extremamente fértil.

No entanto, aqui temos Monteiro Lobato homem. Tivesse facebook ou outras redes sociais na época, essas pequenas observações e devaneios Lobatianos seriam postados por ele. Alguns para vocês terem uma noção:

Não sei de homem que se casasse com mulher cega e aleijada – e não há cego ou aleijado que não encontre esposa.

acentua-se o antagonismo diferenças entre o homem e a mulher. Aquele professa o livre-pensamento ou a indiferença, mesmo quando crê ou se diz religioso porque a mentalidade do homem evolui. A da mulher não. O cérebro da mulher digere as ideias recebidas. Conserva intactas todas as noções que lhe inculcam em criança ou moça. Conheco inúmeras que não passam de bicho ensinado. A beata, a feminista, a literata, a “terceira”, a filha de Maria, todas bichos ensinados, papagaios que decoram crenças e creem sem exame.

E por aí vai…

Racismo e machismo explícitos. É claro que temos outras passagens bacanas, mas eu fiquei tão possessa, triste e decepcionada que acabei sublimando a beleza e guardando todo o rancor por Monteiro Lobato ter se revelado tão pequeno como ser humano.

Enfim, um livro rápido, extremamente curioso, revelador e odioso.

Gostaria de não ter tido contato com isso para que minha mente continuasse aberta para tudo de lindo que ele produziu na literatura.

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145  – A terra inteira e o céu infinito de Ruth Ozeki

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Este livro chegou até mim pelas mãos de uma aluna muito querida. Ao chegar em sala de aula – para quem não sabe sou professora de Física – Marina coloca-o em minha mão e diz: “você tem que ler isso. Esse livro foi feito para ser lido por você!”. No mínimo fiquei extremamente curiosa e, claro, aceitei de bom grado o alfarrábio de 450 páginas.

Logo de início, pensei que Marina queria que eu lesse o livro pela autora ser japonesa e pelo fato da orelha do livro falar que era uma história que se passava no Japão e seus arredores. É por isso, Marina? Não é. Ok.

Comecei a ler, daí vi que autora, uma linda, mencionava Marcel Proust “Em Busca do Tempo Perdido”, já lido e resenhado aqui os dois primeiros volumes. Proust não é para iniciantes. Ele nos leva para o fundo do mar e sofremos uma apnéia daquelas. É por que ela fala de Proust, Marina, e você sabe que eu andei lendo Em Busca do Tempo Perdido? Não é. Ok.

Continuei a leitura e vi que a escritora Ruth (nome de minha mãe. É por que a autora tem o nome de minha mãe, Marina? Não é. Ok.), na verdade, quando encontrou o livro de Marcel Proust, Em busca do tempo perdido, dentro de um saco plástico numa remota ilha do Canadá, quando catava mariscos com o marido na praia quando se deparou com um saco plástico, ela se surpreendeu ao descobrir que o miolo, na verdade, era o diário de uma menina japonesa, Nao. A sacola misteriosa, segundo os rumores dos habitantes, era mais um dos destroços do último tsunami que devastou o Japão e foi levado pelas correntezas até a ilha.

Desde então, Ruth foi tragada pela história do diário de Nao, uma menina que, para escapar de uma realidade de sofrimento – de bullying dos colegas e de um pai desempregado e suicida –, resolve passar seus últimos dias lendo as cartas do bisavô, um falecido piloto camicase da Segunda Guerra Mundial, e contando sobre a vida da avó, uma monja budista de 104 anos. É por que fala de segunda guerra, Marina, e você sabe que meu avô morreu na Segunda guerra? Não é por isso. Ok.

E continuo lendo e percebo que o que Ruth não esperava era que o diário iria levá-la a uma viagem onde ela e Nao podem finalmente se encontrar fora do tempo e do espaço. Oi? Filosofia?

Não pensem no tempo como algo que simplesmente voa e passa. Não compreendam o ‘passar’ como a única função do tempo. Se fosse verdade que o tempo simplesmente voa e passa, então existiria uma separação entre vocês e o tempo. Portanto, se vocês compreendem o tempo como algo que apenas passa, nunca serão capazes de entender o ser-tempo.

Para captar verdadeiramente a ideia, pensem que todas as criaturas que existem no mundo estão ligadas entre si como momentos no tempo, e ao mesmo tempo existem como momentos de tempos individuais. Porque todos os momentos são o ser-tempo, e eles são o seu tempo de ser.

Para quem não sabe, fiz meu doutorado em filosofia e as minhas aulas de física tem um enfoque extremamente filosófico. É por que fala em filosofia, Marina? Não. Não é. Ok.

Segue a leitura. É por que fala sobre meditação quando começa a narrar a história da monja budista mãe do piloto camicase e os efeitos da meditação tanto em Nao, quem escreveu o diário encontrado por Ruth, quanto na própria Ruth? É por que ensina como meditar e controlar nossa ansiedade? É por isso, Marina? Não. Não é. Ok.

Continuo lendo. Além de todos esses dilemas éticos e existenciais que permeiam o livro, percebi vários outros elementos que se encaixam de maneira orgânica às visões espirituais de Ruth Ozeki, como mecânica quântica, paradigmas físicos como O Gato de Schrodinger, entre outros. Oi? Mecânica Quântica aplicada na literatura? É por isso, Marina?

Enfim, entendi que o livro foi mesmo feito para eu ler e me divertir de capa à capa.

Eu amei e creio que qualquer um que ame realismo fantástico, uma boa literatura, um mergulho em uma outra cultura, uma mudança de paradigmas, uma boa dose de filosofia… também vai amar.

Gratidão eterna para minha aluna e amiga Marina Cabada pela excelente indicação.

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144  – Perto do Coração Selvagem de Clarice Lispector

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Joana. Uma menina muito inquieta e uma mulher confusa e indecisa. Como não me indetificar? O livro gira em torno disso, dos pensamentos de Joana, tanto como menina, quanto mulher. Na primeira parte do livro, os capítulos se alternam entre a Joana criança e a Joana mulher. A narrativa se alterna também, de terceira, para primeira pessoa. A narrativa definitivamente não é fácil, ela é bem complexa, e que faz o leitor pensar muito, questionar, raciocinar, refletir. Tem que estar a fim de viajar com Lispector.

“Piedade é minha forma de amor. De ódio e de comunicação.”

O livro é uma autobiografia, porém contada por um personagem. Nota-se o quanto Joana sofre por suas dúvidas, e por sua vida em si. A Joana criança encanta. Você se apaixona pela meiguice e quando ela fala que não tem o que fazer, mas sempre arranja algo. A Joana adulta mostra o quanto uma pessoa pode mudar ao longo da vida, e perder tudo o que acreditava, ficando só na lembrança.

“Agora, ela era tristemente uma mulher feliz.”

 Na segunda parte do livro, as coisas ficam mais sérias, e temos somente o ponto de vista de Joana adulta. Nessa parte, a narrativa se confunde muito, ora em primeira, ora em terceira pessoa, ás vezes na mesma frase. Joana descobre que está grávida, e ao mesmo tempo está sendo traída por seu marido. Daí que a situação fica realmente louca. Joana  pira, e começa a ter pensamentos, além de lindos, totalmente confusos. E a bruxa se revela.

“Dentro de si era como se não houvesse a morte, como se o amor pudesse fundi-la, como se a eternidade fosse a renovação.”

Falar desse livro é realmente difícil, ao lê-lo percebe-se porque causou tanto frisson nos círculos literários, esse livro de estréia de Clarice é extremamente “perturbador”, mostra que mesmo tão nova Clarice já possuía uma veia literária extra-ordinária.

A narrativa do romance é quebrada, feita de flashbacks da memória da personagem principal, que se fundem com seu dia a dia, com os diálogos com os outros personagens, que na verdade são monólogos. É uma exploração íntima da personagem e seu lado mais obscuro e terno ao mesmo tempo, sem subterfúgios, sem palavras doces. Este livro nos faz sentir a sensação que percorre as veias depois da leitura é de um mergulho tão profundo em si mesmo, tão profundo que não se consegue voltar a superfície como antes. Adoro essas apneias que Clarice me proporciona. A-do-ro.

A prosa leve discorre com fluência e fluidez nos meandros da protagonista, na sua visão de mundo e interação com os demais personagens. Tudo isso revelou Clarice Lispector como mais que mera promessa na prosa da Geração de 45. É o texto do sensível e do imaginário, ora enfrentando ora diluindo-se aos incidentes reais de Joana.

Deve-se ler a obra com instrumentos de anatomia: usa-se bisturi para dissecá-la e pinça para estudar os personagens como órgãos autônomos, que se ligam por estranhas artérias e nervos à personagem de coração e cérebro Joana. São eles: o pai prematuramente falecido, incentivador das brincadeiras na infância; a tia assustada com as estripulias da órfã, a quem chama de víbora; o tio fazendeiro, afetuoso com Joana e abúlico diante das reclamações da mulher; o professor confidente e orientador (como a paixão da puberdade); Otávio, o rapaz que se casa com Joana ao romper o noivado com Lígia, de quem posteriormente se torna amante; Lígia, grávida de Otávio, conta tudo à protagonista; o homem sem nome, sustentado pela mulher, participante silenciosa do romance clandestino e sem compromisso dele com Joana.

Obviamente, indico á todos, pois é Clarice. E Clarice é Clarice. Leiam o livro, leiam Clarice e leiam literatura brasileira. Leiam.

Mas observe: Clarice não se lê como entretenimente. Clarice se lê para aprendermos a lidar com o inferno que há dentro de nós.

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143  – Elenco de Cronistas Modernos – vários autores

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Achei esse livro em um Sebo por uma bagatela de cinco reais. Só não lê coisa boa quem não quer. “Elenco de cronistas modernos” reúne 60 crônicas de Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rachel de Queiroz e Rubem Braga. Só top. Não tem como dar errado quando junta essa galera.

Nesta coletânea, dá para entender bem o que vem a ser esse gênero literário que engloba tudo: páginas de memória, lembranças de infância, flagrantes do cotidiano, considerações literárias. Sem dúvida, são textos permanentes entre o que há de melhor na literatura do Brasil. Eu, escritora de crônicas, aprendi muito lendo.

Esse livro, além de ser delicioso e hiper bom, para mim, foi como se fosse mais um curso de pós-graduação. Entretenimento e aprendizado garantidos.

Há dois anos, ele foi relançada pela Saraiva com as novas normas ortográficas.

Super indico e recomendo.

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142  – Adultos sem Filtro de Thalita Rebouças

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Thalita Rebouças é o que há em leveza. Eu diria que ela seria o nosso Stanislaw Ponte Preta dos tempos modernos. Há quem torça o nariz para ela. Bobagem. Perdem e muito. Acho que já li todos os livros dela e esse foi o último.  Eu comprei “Adultos sem Filtro” no aeroporto mês passado e li todo no avião. Extremamente divertido. A impressão é que tem alguém contando uma piada na nossa frente o tempo todo.

Eu aprendi muito lendo Thalita. Meus textos variam demais em termos de estilo e muitas das vezes ele tende ao humor. Fazer humor é coisa muito difícil. E quem lê não tem ideia do que passa o escritor. A velocidade do texto dada pela pontuação é a chave. Frases curtas que retratam bem o cenário. Nada trivial. Pelo menos para mim.

O povo tem mania de desmerecer os escritores-humoristas e nem sonham comparar Luis Fernando Veríssimo ou Millôr Fernandes com Machado de Assis ou Jorge Amado por achar que os dois últimos são superiores. Bah. Para mim, essa atitude se compara a essa galera que bebe vinho. Muitos deixam de apreciar um vinho muito bom por ele ser barato. Por preconceito, perdem a chance de se divertir.

Assim como há bebidas para cada ocasião, o mesmo ocorre com os livros. Se precisar de leveza, beba Thalita Rebouças.

Super recomendo.

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141  – O Pirotécnico Zacarias de Murilo Rubião

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Murilo Rubião estreou na literatura ainda na década de 1940 e produziu uma obra bastante concisa. São apenas 33 contos publicados em livros. A produção do contista mineiro é, ainda hoje, pouco conhecida do grande público. Eu nunca tinha ouvido falar mas após esse livro, declaro-me fã do autor. Os contos de Murilo Rubião filiam-se a uma vertente conhecida como realismo fantástico, ou realismo mágico. Trata-se de uma corrente literária interessada em construir narrativas em que acontecimentos inexplicáveis e/ou impossíveis (do ponto de vista lógico ou científico) adentram o universo real (tal qual o conhecemos) sem terem sua existência questionada. Produz-se, assim, um efeito de estranhamento no leitor, que se defronta com cenas absurdas em situações absolutamente cotidianas.

Em Teleco, o Coelhinho, por exemplo, depois de ser abordado por um coelho falante que lhe pede um cigarro, o narrador-personagem decide adotá-lo, e só então descobre que Teleco é um coelho metamórfico, capaz de se transformar em todos os tipos de animais. Já em O Edifício, a empolgação inicial do protagonista, o engenheiro João Gaspar, vai sendo transformada em dúvida, e então em desespero, conforme vai percebendo que a obra que administra (um arranha-céu que já passa de 800 andares) é uma construção que jamais terá fim.

O que pode surpreender no estilo de Murilo Rubião é a presença de uma linguagem clara, objetiva, contrastando com os enredos desconcertantes. Essa mescla de situações absurdas com uma linguagem sóbria, acessível, amplifica a sensação de estranhamento na leitura dos contos.

Importante na análise de qualquer narrativa, o narrador é outra peça fundamental na criação da atmosfera dos contos de Murilo Rubião. Identificar não apenas sua posição, se em primeira ou terceira pessoa, mas seus comentários (ou sua ausência) diante dos fatos narrados é indispensável para a compreensão dos contos.

No conto O Pirotécnico Zacarias, o narrador-protagonista demonstra dúvidas sobre a própria condição: “Em verdade morri, o que vem ao encontro da versão dos que creem na minha morte. Por outro lado, também não estou morto, pois faço tudo o que antes fazia e, devo dizer, com mais agrado do que anteriormente”.

Em Bárbara, a trajetória da mulher que engorda descontroladamente à medida que seus desejos obsessivos são satisfeitos (primeiro, ela pede o oceano, em seguida, o baobá de 10 metros plantado no pátio do vizinho e, ao final, uma estrela) é narrada pelo marido, que é justamente quem realiza as vontades da esposa.

Eu de vez em quando gosto de entrar nesse mundo do realismo mágico. Uma amigo percebendo essa minha ousadia, apresentou-me ao mestre dessa área. Aprendi um bocado. O pirotécnico Zacarias, com posfácio de Jorge Schwartz, é uma excelente porta de entrada para a obra de um dos grandes ficcionistas brasileiros do século XX, um escritor que antecipou em muitos anos a voga do realismo fantástico.

Eu adorei a leitura.

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140  – Reinações de Narizinho de Monteiro Lobato

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Li esse livro todo para Yuki, meu caçula de oito anos. Foi aqui que tudo começou. Neste livro, vemos Emília criar forma e aprender a falar. Testemunhamos o nascimento de Visconde. É simplesmente tudo muito fantástico.

Reinações de Narizinho é dividido em muitas histórias e não é um livro para ler com pressa. Eu e Yuki sempre parávamos a leitura para conversarmos sobre aquele mundo mágico de Monteiro Lobato.

Sobre a polêmica do livro apresentar passagens racistas, nós lidamos com isso através de muitas conversas. De fato, há passagens pesadas de racismo explícito. Não gosto de justificar isso pela época em que foi escrito porque há escritores contemporâneos a Monteiro Lobato que não eram racistas. Mas enfim, as passagens serviram para que eu iniciasse uma discussão com Yuki extremamente fértil.

Monteiro Lobato é gênio. Disso eu não tenho dúvidas. O mundo que ele criou é uma das coisas mais fantásticas que já vi na vida. A viagem que ele proporciona se equipara a conhecer um país distante com uma cultura bem diferente. Inesquecível.

Enriqueci-me muito depois dessa leitura e Yuki está ávido pelos próximos.

Super mega recomendo.

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139  – Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll

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Alice no País das Maravilhas tem algo de mágico. Este livro é doido. O sentido dele está em quem o lê.  E se não descobrimos o sentido da loucura parece que terminaremos nós loucos.

De início, sabendo que é um tipo de coisa que se molda ao cérebro de quem o recebe, aprendi a ler esse livro como um manual do sentido evidente de tudo o que me cerca ao meu modo, pois é dado para cada leitor poucas chaves para as infinitas portas da realidade. E quer saber? Quem pode responder a pergunta que Alice faz à gatinha: “já comeu um morcego?”.  A realidade é louca…

“Quem sou eu no mundo?”, boa pergunta, Alice. O importante é responder inventando.Não devemos nos espantar quando tudo aí fora parecer outro mundo. Melhorando ou piorando isso  acontece, pelo que estou entendo de minha estadia, muitas vezes pelo universo.

A solidão parece inevitável. No fundo do poço, Alice fala ” Estou tão cansada de ficar sozinha aqui!”. Mas vejam. Há uma porta no fundo do poço!

Como somos inocentes como Alice. Como esperamos grandes consequências de uma ínfima ação. Alice comeu um bolo e não ficou gigante. Quantas vezes cometemos o mesmo equívoco? Quantas vezes nem sequer fiz nada e esperei um grande romance?

“Gostarias de gatos se fosses eu?”, perguntou o rato para Alice. Mais ensinamentos… Quantas vezes erramos com o próximo por não conseguirmos nos colocar no lugar dele? Viver é uma mulher grávida visitando uma outra cujo filho acabara de falecer. Isso é viver. Agimos tendo que pedir perdão por onde passamos. Gostamos de gatos e de baleias assim do nada. Somos incapazes de experimentarmos o ponto de vista dos ratos e das focas.

“A corrida terminou. Mas quem ganhou?”. Outra excelente questão. Devemos mesmo apostar tantas corridas se não saberemos quem vencerá ao final? A gente vive apostando tantas e tantas pela vida… Na escola, no esporte, na política, entre irmãos, entre casais, até na poesia apostamos corrida. E se não há vencedor, talvez seja porque somos todos perdedores. Por que simplesmente não vamos e, se chegarmos aonde desejamos, comemoramos a nossa vitória sobre nós mesmos?

Lendo Alice percebemos que os milagres, os mais profundos milagres, acontecem sempre. Mas poucos percebem porque eles vêm devagar. Bem devagar. A palavra depressão passa a não fazer mais sentido depois de um processo. Mas ela continua existindo: ” Devo estar diminuindo de novo”. E quando isso acontece tomamos um ratinho por um hipopótamo, como Alice. Coisas pequenas nos esmagam. Porém, perceba, o contrário também acontece. Tomamos muitos hipopótamos por ratos e por eles somos esmagados. E assim se vive percebendo ratos e hipopótamos não por um referencial, mas por um determinado humor. O importante é saber que não há ratos e nem hipopótamos absolutos.

“Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas”. Pois então, há de se tomar muito cuidado com a dor e com a entrega ao sofrimento, pois ela tem seu feitiço e é de extrema importância saber disso. Como tudo, a dor também deve ter sua medida, pois é perigoso ultrapassar a barreira que ela nos impõe.

Por isso e muito mais disse que o sentido do livro está em quem o lê. Outro dia, em outro momento, o diálogo com ele será bem diferente. Assim espero.

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138   – Gueixa de Liza Dalby

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Ganhei cultura, mas fiquei muito P da vida.

Confesso que o livro não me trouxe nenhuma felicidade. Pelo contrário. Terminei a leitura extremamente irritada com essa sociedade japonesa que é mestre em machismo. Ou bem se é esposa ou bem se é uma mulher que estuda artes, línguas, política,… ou seja, gueixa. Se elas fossem o que fossem para o crescimento próprio bateria palmas. Mas não. Estudam tanto e continuam servindo aos homens como objeto.

Gueixa (Objetiva) é um relato detalhado da antropóloga Liza Dalby – a primeira e talvez única ocidental a se tornar Gueixa –  sobre um dos grandes símbolos da cultura japonesa. As gueixas surgiram no século 18 e, diferentemente da noção ocidental, não são simples prostitutas de luxo. São mulheres cultas e que conquistaram independência financeira. Liza – primeira ocidental treinada para essa profissão – conta como é viver no chamado mundo de flores e salgueiros. De quebra, acaba mostrando parte de uma história ainda pouco conhecida fora das fronteiras do Japão. No imaginário ocidental, as gueixas são uma espécie de boneca de porcelana. Enroladas em justíssimos quimonos de seda e com o rosto sempre coberto de exótica maquiagem, elas teriam vindo ao mundo para dar prazer aos homens. A imagem é verossímel, embora simplista, conforme o relato de Liza Dalby. Especialista em cultura japonesa, Liza parte dos menores detalhes do cotidiano para demonstrar a sintonia existente entre essas figuras tradicionais e o significado do próprio termo gueixa – mulher que vive pela arte. Na sequência de uma apurada formação, em particular no campo da música e da dança, as gueixas se encarregam de manter agradável a atmosfera de reuniões e banquetes para os quais são contratadas. O trabalho costuma ser remunerado – e bem – por hora. No passado, era diferente. A começar pelo fato de as primeiras gueixas terem sido masculinas. Isso para mim foi a grande novidade do livro. Chamados tamborileiros, os músicos e comediantes responsáveis pelo entretenimento começaram a perder espaço para as garotas por volta de 1600. No decorrer das décadas, com seus passos curtos e delicadeza estudada, elas passaram a dominar a cena.

Em tom ora intimista, ora ligeiramente acadêmico, Liza escreveu Gueixa com base em sua própria experiência. Ainda na adolescência, ela estabeleceu fortes vínculos com o Japão. No final dos anos 1960, por meio de um intercâmbio cultural, passou um ano numa pequena cidade na ilha de Kyushu. Quase uma década e muitas temporadas de estudo depois, Liza decidiu transformar o mundo das gueixas em tema de um doutorado em antropologia. A  seu favor teve o domínio do idioma, profundo conhecimento da cultura e até talento ao tocar o shamisen, o instrumento musical de três  cordas usado pelas gueixas.

Enfim, não é ruim, mas é péssimo.

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137   – Contos Plausíveis de Carlos Drummonde de Andrade

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Carlos Drummond de Andrade publicou pouca prosa de ficção, fora dos limites da crônica: Contos de aprendiz – aqui já resenhado e este Contos plausíveis. Se no primeiro a matriz parecia ser as obras de Machado de Assis e Mário de Andrade, neste a prática da crônica jornalística, pela qual o autor ficou ainda mais conhecido pelo grande público, constante em sua produção, fala mais alto. Publicados originalmente em 1981, numa pequena tiragem, os textos reunidos neste volume são verdadeiros “contos de bolso”, como dizia o próprio Drummond. São histórias breves, sintéticas, engraçadas, leves e sempre inventivas. Entre o urbano e o interiorano, o moderno e o arcaico, Contos plausíveis mostra o incrível prazer de Drummond em contar histórias, em inventar causos, em embaralhar e desvendar suas tramas. Há um tom meio anedótico em grande parte delas, revelando um narrador que parece pagar tributo à antiga e venerável tradição dos contadores de histórias.

“Por que estas pequenas fábulas, anedotas, crônicas poéticas – é difícil denominá-las – são chamadas de ‘contos’?”, pergunta Noemi Jaffe no esclarecedor posfácio desta edição. “A resposta está na medida do desejo do autor, já que é ele que determina, aqui, a plausibilidade de tudo. Radicalizando ainda mais o proposto por Mário de Andrade, que dizia ser conto tudo aquilo que o autor chama de conto, Drummond chama também de plausível tudo aquilo que quer – inclusive suas histórias.”

 Eis a nota do autor sobre os contos presentes no livro:

Esses contos (serão contos?) não são plausíveis na acepção latina de merecerem aplausos. São plausíveis no sentido de que tudo neste mundo, e talvez em outros, é crível, provável, verossímil. Todos os dias a imaginação  humana confere seus limites, e conclui que a realidade ainda é maior do que ela. 

Não posso dizer, verdadeiramente, que os escrevi. Escreveram-se no dia a dia do Jornal do Brasil , sem a intermediação de forças misteriosas. Queriam existir como estórias, ocuparam papel e hoje formam livro. 

Carlos Drummond de Andrade

Durante a leitura muitos textos me chamaram a atenção, alguns “combinaram” tanto comigo, e até com pessoas que eu conheço, que me deixaram ainda mais cativado pelo livro e pelo autor . Como seria quase impossível (e desnecessário) falar de todos neste post, aqui vai um dos que mais achei pertinente trazer:

A incapacidade de ser verdadeiro 

Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões da independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa, como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:

– Não há nada a fazer, Dona Colo. Este menino é mesmo um caso de poesia.

Os outros? Só lendo o livro mesmo (o que é completamente plausível).

Mega recomendo.

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136  – À Sombra das Raparigas em Flor de Marcel Proust, tradução de Mário Quintana

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Este livro é o volume 2 de uma série de sete volumes de ‘Em busca do tempo perdido’. O volume 1,  “No caminho de Swann”, já foi resenhado por mim. Ambos não são para qualquer leitor. Há de se estar preparado psicologicamente para encarar um monstro como Proust. A leitura não é nada fácil e é bem lenta. Precisamos estar na mesma frequência que a do autor para acompanhar as passagens que se assimilam a uma apnéia. Haja fôlego…  O preparo é basicamente colocar o pé no freio não das conexões neurais e sim da variedade de pensamentos que tanto nos preenche ultimamente. O livro, como o primeiro, nos convida a mudar de ritmo, a prestar atenção em vez de seguir pistas.

Em 1919, quando o livro foi lançado, Proust recebeu o mais prestigioso prêmio literário francês, o Prix Goncourt. E sinceramente, foi para lá de merecido. Marcel Proust não parece nem feito do mesmo material que a gente, parece que não é humano.

Há muitos resumos deste livro, mas nenhuma análise do livro substitui a inspeção e a leitura. Óbvio. Como fazer um filme do livro de Saramago. É um desserviço para a arte literária. A leitura é sempre uma viagem sem comparação. E lendo Proust, eu me senti em cima de um tapete mágico sobrevoando os pensamentos dos personagens em plena Belle Époque

O que me encanta é ele passar páginas e páginas mergulhando fundo em um determinado pensamento. Gosto disso. A dizer, dessa análise minuciosa de nossos impulsos e sentimentos em geral. O efeito em mim foi terapêutico.

Tentando esclarecer: “À sombra das raparigas em flor” é um livro que fala dos prazeres – e dos perigos – da inteligência. No volume anterior de “Em busca do tempo perdido” aprendemos algo do amor e da paixão, experimentamos como podem ser mutáveis o tempo e a memória, comparamos nosso comportamento na juventude e na maturidade. Já neste segundo volume somos apresentados ao processo de entendimento do mundo, ou melhor, de várias das facetas possíveis do mundo, que um sujeito ao crescer é forçado a experimentar. Vivemos todos os dias, um a cada vez, e a cada vez somos uma metamorfose, uma mutação, do dia anterior.

Proust nunca faz um juízo autêntico de valor, mas antes nos apresenta o mundo como ele é, sem concessões. E a verdade do sentido da vida que ele alcança nos mostrar é cruel. Um sujeito não precisa já ter experimentado todos os prazeres e aborrecimentos da vida para imergir neste livro (imergir em todo o ciclo proustiano). A capacidade de Proust de nos surpreender (com suas construções, suas metáforas, sua lógica, seu enfoque) é algo que paira sobre todo o livro.

Neste volume qualquer leitor pode vir a se ver retratado. Ora encontramos uma frase reiterada que nos é familiar, ora concordamos com uma particular forma de entender o mundo, ora sorrimos por ver a mesma maneira que utilizamos para reagir a certos estímulos, ora compartilhamos os compromissos da vida que escolhemos. Sempre é um grande prazer ler este livro. Devemos ser gratos aos autores que nos proporcionam prazeres desta natureza.

Haverá mais Proust aqui neste espaço pois ele passou a ser necessário para mim.

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135   – De notícias & não notícias faz-se a crônica: Histórias – diálogos – divagações de Carlos Drummonde de Andrade

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Ah, Drummond… Que coisa maravilhosa esse livro… De notícias e não notícias faz-se a crônica: Histórias – diálogos – divagações foi publicado em 1974 pela Livraria José Olympio Editora, reunindo textos originalmente aparecidos no Caderno B do Jornal do Brasil. São, como já prega seu subtítulo, textos em que o escritor mineiro se presta à observação da realidade – mas com olhos generosos de poeta e fabulador.

Publicados ao longo de um período bastante duro da vida social brasileira – estamos em plena ditadura militar -, os textos de De notícias e não notícias faz-se a crônicadevem ter trazido não pouco alento aos leitores daquela época. E ainda executam esta tarefa à perfeição: são encantadores flashes da vida do Brasil, com seus tipos característicos, virtudes e problemas.

Como o poeta disse, ele queria equilibrar as notícias trazendo um pouco de esperança pela poesia em prosa. Há beleza no cotidiano. Basta saber olhar. E Drummond é mestre nisso.

Simplesmente delicioso e encantador. Simplesmente Drummond.

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134  – A Massagista Japonesa de Moacyr Scliar

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Excelente companhia para uma tarde. A massagista japonesa reúne 35 crônicas de Moacyr Scliar escritas na década de 80. Como foi uma característica permanente de seu trabalho como cronista, o autor usa como matéria-prima pequenos detalhes do cotidiano, sempre permeado pelo humor. Ah como eu amo o humor… Com um olhar aguçado para captar o absurdo, Scliar dá novos contornos ao mundano, denunciando pelo grotesco as loucuras do dia a dia. No texto que empresta o nome ao livro, o choque de realidade causado pela massagista japonesa é apenas um exemplo da grande arte que é escrever sobre miudezas da vida.

Moacyr Scliar foi um autor como poucos, um mestre do cotidiano e do absurdo. Ao longo de sua carreira, passeou por diversos gêneros como: ensaios, romances, crônicas e literatura juvenil. A literatura nas mãos dele era uma festa.  Em A Massagista Japonesa, o autor disfarça a crônica em ensaios curtos e narrativas sintéticas. Convencendo o leitor do absurdo que a vida é, e que esse absurdo está nas menores e mais simples coisas da vida, como em Os intelectuais e o churrasco onde uma mera reunião de professores de faculdade se torna uma incoerência deliciosa.

Moacyr Scliar foi um contador de histórias sem igual, e sua morte recentemente (2011) foi uma perda sem limites para a literatura nacional. Convertendo situações ridículas em situações reais, A Massagista Japonesa infelizmente não repara a falta que ele faz, mas mata um pouco a saudade do seu bom humor e suas excelentes histórias.

Amei. Curto, rápido e maravilhoso. Li em uma tarde.

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133  – O Ovo Apunhalado de Caio Fernando Abreu

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Caio Fernando Abreu é conhecido pelas citações piegas nas redes sociais. Eu, que não sou fechada para nada, ao ver esse livro na livraria comprei. Vamos ver a obra…

O Ovo Apunhalado, terceiro livro de Caio Fernando Abreu, presenteia o leitor com 21 contos, divididos em três partes: ALFA, BETA e GAMA. O livro foi primeiro publicado em 1975, refletindo os acontecimentos  vigentes da sociedade da década de 70, e não muito tempo depois foi alvo da censura, tendo alguns de seus trechos cortados e três contos excluídos, o que levou a ser republicado em 1984.

Os contos são ricos em fantasia e são habitat de criaturas como anjos, homenzinhos verdes e gravatas assassinas. Parece surreal de início, mas, naquela época de censura, o sobrenatural não passava de um pretexto para dizer coisas que jamais seriam ditas em termos realistas. Mais do que um simples pretexto, o fantástico acabava por ser um combate sutil a uma ou outra censura. Como eu não fiz parte daquela época e sou um pouco abestada em história não entendi patavinas.

Achei um saco do início ao fim. A leitura começou sendo feita na horizontal, depois foi na diagonal e ao final na vertical mesmo.

Mas vai que não era o meu momento…

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132  – Contos de Aprendiz de Carlos Drummond de Andrade

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Drummond não escreveu muitos contos ao longo de sua carreira. Daí a importância de um livro como este Contos de aprendiz. Publicado originalmente em 1951, algumas das histórias reunidas neste volume se tornariam verdadeiros clássicos da ficção moderna brasileira, como “A salvação da alma”, “O sorvete” e “O gerente”, cativando ainda hoje leitores de todas as idades. Outras merecem ser conhecidas ou revisitadas, pois atestam a maestria de um autor cujos maiores recursos sempre foram a razão e a sensibilidade.

Drummond, né? Como não amar?

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131  – Vozes Anoitecidas de Mia Couto

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Vozes Anoitecidas é o primeiro livro de contos publicado originalmente em 1986 por Mia Couto e lançado recentemente por aqui no Brasil pela Companhia das Letras. Nele, encontramos doze textos do escritor, onde podemos perceber as origens da sua tradição literária. Conhecido até então por seu trabalho como jornalista e poeta, o autor – hoje tido como um dos mais influentes escritores da língua portuguesa – lançou aqui as bases daquela que viria a ser uma das principais características de sua obra ficcional: a reconstrução de laços entre registro oral e escrito.

Em doze pequenos contos, um rol de personagens esfarrapados e alheios ao palco principal dos acontecimentos narra, de seu ponto de vista marginal, histórias que flertam com o mágico e com o absurdo sem, no entanto, desviarem-se completamente do plano factual. Algo importante a ser dito sobre Mia Couto é que ele é, antes de qualquer coisa, um poeta. Também por isso, é possível perceber o lirismo e a ritimicidade claramente em seus textos em prosa – seja nos romances ou nos contos curtos que compõem o livro. Junto disso vem, naturalmente, a forte carga da língua falada em seus textos. É comum vermos palavras grafadas como são ditas e não como rege o dicionário. Afinal, Mia Couto acredita que a língua é um organismo vivo, e quem a faz crescer e determina seu ritmo são as pessoas que a falam.

Em Vozes Anoitecidas, vemos relatos de uma Moçambique devastada no pós-guerra. Mais que isso, vemos o retrato de um povo sofrido, que luta diariamente pela sobrevivência – são, de fato, as vozes que somem no escuro, personagens que narram suas histórias para não se perderem na escuridão. Um dos trechos que mais gostei faz parte do conto “Afinal, Carlota Gentina não chegou de voar?” e diz: “Eu somos tristes. Não me engano, digo bem. Ou talvez: nós sou triste? Porque dentro de mim, não sou sozinho. Sou muitos. E esses todos disputam minha única vida”. Poético, profundo e encantadoramente triste.

Em “As baleias de Quissico”, Jossias aguarda a chegada de um animal marinho de cuja boca, acredita, brotará “amendoim, carne, azeite de oliva e bacalhau”. Mas como saber se o animal existe, se ele jamais viu uma baleia? O enorme monstro que aporta sem ser visto pode ser tanto o misterioso “peixe grande” como um submarino carregado de armamentos ilegais. Jossias prefere acreditar no sonho e, como ele, outros personagens de Vozes anoitecidas encontram mais razão na fantasia que na lógica da guerra e da privação.

Ao promover uma espécie de vertigem, sob efeito da qual não se pode afirmar se uma narrativa é absurda ou se absurda é a realidade de que ela trata, o autor apresenta a perplexidade como ponto de partida para o fazer literário.

Vozes Anoitecidas é um livro que eu indicaria a qualquer tipo de leitor. Se você não conhece o Mia Couto, acredito que seja um ótimo ponto de começo – afinal, iniciar em seu primeiro livro em prosa e partir para os mais recentes é uma ótima forma de entender a escrita de Couto. Por outro lado, pra quem já teve contato com sua escrita, Vozes Anoitecidas é um registro sensacional da história do povo moçambicano e do percurso do escritor na contação de histórias.

Simplesmente divino.

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130  – EINSTEIN – Sua vida, seu universo de Walter Isaacson

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Amei Amei Amei! Um livro extremamente profundo, amplo, afetuoso e delicioso de ler.

 Einstein: sua vida, seu universo baseia-se numa coleção de cartas divulgadas em 2006, vinte anos depois da morte da enteada do cientista, conforme ela determinara em testamento. Escrita pelo jornalista Walter Isaacson, que já presidiu os grupos Time e CNN, e amplamente elogiada pela crítica, revela um Einstein avesso a qualquer tipo de dogma. Foi esse espírito rebelde que permitiu o nascimento da teoria que revolucionaria a física.O conteúdo das cartas desnuda a vida íntima de uma mente genial. Um homem simples e afável, mas ao mesmo tempo impertinente e distante, Einstein mantinha relacionamentos pessoais difíceis, segredos e casos extraconjugais, além de desprezar a guerra e se divertir com a aura de celebridade.

Livre de amarras, Einstein podia explorar a curiosidade, traço fundamental de sua personalidade e, em suas próprias palavras, essencial para seu brilhantismo: “Não tenho nenhum talento especial, apenas uma ardente curiosidade”. Mas, no fim da vida, a rebeldia deu lugar ao inconformismo, tanto em termos científicos quanto políticos.

Einstein: sua vida, seu universo nos revela o menino curioso, o estudante genial e insolente que se apaixona pela colega de curso, o funcionário do escritório de patentes que revoluciona a física, o homem atormentado por problemas conjugais, o pai muitas vezes ausente, o físico por fim reconhecido no mundo todo, o militante pacifista e sua busca frustrada pela “teoria do campo unificado” – uma solução matemática que explicasse as idiossincrasias da recém-nascida mecânica quântica, fruto de uma idéia sua.

História de uma gênio simplesmente genial.

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129  – Aforismos de Franz Kafka.

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Os aforismos de Kafka não são para iniciantes. E muito menos para leitores experientes como eu. Se entendi 20% do que ele quis dizer, acho que é muito. Já li muitos contos dele e gostei bastante. Para ler Kafka são necessários alguns cuidados especiais, entre eles, contar com uma certa atenção à maneira com que toda obra se constrói, principalmente seus períodos; estar sempre consciente de que toda a criação literária de Kafka foi dolorida, feita com o intuito de não parecer bonita, de ser, principalmente, uma obra baseada na dor; ficar atento a todos os detalhes do texto, pois em Kafka, até as imperfeições são propositais, ou seja, segundo Theodor Adorno, até “as deformações em Kafka são precisas”. Enfim, ele nos contos e histórias, pareceu-me mais fácil de entender. Mas nesses aforismos, perdi-me por completo.

Cito alguns, vai que vocês gostam:

1 — Pelo próprio ato de viver, ele embaraça o seu caminho. O embaraço, porém, dá-lhe a prova de que ele vive.

2 — Certas pessoas negam a miséria, referindo-se ao sol; ele nega o sol, referindo-se à miséria.

3 — O motivo de o juízo da posteridade sobre o indivíduo ser mais certo do que o juízo dos contemporâneos, encontra-se no próprio morto. O indivíduo desenvolve-se só depois da morte, quando sozinho. A morte é para o indivíduo o que é a tarde de sábado para o limpador de chaminés: lava-o da fuligem.

4 — Todas as virtudes são individuais; todos os vícios são sociais.

5 — Ele tem dois adversários: o primeiro combate-o por trás, da Origem; o outro barra-lhe o caminho para a frente. Ele luta contra os dois. Para dizer a verdade, o primeiro, propulsando-o, ajuda-o contra o outro, e, do mesmo modo, o outro, repelindo-o, ajuda-o contra o primeiro. Mas isto só em teoria. Pois não há só os dois adversários: existe também ele próprio — e quem conhece as próprias intenções? É o seu sonho que num momento inesperado — e deveria ser uma noite, tão escura como nunca houve igual — abandona o campo de batalha, elevado que foi, graças à sua experiência na luta, à condição de juiz dos dois adversários.

6 — O verdadeiro caminho é o caminho sobre uma corda, estendida não no alto, mas no chão. Corda que parece destinada antes a fazer tropeçar que a ser atravessada.

7 — Há dois pecados capitais, dos quais derivam todos os outros: impaciência e relaxamento. Por efeito da impaciência, foi o homem expulso do paraíso; por efeito do relaxamento, lá não voltará. Mas… também pode ser que não volte por efeito da impaciência.

8 — O movimento decisivo da evolução humana é permanente. Por isso, têm razão os movimentos de espírito rev9olucionários, que declaram sem efeito todo o passado: nada ainda aconteceu.

9 — Um dos mais eficientes meios de sedução do Demônio é a provocação à luta. É como a luta com mulheres, que acaba na cama.

10 — Leopardos irromperam no templo e esgotaram os vasos sagrados; isto se repetiu sempre. Enfim, é possível imaginá-lo, torna-se parte da liturgia.

11 — Tu és a prova. Mas não existe aluno.

12 — As gralhas afirmam possuir o poder de destruir o céu. Isso está fora de dúvida, mas nada prova contra o céu; pois “céu” significa: ausência de gralhas.

13 — É só por nossa noção de tempo que falamos de Juízo Final; na verdade, é um permanente tribunal de emergência.

14 — Na luta entre o Mundo e ti, acompanha ao Mundo; não é lícito defraudar ninguém — nem o Mundo, portanto — da sua vitória.

15 — Uma fé como a guilhotina; assim leve, assim pesada.

16 — Existe conhecimento do diabólico, mas não existe fé nele; pois não existe mais diabólico do que existe.

17 — Até mesmo o mais conservador tem força para o radicalismo de morrer.

18. O ócio é o princípio de todos os vícios e o coroamento de todas as virtudes.

19 — O Messias só virá quando já não precisarmos dele.

20 — Muitos se queixam de que as palavras dos sábios são sempre só parábolas, inúteis na vida quotidiana; e só esta nos é dada. Todas as parábolas dizem apenas que o incompreensível é incompreensível; e isto já sabemos. Disse um: “Porque resistes? Se obedecesses às parábolas, transformar-te-ias em parábola, e estarias livre da vida quotidiana.” Outro disse: “Eu gostaria de apostar em que isto também é uma parábola.” O primeiro respondeu: “Ganhaste.” O outro disse: “Mas infelizmente, só na parábola.” E o primeiro: “Não, na realidade; na parábola, perdeste.”

Enfim, é isso é muito mais.

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128  -Ler o Mundo de Affonso Romano de Sant´Anna.

Ler o Mundo de Affonso Romano de Sant´Anna.

Affonso Romano de Sant’Anna é poeta, cronista e professor universitário. Foi presidente da Biblioteca Nacional de 1990 a 1996, onde criou o Sistema Nacional de Bibliotecas e o PROLER. Foi Secretário das Bibliotecas Nacionais Ibero-Americanas e Presidente do Conselho do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e no Caribe (CERLALC). Ou seja, isso não tem como ser ruim.

Neste livro, o autor, que tem uma respeitável experiência na área do livro, da leitura e da biblioteca, oferece um amplo painel do que é “ler o mundo”. Trata-se de uma obra em que o autor, com base em sua experiência na área da cultura, se articula para ler o ontem e o hoje a partir do espaço brasileiro. Seu olhar se estende de Mulungu (PB) e Morro Reuter (RS) a Faxinal do Céu (PR), passando por França, Colômbia, Egito, Alemanha, Nova York e Rússia, entre outros.

Ler o Mundo é uma obra em três níveis: a crônica, o ensaio e o depoimento histórico. Assinale-se logo que é também um trabalho transdiciplinar. Aí estão as relações entre cinema e leitura (“Central do Brasil”, “Ararat”, “Narradores de Javé”), leitura e antropologia (“Ensinando Hamlet aos primitivos”), leitura e religião (“Como Deus fala aos homens”), leitura e terapia (“A cura do real pela ficção”), leitura e ecologia (“Ler a natureza”), leitura e política (“Biblioteca, alguns prefeitos são contra”), leitura e tecnolo-gia (“Leitura como Second Life”) e outros tópicos, como leitura e educação, leitura e vida social, leitura e guerra, cultura e televi-são, mas, sobretudo, a constatação de como a leitura modifica a vida das pessoas e das comunidades.

Na terceira parte do livro Affonso Romano de Sant’Anna registra o que foi assumir a Biblioteca Nacional em plena crise decorrente do desmantelamento de várias instituições culturais feitas pelo governo Collor. Narra como a primeira reunião da diretoria da FBN terminou no telhado do prédio para que seus auxiliares vissem a extensão e a profundidade dos problemas, assim como conta o que foi enfrentar o corporativismo retrógrado, a luta para restaurar o prédio central, conseguir novas salas em outros, iniciar a recuperação do Anexo, modernizar a área de informática da instituição, criar um conjunto coral e ver a frequência de leitores multiplicada. E mais: dar início à exportação da literatura brasileira, preparar a Feira de Frankfurt (Alemanha) e o Salão do Livro (França). Pouco tempo depois de assumir a presidência, a Biblioteca Nacional já era considerada a instituição federal que melhor funcionava no Rio de Janeiro e foi avaliada como um case de sucesso pela Fundação Getúlio Vargas. Pessoas que haviam roubado livros da instituição começaram a devolvê-los e aposentados se ofereciam para trabalhar gratuitamente na entidade.

Enfim, em Ler o mundo Affonso Romano de Sant’Anna toca nos paradoxos da cultura brasileira: enquanto os bandidos e marginais da favela do Pereirão pediam a expansão do Proler, o ministro da Cultura Francisco Weffort fazia tudo para desestabilizar esse programa. Neste livro, Sant‟Anna explica as causas de sua demissão (“Que ministro é esse?”), reproduz editoriais da época de alguns jornais (Jornal do Brasil, O Globo, Correio Braziliense, O Estado de S. Paulo) e transcreve a carta de José Sa-ramago comentando sua saída da FBN.

Talvez a resposta que o autor deu a James Billington, diretor da famosa Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, sintetize a razão do sucesso da equipe que com ele esteve à frente da FBN. Indagado insidiosamente pelo diretor da maior biblio-teca do mundo, sobre quais os maiores problemas na direção da Biblioteca Nacional do Brasil, Sant‟Anna respondeu: “Eu não trabalho com problemas, trabalho com soluções”.

Eu amei. Simplesmente amei e super indico para os amantes de leitura como eu.

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127  -Contato de Carl Sagan

contato

A despeito de eu ser professora de física, livros de ficção não são o meu forte. Mas parei tudo o que estava fazendo quando comecei a ler Contato, livro que virou filme, também este, como é raro, muito bom e quase tão bom quanto o livro.

Ellie sempre foi uma menina muito inteligente e à frente de seu tempo. Quando errava uma pergunta do professor, ia para a biblioteca e estudava até que o assunto se esgotasse. Foi com essa curiosidade que Ellie desenvolveu o gosto pela transmissão elétrica e pelas ondas sonoras.  Essas características somadas a admiração e a curiosidade pelo universo que a transformaram em dra. Arroway, líder de um projeto no maior centro radioastronômico do mundo, o Argus.

O foco da pesquisa era descobrir alguma tentativa de contato vinda de extraterrestres, e durante muito tempo o projeto chegou a correr o risco de ser cancelado, por não ter avanços consideráveis. A vida dos astrônomos, que eram obrigados a viver perto do Argus, resumia-se em um eterno tédio.  Até que, em um belo dia, um sinal disparou indicando uma transmissão vinda da estrela Vega. Era uma mensagem formada por números primos.

Contato com extraterrestres não é sinônimo de homenzinhos verdes desembarcando de um disco voador. É muito mais: sinais captados num radiotelescópio podem conter mensagens capazes de nos fazer repensar toda a nossa concepção da vida e do universo. Esse foi o ponto de partida de Carl Sagan, que, aliando as tensões da melhor literatura ao conhecimento científico mais avançado, compõe um romance que pode provocar em nós todas as reações – menos a indiferença. Em Contato, o que está em jogo é o mundo tal como o conhecemos. Como quem faz uma aposta, Sagan nos convida a uma viagem assustadoramente fascinante pelo buraco negro que é a inteligência humana.

Apesar de não ser o ponto forte da história, o autor também aborda algumas questões sobre os relacionamentos humanos, sejam eles de amizade, amoroso ou familiar. Aproveitando para dar um toque freudiano na trama. A parte que eu mais gostei do livro foi a discussão entre a Ellie e o religioso Palmer Joss. Apesar de ter outros diálogos muito bons, esse me marcou bastante e ainda deu aquele empurrão extra para devorar o livro.

A história é dividida em três partes e a terceira começa sem pé nem cabeça. Porém, ao longo dos capítulos finais o autor vai explicando esses acontecimentos com um bom embasamento, digamos, científico que se encaixou bem na história e a finalizou com chave de ouro! Eu recomendo a leitura para quem gosta  e quem não gosta de ficção cientifica, extraterrestres, um pouco de política e polêmica religiosa.

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126  -O Homem Nu de Fernando Sabino

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Por meio de uma linguagem simples e uma narrativa envolvente, Fernando Sabino prende a atenção do leitor comunicando-se de forma sábia sem ser nada rebuscado. Esta simplicidade aliada à incrível capacidade de observação do autor faz com que ele narre com muita naturalidade situações rotineiras de uma maneira espontânea e extremamente engraçada. Fernando Sabino é meu eterno professor. Cada livro muita diversão e aprendizado.

Eu sou fã de carteirinha desse mestre. Li esse livro em uma tacada só.

Super indico para quem quer se divertir com extrema qualidade.

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125  – Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marquez

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A despeito de esse livro ter dado  a Gabriel García Márquez o Prêmio Nobel de Literatura em 1982 e de Pablo Neruda ter dito uma vez que “Cem anos de solidão” é o melhor livro em espanhol já escrito desde Dom Quixote, eu achei que Cinquenta anos de Solidão teriam sido mais que suficientes. Senti muito cansaço na leitura que achei que se estendeu por demais.

“Cem anos de solidão” conta a história da família Buendía. José Arcadio Buendía se casou com sua prima Úrsula Iguarán, mas todos diziam que do casamento de pessoas da mesma família nasciam aberrações, crianças com rabo de porco, por exemplo. Por esse e outros motivos, José Arcádio e Úrsula decidiram, juntamente com alguns amigos, ir embora do povoado onde moravam e fundaram um novo povoado que recebeu o nome de Macondo.

Acompanhamos, assim, Macondo e os Buendía por mais ou menos cem anos.

O vilarejo tem seus anos de glória mas também de decadência e guerra, e em todos esse anos os Buendía estão lá.   José Arcadio Buendía era um homem muito sonhador, talvez um pouco amalucado; Úrsula era uma mulher muito forte, que viveu mais de cem anos. Eles tiveram dois filhos (José Arcadio e Aureliano Buendía), uma filha (Amaranta) e adotaram Rebeca.   As outras gerações da família foram repetindo os nomes Arcadio e Aureliano para os meninos. E as meninas também tinham os nomes de suas antepassadas. Isso me incomodou demais. Os nomes se repetem e eu me perdia fácil fácil. Já não sabia se se tratava do pai, do filho ou do espírito santo…

Lançado em 1967, Cem Anos de Solidão é tido, por consenso (eu me incluo fora dele), como uma das obras-primas da literatura latino-americana moderna.

Talvez eu não estivesse na vive Marqueziana, mas eu não achei nada de ol-mai-góde-que-livro-bom.

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124  –  Put Some Farofa de Gregório Duvivier

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Luis Fernando Veríssimo disse: “Nem todo bom humorista é um bom cômico, nem todo bom comediante é um bom ator e nem todo bom roteirista é um bom cronista. O Gregorio Duvivier é tudo isso ao mesmo tempo e vice-versa. É econômico: você paga por um Duvivier e leva seis.” De fato,  Gregorio em Put some farofa revela o raro dom da multiplicidade, tendo despontado no cenário cultural brasileiro ao mesmo tempo como ator, roteirista, comediante, cronista e poeta. Este livro  transita entre ficções, memórias de infância, ensaios sobre artistas que o influenciaram, artigos de opinião, exercícios de estilo e experimentações sem fim.

Put some farofa tem textos publicados na Folha de S.Paulo e esquetes escritos para o canal Porta dos Fundos, além de alguns inéditos. Muitos eu já conhecia por acompanhar o trabalho dele. Eu gostei, mas nada de ó meu deus. Diverti-me e reconheço que há crônicas extremamente criativas. A leitura é leve e extremamente rápida.  Li em menos de três horas.

Mas não transforma, só diverte. O que, por hoje, foi ótimo para mim.

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124  –  Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa

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Mire veja: grazadeus sou brasileira assim como Guimarães. Por ele, já valeu apena ter nascido aqui. Amanheci minha aurora e ainda não deschorei tudo pra mor de resenhar essa obra fazida por um ser desumano porque quem é humano não escreve esse livro. Mas desemocionar-me não vou nunca jamais de conseguir. Pensei: enquanto haver a leitura desse livro, enquanto haver gente lendo o monstro Guimarães a beleza do mundo não se acaba porque se descomeça para antes do começo quando Ele escreve errado por linhas certas. Ele: Guimarães.

O que foi isso? Há simplicidade complexa? Pois sim que há. Ao abrir o livro levei um susto. Desfiz a minha paz. E desde quando aquilo que lia estava em português? A primeira palavra do primeiro parágrafo é “nonada”. Ãhn? A ordem lexical da obra é caótica, oral, as frases são desconstruídas. Foleei o livro para ver quando o livro efetivamente começaria e me assustei ao ver que não há capítulos e de capa a capa a narrativa seria naquele idioma. Por uma mágica dessas que ninguém explica, o cérebro se acostuma e a leitura começa a deslizar. Viver e ler é muito perigoso e ambos dão muito medo. Ao começar Grande Sertão, a impressão é estar adentrando um casarão velho cheio de almas penadas e sombras, movimentos indecisos, chãos atormentados. Insistindo a visão se habitua e com ela vem a admiração. Há quem saia depressa e no depressar tropeça em objetos de muito valor sem que os perceba. Grande Sertão: Veredas… Por que dois pontos no título? Mire veja: o Sertão pode ser o Universo e as veredas a opção de cada um nas circunstâncias. Percebi deserradamente? Acho que não.

O foco narrativo de “Grande Sertão: Veredas” está em primeira pessoa. Riobaldo, na condição de rico fazendeiro, revive  seus medos, seus amores e suas dúvidas. A narrativa, longa e labiríntica, por causa das digressões do narrador, fez-me sentir o próprio sertão físico, espaço onde se desenrola toda a história. Eu no mundo. Nós no Universo.

Riobaldo, a despeito de sua jaguncidade, é um filósofo do sertão. Já li Heidegger, Kant, Schelling, Hegel entre outros, mas com quem mais de muito aprendi por aprender a fazer mais ainda perguntas foi com Riobaldo. Se sonha; já se fez? O amor, já de si, é algum arrependimento? Para trás, não há paz? O real não está na saída ou na chegada? Será que o real se dispõe para a gente é no meio da travessia? Despedir dá febre? O sertão é do tamanho do mundo? O sertão é o mundo? Posso me esconder de mim? Coração mistura amores… tudo cabe? Quem sabe direito o que uma pessoa é? Julgamento não é sempre defeituoso porque a gente julga é o passado? E Deus, existe mesmo quando não há? Viver é etcétara… Todo amor é uma espécie de comparação? É, Riobaldo, a gente só sabe bem aquilo que não entende. Eu também, Riobaldo, divêrjo de todo mundo e quase que nada sei, mas como você, desconfio de muita coisa.

O mundo sertanejo é quase medieval em sua religiosidade, na noção de honra pelos jagunços, e nas suas misérias e pestilências. Mas o amor ainda que medieval e sertanejo é igual em todos os tempos: só mente para dizer maior verdade. E eis que vivi a maior e mais linda história de amor na literatura: o amor de Riobaldo por Diadorim que transcende a sexualidade. Diadorim é o seu melhor amigo, mas ele sente uma atração inexplicável muito mais além de uma amizade.. Jagunço  que faz amor com jagunço não pode pela lei dos homens, mas as leis que governam os nossos sentimentos são feitas por outras mãos e nós não temos acesso a Elas.

Diadorim… Não me lembro de ter chorado tanto a morte de um personagem. Deslembrar Diadorim, nunca mais eu, assim como meu amigo Riobaldo.

A coragem de Diadorim: clara e louvável. Desde a infância ele já se apresentava como um ser sem medo e demonstra bravura tanto para atacar o inimigo, como para defender um inocente. Quando conhece Riobaldo, na época em que ainda eram muito novos, Diadorim o convida para um passeio no rio e o leva de margem a margem do rio São Francisco. Ao saírem da canoa, Diadorim da ordem ao canoeiro pra que esse ficasse, revelando uma autoridade que fluía naturalmente de si. Ao se afastarem da canoa, são abordados por um rapaz que os interroga sobre o que de errado faziam sozinhos no meio do mato. Diadorim era um ótimo observador e, percebendo as más intenções do homem, o chamou para mais perto. Ele se aproximou sorridente, e o garoto, com uma agilidade incrível, o feriu a faca, sem se preocupar se ele estava armado ou se poderia voltar com companheiros. Essa coragem inspirava Riobaldo, fazia com que esse se sentisse seguro. Além do que, aumentava a sua confiança em si mesmo, acalmando seus medos.

Quando sozinho com Riobaldo, Diadorim revelava toda sua doçura ao contemplar a natureza e falar dela como se fosse parte de tudo aquilo. Ele fez com que o amigo enxergasse toda a beleza que os cercava, despertando também nele o apreço pelas belezas naturais e por tudo que fosse vivo. “Assaz ele falava assim afetuoso, tão sem outras asas; e os olhos, de ver e de mostrar, de querer bem, não consentiam de quadrar nenhum disfarce.” Riobaldo sabe: quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade…

O senhor mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando, disse Riobaldo para mim.

Cá estou eu, em completa transformação e muito diferente de seiscentas páginas atrás. Sentindo que aprender-a-viver é que é o viver, mesmo. Travessia.

Sorte é isso, merecer e ter lido Guimarães.

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123  –  A Especulação Imobiliária de Ítalo Calvino

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Escrito entre 5 de Abril de 1956 e 12 de Julho de 1957 (é com esta datação precisa que termina o livro), “A especulação imobiliária” é o terceiro livro de Italo Calvino (1923-1985).  Esta história de uma “época bem precisa” sobre “a febre do cimento” deu-se nos anos 50 na Riviera… enfim, também podia ter acontecido nos anos 80 no Algarve, ou num subúrbio da capital, ou até mesmo nos anos 90… Pensando bem, esta história pode muito bem estar acontecendo aqui e agora , onde houver uma casinha com um quintal simpático e um monstro de betão a tapar-lhe a linha do horizonte e a produzir mais uma família deprimida.

O livro narra a história de Quinto, um jovem intelectual que volta a Riviera (sua cidade natal) confuso pelas mudanças da sua cidade, que parece estar construindo inúmeros imóveis num ritmo cada vez maior e com isso enriquecendo também. A mãe de Quinto tem um terreno enorme e que não está sendo ‘explorado’ da melhor forma. Por que não explorar isso? Enquanto procura um comprador,o protagonista se depara com sr. Caisotti, um construtor enrolado, trambiqueiro e mal caráter. Mesmo contra o conselho de todos da cidade, ele acaba fechando negócio com Caisotti. Para tentar se precaver, Quinto e sua família (mãe e irmão) preparam um contrato contra Caisotti, mas se eles já não entendiam nada de imóveis, vai ficar tudo ainda pior com a chegada de advogados, tabeliões, engenheiros entre outros personagens.

Como sempre, a prosa de Calvino é fluída e divertida (ainda que seja um assunto muito sério). O que mais impressiona é a atualidade do texto e como ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais. Se pensarmos que essa história tem quase 60 anos, e é absolutamente próxima da nossa realidade. Vivemos em tempos de pura especulação imobiliária, momento com imóveis a preços cada vez mais surreais em espaços cada vez menores. O anti-herói é um alter ego de Calvino e assim como o antagonista Caisotti são, para mim, personagens memoráveis.

Foi um bom divertimento. Mas longe de ser uma das minhas melhores leituras. Se querem ler Calvino, sugiro Palomar – top five na minha biblioteca.

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122  –  Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século – Seleção: Italo Moriconi

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Entretenimento para lá de garantido. Se são os cem melhores, eu não sei, mas sei que os cem contos selecionados são extremamente bons!Uma seleção de pequenas obras-primas. Os cem melhores contos brasileiros do século reúnem narrativas extraordinárias de alguns dos principais nomes de nossa literatura. Nostálgicos, violentos, rurais ou urbanos, passionais, modernos, pós-moderno, líricos – os contos dessa antologia traduzem as mudanças do país e as inquietações de várias gerações de brasileiros, em cem anos de produção literária. Viajamos pelo tempo através deles. Temos  a consagração do modernismo nos anos 40 e 50; os conflitos de identidade dos anos 60; a violência da vida urbana dos anos 70; a exploração sem censura do corpo dos anos 80; a criativa irreverência dos anos 90 – os contos reunidos neste livro são, antes de tudo, um registro prazeroso de histórias que conquistaram leitores não por sua excelência acadêmica, mas por serem capazes de seduzir, divertir, emocionar.

Imperdível. Eu acho.

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121  –  O Império da Necessidade. Escravatura, Liberdade e Ilusão no Novo Mundo de Greg Grandin

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Este livro foge bem o meu estilo. Não é um livro de literatura e sim de história. Ganhei-o de presente e não neguei fogo para ele. Aprendi um bocado. Transformei-me mais um tanto. História da escravidão todos sabem. Mas ter contato com os detalhes dessa história faz a diferença. Pelo menos, fez muita para mim. Se eu já era contra  racismos, agora não dá para aceitar nem sequer uma fantasia de nega maluca no carnaval. A escravidão dos negros durou quase 400 anos e foram  7 milhões de seres humanos  sem contar os seus descendentes sequestrados e assassinados. Não é para brincadeira mesmo. De verdade. Se hoje entendia as causas que os movem nessa luta pela igualdade, depois deste livro tenho total repúdio por qualquer piada ou movimento que vai de encontro a esse movimento.’

Mas o livro me fez ir além. Fez-me questionar o conceito de escravidão. O que é a escravidão senão uma morte social e intelectual? Há escravidão psicológica e espiritual? É o que mais há. Em que sentido somos livres se necessitamos de tanta coisa? Buscando conquistar uma liberdade maior, o que conseguimos se não ampliar o império da necessidade? Quem não é escravo? Liberdade é o nome da coisa que é, de fato, liberdade?

Bom, a despeito de todos esses questionamentos e muitos outros que me ocorreram ao longo da leitura que trata do comércio de uma forma geral na época da escravidão, do comportamento dos homens e até dos animais eu achei o livro no geral chato porque a narrativa é bem de historiador. Cita nomes de navios, nomes de pessoas, quantidade disso e daquilo, valor do mercado em moedas que não se usam mais, detalha as rotas marítimas e tudo o mais. Eu que já troco os nomes dos meus três filhos achei muita informação que tornou a leitura, para mim, bem massante.

Não deixa de ser, contudo, um bom livro.

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120  – O Grande Mentecapto de Fernando Sabino

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Fala sério… Com uma narrativa fantástica Fernando Sabino monta uma grande interatividade narrador-leitor. Este romance aventureiro é fortemente recomendado, o que me saltou os olhos, inclusive, foi a escrita de Sabino, única, por conseguinte não é sem motivos que é chamado de um dos maiores cronistas brasileiros, embora este livro não seja de crônicas.

Uma curiosidade: este livro começou a ser escrito em 1946, quando Sabino tinha apenas 23 anos. No entanto, outros interesses literários o fizeram abandonar o original numa gaveta. Trinta anos depois decidiu retomá-lo, e num trabalho de fôlego conseguiu terminar o romance em 18 dias. O resultado é um best seller dramático e engraçado, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti e adaptação para o cinema e para o teatro. O personagem principal, Geraldo Viramundo, é uma espécie de Dom Quixote que percorre Minas Gerais e tem a intenção de transformar o mundo. mas com Geraldo a briga não é com dragões nem moinhos, e ele não se vê como nobre cavaleiro, mas sim como um louco apaixonado. É uma saga de aventuras e desventuras muito versáteis: Geraldo corre, dança, fala, fica calado, chora, ri, angustia-se, sorri, come, passa fome, entre tantas outras coisas. O livro não para de ser bom desde a primeira linha. Impressionante isso.

Altamente recomendável. O melhor, dentre outros, da literatura brasileira.

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119  – A Vitória da Infância de Fernando Sabino

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Delicioso como um cálice de vinho do Porto. Esse livro de Fernando Sabino é um daqueles que você senta, aprecia e se delicia por algumas preciosas horas. Ele é uma coletânea de contos escritos, tendo como “lugar-comum” a infância e suas peripécias. Como diz a contra-capa do livro, “Em A Vitória da Infância, Fernando Sabino narra as travessuras dos que ainda são pequenos e o comportamento dos que cresceram mas continuam fascinados pelo universo mágico no qual viveram.” Em 29 crônicas selecionadas, que vão de temas leves a outros que incitam reflexão, Sabino conta as travessuras dos que ainda são pequenos e o comportamento daqueles que cresceram, mas continuam fascinados pela magia do universo infantil.

É o tipo de literatura que faz toda a diferença na forma como observamos o mundo. Ler as crônicas de Fernando Sabino tornou a minha vida muito mais leve e repleta de poesia.Acredito, pelo reconhecimento do valor desse autor, que isso é regra geral por aqueles que tiveram contato com a sua obra.

Enfim, essencial.

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118  – A Fera na Selva de Henry James

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Confesso que está difícil dar opinião sobre esse livro. Vario entre dois extremos: imprescindível e totalmente dispensável. Talvez ele seja como outros que o momento em que os lemos faz toda a diferença. A tradução foi de Fernando Sabino que fez a introdução. Nela, Sabino confessa a dificuldade de traduzir Henry James devido às sutilezas do texto original e da trama. De fato, percebe-se que a narrativa é senão tudo o principal. A história em si se conta em uma linha ou, vá lá, em um parágrafo:

Após dez anos, John Marcher reencontra casualmente May Bartram. Ele não se lembra muito bem do encontro anterior, mas May, sim. Ela revela que ele lhe havia contado então seu grande segredo: que esperava que lhe acontecesse, inesperadamente, um grande e único acontecimento, que mudaria sua vida para sempre; algo que ele nem imaginava o que poderia ser, nem se seria bom nem mau, o que o fazia sentir-se como se estivesse na selva e houvesse uma fera à espreita, pronta para saltar sobre ele a qualquer momento; e que tal coisa parecia não fazer nenhum sentido, porque ele se considerava um homem comum e insignificante, a quem nada de importante poderia acontecer. John surpreende-se ao saber que havia exposto isso a May. Ao discutirem o assunto, ela declara que passou a ter tanta certeza quanto ele de que tal evento realmente sucederia. Oferece-se então para esperar com ele ao ataque da fera. Os dois tornam-se amigos e passam a ver-se regularmente. Com o passar do tempo, John chega a considerar casar-se com a amiga, mas desiste porque “um cavalheiro não levava uma senhora à caça ao tigre”. O interesse de John Marcher por May Bartram, mostra o escritor, era motivado pelo egoísmo: ele queria apenas uma confidente. Ele também é cego em relação aos sentimentos da amiga, sempre frio, concedendo apenas migalhas de atenção, covarde e aferrado às próprias idéias, mas acreditando-se generoso e predestinado. Ao final, já idosos, May torna-se gravemente doente. Num encontro, revela a John que aquilo que ele tanto esperava já havia acontecido, que o tal evento havia sido na verdade um grande desastre, e que esperava que ele nunca ficasse sabendo o que era. Pouco tempo depois, morre. No enterro, John Marcher vê outro homem enterrando um ente querido, e então somente na última página é revelado o grande acontecimento.

Interessante é que o livro é caracterizado como novela a despeito de nada acontecer. Considerada como uma das melhores do escritor, trata de temas como solidão, destino, amor e morte narrado, como disse, com frases esculturais. E no final, uma grande lição para todos os desatentos de plantão com os grandes acontecimentos da vida que são, de fato, imperceptíveis se não lhe dermos o devido trato.

É isso. O livro é finíssimo mas não se lê em uma tarde devido a complexidade do texto.

Genial ou longe disso. No mínimo, por isso, extremamente interessante.

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117  – Clarice, uma Biografia de Benjamin Moser

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Dizem que se auto-medicar é perigoso. Devo confessar-lhes, eu sempre o faço. Mas no lugar de fármacos uso livros. Se estou de mau humor, Rubem Braga, Veríssimo, Fernando Sabino. Apática,  Mia Couto, Saramago, Umberto Eco; para solidão, Jorge Amado, Ziraldo, Zélia Gattai e Fernanda Torres; para falta de paciência, Sérgio Porto, Martha Medeiros, Jô Soares.

Para desespero, Clarice.

Não foi por acaso que em todos os momentos que mais me senti aflita devorei um ou dois livros dela. Agora exatamente, em plena travessia de uma separação de uma união de mais de vinte anos, meu corpo pediu Clarice. Mas algo aconteceu. Talvez pela intensidade do momento e pela cumplicidade em seus textos, quis me aproximar dela. Clarice, por que me entende tanto? Por que me explica tanto, Clarice? Procurei vídeos dela na internet (só existe um) e me meti em algumas teses públicas falando sobre um ou outro livro seu.

Há quem não perceba a sua moléstia, mas o contrário se fez presente, curiosamente, nesse meu momento de dor. Um amigo bateu em minha porta e disse: toma. É seu. E me estendeu essa caixa de remédio tarja preta em forma de biografia de Clarice Lispector.

Benjamin Moser, o biógrafo, por incrível que pareça não é brasileiro. O maior especialista em Clarice é, se não me engano, americano. O livro é traduzido por José Geraldo Couto. Pouco importa, o que interessa é que Moser tem uma veia de historiador e uma grande qualidade literária. Clarice foi sendo descortinada ao som de um azul celeste.

Assustei-me com tudo. Clarice, como eu, lado a lado de defender a própria intimidade, tem o desejo intenso de se confessar em público e não a um padre. Vide Minha Vida é um Blog Aberto. Não que eu esteja comparando a minha qualidade literária com a dela. O que eu quero dizer com isso é que Clarice sempre me entendeu muito bem e parece ter justificado todos os meus pecados de forma muito mais clara e direta. Quando leio Clarice, entendo muito melhor a mim mesma. É terapêutico a vera.

Como tive problemas em meu casamento sendo escritora e leitora ávida, estava buscando saber como Clarice conseguiu escrever e ler sendo também esposa de um diplomata,  acompanhando Maury por longas viagens e levando consigo a opinião sobre casamento tal como aparece em sua personagem Joana do livro Perto do Coração Selvagem. Como suspeitava, não foi sem dor. Não foi sem luta.E a separação mostrou-se para ela o único caminho como vi a mim mesma forçada a seguir a despeito do medo e da insegurança de guiar sozinha um transatlântico.

Ainda que soubesse que ela já morreu, o contato com a biografia narrada de forma majestosa tal como Moser o fez deu-me a impressão de que ela estava por aqui entre a gente. Conforme o livro vai terminando, a doença aparecendo e ela ainda dizendo que ia morrer escrevendo o desespero começou a se apossar de mim. Não, Clarice, fique comigo pelo amor de Deus. Aguente firme. Mas ela vai e me diz: “Elika, benditos sejam os seus amores. Será que estou com medo de dar o passo de morrer agora mesmo? Cuidar para não morrer. No entanto eu já estou no futuro. Esse meu futuro que será para vós o passado de um morto. Quando acabardes este livro chorai por mim um aleluia. Quando fechardes as últimas páginas deste malogrado e afoito e brincalhão livro de vida então esquecei-me. Que Deus vos abençoe então e este livro acaba bem. Para enfim eu ter repouso. Que a paz esteja entre nós, entre vós e entre mim. Estou caindo no discurso? Que me perdoem os fiéis do templo: eu escrevo e assim me livro de mim e posso então descansar.”

Desnecessário dizer que me desesperei. Fiquei íntima dela, li suas cartas para seus amigos, ouvi suas conversas, vi seu álbum de retrato. O livro Clarice, uma Biografia foi inclusive interrompido por uma leitura de um outro livro de Lúcio Cardoso, o grande amor de Clarice. Gay e, portanto, incapaz de lhe reciprocicar seu desejo, mas que lhe deu toda a amizade e inspiração para muitos de seus escritos. Se Clarice o amou, coisa ruim não pode ser. E não foi. Devorei um livro de seu grande amor que também passou a ser meu.

Agora estou sentindo aquele vazio de quem volta de um enterro. A casa está dolorosamente silenciosa e eu, egoisticamente, inconformada com a despedida.

Era uma vez Clarice, meu Deus.

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116  – Liberdade Crônica de Martha Medeiros

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Já falei muito de Martha Medeiros por aqui. Longe de ser minha  autora predileta ou alguém que me emociona. Mas ela tem algo que muito me agrada: uma espécie de técnica misturada  a uma forma de ver o mundo. Aprendo muito com ela nesse sentido. Gosto do olhar ímpar sobre as coisas mais corriqueiras. O que me desagrada é que ela escreve por dinheiro, todas essas crônicas já foram publicadas. Então, há muito encher de linguiça que é perdoado imediatamente quando ela consegue fazer literatura de primeira em uma crônica ou outra.

Esse livro é de uma coleção que saiu. Paixão Crônica, Felicidade Crônica e Liberdade Crônica. Só me falta ler Paixão Crônica. Em breve, resenha dele.

Ah sim, se busca entretenimento e leitura leve, é ele mesmo.

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114  –  Contos da ilha e do continente de  Lucio cardoso

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Eu, na minha ignorância sem fim, jamais ouvira falar em Lúcio Cardoso. Ou ouvi, mas a memória sublimou.

Estou lendo uma biografia de Clarice Lispector de Benjamin Moser que em breve farei a resenha. Clarice foi apaixonada por Lúcio Cardoso que era gay. Ela tinha esperanças de, digamos, reverter o quadro. Mas seus esforços foram em vão. De qualquer forma, Lúcio teve grande influência na escrita de Clarice e eles continuaram muito amigos, trocaram n cartas e bababá bububú.

Se Clarice se apaixonou, coisa boa Lúcio deve ser. E não deu outra.Na primeira livraria que entrei comprei  Contos da ilha e do continente. Valéria Lamego foi a organizadora deste livro e se a conhecesse gostaria de dizer que ela fez um serviço para literatura brasileira. Lúcio teve fases, como todos nós, mudou de estilo na escrita conforme foi amadurecendo suas leituras. Neste livro, percebe-se isso com clareza e fiquei bem feliz em ver a evolução e a qualidade dos textos melhorando exponencialmente. Logo entendi minha Clarice.

Excelente livro para quem busca uma paixão. Lúcio, eu também te amo.

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113  –  A Cidade do Sol de Khaled Hosseine

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 Sempre é gratificante viajar. Ainda mais se formos para um lugar onde a cultura é totalmente diferente.

Com uma habilidade incrível de te comover e fazer refletir, Khaled Hosseini conta a história de duas mulheres afegãs: Mariam, com 33 anos e Laila, com 14, que viraram esposas do mesmo homem. Mariam desde pequena soube qual era a tarefa mais importante de uma mulher afegã: a capacidade de suportar. Durante toda a sua vida enfrentou a crueldade imposta pelas pessoas a uma “harami” (filha bastarda). Laila, por sua vez, cresceu em uma família liberal. Tinha amigos, sonhos e um amor, mas, por incumbência do destino foi levada a se casar. Mariam e Laila se veem então dividindo o mesmo teto com Rashid, um típico marido afegão. Após travar várias batalhas contra a imposição masculina, contra a dor, a violência e a perda, estas duas mulheres encontram uma na outra mais que abrigo, encontram consolo para um sofrimento que parece ser designado e inacabado.

Para quem fica horrorizado com as matérias sobre a vida das mulheres no Iraque, Afeganistão e outros países da região que sofrem com as guerras, A Cidade do Sol é um ataque emocional. O Khaled consegui descrever tão bem e tão intensamente a vida desas duas personagens, Laila e Mariam, que eu fiquei paralisada mesmo quando o livro se fechava.  Elas são mulheres fortes e mesmo que seja um livro de ficção é uma história baseada em fatos reais – elas não existiram, mas as situação enfrentadas são sim, reais. O que Laila teve que enfrentar e levar adiante seria algo que eu jamais conseguiria aceitar, me senti enojada e extremamente revoltada com situações vividas por ela.
Como mulher, cada “golpe” que ela recebeu, foi recebido por mim também.
Livro lindo. Viagem encantadora. Entretenimento garantido.

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112   – Recado de Primavera de Rubem Braga

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Eu não sei se não era a hora, mas incrivelmente, achei esse livro um saco. Eu que pensava que qualquer livro de Rubem Braga fosse o máximo quebrei a cara com esse. Rubem Braga é o famoso poeta que faz crônicas. Quem passa por esse mundo sem ler crônicas de Rubem Braga diria que desperdiçou parte da estadia. Vivemos melhor após passarmos pelas seus escritos, não tenho dúvida sobre isso. No meu caso, vivi uma transformação profunda.

Mas essa seleção de crônicas… está chata por demais. Diria que são as piores crônicas de Rubem Braga. Pouca poesia, muitos detalhes, muitas histórias normais, muita visão comum. Uma ou outra se salva.

Li-o todo e se for para ler o mestre, aconselho a comprar outro dele. Esse, no hoje e no agora, não me agradou.

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111   – Felicidade Crônica de Martha Medeiros

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 A trajetória de sucesso dessa cronista pode ser revisitada agora nos recém-lançados volumes Paixão Crônica, Felicidade Crônica e Liberdade Crônica. Comprei todos eles e comecei por este. Martha Medeiros para mim funciona como terapia. As vezes me incomoda um certo tom de livro de auto-ajuda que uma ou outra crônica dela apresenta. E auto-ajuda só me atrapalha. Odeio. Mas é uma ou outra. O saldo é sempre positivo e eu acho que Martha Medeiros é cotonete para meus ouvidos, colírio para os meus olhos, hidratante para a minha pele.

Tenho vontade de ir ao cinema, ler mais, viajar, sair para jantar fora, tomar um banho demorado todas as vezes que termino um livro dela. O efeito é maravilhoso.

Eu simplesmente a adoro e este livro, li em uma tarde. Linguagem simples, leitura leve e em muitas crônicas plenas de conteúdo.

Para quem busca entretenimento e um bom bate-papo, um prato feito.

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110   – Estórias Abensonhadas de Mia Couto

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 Já fiz uma resenha anterior sobre Mia Couto. Eu estou literalmente apaixonada. Qualquer livro dele deve ser lido. Li dois mas posso afirmar isso com segurança. Mia Couto tem uma forma de escrever que enfeitiça e apaixona, a delicadeza e a sutileza com a qual trata muitas vezes de assuntos delicados é impressionante.

Ele reinventa o português. Dá um outro sentido para a nossa língua de uma forma extremamente delicada. É lindimais  da conta. Só lendo mesmo. Nada do que eu fale aqui irá mostrar o que ele, de fato, transforma.

Estórias Abensonhadas vem com 26 contos escritos em Mia Couto. O livro trata de assuntos como guerra, morte, dor, abandono, sofrimento, mas também a cada história a esperança de um novo começo é contada. São histórias de recomeço, que trazem lágrimas e sorrisos, as vezes separados mas, as vezes juntos.

Quem leu  João Guimarães Rosa, Manoel de Barros e gostou vai não só amar este livro como fazer as inevitáveis comparações já que todos eles compartilham a criação de histórias que vagueiam entre o real e o fantástico, entre contar as histórias de seus povos, de sua cultura, crendices, mitos, daqueles detalhes que só quem sabe é quem os conhece, porque os vive ou os ouve.

Acho que parte da minha completa admiração por Mia Couto provém do mesmo tipo de leitura que Guimarães Rosa fazia do sertão brasileiro e Mia Couto faz de seu país Moçambique. Aliás, ler sobre a realidade de Moçambique é parte desse deleite. Fazemos uma viagem na estrutura das frases e no contexto em que elas são feitas.

Por todo o livro há um jogo com as palavras, por vezes combinando-as ou criando nomes de personagens mais do que sugestivos. São trocadilhos, criações que dão um toque especial e querem dizer mais do que um simples trocadilho.

Um pouco de Mia para a vossa degustação:

 “Toda a estória se quer fingir verdade. Mas a palavra é um fumo, leve demais para se prender na vigente realidade. Toda a verdade aspira a ser estória. Os factos sonham ser palavra, perfumes fugindo do mundo. Se verá neste caso que só na mentira do encantamento a verdade se casa à estória. O que aqui vou relatar se passou em terra sossegada, dessa que recebe mais domingos que dias de semana. 

Aquele chão ainda estava a começar, recém-recente. As sementes ali se davam bem, o verde se espraiando em sumarentas paisagens. A vida se atrelava no tempo, as árvores escalando alturas. Um dia, porém, ali desembarcou a guerra, capaz de todas as variedades da morte. Em diante, tudo mudou e a vida se tornou demasiado mortal.” (O cachimbo de Felizbento)

“Tristereza vai escovando o casaco que eu nunca hei de usar e profere suas certezas:

-Nossa terra estava cheia de sangue. Hoje, está a ser limpa, faz conta é essa roupa que lavei. Mas, nem agora desculpe o favor, nem agora o senhor dá vez a este fato?

– Mas, Tia Tristereza : não será está a chover demais?

 De mais? Não, a chuva não esqueceu os modos de tombar, diz a velha. E me explica: a água sabe quantos grãos tem a areia. Para cada grão ela faz uma gota. Tal igual a mãe que tricota o agasalho de um ausente filho. Para Tristereza a natureza tem seus serviços, decorridos em simples modos como os dela. As chuvadas foram no justo tempo encomendadas: os deslocados que regressam a seus lugares já encontrarão o chão molhado, conforme o gosto das sementes. A paz tem outros governos que não passam pela vontade dos políticos.” (Chuva: a abensonhada)

A leitura desse livro só pode produzir uma sensação : de encantamento, seja com a escrita poética e doce de Mia Couto, seja pela estórias cheias de esperanças e recomeços banhadas nas histórias orais, lendas e mitos de um povo, rasgando a sua essência e seu espírito na nossa frente, seja pelo que for é daqueles livros que a gente fica triste quando acaba, como se sentindo abandonada, abandonada pela sensação de conforto e carinho que cada palavra magnífica escrita nessas estórias pôde trazer.

Im-per-dí-vel.

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109  – Baudolino de Umberto Eco

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Umberto Eco dispensa apresentações. Gênio na arte da escrita. Baudolino mais uma vez dá essa prova. Longe de ser um livro de aventuras épicas como nos indica a capa. E também não tem uma narrativa fácil, ágil. Umberto Eco erudita. Exige de nós atenção porque seu humor é sutil e danado de bom.  Não ansiamos pelas próximas páginas com avidez, por não contermos a ansiedade frente à aventuras emocionantes; mas por querermos saber quais os próximos passos de um contador de histórias. Qual será a próxima invenção de Baudolino? Baudolino, o personagem, é um mentiroso profissional e  brinca com o certo e o errado, com a imaginação e o desconhecido de uma forma impressionante. O leitor nunca sabe se o que está lendo é invenção, realidade ou simplesmente a imaginação de uma mente fértil ou de certa forma perturbada.  Discorre sobre a essência de Deus e a natureza humana. Qual a relação entre criador e criatura, como existir em conjunto com a natureza? Explora as várias crenças sobre o formato da terra, a existência do Jardim do Eden e a hipótese de que após o dilúvio surgiram novas espécies de vida. A fé pode tornar as coisas verdadeiras! Fala sério, Umberto Eco!
Mas o livro tem várias passagens lentas, vale observar. Mas não são chatas. Longe dissso.  Alguns diálogos são longos e complexos, exigem reflexão, tornando a leitura um pouco cansativa.  Em contrapartida, a linguagem é despojada, inclusive utilizando gírias. Afinal, os personagens são pessoas do povo, soldados e camponeses.

Baudolino deve ser lido sem pressa, é para ser apreciado e não devorado. O próprio livro não permite que a leitura seja voraz.

Imperdível? Depende da disposição. Mas sem dúvida, para mim, Baudolino foi um personagem inesquecível.

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108  – Quando Nietzsche Chorou de  Irvin D. Yalom

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Irvin Yalon é psiquiatra e um excelente escritor. Em Quando Nieztche chorou, Irvin Yalon romantiza a vida de Nieztche e Josef Breuer. Apesar dos personagens principais da trama nunca terem se conhecido (o próprio autor afirma em suas observações no final do livro), o romance é parcialmente baseado em fatos reais. Nietzsche, até onde se sabe, nunca encontrou com dr. Breuer nem ao menos passou por qualquer tipo de tratamento psicanalítico.

Mas… Como o autor conseguiria unir eventos e acontecimentos reais ocorridos separadamente entre grandes homens e colocá-los numa linha de ficção em que tudo se encaixa? Fala sério. Essa é a magia de ser escritor, de promover realidades que não existiram em uma realidade mas que passa a existir em outra.

E a gente pode se pegar pensando em várias passagens. Tipo fazendo terapia com eles.

“Você quer voar, mas não se pode começar a voar voando. Primeiro, tenho que lhe ensinar a andar, e o primeiro passo ao aprender a andar é entender que quem não obedece a si mesmo é regido pelos outros. É mais fácil, muito mais fácil, obedecer a outro do que digerir a si mesmo.” (p. 240)

Super para mim isso…

No mais, Quando Nietzsche Chorou vem com um grande desafio. Como fazer um paciente como Nietzsche cooperar? Pior ainda: como fazê-lo cooperar sem saber que estaria sendo tratado? Breuer recebe tal missão de uma jovem russa muito atraente, Lou Salomé, que diz estar preocupada com seu amigo Friedrich (Nietzsche), um homem brilhante que, ela clama, será o futuro da filosofia e que sofre de impulsos suicidas. Breuer concorda em tratá-lo a partir de sua embrionária terapia pela conversa que, ainda sem grandes confirmações científicas, foi sua grande aposta ao tratar de uma paciente especial que sofria de histeria. Ao aceitar relutante a tarefa, o eminente médico realiza uma grande descoberta – somente encarando seus próprios demônios internos poderá começar a ajudar seu paciente. Assim, dois homens mergulham nas profundezas de suas próprias obsessões românticas e descobrem o poder redentor da amizade.

Olha, que livro bom viu…

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107  – Clarice na Cabeceira – Romances. Organização de José Castello

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Este livro mostra  passagens de nove romances escritos por Clarice. São grandes passagens. Lindas passagens. Escrita que parece navegar sem rumo, como um cometa desgovernado. A literatura de Lispector é, para mim, telepática.  Clarice escreve, todo o tempo, deslocada em relação não só às normas letradas e aos bons costumes retóricos, mas à própria escrita, que para ela não é ofício, mas aventura interior. Eu particularmente acho que antes de ser escritora, Clarice Lispector é uma puta filósofa que não escreve em português, essa louca escreve em lispector. Não se trata de literatura e sim bruxaria.

 O livro nos faz dar um voo panorâmico na inebriante obra dessa bruxa.

Adorei esse passeio, a despeito de ter já feito mergulhos profundos em grande parte de seus livros.

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106  – Histórias de Amor – Vários autores

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Grandes nomes da literatura mostram o amor em diferentes épocas e situações. Para explicar o amor, do que precisamos? Conceitos filosóficos? Lógica? Sermos racionais? Bah, como diz o organizador José Paulo Paes, o amor não tem lógica nenhuma ou, se alguma tiver, só pode ser a lógica da contradição. Acrescentaria, a lógica incompreensível.

Verdade é que as onze narrativas nem de perto conseguem explicar este sentimento. Vemos caminhos e descaminhos. Mas escritos e contados por Machado de Assis, Lygia Fagundes Telles, Luís Fernando Veríssimo, João do Rio dentre outros finalizando com nada menos que Willian Shakespeare.

Como  não ter valido a pena?

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105  – Fim de Fernanda Torres

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Simplesmente sensacional!

Em seu romance de estréia, Fim, Fernanda Torres parte das derradeiras horas de cinco personagens para narrar suas histórias, dando ênfase à que viveram juntos, e tratando-as com a devida humanidade, mas também com muito humor. Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro conheceram-se na praia, foram companheiros de farra no Rio de Janeiro dos gloriosos e tumultuados anos 1960, em festas regadas a álcool, sexo e drogas, tudo sempre em generosas doses. Na época, os então trintões curtiam os anos do desbunde feito adolescentes desbundados e, principalmente, desmiolados, como se para eles a vida fosse terminar ali, no dobrar da esquina.

Os cinco personagens são tipos absolutamente comuns que mais compartilham afinidades do que colecionam divergências (embora elas não sejam em nada desprezíveis), e não foi por outro motivo que se aproximaram no passado para viver juntos suas aventuras mais marcantes, essas que vão recordar pelo resto da vida e, muito especialmente, em seu final. Nem todos chegam a envelhecer — Ciro, o Casanova do grupo, e Neto, o mais bem comportado, têm as vidas ceifadas ainda na década de 1990 —, mas a velhice dos três sobreviventes ganha uma ressonância tão expressiva que acaba dominando toda a história. Sem dúvida o responsável por esse efeito é Álvaro, o mais longevo da turma, cuja sarcástica rabugice desponta já nas primeiras linhas do romance.

Há estréias e estréias. O que se observa com mais freqüência é o novo autor chegar devagarinho, não muito seguro do terreno onde pisa e, na melhor das hipóteses, despontando como um talento promissor. O ofício de escritor é um aprendizado perene e contínuo; a evolução na carreira, algo decorrente desse aprendizado; e é raro, muito raro, que um primeiro livro revele um ficcionista já pronto e acabado, que espreite o mundo com um olhar humano e ao mesmo tempo exclusivo e que tenha uma dicção adequada para traduzir em palavras o que percebe com a agudeza de todos os sentidos. Não é algo fácil de ser alcançado, mas Fernanda Torres demonstra sobejamente ter conseguido.

Humor sem superficialidade, lirismo sem cafonice, complexidade sem afetação, densidade sem chatice: de que mais precisa um romance para dizer a que veio?

Simplesmente sensacional!

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104  – As Melhores Crônicas de Rubem Alves

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Esta obra reúne as melhores crônicas do autor, mas não segundo critérios literários ou coisa similar. A editora apresenta um conjunto afetivo, selecionado pelo autor  considerando as manifestações dos leitores ao longo dos anos.

Eu não tive orgasmos mútiplos como acharia que os tivesse com esse título. Acho que as ideias são boas, mas Rubem Alves se arrastou na escrita em várias crônicas. Entendi com muitas, porém, que a experiência poética não é ver coisas grandiosas que ninguém mais vê. É ver o absolutamente banal, que está bem diante do nariz, sob uma luz diferente. Senti muita alegria ao passear por tantas imagens, em refletir sobre as idéias-sementes lançadas por Rubem e em revisitar sua maneira espirituosa de olhar para o cotidiano.

Enfim, recomendo. Claro que recomendo Rubem Alves.

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103  – Contos do Nascer da Terra de Mia Couto

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Outro dia, aqui pelas redes sociais, vi alguém compartilhando um poema. Não me lembro quem foi esse alguém e muito menos do poema, mas sei que achei-o lindo. Autoria: Mia Couto. Nunca havia ouvido falar na Mia Couto. Procurei uma página dela pelo feicebuque e descobri que Mia era homem. Escreve em português, mas é de Moçambique. Curti a página e comecei a receber atualizações mega interessantes de beleza e poesia.

Na livraria, ao passar por um livro de contos de Mia Couto não resisti a viagem. Quem será ele afinal?

Pois então, Mia é um desses escritores que dão uma nova função para a língua, no caso, o nosso português. Há frases incrivelmente lindas que gostaria de colocá-las  em um quadro. Algo como “Não era a roupa que desabotoava, era a mulher que se entreabria”. Jesus, que lindo… “Na janela, o pássaro deixou de se poder ver”. Que isso… “Me desisti, desvalente, desvalido.”,”A memória do cajueiro me faz crescer cheiro nos olhos.”, “Sou homem abastecido de solidões”, ” Me dirigi para casa, sem vontade de caminho.  Demorei em coisas nenhumas.”

Houve uma passagem em que o homem estava andando, viu um florista cuidando de uma flor, não resistiu  e comprou-a ainda que não tivesse com dinheiro sobrando. Veja bem: foi isso. Mas narrado por Mia fica assim: “As mãos se ridicularizaram com a intransitiva flor”. Fala sério…

E quando um outro personagem tem uma insistência de fazer uma coisa ele diz “aquilo era simples inclinação do peito”.

Enfim, Mia Couto é um Manoel de Barros de Moçambique. Diga-se de passagem que Mia leu Manoel. E muito. Percebe-se isso e ele não esconde. Mas fica claro que um não imita o outro. Um aprendeu com o outro.

Daqui para frente, todas as vezes que eu for a uma livraria e encontrar um livro de Mia Couto, ele será meu.

Em tempo:

Um abraço para Manoel

Dizem que entre nós
há oceanos e terras com peso de distância.
Talvez. Quem sabe de certezas não é o poeta.
O mundo que é nosso
é sempre tão pequeno e tão infindo
que só cabe em olhar de menino.

Contra essa distância
tu me deste uma sabedora desgeografia
e engravidando palavra africana
tornei-me tão vizinho
que ganhei intimidades
com a barriga do teu chão brasileiro.

E é sempre o mesmo chão,
a mesma poeira nos versos,
a mesma peneira separando os grãos,
a mesma infância nos devolvendo a palavra
a mesma palavra devolvendo a infância.

E assim,
sem lonjura,
na mesma água
riscaremos a palavra
que incendeia a nuvem.

MIA COUTO
19-12-2013

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102  – A Graça da Coisa de Martha Medeiros

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Martha Medeiros não é gênia, mas é muito boa e muito disciplinada. Escreve muito em quantidade e penso que se enrola de vez em quando por isso. Há textos inequecíveis, mas muitos percebo que é para literalmente encher sardinha. Não gosto também quando busco literatura e fico na dúvida se estou lendo livro de auto-ajuda.

Foi o caso de A Graça da Coisa. Há muitos conselhos como seja  assim, fique assado e coisa e tal. Isso me cansou nesse livro. Mas ainda assim, considero um bom livro. Preferi ter passado por ele do que tê-lo deixado na livraria. E confesso, muitos conselhos mesmo que eu não os tenha pedido, ajudaram.

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101 – Conversas sobre Educação de Rubem Alves

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Rubem Alves é gênio. As crônicas deste livro transformam assunto sério como a educação em um bate-papo descontraído e bem humorado. Elas propõem uma missão para a educação: formar um povo para sonhar e assim promover a construção de um país. O livro faz refletir e suscitar discussões: Qual será o futuro da instituição escola? O modelo atual está falido? Pode estar condenado ao fracasso? Qual o sentido do vestibular? Por que separar os alunos por idade, capacidade de aprendizado ou condições físicas?

Esta obra nos leva a refletir sobre a desafiadora tarefa: educar o ser humano para que ele possa desenvolver-se em sua plenitude. De maneira transparente e envolvente, somos levados  a considerar a prática da educação em seus vários níveis e dimensões. É assim que da curiosidade das crianças, dos jovens e dos adultos passaremos às coisas que se ensinam nas escolas e universidades, percorrendo uma gama de temas que certamente provocarão em nós uma reação tranformadora – a qual já se faz mais do que urgente.

Os textos de Rubem Alves, de estilo inconfundível, remexem em conceitos que possam fazer ressuscitar o valor da educação e refletem a vocação nata de um poeta, pedagogo por natureza.

Simplesmente inspirador. *-*

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100 – Chão de Meninos de Zélia Gattai

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Zélia Gattai, esposa de Jorge Amado é, para mim, a maior escritora brasileira. Foi a pessoa que mais me influenciou em estilo e grazadeus em vida pude falar isso para ela em uma carta. Como resposta, ela me mandou um cartão dizendo para quando fosse à Bahia, dar uma passadinha lá na casa deles para receber o abraço pessoalmente. Infelizmente, não deu tempo. Quando lá em estive, ambos eram falecidos.

Não consigo ler nada dela sem me derreter e virar uma torneira. Assim foi hoje ao ler Chão de Meninos. Este çivro é ambientado na infância dos filhos. Além de usar experiências pessoais e de amigos como fonte de inspiração, Zélia Gattai buscou no dia-a-dia do brasileiro, na Bahia, no Rio de Janeiro, ou na São Paulo da sua infância, elementos para deixar um legado que se constitui em verdadeiro registro histórico do cotidiano miudinho, geralmente aquele que os historiadores relegam. Nos seus escritos, há espaço também para recordar os memoráveis encontros de Jorge Amado com artistas e pensadores como o filósofo francês Jean Paul Sartre Simone de Beauvoir, Pablo Neruda, Vinícius de Moraes…

A fé, às vezes vacilante, mas sempre forte, no socialismo aparece durante todo o livro. O mundo de Zélia e seus escritos é filtrado pelos sentimentos de Jorge. Quando narra a morte de Stálin, mais do que relatar a perda de um ícone, ou expressar a própria dor, é na desorientação de Jorge que ela se detém – assim como se dedica a cuidar da perplexidade dele quando, reveladas as atrocidades, ambos se decepcionam com o líder russo. Na primeira vez em que embarcam em um DC-7 da Panair, mesmo maravilhada com o novo avião, ela se angustia diante do pânico do marido. Ao contar a morte de Graciliano Ramos, é da aflição de Jorge diante da morte que ela nos fala.

Zélia começou a escrever com mais de sessenta anos e sendo esposa de quem é podemos imaginar quanta coragem a mocinha precisou ter. Orgulhosa, humilde, gente que faz… inspira-me de todas as formas essa Gattai viu. Já li muito e diversos autores, mas nada, nem de longe, se compara ao que essa mulher faz em mim. Minhas lágrimas incontíveis sempre são uma forma de aplaudi-la de pé. Como me posto agora.

Qualquer livro de Zélia Gattai deve ser lido.

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99 –  De Escrita e Vida – Clarice Lispector

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Creio que é um livro que não interessa a muitos. Para mim, foi uma grande surpresa. Qualquer livro de Clarice que eu veja e que não tenha eu compro. E leio. Neste livro temos compilações de crônicas e simplesmente rabiscos dela quando era colunista do jornal.

Para Clarice Lispector escrita e vida eram as duas faces de um mesmo milagre: a vida cotiana. Nesta seleta de reflexões sobre a escrita e o ato de escrever, extraídas das suas crônicas, pude encontrar as chaves para a compreensão das motições profundas de sua obra e certamente estímulo para escrever e, assim, adensar a história de minha própria vida.

De escrita e vida iluminou a produção literária e a existência de Clarice, para mim.

Li numa sentada só, como dizem por aí. E amei.

“Esta é uma declaração de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.”

Clarice, eu te amo.

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98 –  Poesia Completa – Manoel de Barros

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O melhor livro de cabeceira que alguém pode ter: A obra completa de Manoel de Barros.

Este livro se trata de uma chance  de ter em casa a obra completa deste poeta genial, tratada com o carinho e esmero que exige sua estatura. Para ele, a poesia esteve presente desde muito cedo no olhar do menino para as pessoas e coisas do seu entorno.

Segundo um de seus livros, o primeiro poema teria sido feito aos 13 anos: Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem, disse ao olhar, do Pantanal, onde morou, para os longes da Bolívia. Foi a primeira iluminura que fez a mãe dizer: Agora você vai ter que assumir as suas irresponsabilidades. (Lindimais!) Compreendendo o peso das palavras da mãe, ele diz ter assumido, entrando no mundo das imagens.

 O primeiro livro publicado foi Poemas concebidos sem pecado, em 1937, prosa poética iniciada com a história do menino Cabeludinho, que deixou a família para estudar no Rio de Janeiro e voltou ateu. Manoel tinha 21 anos e a certeza do que queria fazer. Muitas décadas correram até chegar um reconhecimento maior, o que possivelmente explica o volume de produção grande nos últimos anos.

E, gente… Manoel não é de carne e osso… ele ultrapassa a esfera pragmática do escrever, desmembrando a ”ciência exata” do saber, transformando a mesma em algo divino, que exalta o abstrato como algo concreto, que eleva o cotidiano e a sutileza das coisas para um outro nível. Manoel de Barros entende que a rã, a borboleta, a árvore, a terra, o pássaro, são artefatos divinos, ao passo que merecem importância como parte fundamental da existência do ser humano.

Manoel  é ímpar. Nada rigoroso com a estrutura prosaica da escrita, muito fiel a puerilidade, pureza e sentido íntimo das coisas, como se a oralidade das frases fosse sim seu verdadeiro significado. Ele dá um novo sentido para o nosso português. Ele tem a intenção de desassociar os significados legítimos das palavras, e transporta-las para um universo lúdico, onde tudo é reconstruído através da simplicidade e de seu caráter poético. Gênio…

A poética dele consiste nas inverdades, na liberdade plena dos significados, na ”supra-linguagem”, na inovação estrutural da escrita, ora por reinventar seus significados, ora por transportar o leitor para um lugar – por falta de prática e exercício – pouco revisitado.

Ao ler Manoel, agradeço por ele ser brasileiro. Um privilégio para todos nós.

Simplesmente divino.

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97 –  Cândido ou O Otimismo – Voltaire

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Este livro foi me dado de presente pela Júlia Dantas. Um presentaço! Como pode ela ter acertado tanto?

As minhas pesquisas acadêmicas giram muito em torno dos séculos 16, 17 e 18 e Voltaire é um produto iluminista. Vira e mexe o nome dele aparece nas cartas que estudo. Este livro já me era conhecido de nome e Voltaire é uma figura que sempre tive maiores curiosidades de conhecer.

Candide, ou l’Optimisme é um conto filosófico em tom de sátira publicado pela primeira vez em 1759 por este filósofo do Iluminismo. A novela já foi traduzida em centenas de línguas e, em português, seu título costuma ser Cândido ou O Otimismo. Foi realizado, ao que parece, em três dias, em 1758, ainda sob a impressão do terremoto de Lisboa, com assinatura de um pseudônimo, “Monsieur le docteur Ralph“, literalmente, “Senhor Doutor Ralph”.

É um puta livro que narra a história de um jovem, Cândido, vivendo num paraíso edênico e recebendo ensinamentos do otimismo de Leibniz através de seu mentor, Pangloss. A obra retrata a abrupta interrupção deste estilo de vida quando Cândido se desilude ao testemunhar e experimentar eminentes dificuldades no mundo. Voltaire conclui a obra-prima com Cândido — se não rejeitando o otimismo — ao menos substituindo o mantra leibniziano de Pangloss, “tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”, por um preceito enigmático: “devemos cultivar nosso jardim.”

Algo simplesmente genial. Eu que acho Lebniz um saco daria de tudo para dar um abraço em Voltaire! Além do que, ele tem algo que nenhuma mulher resiste, faz a gente rir com vontade.

Simplesmente mega divertido!

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96 –  Rua dos Artistas e Transversais – Aldir Branc

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Gênio! Gênio. Gênio! Acho que as crônicas de Rua dos Artistas, Porta de tinturaria e o bônus extra estão entre as melhores produzidas em dois séculos no Brasil. Aldir consegue transformar a grossura de boteco pé-sujo em delicados e breves autos-de-fé, consegue projetar em seus personagens – bêbados, prostitutas, pandeiristas de fim de semana, funcionários públicos e domésticas – a sua filosofia de vida.

Um pouco de Aldir para quem não o conhece: Parceiro de João Bosco, Paulinho da Viola, Guinga, Maurício Tapajós, Moacyr Luz e Ivan Lins, vencedor do Prêmio Shell de Música de 2004, pelo conjunto de sua obra, Aldir Blanc é letrista de clássicos da música popular brasileira como ‘O bêbado e a equilibrista’, ‘Dois pra lá, dois pra cá’ e ‘Nação. Psiquiatra de formação’, usa uma metáfora médica para definir sua criatividade – “Compositor e escritor vivem juntos. Para o bem e para o mal são siameses e, se tentarem uma operação para separá-los os dois morrem.”

Na década de 1970, os leitores de ‘O Pasquim’ se deliciavam com os textos de Aldir Blanc publicados no jornal. Desde a sua estréia, para a edição do Natal de 1975, com a crônica “Fimose de Natal”, Aldir Blanc conquistou uma legião de fãs, de carteirinha. Dezenas de (ótimas) crônicas depois, a Codecri, editora do Pasquim, reuniu nos dois livros – Rua dos Artistas e Porta de Tinturaria a produção jornalística do autor.

Publicados originalmente em 1978 e 1981, os livros costuram histórias hilariantes e comoventes, diretamente inspiradas na infância de Aldir Blanc, que transforma suas memórias do subúrbio carioca num monumento gigantesco a la Davi. Reunidas agora (quanta felicidade!) em um único volume, as histórias compiladas em ‘Rua dos Artistas’ e ‘Porta de Tinturaria’ estão de volta.

Esta edição acrescenta mais 14 crônicas do autor, publicadas na revista Bundas (na década de 1990) e no caderno B do Jornal do Brasil (de 2006).

Livro obrigatório de cabeceira. Mega presente para quem quer se divertir lendo.

Mega, giga, tera recomendo.

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95 –  Ilusões do Mundo – Cecília Meireles

Daniel Pereira

Todo mundo já ouviu falar de Cecília Meireles. E muita gente tem verdadeira adoração pelos poemas da consagrada autora. Mas Cecília também produziu crônicas – não na mesma intensidade dos poemas. O livro ILUSÕES DO MUNDO” revela muito bem essa faceta pouco divulgada de Cecília Meireles.

Essa obra reúne crônicas que foram lidas no início dos anos 1960 nos programas “Quadrante”, da Rádio MEC, e “Vozes da Cidade”, da Rádio Roquette-Pinto, que reuniam naquela época um time de cronistas de peso como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Rubem Braga. Nestas crônicas, a autora destaca-se como atenta observadora do mundo, dotada de lucidez e perspicácia. Como se não bastasse sua verve privilegiada para examinar o que estava à sua volta, Cecília efetua com inigualável destreza a mistura entre observação e imaginação, exercício que pode ser vislumbrado nas crônicas sobre a almejada Ilha do Nanja. Tudo por meio de uma prosa que guarda fortes raízes com sua poesia. Eu achei isso um saco.

Como já disse, pelo fato de eu ser cronista, não posso deixar de ler os grandes mestres dessa arte. Mas acho que me equivoquei com Cecília Meireles. Ela é poetisa e eu achei um saaaaaco suas crônicas. Leeeeeeeentas, arrastadéééééésimas. Tem sim delicadeza como em sua poesia, mas crônica, para mim, deve ser algo mais rápido com menos ó-que-saudade-que-tenho-da-aurora-da-minha-vida.

Gostei porque conheci essa lado de Cecília Meireles. Ainda que eu não tenha tido prazer nesta leitura, considero-me melhor por ter passado por ela.

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94 –  Cecília Meireles, Crônicas para jovens

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Como sou cronista, não posso deixar de ler os grandes mestres dessa arte. Mas acho que me equivoquei com Cecília Meireles. Ela é poetisa e eu achei um saaaaaco suas crônicas. Leeeeeeeentas, arrastadéééééésimas. Tem sim delicadeza como em sua poesia, mas crônica, para mim, deve ser algo mais rápido com menos ó-que-saudade-que-tenho-da-aurora-da-minha-vida.

Esta obra reúne 24 crônicas agrupadas em seis temas – De aves e flores, Ecos do Oriente, O passado manda lembranças, Impressionista e Quase poesia. Natureza, reflexões sobre a vida, espaço urbano, reminiscências de lugares, pessoas e acontecimentos, pequenos detalhes do dia a dia, dentre outros, são observados por Cecília.

O tom é líricamente tedioso e muito desencantado com os rumos da sociedade. Mas quem sou eu para dizer para não ler Meireles.

No mais, tenho a impressão de que livro tem o momento certo de serem lidos. Pode ser que  eunão estava no meu dia, insisti e acabei ficando de mau humor ao ler a poeta cronicando.

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93 –  Doutor, meu medo é da Anestesia – Hugo Teixeira

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Ganhei esse livro de presente de meu amigo médico Leonam.  Acho que todos médicos deveriam ler. As histórias são narradas por Hugo, um anestesista, e mostra uma realidade que nós, como paciente, não vivemos. O autor colheu histórias do limite da vida dos pacientes, da razão, do ego dos cirurgiões e da fragilidade de nosso corpo. O livro se perde um pouco porque não mantém o ritmo e o estilo, mas ainda assim achei-o divertido. Sim, o livro é antes de tudo muito engraçado.

Fiquei sabendo que na primeira anestesia realizada em ambiente acadêmico, na longínqua Boston, Massachusets do ano de 1846, o dentista William Thomas Green Morton adentrou a sala esbaforido, atrasado, em meio a uma nuvem de incredulidade e sob os olhares desconfiados de cirurgiões, alunos e professores. E ainda tinha problemas recém-resolvidos do dispositivo que tinha inventado, um aparelho simples para entregar o éter sulfúrico aos pacientes cirúrgicos e com isso tentar anular a dor e a consciência onipresentes nos procedimentos cirúrgicos de então. O retumbante sucesso daquele primeiro momento delineava o que seria a relação de cirurgiões com anestesiologistas, ambos médicos, juramentados à Hipócrates do mesmo jeito, mas com um abismo de contradições, ressentimentos, comédia e amizade que perdura até hoje.

Doutor, meu medo é da anestesia! é somente sobre isso, e sobre tudo isso. A anestesia apresentada de uma forma nunca antes vista ao leitor não médico. E ao médico também, por que não?

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92 –  Qual é a tua Obra? – Mario Sergio Cortella
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Argh! Odiei. Li porque o Cortella vira e mexe aparece por aí, no programa do Jô, em vídeos na internet… e se apresenta como “filósofo”. Não encaro a filosofia como auto-ajuda e, portanto, Cortella, para mim, de filósofo não tem nada.

O livro trata de “questionamentos” sobre gestão, liderança e ética, procurando explicar vários termos do ambiente corporativo. O inicio do livro é um “convite a refletirmos” sobre certos valores que estão presentes em nossa sociedade nos dias atuais. Para Cortella, o filósofo, existe uma angústia muito grande dentro das pessoas e que está levando-as a se questionar o que estão fazendo com suas vidas e qual o verdadeiro significado de tudo isso.

Depois de apresentar a origem do trabalho (começa no período do século II A.C até o século V com a formação da sociedade greco-romana(sociedade essa que cresceu em sua exuberância a partir do trabalho escravo), passando pelo mundo medieval em que a relaçãofoi senhor e servo (formação dos feudos, presentes em muitas empresas hoje em dia) mudando a relação de escravidão para servidão), Cortella apresenta a visão da filosofia grega em relação ao trabalho, na qual a definição de dignidade é a capacidade de dedicar-se ao pensamento e não as obras manuais, a tal ponto que, no mundo escravocrata da filosofia e da ciência gregas não se faziam trabalhos manuais.

Enfim, não é para se jogar fora, mas sem essência alguma. Como tenho asco de livro de auto-ajuda e isso me pareceu muito algo do gênero… preferia não ter lido.

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91- Palomar – Ítalo Calvino

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Já tive milhões de vezes essa mesma sensação: a de estar lendo o melhor livro já escrito. Desta vez, a sensação veio acompanhada da certeza de que Calvino escreveu para mim. Tamanha foi a cumplicade que tivemos.

Será possível encontrarmos um sentido nas coisas, no mundo à nossa volta? E dentro de nós próprios? O Sr Palomar está muito longe de ter alguma certeza quanto a tudo isso.  Ao longo do livro, Palomar vai observando, meditando e tirando conclusões  que, também elas, são alvo de dúvida! Palomar pensa e Calvino escreve; e como escreve… A narrativa é muito mais do que fascinante! A leitura de Palomar implica que entremos num estado de total contemplação. Impressionante….

 Quando nos lembramos de olhar para a lua entre os prédios, ou quando paramos em frente de alguma paisagem muito bonita, um sentimento de alegria vai crescendo dentro de nós e à medida que ela vai nos preenchendo, notamos que vai se confundindo com uma certa inquietação. Uma leve dor onde não deveria existir. Esse é o clima do livro Palomar: um homem telescópio. Ele faz das coisas mais inusitadas objeto de assombro e filosofia. O ar que permeia o livro é delicado por demais. A perspectiva que o autor nos convida a compartilhar requer tanto racionalidade quanto sensibilidade.

São ao todo 27 contos, divididos em 3 grandes temas. Livro rápido, leitura leve e ao mesmo tempo densa que só. Literatura nível divino.

Que bom que li este livro viu. Fico pensando o quanto faltou na vida dos que morreram sem palomar…

Recomendo com urgência a todos os que, como eu, fazem da literatura uma refeição.

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90- Aventuras de uma Negrinha que procurava Deus – George Bernard Shaw

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Para começar o título está errado. Eu colocaria tranquilamente “As aventuras de uma japonesinha que procurava Deus”, entendendo por japonesinha, é claro, euzinha aqui.

Este livro conta as curiosas aventuras de uma negrinha africana (de uma japonesinha suburbana) que, em vez de aceitar passivamente os ensinamentos de uma missionária branca (sua mãe que já havia sido freira) resolve fazer perguntas mega embaraçosas. As perguntas pioraram quando a negrinha (euzinha) ganhou a Bíblia de presente. Ela não só a leu como não entendeu bulhufas de seu propósito para melhorar as pessoas.  Como a missonária (dona Ruth) não soube responder, Elika sai com a Bíblia debaixo do braço procurando Deus. Daí, euzinha negra por dentro, no sentido mais justo desta cor, questiono tudo que é passível de ser interrogado que há nas concepções religiosas. Ninguém nos responde. E como religião e política se misturam não há como não falar também de poder e dinheiro com padres, pastores, macumbeiros e devotos fervorosos.

 O autor teve a ideia de fazer o livro em 1932 em pleno verão africano e inverno inglês e sustenta que toda e qualquer verdade tem inspiração divina, mas como não é burro nem nada que o valha, sabe que o intrumento de que se serve essa força inspiradora é muito rudimentar e acaba por transformar a mensagem em uma ridícula insensatez. Reconhece que é difícil misturar muitas verdades como a de Moisés, Jesus, Santo Agostinho, Newton, Einstein, Marx… nenhum espírito funciona bem com todos eles. E quando colocamos a Bíblia nesse meio a coisa fica muito mais confusa. Conseguimos com ela tocar os céus com a  cabeça, mas ao fazê-lo, afastamos os pés do chão. O discurso de quem a lê e a admite como um Livro Sagrado passa, assim, a funcionar como uma arma. Tanto que ela é útil aos governantes mais corruptos e ambiciosos, funciona como sedativo para o povo e como detector de mentiras nos juramentos que são feitos quando colocamos a nossa mão direita em cima dela.

E o agnosticismo, ajeita a casa? Em que medida a fé nos Principia ou nas equações são diferentes da fé na Bíblia? O livro responde e eu também.

Enfim, uma delícia de aventura de pensamento.

Mega recomendo para quem gosta de uma polêmica e ler um texto muito bem escrito.

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89- Em Busca do Tempo Perdido – No Caminho de Swann – Marcel Proust

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Enfim, depois de muuuuuito tempo, terminado. Não dá nem para acreditar que foi um ser humano que escreveu isso.  A obra é por demais complexa e a leitura não dá mesmo para ser rápida. Não há como não se impressionar com a capacidade de Proust em narrar. Eu nunca vi nada parecido e olha que não leio pouco. Ele é único (como tantos), mas sua imparidade salta aos olhos de quem o percorre. Apnéias de páginas e mais páginas.  O Tempo Perdido tem parágrafos compridos que podem atravessar estações. O tempo é um dos temas que Proust nos força pensar. Para esclarecer bem, não podemos ter nenhuma pressa. O livro nos convida a mudar de ritmo, a prestar atenção em vez de seguir pistas.

 Esta obra é repleta de genialidade em cada parte. Tem uma prosa palpitante de imagens poéticas, que se lê e relê como se saboreia uma iguaria suave ora ácida ora doce ora amarga ora sorvete de amarena que desperta no meu paladar, pelo menos, o maior dos maiores deleites. Proust, ao descrever os amores e ciúmes de Swann, por exemplo, vale-se de metáforas inacreditáveis, criando e recriando analogias entre estes sentimentos e doenças graves e persistentes, praticamente incuráveis, ou com a morte. Estas passagens são brilhantes e foram, por mim, as preferidas, tanto quanto as que narram os momentos passados por Swann em um dos saraus que costuma frequentar nas altas rodas da sociedade.

Há muitos resumos deste livro, mas nenhuma análise do livro substitui a inspeção e a leitura. Óbvio. Como fazer um filme do livro de Saramago. É um desserviço para a arte literária. A leitura é sempre uma viagem sem comparação. E lendo Proust, eu me senti em cima de um tapete mágico sobrevoando os pensamentos dos personagens em plena Belle Époque

Super mega recomendo, mas um alerta: há de se preparar psicologicamente para encarar esse monstro sobrenatural que é Proust. E o preparo é basicamente colocar o pé no freio não das conexões neurais e sim da variedade de pensamentos que tanto nos preenche ultimamente.

Indo agora para o volume 2.

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88- Bartleby, O Escrituário – Herman Melville

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Eu prefiro não dizer nada sobre esse livro.

Já basta o que Jorge Luís Borges falou (“uma das obras mais importantes para a humanidade”) e também Albert Camus, um dos mais importantes nomes da literatura mundial (“este livro é o Homero do oceano Pacífico”).

Só para constar, na verdade, eu prefiro dizer algo: o livro trata de um ser humano que  recusa a banalidade de seu cotidiano e morre. Só isso narrado em pouquíssimas páginas. Está mais para um conto do que para um livro propriamente dito. Engraçado, porém, foi o sucesso (não por acaso) da história e do personagem.

 Quer saber? Vou contar o livro todo. “Bartleby”, O Escrituário fala sobre um velho advogado que trabalha fazendo homens ricos ficarem ainda mais ricos, e contrata para ser um dos seus escriturários (profissão que já não existe mais hoje, acho eu) um homem misterioso e passivo, Bartleby. No início ele trabalha bem copiando documentos, até que seu chefe, o narrador da história, lhe pede para fazer algo simples e  Bartleby responde: “Prefiro não fazer”. Ãhn? E ele não fala isso só uma vez.

O “prefiro não fazer” torna-se sua marca registrada, e o advogado narrador  vai aceitando, por não saber lidar com essa situação inusitada, todos os “Prefiro não fazer” de Bartleby. Até que o demite e ele não aceita e  fica no escritório sem fazer absolutamente nada, além de olhar pela janela. Qualquer opção dada a Bartleby a resposta é “Prefiro não fazer”. O chefe então, por não saber mais como tratar o problema, muda o escritório de endereço. Bartleby fica. Os novos proprietários o colocam pra fora. Daí ele passa a dormir na entrada do prédio, como se fosse um fantasma numa cidade-fantasma. Seu ex-chefe até o convida pra morar com ele, mas Bartleby responde com seu tradicional “Prefiro não fazer”. Finalmente, Bartleby vai preso. Na prisão, ele “prefere não comer”, até morrer de inanição. A história toda é essa, mas ainda assim, a leitura toda é válida porque se fosse só isso, Borges teria ficado calado e eu, como Borges, também.

Acho que o ponto é que todos têm um Bartleby dentro de si nesse mundo em que recebemos ordens até dos amigos, até de nós mesmos. Todos temos um Bartlebly. Em alguns, ele está adormecido, em outros, em estado latente. Em mim, por exemplo, Bartleby vive. No Hideo, domina-o.

Não é à toa que  as últimas palavras do narrador são “Ah Bartleby! Ah humanidade!”.

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87- Casa das Estrelas – Javier Naranjo

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Poeta? Poeta é um ser humano pleno de infância. Se antes eu duvidava disso, hoje eu tenho certeza depois desse livro. Quando crescemos negamos a contemplação, pois sempre há algo mais, digamos, lucrativo para se fazer.

Esse livro é poesia pura. Trata-se de definições dadas por crianças sobre várias palavrinhas como alegria, saudade, dinheiro, livro, amor, filho,… Tendo a total liberdade de expressão e associação e indiferença ao uso comum e “correto” da linguagem, as crianças criam frases, quiçá textos!, cheios de literatura e arte de primeira. 

 Enfim, simplesmente lindo!

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86- O Espírito Zen- Alan Watts

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Pois então. Não quero fazer dessa resenha uma postagem a la Minha Vida é um Blog Aberto, mas está meio impossível não conectar o livro à minha vibe atual. Antes que façam piada, já adianto que a família já fez o suficiente. Era como se me pegassem lendo a Bíblia, não como livro  porque como livro todos daqui sabem que vira e mexe a leio. Mas como guia. O ponto é que estou buscando alguma coisa. Algo que substitua a necessidade de tomar todos os dias um remédio para me desligar do mundo e ter os sonos dos justos.

Via terapia, medicina ocidental e bababá bububú… vou acabar arrumando mais remédios. Preciso arrumar uma forma natural de fazer isso e ando abrindo as portas da minh´alma para tratamentos alternativos. O ponto é que aqui em Madureira tratamento alternativo é banho de pipoca, encontro com os Orixás e batucada animada. Nada contra, mas para mim também não adiantou. Na verdade, pode até ser preconceito, nem tentei. Sei de uma vizinha que sofria de enxaqueca e ficou com um pano branco na cabeça por não sei quantos meses, dormindo com roupas brancas e tomando cachaça. Diz ela que foi tiro e queda. Mas, foquemos em outras alternativas… Se eu for pegar o carro para me deslocar para a zona sul para me acalmar através de massagens ting lings, o tempo perdido na ida e na volta com esse trânsito vai já ter me estressado o suficiente para saber que esse não é o caminho.

Resta-me a macumba. Eu sei.  Mas antes de tentá-la, eu preferi experimentar algo mais silencioso que dá para fazer sem sair de casa. Comecei a pensar na meditação como uma saída. Diriam, vocês que me conhecem, que eu jamais conseguiria parar. Simplesmente parar. Meditar. Pois bem, foi o que sempre acreditei e por isso jamais nem tentei. Mas uma pessoa acreditou que eu pudesse e aí que tudo mudou. Esse livro veio parar em minhas mãos e o primeiro passo foi dado.

Vamos ao livro. Vejam que interessante: Escrito em 1936, primeiramente o autor aborda as origens do Zen, que segundo ele é:

Uma especial transmissão da iluminação fora das escri­turas,
não depende de palavras ou letras;
aponta diretamente para a alma do homem,
observando a natureza de cada um.

Watts é um brilhante e esclarecedor escritor sobre o zen-budismo, doutrina filosófica que floresceu na China e no Japão a partir do século VI. Autor de aclamados best-sellers sobre o pensamento oriental, diz o gúgol, que Watts foi um dos grandes responsáveis pela interpretação e divulgação das filosofias orientais no Ocidente no século XX.

Nesta obra, Watts abordou as origens do Zen, que é apresentado como uma arte do desapego, de obter êxito e de bem viver. Maneiraço. Desapego. Maneiraço. Segundo o autor, o Zen consiste na procura da iluminação através do autoconhecimento e não depende de palavras ou letras, por isso dispensa teorias e escrituras sagradas. Watts explica, quer dizer, tenta:

“Nunca devemos cometer o engano de confundir ensinamentos com sabedoria, pois essencialmente o Zen é aquele ‘algo’ que faz a diferença entre um Buda e um homem comum – a iluminação, completamente distinta da doutrina”.

Watts teceu relações também com o Tao (o caminho,ou algo que o valha, em chinês) e o Tathata (o real, em sânscrito) e fala das religiões ocidentais apontando diferenças que achei por demais interessantes. Ele com certeza escreveu esse livro para mim, pessoa em busca de transcendência ou que anda fugindo da macumba. O espírito do Zen se apóia na experiência de iluminação e tenta conduzir a ela. Belezura.
Quando chegou a parte dos koans (Koans são tipo uma afirmação no budismo zen que contém aspectos que são inacessíveis à razão), eu me senti um samurai, sei lá, sem arroz. Para que entendamos ou cresçamos nessa filosofia é necessário responder ou ao menos entender alguns koans. Um koan famoso é: “Batendo as duas mãos uma na outra, temos um som; qual é o som de uma mão somente?”  Viajei na maionese legal, mas me animei com a parada mesmo sem entender patavinas dado outras passagens como essa:

“O homem olha para o mundo exterior para buscar sua salvação; imagina que poderá encontrar felicidade ao possuir algumas de suas formas. Mas não poderá encontrar felicidade nessas formas se não a puder encontrar em sua própria mente, pois é a sua mente que faz as formas…”

Bom, se esse orientais vivem sem medicamentos e fazem da dor um leão domado, eu hei de conseguir encontrar a minha saída e a minha independência desses comprimidos. Hei de encontrar o meu equilíbrio. Ou melhor!, hei de aceitar o meu desequilíbrio e querer que o equilíbrio se exploda.

Se alguém acha que eu consigo, isso pra mim bastou.

Livro lido e devidamente assimilado.

Vamos ao segundo passo.

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85- Todos de Anthony Buckeridge

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Olha, nunca li nada tão engraçado. Gostei tanto que  li todos dessa série Johnny que não se esgota nessa foto que peguei na web. São livros pequenininhos que encontramos hoje em sebos por menos de 5 reais. A história sempre se dá em um  colégio interno tendo Johnny como personagem principal que sempre está acompanhado de  Edison, um menino tímido mas que acaba se metendo em várias enrascadas junto com Johnny, seu melhor amigo.

Anthony Buckeridge é uma grande referência dos livros de colégio interno. A série foi originariamente um programa de rádio, posteriormente seriado da Tv britânica. Nunca passou no Brasil, mas a série está toda traduzida para o português. O autor se retrata como sendo o agradável e perspicaz Sr. Adams, enquanto caricaturiza tanto o diretor Penberton quanto o outro professor Sr. Dickinson. Grande parte dos elementos do colégio Linbury, onde Johnny é interno, podem ser encontrados numa escala caricatural, em Hogwarts, colégio de Harry Potter.

Divertidíssimos! Morri de rir com todos eles e, eu que não sou boba nem nada, aprendi um bocado já que um dia escreverei para crianças.

Mega recomendo para qualquer idade.

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84- Claraboia – José Saramago

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Fantásticofantásticofantásticofantástico!!!!! Mil vezes fantástico! Comecemos com uma grande curiosidade sobre o livro: ele foi escrito por volta de 1950 e entregue a uma editora em Lisboa. O livro ficou esquecido no fundo de uma gaveta e somente em 1980 quando Saramago já era Saramago, prêmio Nobel e tudo mais, a editora entrou em contato interessada em publicar. A mágoa pela falta de resposta levou-o a declarar que não desejaria ver o romance editado em vida, deixando para seus herdeiros a decisão sobre o que fazer com o livro.

Grazadeus os herdeiros resolveram publicá-lo. O romance é impecável. Perfeito. Construído com diálogos mega precisos e um perfeito domínio do espaço. impressionante. “Clarabóia” prendeu-me desde o início. É um fresco repleto de personagens, que vivem todas no mesmo prédio, é a história dessas personagens e do seu dia-a-dia: Silvestre, um sapateiro que tem muita experiência de vida, que através da sua janela, enquanto trabalha, vê passar a vida mas reflete também sobre ela. Casado com Mariana, recebe como hóspede Abel, personagem que tem tanto de misterioso como de interessante. Silvestre e Abel passam muito tempo juntos e entre ambos nasce uma forte amizade, partilhada pelas suas experiências de vida. Diz Silvestre a Abel, numa das suas conversas ”Aprendi a ver mais longe que a sola destes sapatos, aprendi que, por detrás desta vida desgraçada que os homens levam, há um grande ideal, uma grande esperança. Aprendi que a vida de cada um de nós deve ser orientada por essa esperança e por esse ideal. E que se há gente que não sente assim, é porque morreu antes de nascer”

Noutro apartamento vivem duas irmãs, Adriana e Isaura, com a mãe e a tia. A primeira tem um diário, a segunda adora ler. Todas passam as noites a ouvir a telefonia. Até que um acontecimento inesperado muda esta rotina…

Lídia, por sua vez, vive à custa de um homem, não é feliz, vai vivendo e sustenta a mãe.
Caetano e Justina vão vivendo também, após a morte da filha, o dia-a-dia que lhes vai chegando, devagar e monótono. Algo surreal acontece e vi aqui a cena de sexo mais bem narrada na literatura tocada pelos meus olhos.
Emílio e Carmem têm um filho, Henrique, mas a rotina e o passar do tempo enfraqueceu o seu amor e assistimos às suas constantes discussões. Saramago nos faz entrar na cabeça deles de forma que não acreditamos no que estamos testemunhando.
Por fim, temos a família de Anselmo (o protótipo do trabalhador, viciado em resultados dos jogos de futebol), a mulher, Rosália, um pouco coscuvilheira e com a mania das aparências e a filha de ambos, Maria Cláudia, que ainda não sabe bem o que quer da vida devido à sua inexperiência. E um jogo de amor e interesses narrado de forma espetacular.
Nós, leitores, temos a sensação que entramos em casa de cada uma destas personagens como se fosse um filme ou então o nosso próprio prédio: é muito interessante ver a vida de cada um, as ilusões, as aparências, os segredos, as mágoas e as lições de vida. E o melhor, vemos que Saramago não se aperfeiçoou com o tempo, ele nasceu pronto. Saramago nasceu ara escrever.Adorei adorei adorei! Mega indico para todos.

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83- O Mistério do Coelho Pensante – Clarice Lispector

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Clarice Lispector dispensa apresentações. Mas, ainda assim, vocês sabiam que ela escreveu cinco “livros infantis”? Pois bem, ” O Mistério do Coelho Pensante” é um deles e como os outros da autora diferentes de todo o resto dos livros infantis do mundo, pois, Clarice lispectora somente como Clarice.

Se juntarmos o texto com as interessantíssimas ilustrações feitas por Mariana Massarani teremos, ao final, um leitor pensante. Em um determinado momento, ela diz “para as crianças”:

“Desconfio que você não sabe bem o que quer dizer natureza de coelho”…

, e mais lá na frente conclui:

“Natureza de coelho é o modo como ele adivinha as coisas que fazem bem a ele, sem ninguém ter ensinado.”

Excelente, Clarice! O fato é que coelho fugia…

“Enquanto isso, as crianças, que não têm natureza boba, foram notando que o coelho branco só fugia quando não havia comida na casinhola. De modo que nunca mais se esqueceram de encher o prato dele.”

Mas ainda assim, o coelho fugia…

” Você compreende, criança não precisa fugir porque não vive entre grades”

E…

” Só há duas formas de descobrir que a Terra é redonda: ou estudando em livros, ou sendo feliz. Coelho feliz sabe um bocado de coisas.”

Nesta parte, chorei aos baldes porque lembrei do meu hamster que fugiu e nunca mais voltou. Sonho com ele sempre voltando com fome. Acordo angustiada…. Agora, entendi tudo.

Obrigada, Clarice, por me fazer entender esse mistério: por que e como o meu hamster fugiu se eu dava tudo para ele e inclusive trancava bem a gaiola para que nada de ruim acontecesse…

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82- País  das Neves – Yasunari Kawabata

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POW! Choque de culturas e gerações!

Este é o primeiro livro que faço a resenha sem ainda ter terminado a leitura. Estou no meio e fiquei inquieta. Primeiramente, Kawabata é um dos autores japoneses mais conhecidos. Ganhou o prêmio Nobel e tudo o que tem direiro. “País das Neves” é um dos seus livros mais conhecidos. Escrito em 1935, o livro trata da história de um senhor de Tóquio, Shimamura, casado, com filhos, desempregado, mas com dinheiro e que, em três ocasiões, passa as férias de inverno no ‘país das neves’. O relato começa com a segunda estadia, a primeira é contada como lembranças. Hospedado num hotel, Shimamura encomenda os serviços de Komako, uma gueixa local, que acaba se apaixonando por ele. No ano seguinte, Shimamura volta e é recebido apaixonadamente pela gueixa. O amor dela não é retribuído e os dois sabem que o caso não tem futuro.

E foi até aqui que eu li. O livro é pequeno e vou acabá-lo hoje com vontade de queimá-lo depois.

Kawabata, pelo que falam dele pelo mundo, é um poeta praticamente. Mas o meu etnocentrismo não está permitindo ver beleza em quase nada. As mulheres são vistas como objetos, as gueixas são eufemismo para putas de executivo, os elogios que fazem a elas tem adjetivos como “limpinha”, “caladinha”, “obediente”…   argh! Dá nojo! Tudo isso dentro de uma paisagem mega gelada cheia de neve para tudo quanto é lado e  muito japonês tarado.

Enfim, Mozart tocando piano no meio do holocausto. Lindo, mas uma merda.

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81- Uma História a Três – Jennifer Egan

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Esse é o terceiro livro de Jennifer Egan que leio. Publicado em 1995, na ordem do tempo, foi o primeiro dos três que ela escreveu.

“A Visita Cruel dodo Tempo” ganhou prêmios merecidíssimos e na minha resenha aqui sobre ele disse que foi um dos melhores livros já lidos por mim. De fato, Egan, na “Visita Cruel do Tempo”, em pleno século XXI inova em teremos de narrativa. Escreve com excelência. O segundo livro que li da autora já não foi um ó, meodeos, que coisa boa. O terceiro “Uma história a Três”, cuja capa é um desserviço, nem de longe me encantou.

Egan se preocupa demais com os detalhes e entrega demais os personagens juntamente com o cenário. Disseca para os leitores como está o céu, o chão, as paredes quando nada disso importa para a história. Fiquei entediada, mas ainda assim fui até o final porque a história não deixa de ser interessante e sim, me fez pensar um bocado.

Bom, “Uma História a Três” não me transformou. Entrei e saí a mesma pessoa. Talvez por ter ido com muita expectativa.

Expectativa antes. Decepção depois. Essa sempre é a ordem para mim… O jornal The New Yorker descreveu este livro usando as seguintes palavras: “Uma viagem que conduz o leitor por um terreno emocional extremamente belo”. O livro virou filme… então, crie, como meu afilhado, cordonas, mas jamais expectativas. Esqueci-me disso e talvez tenha estragado tudo.

A sinopse: O livro conta a história de Phoebe O’Connor, uma jovem de 18 anos que mora em São Francisco com a mãe viúva. Apesar de ter apenas nascido e não vivido nos anos 60, Phoebe é intensamente influenciada pelos “sixties”, além de obcecada pela figura carismática da irmã mais velha, Faith – uma hippie que morreu no auge da juventude, na Europa, em 1970. Decidida a investigar o que aconteceu com a irmã durante sua temporada no Velho Continente, Phoebe atravessa o Atlântico e refaz todos os passos de Faith até encontrar o local exato onde a irmã teria se atirado no mar. No caminho, Phoebe vai descobrindo muito coisa sobre Faith, inclusive que ela tinha se envolvido com um grupo terrorista de esquerda e que a história que o ex-namorado – com quem ela tinha viajado – havia contado, não primava pela verdade. Muito mais do que a verdade sobre a trajetória de morte de Faith, Phoebe conhece também o que há por trás dos desejos e anseios de uma geração que tentou perseguir seus sonhos de liberdade, mas só conseguiu adiá-los.

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80- 50 Contos de Machado de Assis – Organizador: John Gledson

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Bati o olho neste livro e o peguei. Primeiro porque é Machado, depois porque são contos, depois porque são 50!, depois porque está escrito na nova ortografia e num formato bem mais confortável de ler do que os livros antigos. Quando acabei de ler esse livro, a impressão que tive é que ao escrever o meu romance estaria cometendo um desserviço para a humanidade. Leiam Machado de Assis e é o que basta para a vida. Claro, exagero. Mas é, de fato, o que penso.

Primeiramente, gostaria de falar do organizador. Esse ilustre desconhecido (para mim) é um especialista na Universidade de Liverpool sobre escritores brasileiros. Traduziu diversos livros de nossos escritores para o inglês. Thanks, Gledson!

Agora, vamos ao livro:

Todos os contos foram escritos depois que Machado de Assis havia passado dos 40 anos, ou seja, em 1880. Os contos nos levam a uma viagem no tempo e ao Rio Antigo. Ele faz um retrato da sociedade brasileira na época. Extremamente interessante… O que me impressionou de quase me fazer levantar da rede e bater palmas foi a sutileza da ironia em cada conto. Dada à época, se ele não houvesse encontrado modos dos mais variados – tipo sarcástico, irônico, debochado, mas sempre sutis – de se expressar a respeito de coisas sobre as quais não devia falar, ou às quais só podia se referir de soslaio, tais histórias jamais teriam existido. Vibrei vendo Machado falar de coisas espinhosas, demasiado embaraçosas e dito com maestria.

Curiosamente, os fatos se repetem nos dias de hoje como maridos matando esposas por ciúmes como no caso do perfeito conto ” A Cartomante”, ou o encantamento de um adolescente por uma senhora como “Uns Braços” e, a despeito de extinta, a escravidão, que na atualidade se traduz como a subserviência.

A escravidão. Um tópico à parte.  Esse era um assunto-tabu, mas que permaneceu como pano de fundo de quase todos os contos emergindo em outros como ” O Pai contra mãe” e “O caso da vara”, ambas nada contidas em termos de violência, da injustiça e da força destruidora da instituição que evidenciam. Contudo, agora vejam, só foram publicadas após a Abolição. Machado tem um sarcasmo doloroso em muitas frases e para exemplificá-lo cito uma frase ” Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada.”

O livro é simplesmente de capa à capa genial. Machado está para a literatura mundial assim como Mozart para a música clássica e Chico Buarque para a popular brasileira, Picasso para a pintura e por aí vai. Mas o maneiro é saber que não há nada melhor na arte da escrita e você tem todo acesso a cada vírgula dessa genialidade porque se trata de uma autor brasileiríssimo.

Enfim, leiam Machado de Assis e nada mais.

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79- Que Presente te dar? – Affonso Romano de Sant´Anna

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Desde que era criança e ele, Affonso, cronista do jornal O Globo, lembro-me de recortar suas crônicas e guardá-las em uma caixa de sapato, era uma das minhas coleções. Na época, nem sabia que me tornaria leitora compulsiva e aprendiz de escritora. No Natal do ano que passou, ganhei do meu amor essa preciosidade e ele nem sabia da minha coleção. Bom, este livro foi devidamente devorado em uma tarde na rede. Degustado para toda a vida.

Eu considero Affonso Romano de Sant´Anna um dos mais atuantes intelectuais brasileiros. Neste livro, Sant’Anna brinda os leitores com 44 crônicas eivadas de poesia… é muita beleza do início ao fim. A obra é uma compilação de crônicas do autor publicadas em jornais brasileiros nas décadas de 1980 e 90.Emociona seja decantando a mulher  seja constatando a necessidade do amor. Ou sugerindo como receita para mal-de-amor a leitura de poesias de Camões, Drummond, Shakespeare, Vinícius e Neruda.

Deixo aqui, a crônica que me fez parar no tempo. Todas são lindíssimas, mas essa é algo além da perfeição:

Arte e fuga da espera

                 O que espera a pessoa que espera?

Olho aquela ali na praia, na esquina, no aeroporto, no bar, irrequieta. Espera o quê? Seu pescoço volta e meia faz meia-volta, como um farol que não ilumina nada. Tão somente circularmente espera. Viciosa e ansiosamente espera.

Uma pessoa que espera não aguarda apenas que o outro chegue. Fantasia que com o outro e a sua forma, com o outro e a sua voz, chegará o que ela desde sempre espera. Espera assim e espera perdidamente.

Quem espera, mas está seguro de que o outro vem, na verdade, não espera. Vive plenamente seu tempo, fluindo como o rio, aguarda confluência com outro, certo de que hão de se misturar as águas, peixes, terras e emoções no mesmo orgasmo do mar.

A verdadeira espera é diferente. A pessoa que espera mais que as outras, está exposta na vitrina de seus gestos. Está voltada para fora, perdeu seu centro, precisa de uma visão que a complemente, está sofridamente frágil, está sem pele com a carne viva ao vento.

O tempo não passa, ou pior, transpassa por dentro, rasgando em aviltamentos.

A pessoa que espera está coagulada no instante.

O que espera é estátua. Pulsante.

Esperar é tarefa pesada demais para os mortais.

Os deuses, sim, têm tempo para desperdiçar. Quem se faz esperar, brinca de Deus. Demoniacamente.

E na espera, há um momento em que acontece algo surpreendente. Algo se erige no vazio. De tanto querer ver e encontrar, de tanto querer ouvir e tocar começa-se a vislumbrar o outro nos corpos alheios. De repente, começa-se a alucinar. Uma nuca, certo modo de prender ou soltar os cabelos é presença do ausente. O que espera, desesperadamente tira de dentro de si mesmo o outro faltante como um ectoplasma. Há qualquer coisa de espelho, de espelho vazio, vazio nesta espera angustiante.

O esperador contumaz sabe seu ritual. Já abatido, exaurido, primeiro segrega algumas desculpas pelo outro. Certamente aconteceu algo imprevisto, atrasou-se um pouco, é natural. E vai se dando tempo, inventando razões, criando etapas, prazos novos, falsos limites – espera só mais um pouco, não é possível, ele vai ver quando chegar. Súbito passa a agredir o outro imaginariamente, se eriça todo, começa a depreciá-lo, mas é a si mesmo que agride e para dentro que sangra. E se o outro chegasse, pobre do que espera! Num átimo se recomporia todo e iria lamber seus pés.

Quem já ficou plantado numa calçada ou se postou noites inteiras diante de uma porta ou janela, ficou uma eternidade roendo as unhas na mesa de bar ou com as asas murchas na pista de um aeroporto, sabe do que falo.

Há pessoas que esperarão a vida inteira. Há pessoas que farão os outros esperarem a vida inteira. Na verdade, existe um secreto pacto entre o que se faz esperar e o que espera, como há entre o rejeitador e o rejeitado, entre o sádico e o masoquista. É um jogo de cão e gato. E quando o rejeitador fareja no ar a sua vítima, começa o ritual. O esperador vocacional, por sua vez, cai direitinho na armadilha. Conhece as etapas do jogo e, mal encontra o outro, vai logo tomando o caminho das esquinas, se postando diante das portas e janelas, rondando os bares e aeroportos. O rejeitado olha mais que qualquer outro para o telefone. Não apenas olha, ouve sua chamada nenhuma.

Quem espera é um fio tenso, que a qualquer hora vai se partir. Entre o seu corpo e o mundo, há um vácuo triste e denso. Há qualquer coisa do condenado com a cabeça exposta no patíbulo, cuja guilhotina, no entanto, não vem.

E se nos aproximarmos do lugar onde por uma eternidade esteve aquele que esperou, veremos não apenas marcas sobre o chão, papéis e tocos de cigarro. Ali estão outros destroços. Pedaços, fragmentos de um corpo, restos de sentimentos deixados por aquele que inutilmente esperou. Ali perdeu-se algo. Ali a vida de alguém coagulou.

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Como não indicá-lo?

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78- O Instinto Matemático – Keith Devlin

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Ganhei esse livro de meu irmão há tempos e reli nesta semana que passou.  O tema é extremamente interessante. Os cachorros conseguem resolver problemas matemáticos? Incrivelmente os cães e outros bichos chegam a resultados corretos de problemas considerados mega complexos que envolvem conceito de derivada e integral inclusive!

Neste livro aprendemos como aprimorar nosso conhecimento matemático inato. Há maneiras e estratégias que podem ser empregadas por pessoas comuns para melhorar habilidades matemáticas. Devlin afirma que há dois tipos de matemática: a natural e a simbólica. A simbólica é exclusiva dos homens e tem pelo menos 3000 anos. A natural tem milhões de anos e é usada por lagostas, pássaros, gatos, cães e crianças analfabetas. Aprendemos muito com a simplicidade dos animais.

Para finalizar, deixo aqui parte da dedicatória que recebi:

“Os homens conseguem seus diplomas e perdem os seus instintos”, frase de Francis Picabia. Interessante. Mega interessante…

Para quem gosta de bichos e matemática, um prato cheio. Para quem gosta de bichos e odeia matemática, um prato necessário.

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77- Mário de Andrade – Seus Contos Preferidos – organizador: Luiz Ruffato

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Ando na fase ‘contos’. Entrei na livraria e li de longe e rápido “Mário de Andrade”, bababá, “contos”, bububú, “seus” e sublimei o resto. Caraca! Um livro de contos de Mário de Andrade! Nunca vi! Peguei e paguei junto com mais uns outros dez (de contos) que já estava em mãos que ainda, é claro, nem abri. Pois muito bem, qdo vi que era uma seleção de contos feito por Mário de Andrade fiquei com cara de paisagem. E eu lá queria ler contos de gente que nem conheço? Fala sério! Depois fui ler o prefácio e Ruffato me explicou o que era o livro. Mário havia feito, em 1938, uma seleção de seus 24 contos preferidos pra uma revista acadêmica que segue como um apêndice do livro. O legal foi ver esse apêndice. O entrevistador pede para muuuitos autores consagrados listarem 10 contos que mais os influenciaram. Daí que tem Vinícius de Moraes, Rubem Braga,  Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Manuel Bandeira… todos eles sendo escolhidos e escolhendo os seus contos preferidos! Já pensou? Mega maneiraço…. Só Mário de Andrade que não se limitou ao número e citou 24. Ruffato, quem correu atrás desses contos, os organizou e quem fez o livro que acabo de ler, disse que lendo os contos de Mário de Andrade, passamos a entendê-lo melhor, a saber quem o inspirou. Eu não estava lá afim de entrar nessa vibe não, mas, vá lá, vamos ver o que Mário escolheu.

Qual o quê. O Alienista de Machado de Assis eu já havia lido na escola, mas resolvi ler de novo já que estava entre os selecionados. Cheguei a conclusão de que eu não havia lido conto nenhum de Machado de Assis, captei a essência do conto, mas ler, ler de verdade eu li foi agora. Li outros contos que me modificaram como escritora e passei também a me inspirar por quem influenciou Mário de Andrade. Agora vejam, só falta eu passar a escrever como ele. =)

Mas do que eu gostei, gostei mesmo de ler e que me deu a mó vontade do mundo em escrever um romance foi um tal de Menotti del Picchia que jamais havia ouvido falar nele. Mário escolheu “A Mulher que Pecou” e eu passo a considerá-lo um dos 5 melhores contos que já li. Chorei, ri, me assustei, torci e qdo acabou fiquei digerindo cada passagem olhando para o livro atenta sem, contudo, ver mais nada fora de mim.

Bom, mega indico esse livro para quem curte belas histórias vapt-vupt. Se eu um dia escrever um romance (o que eu quero muito a partir de agora) foi graças a essa seleção feita por Mário de Andrade.

Simplesmente inspirador.

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76- os Últimos Quartetos de Beethoven – Luís Fernando Veríssimo

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Veríssimo é famoso pelas suas crônicas bem humoradas e curtas. Por isso acho que ele é um dos mais lidos escritores brasileiros. E eu pensei que esse livro seria mais do mesmo Veríssimo (que considero ótimo). Qual o quê! Neste livro estão reunidos 10 contos do escritor, alguns bem curtinhos (como estamos acostumados), e outros mais longos, muuuuuuuuuuito longos. Achei beeeeem interessante, pois, não conhecia esse lado dele. Mas, cá para nós, apesar de ter me divertido a vera, acho que Veríssimo não é homem de dar uma longa e sim várias rapidinhas. Esse é o forte dele. A longa dele não me agradou.

Mas vamos lá: “Os últimos quartetos de Beethoven e outros contos” é o primeiro livro só de contos dele e por isso acho que valeu muito a viagem. Veríssimo foi do drama à comédia, com incursões aqui e ali na tragicomédia. Como no caso do homem que, durante um enfarte, tenta se lembrar de onde botou o remédio e o que vêm à mente são as ruas de Copacabana, o Gordo e o Magro, as capitanias hereditárias, a linha média do Flamengo tricampeão dos anos 1940 e Gisela. Ah, a Gisela! Aqui ficamos conhecendo a “Dolores Fuertes de Barriga” (uma espanhola misteriosa e sensual), o caso do João que quer se promovido, um ex-preso político atormentado por uma mancha no carpete,  Cremilda que parece uma mulher que caiu do céu, as loucuras de Lívia (uma violoncelista que exerce um estranho domínio sobre cinco amigos) (e será que nossa vida é melhor que a dela?),  um expert em vinho que nunca experimentou um gole. Personagens para lá de interessantééééésimos.  Amor, sexo, relacionamentos, obsessões, violência, morte, tem de tudo!: de histórias ligeiras, como a do passageiro com fobia por avião, a mais densas, como a do ex-militante assombrado por lembranças do passado (esse conto eu achei arrastado por demais).

Bom. Veríssimo? Por que não lê-lo? E se não lê-lo… como sabê-lo?

Mega recomendo.

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75- O Homem que Fazia Chover – Carlos Drummond de Andrade

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Drummond dispensa apresentações. Já li um punhado de coisas dele e acabo de ler essa preciosidade. Vi aqui um prosador lírico e imaginativo. Nosso saudoso escritor escreveu aqui crônicas e contos, este gênero tão brasileiro, em que a voz do contista e do fabulador fala mais alto que a do mero observador da realidade e dos acontecimentos. Pois Drummond é mestre nessa arte e em um livro tão pequeninucho, as poucas crônicas e contos que temos nele mostram claramente isso.

Esta seleção revela o lado ficcionista do escritor mineiro, um prosador dotado das mais altas qualidades – como o texto fluente, a caracterização precisa dos personagens, a linguagem a um só tempo clássica e moderna -, em histórias, fábulas e anedotas cheias de graça e humanidade. Um elenco de causos inesquecíveis, em que fantasia e realidade se misturam, resultando numa leitura leve, instrutiva e deliciosa.

Aprendi um bocado com Drummond no “O Homem que fazia chover”. Diversão e emoção garantida.

Mega recomendo.

Ah sim! E que capa maneira, não?

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74- O Homem no Estojo de Thekhov

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Até ontem, um ilustre desconhecido. Hoje, um dos escritores que mais respeito. Lá na Rússia, ele é considerado um dos mais famosos novelistas e dramaturgos. A despeito de ter falecido no início do século XX, a linguagem que ele usa é simples. O raciocínio é rebuscado, as ideias geniais, mas a linguagem… simplesmente simples, sem deixar de conter também um conteúdo lírico dos mais densos. Aprendi muito lendo Tchekhov.

Este livro é uma seleção de contos. Gostei pq a gente acaba viajando não só para a Rússia como também para uma outra época e acabamos por perceber que o ser humano pouco muda ou nada evolui seja no tempo ou no local em que nasce e vive. Tchekhov pintou a Rússia rural e as pequenezas da condição humana. Os contos reunidos neste livro são atmosféricos, cheios de um sentimento de sabedoria e compaixão; a caracterização psicológica dos personagens e das situações têm mais peso do que eventuais reviravoltas de enredo.Adorei isso… Com humor, perspicácia, honestidade e, sobretudo, atenção às pessoas, a arte de Tchekhov demonstra um certo poder transcendente de sensibilizar e de, partindo de detalhes cotidianos, questionar e iluminar a vida humana.

Adorei!

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73-  Américo, Este Mundo e o Outro – Milton Pedrosa

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Duvido que alguém aqui já tenha lido este livro. Eu tenho a edição de 1962 e nunca sequer tinha ouvido falar em Milton Pedrosa. Como eu o desconhecia, e tudo no momento-ego que vivo gira em torno do meu umbigo, tendo a achar que o que eu nunca li jamais foi lido por ninguém. Sempre me surpreendo com a dimensão da minha ignorança, mas isso pouco importa.

Daí que o mundo gira, a lusitana roda e o livro cumpre o seu papel. O legado de um livro é a eternidade…

Como ele veio para em minhas mãos é outra história, mas ele estava na fila dos para-serem-lidos há algum tempo na minha cabeceira. Livro velho, português com a ortografia da época em que os índios andavam pelados pelo Brasil, espaço entre as linhas de meio milímetro.  Relutei um pouco. Fui dar a chance e virei a capa.

Antes de começar, uma página com uma só frase: Juro que tudo foi assim…

Primeiro capítulo: “Essas coisas a gente só deve contar quando tem testemunha…”

Daí pra frente, só deleite com tantas histórias narradas em primeira pessoa, o próprio Milton, sobre o Américo, um motorista de táxi que tem o seu caminho fazendo várias intersecções com o caminho do autor. Pode tudo ser uma história inventada, e tendo eu a acreditar nisso, mas ainda assim a narrativa é extremamente divertida! O Américo, se existiu, deve estar morto. Mas agora, depois desse livro, ele ressuscitou em meu cérebro e daqui pra frente vai estar comigo por um bom tempo.

As histórias são hilárias, mas o que me comoveu foi ter me sentido cúmplice do autor que sabe deus o que aprontou mais em vida se é que não está vivo. Abrir um livro é ouvir o que o escritor tem para dizer, e ele diz muito quando estamos dispostos a ouvir! Milton Pedrosa  conversou comigo durante toda essa semana, todas as noites antes d´eu dormir e vai agora para a minha biblioteca na prateleira dos entretenimentos garantidos esperando as mãos da Nara ou de algum amigo abraçá-lo.

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72-  A Hora dos Ruminantes – José J. Veiga

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J. J. Veiga está, sem dúvida, entre os meus escritores favoritos. Quiçá entre os cinco! Esse livro é pequeninim, rapidim, delicioso de ler e, cá pra nós, quanta coisa ele nos deixa para refletir…

A narrativa trata principalmente da passividade com que uma população inteira se deixa tomar por uma invasão absurda de seu território, sem ter espaço, ânimo ou forças para organizar uma reação. O caráter alegórico dessa narrativa, longe de esgotar qualquer eixo interpretativo, é aberto e se dispõe ao leitor em múltiplas possibilidades de significação. Vendo aqui na internet, descobri que o livro rendeu teses, dissertações, artigos e tudo o mais. As metáforas, pelo visto, dão o que falar mesmo… Não pretendo explorar cada passagem, pois, perderia a magia da leitura. Mas, ainda assim, uma coisa que achei bem interessante foi que apenas as crianças tiveram coragem de manter suas ideias e rejeitar os costumes novos, que se diziam trazidos pelos invasores. Também é uma simples criança que se atreve a dizer aos recém-chegados que eles estavam agindo errado, enquanto todos os adultos não hesitavam em sair correndo e fazer tudo o que os acampados diziam, só para não chateá-los.

Enfim… gostei muito da leitura e recomendo a quem quer ler algo diferente e rapidinho. Parei nessa frase. Contextualizada fica bem mais legal, mas é tão bacaninha que se tirarmos do lugar ela se molda a alguma realidade:
“A fala de cada um devia ser dada em metros quando ele nasce. Assim quem falasse à toa ia desperdiçando metragem, um belo dia abria a boca e só saía vento”.
Bom, eu simplesmente amei esse livro, como a todos os outros de J.J. Veiga.

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71-  Cinefilô – Ollivier Pourriol

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Achei esse livro divertidíssimo! Ollivier Pourriol é professor de filosofia, romancista e doido de pedra. Acreditando piamente que a sala escura do cinema permite a rara fusão entre imaginação e racionalidade, o francês Pourriol teve uma ideia inusitada: ensinar filosofia através de enredos de filmes cultuados no mundo inteiro!

Que tal aprender com Brad Pitt, Tom Cruise, Bruce Willis e Christopher Lambert? ‘O Clube da Luta’, por exemplo, levou Pourriol a um debate sobre a liberdade; ‘Colateral’ foi para ele pretexto para salientar noções de método; ‘O sexto sentido’ remeteu-lhe às fronteiras entre consciência e percepção. Assim, por meio de personagens da cultura pop, com seus dilemas contemporâneos, questões tradicionalmente consideradas difíceis chegam até nós de forma compreensível, envolvente e sem banalizações.

As teorias de muitos pensadores, aparentemente complexas, se tornam bem mais claras depois dessa séria brincadeira. O sucesso foi tão grande que já saiu o segundo livro: “Filosofando no Cinema”. Super vou ler também!

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70-  O Amor Acaba – Paulo Mendes Campos

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Paulo Mendes Campos era para mim quase que um ilustre desconhecido. Como era feliz sem ele? Mestre em prosa poética. Esta expressão tão desgastada pode voltar com vestido de festa nas páginas deste livro. Épico em seu lirismo. Achei simplesmente maravilhoso. Crônicas poéticas, poesias cronicadas, prosas líricas…

Esse livro, a despeito de ser um ensaio sobre a efemeridade do cotidiano, é para sempre.

Super recomendo a leitura.

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69-  Por que o Mundo Existe – Jim Holt

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Esse livro teve um sabor especial para mim. Foi um ‘presente’. Não de aniversário, de Natal, de agradecimento. Nada disso!  Um presente tal como entendo e acho que deva ser sempre um ‘presente’:  uma comunicação simbólica na qual estão expressos nossos sentimentos mais pessoais. O valor não está ligado a um número que vem precedido de um cifrão esim ao fato de que, de alguma forma, quem nos oferece se lembrou de nós, ou seja, a gente esteve ‘presente’ na memória de quem nos oferece um regalo. Então, vindo de quem veio, se esse livro fosse um giló, ainda assim seria beeem doce.

Mas chega de mimimi. Vamos agora ao “Por que o Mundo Existe?”.

Há quem ache que essa pergunta não tem resposta. O que é altamente compreensível  mas, ainda assim, o ensaísta, crítico de filosofia, matemática e ciência Jim Holt, colaborador da revista New Yorker e do jornal The New York Times, dedicou um livro inteiro à busca dessa resposta! Ele responde? Não vou contar o final, mas posso dizer que ele me levou a mares nunca dantes navegados por essa mente já tão inquieta e aventureira.

Por que o universo seu deu ao trabalho de existir? Por que há algo ao invés de nada? William James chamou esta de “a questão mais negra de toda filosofia”. Para Wittgenstein, a existência do mundo era razão para maravilhamento. “Não é como as coisas estão no mundo que é místico”, disse ele, “mas que elas existam”. Holt divide esse sentido de maravilhamento, e procura saber o quão longe a mente humana poderia ir penetrando no mistério da existência! Uma viagem e tanto…

Os religiosos não perdem muito tempo sobre essa questão. Deus responde a isso e ponto final. Quem criou Deus? Deus sempre existiu e o assunto está encerrado. Mas se quisermos insistir na pergunta e outras parecidas (Por que existe algo e não apenas o nada? Por que há um universo do qual fazemos parte?), Jim Holt mostrou que as respostas dão até um livro dado o tamanho do debate! Em busca de entender essa discussão de vários ângulos diferentes, ele iniciou uma investigação sobre o mistério da existência, questão que há séculos fascina e atormenta os pensadores! Holt procurou grandes nomes de diferentes áreas de conhecimento, como o escritor John Updike, o filósofo Adolf Grünbaum e o físico david Deuscht. Em seu itinerário, incluiu algumas paradas reflexivas como a no famoso Café de Flore que um dia eu hei de ir lá para refletir também… este café foi um reduto dos existencialistas em Paris, frequentado por Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir.

Esta obra, por incrível que pareça, é bem-humorada e mescla debates filosóficos, físicos e teológicos com diário de viagem e memórias deliciosas, para serem degustadas devagar. O texto saboroso redefine o debate entre racionalistas e religiosos sobre a origem do cosmos. E de nós mesmos.

Super adorei o texto. Mas, como já disse, adorei mais ainda a forma como o livro chegou em minhas mãos.

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68-  Coleção Melhores Crônicas – Ignácio Loyola de Brandão

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Eu achei chatinho. Pelo fato de ser jornalista, ele narra um fato e não literaciona-o. Aliás, é proibido de fazê-lo. Há crônicas que ele perde perdão à profissão e manda ver na poesia. Aí sim, é beeeem legal, mas em sua maioria, pelo menos nessa seleção, ele está preso à maldita realidade.

Ainda assim, algumas observações:

O cronista Ignácio de Loyola Brandão mantém um caso de amor e ressentimento com a cidade de São Paulo. Achei isso bem interessante. Como em toda relação desse tipo, a ternura convive com a irritação, as palavras de carinho podem se transformar em setas envenenadas, cheias de queixas, os pequenos problemas do cotidiano costumam se sobrepor aos grandes safanões que a vida dá a cada um, apaixonado ou não. São Paulo é a grande personagem do cronista. Claro que Ignácio, homem viajado, conhecendo muitas cidades, gosta também de contar as suas vivências, encantamentos e decepções vividos no exterior. Mas, em cada uma das crônicas, situadas longe do ar poluído da Pauliceia, parece que se ouve sempre, numa surdina eloquente, a voz de São Paulo. Incrível essa relação…

Autor de romances de sucesso, com mais de quarenta livros publicados e mais de um milhão de volumes vendidos, não dá para não recomendar a leitura.  O cara é um ícone brasileiro. um referencial na arte da escrita. Mas, talvez, em um livro de história consigamos decifrar mais esse talento do que nessa seleção de narrativas publicadas em jornais no qual trabalhou.

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67-  Cuca Fundida – Woody Allen

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Woody Allen não escreve só roteiro não! Entre as tantas produções do diretor, roteirista, ator, comediante e músico existe  Cuca Fundida (entre outros),publicado pela primeira vez em 1971. O livro é  um compilado de contos, crônicas, ensaios e peças  publicados pela Revista New Yorker. A tradução foi feita pelo nosso monstro Ruy Castro.

Não pensem que escrever seja uma atividade secundária para Woody Allen. O que se vê nos filmes de Allen não fica muito distante do que se lê. Há humor irônico para dar e vender! O charme, neste livro, já começa pelos próprios personagens inusitados, como o barbeiro de Hitler, o Drácula, um viciado em artes que não entende shows de mímica (chorei de rir nesse texto!), um estudioso de psicanálise  e ainda a Morte, que é escrita num estilo teatral. Mas o que mais me chamou a atenção é a genialidade em meio à loucura, como com as discussões filosóficas que questionam os limites do pedantismo intelectual. Simplesmente genial. O primeiro texto, eu postei aqui para a vossa degustação:

http://estudosdects.org/2013/08/10/o-cara-texto-de-woody-allen/

E os dois carrancudos que jogam uma partida de xadrez? O que foi aquilo? O melhor texto, a meu ver! São dois personagens envolvidos em um jogo de xadrez por correspondência. No texto de Woody, os dois personagens, que iniciaram jogando o mesmo jogo, já estão em uma batalha completamente diferentes, com peças diferentes, num imbróglio que já se tornou insolúvel, mesmo depois do envio detalhado dos diagramas com as peças do tabuleiro de cada um na atual situação.Quem imaginaria isso? A falta de entendimento sobre o que ocorria no jogo entre os dois personagens onde um jurava ter dado o cheque mate no oponente com um cavalo, que na visão do outro já havia sido comido por sua torre na 7ª jogada… quanta atualidade, não? lembrei-me dos debates esquizofrênicos que vejo por aqui onde os debatedores estão falando coisas completamente diferentes e se ofendendo mutuamente. Ri da nossa desgraça…

Não é à toa que o nome do livro é Cuca Fundida. Ao final da leitura, os poucos neurônios que sobraram pelo menos se divertiram a vera nesse sábado regado de enxaqueca.

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66-  Minhas Mulheres e Meus Homens – Mario Prata

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 Li, como  se diz por aí, numa sentada só. Sensacional!!!  Minhas Mulheres e Meus Homens apresenta, em ordem cronológica figuras – anônimas e famosas – que passaram pela vida de autor. Então, é tipo uma biografia. Só que não. É muito melhor. Chorei de rir em várias passagens. O formato do livro foi uma grande novidade pra mim: O livro conta a história de 250 pessoas em 269 páginas. Diferente. Nunca havia lido nada nesse formato. Assim que abri, me arrependi de ter comprado. Puro preconceito idiota. Na segunda história, já era toda leitora e estava completamente entregue a lábia do autor.  Encontra-se de tudo dentro dessa auto-biografia: histórias dramáticas, engraçadas, tristes, alegres, nojentas, cômicas, de amizade, de amor, gafes…

O livro tem um defeito imperdoável. Termina. Em 1999! Nãããããão! Quero mais! Tenho certeza que foram muitas mulheres e muitos homens que continuaram passando e marcando a vida de Prata! Sei também que ele tem milhares de coisas sobre essa gente toda para contar e entregar!

Enfim, super recomendo!

Ah sim, a capa. Eu achei genial também.

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65-  Morrer de Prazer – Ruy Castro

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 “Morrer de Prazer” de ruim só tem a capa.  De resto, se você gosta de crônicas e, mais ainda, adora o Ruy Castro, você vai “morrer de prazer” com esse livro, caso permita o trocadilho. O  livro é uma seleção de crônicas autobiográficas onde o autor trata  desde a primeira luta para amarrar os sapatos até a contra um câncer. Há muito tempo, Ruy Castro já mostra que sabe falar sobre detalhes do cotidiano com aquele toque real, com o jeito Ruy Castro de ser (e escrever). A obra é dividida em algumas partes, dentre elas tecnologia, cidade, “a língua frouxa”, “instrumentos de amor”, etc., e vai dando detalhes clássicos sobre o Rio de Janeiro (principalmente sobre o círculo de amizades que trazia Leila Diniz, Vinicius, e outros), sobre a não adaptação à tecnologia, do vocabulário atual e outros detalhes mais que vão passando de mansinho, do nosso lado, sem nos atentarmos, de fato, sobre o que significam.

Morri de rir. Diversão e prazer garantidos.

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64-  De Bichos e Pessoas – Clarice Lispector

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Ler Clarice é submeter-se a cair em um poço fundo. De cabeça. Nada te joga pra cima, muito pelo contrário. Se estiver mal, ao final de um livro seu, suicídio na certa.

“De bichos e Pessoas”, uma coleção de “crônicas para jovens” sobre bichos e pessoas, é claro, lemos uma Clarice Light. Acho que a editora poupou muito os jovens, como dizem por aí, pegou leve. Ainda assim é Lispector.  “Quem se recusa à visão de um bicho está com medo de si próprio”, diz a eterna Clarice. Dona de uma percepção aprofundada do mundo animal,  Clarice interessava-se por todo e qualquer ser vivo – desde as enormes baleias aos ínfimos insetos, com especial carinho pelos cachorros e compaixão pelas galinhas, sempre tão desprezadas.

Livro mega bacaninha, fininho, rapidim de ler. Poucas páginas e muito o que pensar.

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63-  Primeiras Estórias- Guimarães Rosa

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A primeira coisa que pensei ao Ler Guimarães Rosa é que ele é intraduzível. Não há como passar essas frases para outra língua sem perder muita da essência de cada uma. Acho que Guimarães não é um escritor e sim um escultor de frases. A linguagem do autor é marcada por forte originalidade jamais vista por esses olhos atentos. Alia a informalidade da linguagem coloquial à complexidade da linguagem poética. Fala sério, Guimarães! O tom é variado: ora sério (lírico ou dramático), ora cômico.

O livro é recheado de contos, fininho, mas leva-se por causa da demora do admirar, uma eternidade para lê-lo.

No início do conto ‘Famigerado’, o narrador pergunta: ‘Quem pode esperar coisa tão sem pé nem cabeça?’. Na verdade, todas as narrativas de Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, causam essa mesma impressão: acontecimentos inusitados, comportamentos aparentemente inexplicáveis, histórias contadas por meio de uma linguagem fora do comum.

Por vezes, confesso, cansa. Quando buscamos leitura nem sempre queremos um quadro como é cada frase de Guimarães (pelo menos nesse livro). As vezes, queremos leitura fluida mesmo. E a dele é de alta viscosidade. Mas, enfim, foi para prateleira de minha biblioteca como mais um livro lido e está no lugar dos ‘meus preferidos’.

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62-  O Brasileiro que Ganhou o Prêmio Nobel – José Antônio Pinheiro Machado

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A opinião de Luis Fernando Veríssimo foi tão boa que faço minhas as palavras do mestre sem tirar nem por nada:

“Este é um livro para ser, literalmente, degustado. Deve-se progredir de frase para frase, lentamente, com aquela disponibilidade para o prazer que nos acompanha de prato a prato num repasto requintado em que as surpresas se sucedem.

Nele, a ironia é como um garçom vigilante que não deixa esvaziarem-se os copos mas se mantém ao fundo, com imponente discrição. O principal está no centro da mesa, na conversa tão civilizada quanto o menu, nos personagens saborosos, no estilo que é o equivalente literário de um bom Madeira.

Não me lembro de ter lido um texto mais sutilmente divertido do que este, em muito tempo. Um repasto digo de um Anonymus Gourmet.”

Luis Fernando Verissimo

Só para reforçar a opinião: Não me lembro de ter lido um texto mais sutilmente divertido do que este.

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61-   Memórias de Cleópatra – Margaret George

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Coloquei os 3 de uma vez. As Memórias de Cleópatra  foram  publicadas em três volumes que podem ser lidos separadamente. Eu li  o 2, depois o 3 depois o 1. Foi ótimo, mas melhor é na sequência mesmo:

1-  A Filha de Ísis, a rainha narra seu romance com o conquistador romano Julio Cesar, então o homem mais poderoso do mundo, até o momento em que ele é assassinado pelos senadores de Roma.

2- Sob o Signo de Afrodite, Cleópatra, no auge de sua beleza e poder, descreve seu tórrido romance com outro general romano, Marco Antônio, e seus planos para construírem um novo império.

3- O Beijo da Serpente, a rainha relembra sua luta e a de Marco Antônio, e seus planos para construirem um novo império.

Li os três em menos de um mês. A autora conseguiu que eu me apaixonasse por Cleópatra, que eu me sentisse uma Cleópatra, estivesse no Egito e, porque não?, com o Júlio César (ai ai…) e depois o fanfarrão do Marco Antônio (ui ui…). Ah sim, eu tb aprendi um tanto de história.

Escritas na primeira pessoa (bacana isso) As Memórias de Cleópatra começam com as suas recordações de infância e vão até ao seu glorioso reinado, quando o Egito se torna num dos mais deslumbrantes reinos da Antiguidade. Bacanéééérrimo. As Memórias de Cleópatra são uma saga fascinante sobre ambição, traição e poder, mas também são uma história de paixão. Ameeei.  Depois de ser exilada, a jovem Cleópatra procura a ajuda de Júlio César, o homem mais poderoso do mundo.  Ai ai… Júlio César…E mesmo depois do assassinato daquele que se tornou o seu marido, e da morte do segundo homem que amou, Marco António, Cleópatra continua a lutar, preferindo matar-se a deixar que a humilhem numa parada pelas ruas de Roma. Muito bom ler sobre uma mulher tão importante e forte. Muuuito bom. Revigorante.

Na riqueza e autenticidade das personagens, cenários e ação, As Memórias de Cleópatra são um triunfo da ficção. Misturando História, lenda e a sua prodigiosa imaginação, Margaret George dá-nos a conhecer uma vida e uma heroína tão magníficas que viverão para sempre.

Amei demais e indico para qualquer uma. Acho que é feminino demais (se é que literatura tem gênero).

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60-   O Torreão – Jennifer Egan

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Comecei a escrever esta resenha no computador, mas não achei que seria justo – ainda que tenha que digitá-la depois. Fazê-lo em meio eletrônico seria trair Danny, Howard, a Baronesa (e todas as suas gerações puramente europeias), Holly e, principalmente, seria trair o próprio Torreão. Por isso, vim para o meu quarto desprovida de quaisquer aparelhos tecnológicos (incluindo o meu velho rádio, que foi “expulso” de seu cantinho enquanto escrevia) e fiz deste cômodo o meu Torreão improvisado.

Ok, antes que vocês achem que estou ficando maluca, começarei a resenha propriamente dita. Quando o Daily Mail disse que este é “um daqueles raros livros que nos fazem lembrar por que amamos ler”, não mentiu. Mais uma vez, Jennifer Egan me mostrou porque ela é vencedora de um Pultzer, porque esteve na Festa Literária Internacional de Paraty, porque seus livros são sucesso de público e crítica. 

O livro só tem um grande defeito: ter sido escrito depois do “A Visita Cruel do Tempo”. E é só esse. A autora brinca com a nossa mente a tal ponto que em certos momentos não sabemos o que é realidade, o que é sonho, o que é alucinação. A baronesa existe? É um fantasma? Danny tá delirando? Afinal, ele está em meio a uma crise de abstinência de tecnologia. E aí também reside o grande barato do livro; Egan, como ninguém, faz uma crítica à sociedade atual, conectada full time. Temos pena de Danny e sua dependência a aparatos tecnológicos, mas no fundo nos reconhecemos nele.

E o mistério, beirando o terror? Jennifer também é boa nisso. Pode parecer que o livro é uma doideira de estilos: humor, mistério, terror, crítica, drama. E até é. A questão é que a autora sabe como conduzir a história sem parecer forçada ou esquizofrênica.

Na verdade, O Torreão é um prato cheio para qualquer pessoa disposta a ir além das leituras cotidianas e banais. É um exercício para a imaginação, e um frescor e alívio para quem quer fugir da literatura enlatada atual.

Jennifer Egan usa e abusa daquilo que ela faz com maestria: começa com o narrador em terceira pessoa e mais à frente, percebemos que aquele narrador é uma das personagens. O ponto de vista, esteja ele em primeira ou terceira pessoa, é múltiplo, uma vez que na obra, quase todos os personagens “tem voz”. Isso dá um ritmo alucinado na narrativa e contribui para que ela se torne tão incrível.

Com O Torreão, Egan consegue provocar o leitor para assuntos que muito importantes: como despertamos a nossa criatividade em um mundo em que tudo está praticamente pronto? Como quebramos os paradigmas dos padrões preestabelecidos? Como dosamos a tecnologia e a ausência dela?

Por fim, devo ressaltar que a dose de “fantástico” que há na narrativa está na medida. Até quem é mais crítico com isso – assim como eu – vai gostar, uma vez que estes elementos surreais dão um tom gótico à trama.

Posso dizer, sem demagogia alguma, que os livros de Jennifer Egan foram os melhores que li até agora em 2013. Somo a esses o da Eliane Brum. O Torreão, antecessor de A visita cruel do tempo – embora tenha sido publicado depois dele aqui no Brasil – tem um final surpreendentemente tocante, carinhosamente lindo. Não preciso dizer o quanto recomendo a leitura das duas obras, elas já se tornaram livros de cabeceira para mim.

PS: Jennifer Egan, você me fez criar a minha própria definição para alto: o estado magnifico de deleite ao reconhecer livros formidáveis e me deleitar em suas leituras! Obrigada por isso! 😉

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59 –   Uma Duas – Eliane Brum

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A principio o livro assusta. No meio, te dá náuseas. Ao final, te estremece.

Eliane Brum já tem a atenção dos meus olhos há tempos. Aprendo muito com ela em conteúdo e na forma de escrever. Quando vi este livro na livraria fiquei curiosa. Nem sabia que ela havia escrito um livro… excelente surpresa! Está impresso com letras em vermelho e quase desisti por causa disso. Tive medo de me dar dor de cabeça. Ao final, não tive dor nenhuma, mas a cabeça foi completamente sacudida. A sensibilidade à qual estava acostumada em seus textos dá lugar a um sentimento mais agressivo para falar de que são feitos os laços entre mãe e filha, de como desamarrar essa união, talvez a mais inseparável de todas.

Chorei como há muito não chorava com meus livros.  Talvez pelo fato dela ter colocado uma trilha sonora ao final que marcou a minha vida e ainda hj marca: The Sounds of Music da Noviça Rebelde. Aquilo me derrubou, mas acho que sem som o livro teria ainda assim um grande impacto. A porrada é forte demais…

Recomendo. Super recomendo. Mega recomendo.

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58 –   Ai Meu Deus Ai Meu Jesus: Crônicas de Amor e Sexo – Fabrício Carpinejar

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Entrei na livraria e fui para a parte de cronistas. Nunca havia ouvido falar de Fabrício Carpinejar. Nunca havia lido nada dele. Pela orelha fiquei sabendo que ele é “o cara” por essas bandas virtuais. Daí, sabem cumé. Tive que ver isso de perto.Minha opinião: Carpinejar está para o amor e o sexo assim como  Paulo Coelho está para a magia. Ambos jogam pra torcida. Escrevem com um tom que a mim não convence. Uma coisa que muito me incomodou em Carpinejar. A quantidade de certezas que ele tem. Dá muito conselho como se o que ele falasse fosse A Verdade. E bem é sabido que a medida da ignorância é a quantidade de certezas que a pessoa carrega.Alguns  textos são divertidos e patati patatá, mas são textos que generalizam o homem e a mulher. Sim, talvez a grande maioria é como o Carpinejar descreve, e se não totalmente como ele descreve a maioria dos detalhes que ele escreveu, quase sempre estão presentes. Por isso não deixa de ser divertido.O problema é que, como já disse e agora acrescento, tive a sensação do início ao fim que estava lidando com um Padre Marcelo Rossi, um “sambista” tal como Alexandre Pires e Dudu Nobre e um escritor como Paulo Coelho. O que todos eles tem em comum? Não me convencem de que acreditam no que estão fazendo.Não pretendo ler mais nada dele.

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57 –  Crônicas para ler na Escola – Ignácio de Loyola Brandão

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Eu agora resolvi ler autores que desconhecia a personalidade na escrita. Já li certamente Ignácio Loyola, mas não assim direto a ponto de conseguir ver qual é a do cara. Daí, comprei este livro que geralmente tem uma “seleção seleta”. A coleção toda vale à pena.  Bem, Ignácio tem crônicas geniais, outras nem tanto (a meu ver), mas fiquei bastante curiosa de como um autor como ele desenvolve um romance. E ele tem vários.

O livro foi bom porque vai me levar a outros. Recomendo, é claro. Não sendo Paulo Coelho e livro evangélico acho que vale a leitura. =]

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56 – Diálogos Impossíveis – Luís Fernando Veríssimo

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Qual um existencialista dotado de senso de humor, Verissimo persegue em suas crônicas o absurdo que marca a existência humana. Nos textos reunidos em Diálogos impossíveis, o autor escreve sobre impossibilidade, incomunicabilidade e mal-entendidos.  Este é o último do mestre Veríssimo. Como todo livro de crônicas, contos, etc, esse livro tem seus altos e baixo. O texto tem a qualidade e o humor esperado do Verissimo e as estórias que valem a pena são muito boas mesmo, daquelas que fica na sua cabeça por um bom tempo. E o livro é curtinho e rapidíssimo de ler.

Drácula e Batman discutem no asilo. Robespierre tenta subornar o carrasco. Goya e Picasso conversam sob o sol da Côte d’Azur. Juvenal planeja matar a mulher, Marinei, que o despreza. A recém-casada Heleninha pede conselhos ao urso de pelúcia.  Don Juan tentando seduzir a própria Morte ou a conversa cotidiana de um casal que se desentende na hora de dormir. Enfim, um barato.

Esse livro é Veríssimo registrando os hilariantes momentos em que o ser humano exerce sua vocação para a confusão.

Veríssimo? Como não lê-lo?

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55 – Os Maias – Eça de Queiroz

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Uma viagem, um pouco cansativa dado a linguagem e aos diálogos que ocorrem em uma determinada época. No meu caso, como pouco sabia o que acontecia em Lisboa no final dos novecentos por vezes, me perdi. Mas a despeito do cansaço, como não dar as mãos a Eça de Queirós para conhecer tantas coisas e nos deliciar com todo esse impactante romance  realista onde não faltam fatalismo, catástrofes e análise social?

O livro foi  publicado em 1888, é a mais acabada realização de Eça de Queirós segundo dizem por aí. Esse romance é uma tragédia, tal como a entendia Sófocles quando, já na maturidade, compôs o seu Édipo. Uma tragédia burguesa, pois que lá está a grave transgressão moral, cometida em completa inconsciência por seus dois personagens centrais — Carlos Eduardo e Maria Eduarda.

A começar não por um tipo, mas por uma casa, mais exatamente a “casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875”, que surge, penumbrosa e prenunciadora, logo na primeira frase do livro, e que era conhecida como a casa do ramalhete “ou, mais simplesmente, o Ramalhete”. O Ramalhete é, pela ordem de entrada, o primeiro personagem em cena, com suas paredes sempre fatais àquela antiga família da Beira, tão rica e tão infeliz. E será no Ramalhete e em torno dele que vamos ser apresentados aos personagens nos quais Eça de Queirós se insinua, para nos falar através de suas muitas vozes. Seus retratos eram sempre perfeitos e, ao longo da trama, coerentes. Quase todos inesquecíveis. A única personagem que o confunde é Maria Eduarda, por sua beleza de deusa. A entrada dessa personagem e a sua descrição são de um total deleite.

Como pode escrever tanto?

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54 – A Visita Cruel do Tempo – Jennifer Egan

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Sem dúvida nunca li nada melhor do que isso! Já li coisas tão boas quanto, mas absolutamente nada melhor. Ainda estou em estado de êxtase por ter terminado há pouco a visita.

Uma narrativa genial que vai alternando personagens, sonhos se construindo e se desfazendo, inspirações, expirações, sístoles, diástoles… De São Francisco nos idos de 1970 à Nova York no amanhã, da África à Nápoles Jennifer Egan nos carrega para ouvir músicas que são como personagens do livro e ao mesmo tempo funcionam como perfeitas metáforas à medida que a mutabilidade do tempo (e da pausa) também é explorada.

Como um CD perfeito, esse livro pede uma repetição imediata. E é o que vou fazer agora.

Fantástico. Simplesmente fantástico.

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53 – Dom Quixote – Miguel de Cervantes

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Coloquei como uma das metas de minha vida ler, pelo menos, todos os clássicos. Comecei com o pé direito e encarei de “capa à capa” Dom Quixote na sua íntegra.  Minha opinião? Realmente uma obra-prima que é difícil acreditar que foi obra um ser humano …

O livro tvz seja um dos maiores que já li, mas não cansa, pois é realmente mágico o personagem e ele te cativa muito com sua doçura. Dom Quixote ou Cavaleiro da Triste Figura é um herói sonhador que de tanto sonhar mergulhou nas próprias fantasias.   Um senhor que passava horas e horas do dia devorando obras cavalheirescas. Lia tanto que já sabia de cor todos os rituais por quais passava um cavalheiro. Morava com a sobrinha e a governanta numa pequena aldeia da Espanha, mas mal tinha tempo de prestar atenção nelas por causa de seus livros. E assim, de tanto ler sobre os cavalheiros, enlouqueceu e quis se tornar um… que lindo isso! Veste-se com uma velha armadura que tinha guardada, se arma com uma antiga espada e monta no seu pangaré Rocinante. Eis aí que surge, Dom Quixote de La Mancha. Cheio de coragem, o novo cavalheiro foge de casa em busca de aventurar. Como todo bom cavalheiro que se preze, luta pelo amor de uma primorosa dama, inventada por ele próprio, seu dome era Dulcinéia, e em nome dela passa por diversas confusões ao lado do seu fiel escudeiro Sancho Pansa, que de tão ingênuo acabou por incorporar a loucura de seu amo. Maneraço a química formada entre os dois!  Imagina realmente ver castelos, fidalgos e outros cavalheiros. E nessas aventuras que buscava, o mínimo que encontrava eram hematomas.

É um livro para todas as idades. Diverte, comove com a loucura e a ingenuidade de Sancho. Talvez para Quixote, a loucura que todos viam, foi a única forma de ele realmente sentir que estava vivo.

Simplesmente magnífico.

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52 – A Obra do Artista – Uma Visão Holística do Universo – Frei Betto

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Este livro foi um presente de um grande amigo: Sergio Ricciuto. Ganhei numa ocasião muito especial quando fui á convite fazer uma palestra para seminaristas em SP sobre em que creem os que não creem.

Frei Betto nos convida a resgatar as raízes do verdadeiro humanismo, debater a questão dos novos paradigmas e buscar uma relação diferente entre ciência e fé, visão de mundo e visão de Deus. Por não sabermos tudo  buscamos incessantemente. É essa busca que nos define e nos leva a fazer nossas escolhas. Frei Betto deixa isso muito claro e de uma forma mais poética do que religiosa, ao meu ver, ele mostra a importânciaa do amor e como ele dá sentido á matéria.

Ainda que eu não concorde com quase nada, achei tudo muito lindo e amei o livro. Está em uma parte da minha biblioteca entre os “meus queridinhos”.

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51 – Fim do Cristianismo Pré-Moderno – André Torres Queruga 

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Queruga é doutor em filosofia e em teologia. Tudo o que pretendo ser qdo crescer. Acabando o meu doutorado em filô vou ingressa seriamente no mundo da teô.

A duração de uma religião é, sem dúvida, um credencial de seriedade na riqueza e nos conteúdos. Mas não se pode ignorar seu perigo: o tempo endurece as instituições, desgasta as palavras e pode deformar, esvaziar ou até mesmo perverter o sentido genuíno dos conceitos. Neste livro são apresentas tentativas de sair ao encalço desse perigo, procurando recuperar o sentido original para que a fé torne-se intelectualmente significativa e possa ser vivida e praticada culturalmente. Para isso, o autor procura refletir sobre a problemática que, a partir da Modernidade, apresentou-se à religião cristã e também sobre as novas formas de espiritualidade, o problema da linguagem teológica, a relação entre fé e ciência. Procura, então, enfrentar a seguinte questão em poucas palavras: estamos testemunhando, na realidade, os últimos cristãos?

Eu não sou cristã, mas gostei muito da honestidade e da clareza de Queruga ao discutir o tema.

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50 – Um Novo Cristianismo para um Novo Mundo – A Fé Além dos Dogmas – John Shelby Spong

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Quando li esse livro publiquei meus comentários ao longo da leitura. Isso é quase tudo que eu gostaria que a Igreja fizesse. John Shelby Spong mostra que o cristianismo tem sido utilizado como instrumento de poder da Igreja e dos homens, seja para vencer seus medos, para justificar os absurdos da vida ou mesmo para subjugar aqueles que são, de alguma maneira, diferentes – na cor da pele, nas crenças ou nas preferências sexuais.

Spong prega uma nova Igreja, onde haja amor, justiça e respeito pelas diferenças. Ele indica os caminhos de uma reforma que vai abalar todos os velhos conceitos sobre o que ou quem é Deus e até mesmo sobre a veracidade de alguns fatos bíblicos – se essa renovação não for feita, pode haver graves consequências para a humanidade e para a própria fé em Deus e em Jesus. Isso, pra mim, já estava claro antes mesmo de ler o livro.

Para mim foi surpreendente, na medida em que um bispo coloca em questão até a própria fé, da maneira como é encarada atualmente. Este livro se torna, no final, um alento, um chamado para que o homem deixe de lado suas preocupações tribais e hierárquicas e busque o Deus que é vivo e presente em toda a humanidade, e não um ser sobrenatural e isolado numa redoma divina e celeste. E ainda assim, pasmem, teremos um  cristianismo, hoje agonizante, mais sólido.

Bom, no mínimo, muuuuuito interessante ver um bispo com a mesma opinião que eu.

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49 – Deus e o Alcance da razão – C.S. Lewis, David Hume e Bertrand Russel – Erik J. Wielenberg

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Erik J. Wielenberg é professor do Departamento de Filosofia da DePauw University e nos presenteou com esse livro. Eu, que gosto do tema, amei a obra que coloca em conversação três gigantes intelectuais: C. S. Lewis, David Hume e Bertrand Russell, com o intuito de esclarecer algumas das questões mais difíceis e essenciais da vida. A existência de Deus, do sofrimento, da moralidade, da razão, da felicidade, dos milagres e da fé são os tópicos a partir dos quais suas concepções são analisadas.

A publicação abre uma reflexão racional sobre esses aspectos em meio a enfadonhos e estridentes debates entre os “novos ateus” e religiosos do século XXI. Assim, leitores curiosos poderão encontrar ideias penetrantes no diálogo entre esses três grandes pensadores.

Para quem gosta do tema, ainda que seja ateu como eu, vai aprender um bocado.

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48 – Sagrada Família – Zuenir Ventura

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Zuenir Ventura é mestre no que faz. Li “1968 o ano que não terminou”, “Inveja” e “Cidade Partida”, além de muitas de suas crônicas. Amei tudo, mas nunca havia lido nenhum romance dele se é que ele já escreveu outro além desse. “Sagrada Família” mistura memória e ficção para compor uma narrativa sobre os amores que resistem ao tempo e a perda da inocência.

Com nostalgia e bom humor, o narrador faz uma viagem ao passado para recontar o que viveu em meio a uma numerosa família fluminense. A começar por sua tia, a bela Nonoca, com 37 anos de idade e dois de viuvez, e suas visitas regulares à farmácia, onde recebia do farmacêutico atenções mais especiais do que uma simples cliente. E suas duas filhas, Cotinha e Leninha, 15 e 14 anos, ansiosas para conhecer o verdadeiro amor.

Zuenir recria, com grande sensibilidade, os anseios e as atribulações de uma família vivendo na região serrana do Rio de Janeiro, dos anos 1940 até um passado não muito distante. Tudo isso à sombra de um período crucial na história do Brasil, às vésperas de entrar na Segunda Guerra, com suas intrigas políticas e passionais, compondo o emocionante retrato de uma época.

A leitura me fez lembrar de mamãe que foi criada numa cidade do interior. Na época se educava enchendo as mulheres e homens de medos e preconceitos. Essa mutilação no pensamento dificultou demais que a alegria da vinda de um neto tomasse conta de mamãe porque maior do que a alegria era o seu medo de ter uma filha (euzinha) malfalada, entregue á deus-dará e podendo ser queimada no fogo do inferno por toda a eternidade por ter perdido a virgindade antes do casamento.

E por isso o livro, além de um excelente e rápido entretenimento, foi tão bom pra mim.

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47 – Manuel Bandeira – Crônicas para Jovens

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Eu não conhecia quase nada da obra de Manuel Bandeira e resolvi começar devagar. Comprei esse livro fininho com uma seleção de crônicas para ser introduzido a esse monstro chamado Manuel.

O livro reúne 21  Crônicas, pouquíssimas concordo, agrupadas em cinco temas: Memória, Gente humilde, Reverências, Incômodos do poeta e Política – igual em toda parte.

Pequenos ensaios, temas da cultura e da arte, lembranças da infância e da adolescência, confidências, perfis importantes ou da gente simples com quem conviveu, reações a situações, principalmente as incômodas, que o fato de ser escritor lhe impunha, entre outros, são tratados pela perspectiva atenta e bem-humorada de Manuel Bandeira.

Em sua crônica, os conhecimentos de maior grandeza e mesmo os mais insignificantes assumem uma dimensão lírica e isso me impressionou bastante. O estilo e a elegância de Bandeira.

O livro foi uma boa apresentação e seria uma completa imbecil se não recomendasse a leitura, mas confesso, está longe de ser um dos meus autores prediletos pelo pouco que li. Não por achá-lo ruim! De forma alguma! Mas por existir outros autores com seus outros peculiares estilos que me levaram para mais longe.

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46 – O Melhor de Stanislaw Ponte Preta – Sérgio Porto

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Stanislaw foi um personagem-cronista-satírico criado por Sérgio Porto e eu até ter esse livro em mãos desconhecia por completo. O livro  “O Melhor de Stanislaw Ponte Preta”, foi relançado recentemente pela editora José Olympio. Os textos foram selecionados pelo crítico Valdemar Cavalcanti. As ilustrações da obra, no entanto, ficaram a cargo de Jaguar. Ou seja, imperdível.

Morri de rir com os  personagens antológicos como a Tia Zulmira, o Primo Altamiro, de Rosamundo, do Garoto Linha-Dura e as crônicas do Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País) e Na Terra do Crioulo Doido. Aliás, foi Sérgio Porto que compôs o “Samba do Criolo Doido”. Disso eu também não sabia. Cada um desses personagens estão representados em capítulos do livro, com cerca de 20 crônicas sobre cada um deles, com destaque para o Febeapá, com dois capítulos.

“O Melhor de Stanislaw Ponte Preta” é um daqueles livros para lembrar de uma época no Rio de Janeiro em que a palavra malandro não significava vagabundo e onde se podia curtir a boêmia sem se preocupar com a violência.

Diversão pra lá de garantida.

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45 – Leite Derramado – Chico Buarque

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Este livro recebeu vários prêmios e dentre eles o Jabuti. Até chegar à última página eu concordaria com todos eles. Achei Chico de uma genialidade tamanha. Mais ainda! Como ele consegue? A história é a de um homem muito velho que está num leito de hospital. Um monólogo espetacular dirigido à filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história de sua linhagem desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senador da Primeira República, até o tataraneto, garotão do Rio de Janeiro atual. Um monólogo que nos prende até o fim pela fala desarticulada do ancião que cria dúvidas e suspenses que nos prendem.

O discurso do velho parece espontâneo, mas Chico domina com mão firme cada passo, as falsidades e os não ditos, de modo que a gente pode ler nas entrelinhas, partilhando a ironia do Chico, verdades que a personagem não consegue enfrentar. Tudo, neste texto, é conciso e preciso; como num quebra-cabeça bem concebido, nenhum elemento é supérfluo. Todos os movimentos de Chico Buarque são friamente calculados.

Percorre todo o livro a paixão mal vivida e mal compreendida do narrador por uma mulher. Matilde e seus gestos ao mesmo tempo que determinam a paixão do marido, ocasionam a infelicidade de ambos. Embora vista de forma indireta e em breves flashes Matilde se tornou, também para mim, inesquecível.

Mas, confesso, eu esperava um final melhor. Ainda assim, seria louca de não recomendar a leitura.

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44 – O Segredo e Quem Somos Nós – Argh!

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Cuidado, meus amigos!!!! O livro “O Segredo” de Rhonda Byrne ficou no topo da lista do best-seller em vários países. Isso é um sintoma de uma doença gravíssima que atinge a humanidade: a falta de conhecimento.

Muitos alunos e muitos amigos já me perguntaram se eu já li “O Segredo”, ou já vi o filme” Quem Somos Nós”, pois, como ambos falam “física quântica” e essa é a minha área.  Não só não li o livro e não vi o filme como não conheço nenhum amigo físico que tivesse visto ou lido. Mas ainda assim, tenho a minha opinião sobre ambos porque sei bem do que se trata.

No Prefácio do livro, Rhonda Byrne faz a inaceditável promessa de que “quando vc aprender o segredo vc perceberá que pode ter tudo o que vc desejar”. No primeiro capítulo (O Segredo Revelado) somos informados de que “os físicos quânticos dizem que o universo inteiro surgiu do pensamento”. Curiosamente, o livro não diz quem são esses físicos e nem quem estava por detrás desse pensamento que criou o universo! O capítulo segue nesse charlatanismo explícito e clichês de auto-ajuda que ninguém precisa perder tempo em ler, pois, ao final do capítulo há um resumão do “segredo”.

– O “grande segredo da vida” é a lei da atração. Qdo vc tem um pensamento, vc está tb atraindo pensamentos semelhantes para si mesmo.

– Seus pensamentos atuais estão criando sua vida futura.

– Seus pensamentos transformam-se em coisas.

E é isso aí, minha gente. Esse é o grande “segredo”. Fala sério! Pensar positivo nunca foi segredo para adquirirmos auto-confiança, mas esse livro não aborda o assunto de forma inofensiva. Não importa se seu desejo é ficar podre de rico ou ficar famoso. Basta desejar o bastante a ponto de não deixar que pensamentos contrários -negativos- se infiltrem em seu cérebro. Cruel, não? Se vc tem câncer foi vc que atraiu essa doença para si mesmo porque permitiu que ela entrasse em vc por temê-la. Se vc tem um filho com diabete foi porque vc não pensou nele como uma criança saudável…Meodeos…

O pior é que não tem nada de novo nisso tudo. Há um outro livro “The power of positive thinking” escrito em 1952 por Normam Vincent Peale que fala exatamente a mesma coisa. Diz lá tb que especialistas científicos que obviamente tb não foram identificados pelo nome, respaldavam sua filosofia e haviam comprovado a sua técnica que não passa de uma auto-hipnose e alta repressão dos pensamentos negativos. Se seguir o método e não permitir que os pensamentos negativos apareçam, vc possibilitará o acontecimento de coisas positivas. Ou seja, o mesmo discurso cruel  visto em todo “O Segredo”.

Explico porque do “cruel”:

Esses autores são muito piores que a maioria desses pastores evangélicos que tb abusam da inocência do seu rebanho. Eles não criticam a ciência, muito pelo contrário, se “apóiam” nela e afirmam que o que dizem tem confirmações na ciência, no caso, na física quântica. Como ninguém sabe do que trata a física quântica, aceita esse discurso como Verdade. Trata-se de uma estatégia brilhante que se fia na falta de conhecimento do público sobre a ciência em que se apóiam.

O livro “O Segredo” e o filme “Que Somos nós?” apresenta contribuições de vários físicos doutorados (são os mesmos físicos que aparecem no livro e no filme).  Esses físicos são completamente desconhecidos no meio acadêmico-científico porque não apresentaram nenhuma contribuição à ciência! O que eles parecem fazer muito bem é enganar o público com efeitos especiais concebidos para mostrar quão fantásticos os efeitos da física quântica são quando transferidos para a mente humana.

A física quântica, minha gente, é uma das maiores realizações intelectuais de nossa espécie, mas ainda é uma ciência em formação. Há experimentos que nos permite l45bpensar que o fato de observarmos um elétron, por exemplo, é ‘como se’o o objeto observado tenha sido “criado” pela observação (simplicando ao máximo  o “colapso” da função de onda). Alguns “cientistas” tais como aqueles que aparecem no livro “O Segredo”, omitem o “como se” e defendem que na medida em que os acontecimentos em escala atômica são afetados pela observação, e visto que tudo no universo é feito de átomos, é claro que os nossos pensamentos influenciam acontecimentos em escala macroscópica.

Não há físico que trabalhe diretamente com a pesquisa em Mecânica Quântica que tenha afirmado nada parecido com isso!  Saibam que  esses “físicos” que contam “segredos” e “revelam” quem somos nós se apoiam em coisas jamais defendidas e ditas pela física quântica! Daí eles começam a falar em “consciência universal”, “não localidade quântica”, “entrelaçamento quântico” e “funções de onda colapsantes” e vc que não entende patavina sobre o assunto acredita nesse papo surreal. Usando esses termos eles respondem os mais variados tipos de perguntas que nos fazemos em momentos de crise existencial, tipo “Por que não consigo aprender matemática?”, “Por que Michel Teló faz sucesso e eu não?”, “Por que tenho tantas espinhas no rosto?”… a resposta passou a ser: por causa da mecânica quântica que emana de seus pensamentos… fala sério!

Se for para vcs acreditarem em algum discurso, procurem ver em que realmente o discurso se apoia e se as pessoas que escrevem e falam podem ser dignas de sua atenção e respeito.

Abraços a todos!

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43 – Nascido para Matar … de Rir – Steve Martin

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Extremamente divertido! Um super relato de quem leva a sério a profissão de fazer rir. Para quem não sabe, em meados dos anos 70, o nome de Steve Martin estourou no cenário da comédia nos Estados Unidos. Em 1978, ele já atraia as maiores platéias da história da stand-up comedy; em 1981, deixou os palcos para sempre. 0 que este livro conta, nas palavras do próprio Martin, é “por que eu fui parar na stand-up e por que eu sai dela”. Martin mostra todo o sacrificio, disciplina e originalidade que fizeram dele um icone. A obra também traz revelações íntimas – fala, em especial, de sua relação difícil com o pai. 

 Enfim, entretenimento de primeira!

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42 – Cem Dias entre o Céu e o Mar – Amyr Klink

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Eu sempre a última a saber das coisas…  Agora que eu conheci O cara descobri que meio mundo já o conhecia. Enfim, para a outra metade que ainda nao o conhece…segue a dica. Amyr Klink, brasileirissimôôô, é agora o meu ídolo. Este livro, escrito de forma maravilhosa pelo próprio, narra simplesmente a travessia que ele fez so-zi-nho, re-man-do num pequeno barco, entre a África e o Brasil!  No relato de sua viagem, que empreendeu sozinho, Klink escreveu muito sobre a sua relação com a natureza a sua volta e o respeito que tinha por ela. Peixes dourados que acompanharam o barco a remo por boa parte da viagem, a inesperada visita de baleias e até de tubarões no meio da noite, assim como as gaivotas e as ondas foram as únicas companhias do viajante durante cem dias: “E, assim, entre discussões e mal-entendidos com as ondas, passei a conviver suportavelmente com os seus humores. Senti que não deveriam ser xingadas quando me enfurecia, pois sempre respondiam à altura.” (p. 77).Outra questão recorrente no livro é a da solidão. Amyr Klink escreveu seus temores com relação ao mau tempo do mar e ao esgotamento de provisões de viagem, mas, curiosamente, a solidão não faz parte desses temores: “E, isolado, também não estava. Ao redor, tudo era sinal de vida. Gaivotas e aves marinhas de todo tipo, as ondas com quem discutia, pilotos e fiéis dourados aumentando dia a dia. (…) Tudo, menos solidão!” (p. 108).O relato de Amyr Klink mostra os novos medos e objetivos do viajante moderno em relação ao viajante dos séculos passados. Os temas abordados por Amyr Klink no livro Cem dias entre céu e mar e os caminhos percorridos pelo navegador colaboram para uma análise mais profunda do ato de viajar nos dias de hoje, além de proporcionar uma envolvente leitura.

 Super recomendo para todos. Amei. Lerei todos os outros dele.

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41 -Os Meninos da Rua Paulo – Ferenc Molnár 

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 “Os Meninos da Rua Paulo” é o clássico por excelência. Foi escrito e publicado em  1906 pelo húngaro Ferenc Molnár e eu nunca havia lido. Esta semana, na busca de algo “light” para ler a noite peguei esse livro. Livro infanto-juvenil? Não, senhor. Livro para todas as idades pelo caráter universal e pela alta qualidade literária.  Ontem, estava chorando e soluçar ao acabar de ler a última página. 

 Foi escrito à partir de um tema simples que podemos resumir como a disputa de um terreno baldio em Budapest no final da década de 1880 por dois grupos de meninos, tema que acaba ganhando uma conotação universal por extrapolar os limites de época ou lugar. Não há como não se identificar com esses jovens e sua noção de honra, lealdade e amizade. Até mesmo os adversários  em “combate” pelo terreno obedeciam a um rigoroso código de conduta que vigorava antes das transformações que ocorreriam em breve na Europa do século XX, levando às guerras de destruição em massa.

Lindo. Super recomendo.

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40 – O Cemitério de Praga – Umberto Eco

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Eu fiquei muito atordoada com a sucessão de volteios da narrativa: os maçons se misturam aos satanistas, que por sua vez são confrontados com os anarquistas, os antissemitas, os mesmeristas e os jesuítas, tudo isso costurado pela perspectiva de um diário bastante lacunar de um homem. Perdi-me inúmeras vezes.  “O Cemitério de Praga”, novo livro do autor de “O Nome da Rosa”, narra um dos mais famosos episódios de falsificação da história: a invenção dos “protocolos dos sábios de Sião”, fraude que serviu ( e descobri que ainda serve!!!!!)  para fundamentar o antissemitismo. Na trama de conspirações e assassinatos, o protagonista, Simone Simonini, se encontra com diversas figuras históricas, como Sigmund Freud, Ippolito Nievo e Garibaldi. O principal apelo de “O cemitério de Praga” é o de oferecer uma visão detalhada da gênese de um livro controverso e amplamente difundido ao longo do século XX, “Os Protocolos dos Sábios de Sião”. Fruto de uma série de colagens, “Os Protocolos” deram sustentação “documental” para o reforço do antissemitismo europeu no início do século XX (era livro de cabeceira de Hitler…você sabia???).

 Contudo, talvez seja possível observar, no meio desse acúmulo de informações, uma reflexão acerca dos caminhos e possibilidades da História, ou ainda, sobre os limites da historiografia. Há uma série de menções, pela boca das personagens, ao caráter postiço do poder e da governabilidade: uns dizem que “não se neutralizam os espiões matando-os, mas passando-lhes notícias falsas”; outros dizem que é “melhor não possuir nenhum segredo, mas aparentar possuí-los”. Talvez por trás da fachada de thriller histórico, “O cemitério de Praga” guarde uma lição das repetições da História e de quão ingênuos são nossos tempos, que seguem adiante sem aprender com os erros do passado (ou sequer conhecê-los)

Um ponto a ser ressaltado na realização do romance é sua aparente distância do contemporâneo, quando, na realidade, Eco explora temas do presente (paranoia, conflitos religiosos, estados de exceção, intolerância) em um cenário já codificado historicamente, para melhor mostrar os disparates e os absurdos, só visíveis depois da ação do tempo. “A principal característica das pessoas”, afirma um personagem anarquista de nome Léo Taxil, “é que elas se dispõem a acreditar em tudo” — todo poder instituído, continua a narrativa, se baseia na manipulação da credulidade; e são algumas constatações desconfortáveis como essa que perduram depois de toda pirotecnia de “O cemitério de Praga”.

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39 – Vale Tudo – Tim Maia – Nelson Motta

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Se eu pudesse agradeceria Nelson Motta por ter feito esse livro. Ele fez um grande favor em compartilhar essa história. A partir de uma pesquisa assombrosa e de uma intensa convivência com Tim Maia, o jornalista e produtor musical Nelson Motta conta, no ritmo irresistível do rei do samba-soul, a sua história de som, fúria e gargalhadas.

O livro é delicioso, divertido, rico como não poderia deixar de ser,  pois conta  a história do ” preto, gordo e cafajeste, formado em cornologia, sofrências e deficiências capilares”. Era assim que Tim Maia o cantor que integrou o soul e o funk aos ritmos brasileiros se definia.

 Super recomendo.

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38 – História da Eternidade – Jorge Luis Borges

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Extremamente denso e não era para ser diferente. Jorge Luis Borges é considerado um dos maiores escritores de língua latina. Seu trabalho mais popular é o livro de contos “O Aleph”, onde reúne narrativas surreais, seu tema dominante.  Nesse livro Borges tenta criar uma biografia da duração em detrimento da noção histórica de sucessão temporal.

A questão de se libertar da opressão de um tempo sucessivo sempre esteve presente na obra do autor. O escritor investiga imagens metafóricas de antigos poemas islandeses, doutrinas que encaram o tempo de forma cíclica e a obra “Mil e Uma Noites” e seus respectivos tradutores. Nessa parte eu me perdi um pouco.

 No volume há também uma resenha crítica que caminha na fronteira da ficção narrativa. “A aproximação a Almotásim” fala de uma busca sem fim, de um aproximar-se que nunca se encerra, sem chegar a lugar algum. Nessa parte eu me perdi completamente.

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37 – As Esganadas – Jô Soares

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Eu me diverti um bocado. A leitura é leve e rápida. Mas não é aquele livro que se você não o ler perderá muuuuita coisa. Jô Soares sem sobra de dúvida é um homem inteligente e bem humorado e sabe escrever. Não perdi meu tempo, aliás, o tempo passou bem rápido quando estava lendo “As Esganadas”.

Nesse livro, Jô fala de um homem obcecado pela figura materna, que ele matou e segue matando em todas as gordas que encontra. Sim, a mãe doserial killer era gorda, palavra que Jô prefere a qualquer outro sinônimo ou eufemismo.

 O enredo de As Esganadas é simples e bem amarrado. A história gira em torno de Caronte, o dono da chique funerária Estige. O livro deixa claro desde o começo que ele é o assassino da trama. Assim como o pai, que acabou se matando, Caronte foi sufocado por uma mãe tirana, e passa a vida a se vingar dela. A relação é de amor e ódio, daí o personagem se sentir excitado ao matar jovens gordas com receitas portuguesas herdadas da “genitora lusitana” – o título de duplo sentido do livro se refere à fome voraz das vítimas e ao fato de elas morrerem sufocadas de tanto comer. Mas não há entre criminoso e vítima uma relação exclusivamente erótica – tanto que, antes de optar pela capa final, Jô Soares chegou a vetar uma versão que trazia a ilustração de uma avantajada e sensual pin-up, bastante diferente das quase melancólicas gordas do livro.

Se o leitor sabe logo no início quem é o assassino, resta-lhe o suspense sobre a sua captura. Assim, por quase todo o livro se acompanha um divertido grupo à caça do serial killer: um delegado mal-humorado, seu assistente medroso e débil, uma moderna jornalista da revista O Cruzeiro e um ex-policial português inteligente. Piada pronta, ora pois, o gajo foi até amigo e personagem de Fernando Pessoa – o Esteves sem metafísica de Tabacaria, também tomado emprestado pelo escritor Valter Hugo Mãe para o seu A Máquina de Fazer Espanhóis (Cosac Naify, 256 páginas, 39 reais). É principalmente a partir das aventuras desse grupo, na busca pelo criminoso ou em incursões pela vida civil do Rio de Janeiro de 1938, ano de nascimento de Jô, que se dão as piadas nem sempre hilárias do romance.

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36 – A Casa Demolida – Sérgio Porto

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Não o conhecia. Por incrível que pareça… e mal fui apresentada, apaixonei-me.

Esta livro traz uma reunião de crônicas com a sutileza de um testemunhal Sergio Porto em momentos extraordinários, em que o tempo e sua ação sobretudo estão em primeiro plano.

Extraordinariamente maravilhoso.

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35 – Em Algum Lugar do Paraíso – Luis Fernando Veríssimo

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Nos 41 textos selecionados, todos inéditos em livro e escritos ao longo dos últimos cinco anos, o autor fala sobre a vida, a morte, o tempo, o amor, sempre com um ar nostálgico e repleto de reflexões acerca das escolhas feitas ao longo da vida, e as consequências delas.

A crônica que abre o livro traz Adão vivendo no eterno presente do Paraíso, sem passado, nem futuro, sem datas e preocupações. Isso até a chegada de Eva, que, apenas para puxar assunto, lhe teria perguntado: “que dia é hoje?”. Seria este o marco que tirou a eterna paz de Adão, introduzindo a humanidade ao complicado mundo que se conhece hoje. Também estão no livro, para provocar riso e reflexão nos leitores, o papai-noel de shopping, o maître de um restaurante falido, o aposentado, a caçadora de viúvos, casais de longa data, recém-casados, casais que se separam e o solteiro sedutor.  

 Enfim, divertidíssimo. Leve e solto como sempre.

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34 – Franny & Zooey – J.D.Salinger

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Para além conseguir a proeza de ficcionar, com humor e ritmo irresistíveis ( o diálogo entre Zooey e a mãe é de antologia), uma discussão sobre o conceito de santidade, Salinger expõe ainda de forma admirável os meandros do cristianismo e do budismo (que pratica há vários anos), num livro que é, também, uma réplica hiperlúcida à dicotomia sabedoria/felicidade, um dos pilares mais nefastos da nossa esquizofrénica cultura. Imperdoável não (re)ler.

 Reedita-se, com nova tradução (esta, da autoria de Salvato Telles de Menezes) uma obra-prima da literatura americana.

Salinger é mestre nessa obra. Apesar de se contarem pelos dedos de uma mão os títulos que publicou, e de o autor se ter retirado há quase cinco décadas (não dá entrevistas, não autoriza que os seus livros ou contos sejam transformados em filme), são milhões os leitores de J. D. Salinger por esse mundo fora.

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33 – A Cultura Científica e seus Inimigos – O Legado de Einstein – Gerald Holton 

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Amei.

Holton adverte-nos contra a crescente «rebelião romântica» dos nossos dias, em que se acusa a ciência de todos os males sociais e se substitui a razão pelas «vias de conhecimento» da new age. Partindo da análise do pensamento de Einstein, mostra-nos que a ciência é de facto a expressão criativa da tradição cultural ocidental e que os maiores avanços científicos resultaram sempre de grandes saltos intuitivos da imaginação. Abrangente e vigoroso, um livro obrigatório para todos os que pretendam entender o lugar que a ciência ocupa no nosso mundo. 

 GERALD HOLTON é professor Mallinckrodt de Física e professor de História da Ciência na Universidade de Harvard. Integra a comissão editorial responsável pela publicação dos Collected Papers de Einstein. É autor de Thematic Origins of Scientific Thought, The Advancement of Science and Its Burdens e Science and Anti-Science.

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32 – Se os Velhos Pudessem – Doris Lessing

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Esse livro conta a história de uma mulher em torno de 50 anos que se apaixona por um homem também em torno dos 50. A autora capta a dificuldade de se viver como gostaríamos nas intersecções e faz transbordar isso em Jane Sommers.

Bem, ela é prêmio Nobel de literatura e ímpar no estilo. Doris faz um mergulho profundo no personagem e isso sempre me deixa um pouco atordoada e boquiaberta. A leitura é lenta, as vezes cansativa, mas impossível não recomendá-la.

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31 – Harry Potter – J.K. Rowling

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Preciso dizer que isso é diversão pra lá de garantida???  Ao todo, são sete livros escritos por J. K. Rowling, sendo que o primeiro, intitulado de Harry Potter e a Pedra Filosofal, foi lançado no ano de 1997 e o último, Harry Potter e as Relíquias da Morte em 2007.

Harry Potter é um jovem bruxo que aparece a primeira vez quando acaba de completar 11 anos. É então, neste dia, do seu aniversário, que Harry Potter descobre finalmente que é um bruxo e os seus poderes começam a realmente aparecer.

 Porém, independente da idade de quem lê o livro, Rowling levará o leitor para esse mundo fantástico, divertidíssimo e que todos que leem sonham em um dia visitar.

Pena que acabou…

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30 – A Música dos Números Primos – Marcus du Sautoy 

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Excelente!  Um livro curiosíssimo  sobre o mistério dos números primos que passou a ser considerado o maior problema matemático de todos os tempos. O texto é acessível a qualquer leigo que tenha interesse sobre o assunto e queira navegar por um terreno mágico como o da matemática. Marcus du Satoy é professor de Oxford e também pesquisador da Royal Society. A Música dos números Primos  recebeu, em 2005, um prêmio da Academia de Ciência de Göttingen, da Alemanha, e um na Itália, para o livro de matemática mais lido no país. 

 Escrevendo de forma incrivelmente simples, Satoy nos conta que  em meados do século XIX, o alemão Bernhard Riemann formulou uma hipótese: é possível uma harmonia entre esses números primos, à semelhança da harmonia musical. A partir de então, as mentes mais ambiciosas da matemática embarcaram nessa procura que parece não ter fim. Atualmente, estipulou-se o prêmio de um milhão de dólares para quem provar a hipótese.

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29 – Um Amor Para Recordar – Nicolas Sparks

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Fui apresentada a esse autor por minhas alunas neste ano e comprei-o de presente sem nunca tê-lo lido só por ver a empolgação das meninas. Como o livro é pequeno deu tempo d´eu o ler antes de dá-lo. Acordei cedo e li nesta manhã de sábado ” Um Amor para Recordar“. Confesso que fui (e continuarei sendo) uma leitora resistente ao Nicholas Sparks. Só a capa já me deu uma certa aversão.O fato de ter vendido 5 milhões de cópias nada significa para mim.

 Como entretenimento é válido. A história é um romance sem maiores novidades: a menina, meiga. O cara, durão. Muita gente remando contra o romance…você torce, o autor quer que você chore a qualquer custo e joga pesado nesse sentido… enfim, uma boa novela escrita para se distrair e só. Como literatura, no entanto, deixa muito a desejar.

Enfim, às vezes a gente só quer entretenimento mesmo e para quem gosta de um leitura leve e divertida apenas… fica a dica.

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28 – Clarice Lispector

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Vamos combinar, em se tratando de gente que escreve assim tem que se ler toda a obra. Para Clarice, “Não é fácil escrever. É duro quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados”. “Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas”. E é exatamente isso que essa gênia faz.

Predomina em suas obras o tempo psicológico, visto que o narrador segue o fluxo do pensamento e o monólogo interior das personagens. O enredo tem importância secundária. As ações – quando ocorrem – destinam-se a ilustrar características psicológicas das personagens. São comuns em Clarice histórias sem começo, meio ou fim. Por isso, ela se dizia, mais que uma escritora, uma “sentidora”, porque registrava em palavras aquilo que sentia. Mais que histórias, seus livros apresentam impressões.

 E elas ficam para sempre dentro da gente…

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27 – Clarice na cabeceira – Crônicas de Clarice Lispector

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Para aqueles que gostam de crônicas, nesse livro encontramos a reunião de 20 textos selecionados por convidados afeitos à obra de Clarice Lispector, o livro apresenta uma leitura selecionada de crônicas publicadas entre 1962 e 1973. Abordando temas tão diversos quanto as memórias da infância, a vida, a morte, o amor, o ato de escrever, o silêncio, a maternidade e a indignação, as crônicas ganham sabor especial quando apresentadas por amigos e admiradores de Clarice, que compartilham o impacto da escritora e de sua obra em suas vidas, como Eduardo Portella, Ferreira Gullar, Marília Pêra, Maria Bonomi e Naum Alves de Souza, entre outros. Com organização de Teresa Montero, o livro complementa o lançamento anterior, Clarice na cabeceira – contos.

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26 – Caim – José Saramago

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Se, em O Evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago nos deu sua visão do Novo Testamento, neste Caim ele se volta aos primeiros livros da Bíblia, do Éden ao dilúvio, imprimindo ao Antigo Testamento a música e o humor refinado que marcam sua obra. Neste  romance, o vencedor do prêmio Nobel José Saramago reconta episódios bíblicos do Velho Testamento sob o ponto de vista de Caim, que, depois de assassinar seu irmão, trava um incomum acordo com deus e parte numa jornada que o levará do jardim do Éden aos mais recônditos confins da criação.

 Tal como o diabo de O Evangelho, o deus que o leitor encontra aqui não é o habitual dos sermões: ao reinventar o Antigo Testamento, Saramago recria também seus principais protagonistas, dando a eles uma roupagem ao mesmo tempo complexa e irônica, cujo tom de farsa da narrativa só faz por acentuar.

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25 – O Evangelho Segundo Jesus Cristo – José Saramago

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Para quem gosta de literatura, esse livro é um marco e Saramago é gênio nessa arte. Independente de qualquer agitação que o livro tenha causado, é uma das obras essenciais de Saramago- desde que o leitor não se ofenda com facilidade quando a religião é abordada sob uma perspectiva negativa.

Este livro rendeu críticas pesadas por parte de religiosos, especialmente dos católicos portugueses. Saramago conta a história já universalmente conhecida de Jesus Cristo. Com algumas modificações, é claro. Essas mudanças ocorrem especialmente no sentido de humaniza-lo, de torna-lo menos espírito e mais carne.

 Saramago era ateu, iberista e membro do Partido Comunista Português. Logo é de se esperar que seu O evangelho segundo Jesus Cristo não seja exatamente uma exaltação dos valores da cristandade, apesar do título. O conteúdo é justamente o esperado: um dura crítica não apenas à Igreja Católica e à cristandade como um todo, mas a todo o mundo ocidental.

Amei demais.

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24 – O Último Trem de Hiroshima – Charles Pellegrino

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O livro conta a história do grupo de 30 pessoas que tentou escapar de Hiroshima e chegou à Nagasaki de trem (citado no título), a tempo de presenciar a segunda explosão. Neste grupo esteve Tsutomu Yamaguchi (que morreu em janeiro, aos 93 anos) tido como a única pessoa que sobreviveu a duas bombas atômicas. Incrivelmente comovente como não poderia deixar de ser, “O último trem de Hiroshima” cumpre o doloroso e necessário papel de manter viva a lembrança do horror, na tentativa de evitar que ele se repita. Em um mundo dominado pelo fascínio audiovisual, em que as tragédias são transmitidas ao vivo, esse vigoroso relato é também um manifesto antibelicista e um alerta sobre os perigos das armas atômicas.

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23 – O Apanhador do Campo de Centeio – J.D. Salinger

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É bastante possível que você nunca tenha lido O Apanhador. Porém, muito provavelmente já leu ou ouviu alguma alusão ao livro no cinema, em jornal, revistas ou em outros livros. O fato é que este singelo romance de 1951 virou lenda ao longo dos anos, e fez de seu autor, Jerome David Salinger, um dos maiores mistérios da história recente da literatura. A pequena revolução queO Apanhador causou no comportamento da juventude americana – e por tabela, no comportamento da juventude do mundo todo – ecooa até hoje, fazendo parte da cultura da segunda metade de nosso corrente século.

 O Apanhador narra um fim-de-semana na vida de Holden Caulfield, jovem de 17 anos vindo de uma família abastada de Nova York. Holden, estudante de um pomposo internato para rapazes, volta para casa mais cedo no inverno depois de ter levado bomba coletiva em quase todas as matérias. Na volta para casa, ao se preparar para enfrentar o inevitável esporro da família, Holden vai refletindo sobre tudo o que (pouco) viveu, repassa sua peculiar visão de mundo e tenta enxergar alguma diretriz para seu futuro. Antes de se defrontar com os pais, procura algumas pessoas importantes para si (um professor, uma antiga namorada, sua irmãzinha) e tenta lhes explicar a confusão que passa por sua cabeça.

E é só isso aí. Não há nada de mais trágico, ou dramático, na história; é só um adolescente voltando para casa. A grande magia de O Apanhador é justamente esta: ser uma história de e para adolescentes, e não meramente um livro “recomendado para leitores em idade escolar”. Foi a primeira vez na literatura americana (ou mesmo na mundial) que o universo próprio dos jovens foi estudado a fundo e exposto de maneira absolutamente natural, sem nenhuma pretensão ou didatismo. As idéias, conceitos, bobeiras, burrices, enfim, toda a loucura de ser jovem, nunca tinham sido traduzidos de uma maneira tão profundamente sintonizada com a realidade.

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22 – O Andar do Bêbado de Leonardo Mlodinow

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Leitura mais do que recomendada para os fãs de obras de divulgação científica. O título do livro é uma referência ao movimento browniano. O Andar do Bêbado conta uma breve história da probabilidade e da estatística, desde os primeiros estudos a respeito de primitivos jogos de azar da Idade Média, até o início do século XX.

Em meio aos fatos históricos, o autor sempre descreve a motivação que levou às descobertas apresentadas. Se no início foram os jogos de azar, hoje em dia os esportes e o mercado financeiro podem, muitas vezes, ser explicados através de modelos estocásticos (um modelo não-determinístico).

 No decorrer do livro, há diversos convites ao leitor, para que ele deduza algumas coisas por si mesmo. Nada sofisticado que necessite de derivação ou integração: todos os problemas propostos podem ser resolvidos através de simples contagens.

Interessantíssimo! Meu livro de cabeceira há dois anos. Vira e mexe eu o pego para dar uma relidinha. =)

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21 – A Parte e o Todo – Werner Heisenberg

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Recomendadíssimo!!! Heisenberg é físico, mas escreve como um literata. O livro tem uma linguagem acessível a qualquer um. É o registro, para um público amplo, dos debates que marcaram a trajetória de um dos maiores cientistas do século, formulador do famoso princípio da incerteza e ganhador de um Prêmio Nobel aos 31 anos de idade.

“A moderna física atômica lançou nova luz sobre problemas filosóficos, éticos e políticos. Talvez este livro possa contribuir para que os fundamentos dessa discussão sejam compreendidos pelo maior número possível de pessoas.” É o que diz Werner Heisenberg (1901-1976) no prefácio dessa sua autobiografia intelectual, escrita de forma sui generis, com base em recordações de diálogos que o autor travou com Einstein, Bohr, Planck, Dirac, Fermi, Pauli, Sommerfeld, Rutherford e outros colegas.

 Quatro décadas se passam entre seu primeiro encontro com a teoria atômica, as dúvidas sobre a carreira na ciência ou na música, a fase crítica de criação da teoria quântica e o surgimento da física das partículas elementares. “Pretendi transmitir”, diz o autor, “inclusive aos que estão distantes da física atômica, uma impressão dos movimentos de pensamento [Denkbewegungen] que acompanharam a história do surgimento dessa ciência.”

Mas o livro é mais do que isso. Amante da música e da filosofia. Heisenberg passou toda a vida em contato com elas (não por acaso, seu relato começa e termina com reflexões sobre o Timeu, de Platão). Homem de ação, deixou um raro testemunho sobre a vida intelectual e política na Alemanha durante a ascensão, o auge e a derrocada do poder hitlerista: em 1919, com dezoito anos de idade, Heisenberg participou da guerra civil iniciada com a proclamação de uma República Soviética em Munique; na década de 1920, aderiu ao Movimento da Juventude, que congregava a nova geração desejosa de assumir o comando de um país derrotado; na década de 1930, contra a opinião da maioria de seus melhores colegas, decidiu permanecer na Alemanha nazista.

Nela, em fins de 1938, realizou-se a primeira fissão do átomo de urânio, façanha que abriu a possibilidade de acesso a uma nova e poderosíssima fonte de energia, passível de utilização na paz e na guerra. Os homens que haviam dedicado enorme talento e esforço à abertura desse novo campo científico ficaram perplexos. Compreenderam o que estava por vir, num mundo às vésperas de mais um grande conflito. Einstein e Fermi já estavam exilados nos Estados Unidos; Bohr permanecia na Dinamarca, que seria ocupada pelos alemães, com os quais não colaborou. Heisenberg foi um dos poucos físicos de primeira linha que participaram no esforço alemão para dominar a energia nuclear durante a Segunda Guerra Mundial. As bases teóricas da construção da bomba atômica foram rapidamente compreendidas, mas – felizmente, diz ele – os problemas tecnológicos associados a esse empreendimento pareceram insuperáveis nas condições vigentes então.

Finda a guerra na Europa, Heisenberg recebeu na prisão a notícia da bomba sobre Hiroshima. Depois de libertado pelos Aliados, foi reconduzido à direção do Instituto Max Planck, onde se dedicou a reconstruir a ciência alemã e a lançar as bases da atual física das partículas. Tornou-se membro estrangeiro da Royal Society, da Inglaterra, e recebeu a Ordem do Mérito, da França. E não esqueceu nem a filosofia nem a música, presentes até o fim nesse emocionante relato de vida.

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20 – O Jogo do Anjo – Carlos Ruiz Zafon

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Passando por diferentes cenários de Barcelona, descritos de maneira que nos possibilite imaginar que estamos ao lado de David (um dos muitos pontos fortes de Carlos Ruiz Zafón). O livro percorre também antigos cenários e personagens, existentes em “A Sombra do Vento”, como a livraria Sempere e Filhos e o Cemitério dos Livros Esquecidos. Apenas acho que o desfecho do livro foi um pouco confuso, de modo que não tenho muita certeza se o entendi. Acho que faltou, principalmente, explicar a razão de alguns eventos na história. Recentemente li no blog Devorando Livros, um palpite de que David seria esquizofrênico. Essa explicação para mim faz sentido e dá razão para o livro ser narrado em primeira pessoa e para as frequentes sensações de perseguição de David. Mas gostaria de saber outras opiniões sobre o livro. Enfim, esperei algo como “A Sombra e o Vento” e não encontrei.

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19 – A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafon

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A Sombra do Vento é um metalivro, traduzindo, é um livro que conta a história de um livro.

Daniel é um menino que descobre um livro muito bom, entitulado “A Sombra do Vento”. Gostando do livro, Daniel decide procurar por mais livros do mesmo autor, Julián Carax, e descobre que todos eles foram queimados, sobrando apenas o exemplar que possui. Daniel começa a ser perseguido, pois alguém quer queimar o livro que ele possui com o intuito de acabar com todas as obras do determinado autor. Mas quem está querendo queimar todos o livro “A Sombra do Vento”? Um dos personagens do próprio livro!

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18 – O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá – Jorge Amado

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 No meio da vasta e prestigiada obra literária do escritor Jorge Amado, encontra-se esta jóia rara que só poderia ter surgido em um momento muito especial de sua vida. Trata-se de uma história de amor criada especialmente para presentear seu filho, João Jorge, no seu primeiro aniversário, em 1948. É a história de um romance impossível, uma paixão avassaladora e fatal entre um gato malhado, tido como um ser mal e egoísta, e uma andorinha alegre e vibrante, que arrasa corações por onde passa. Um amor fadado a terminar mal, mas impossível de ser desprezado. Dizem que é literatura infantil, tudo bem, mas que todo adulto deveria ler.
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17 – Lavoura Arcaica – Raduan Nassar

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Emocionantemente belo. E tragicamente lírico. Lavoura Arcaica é livro obrigatório, faz parte da vida de pessoas em todo o mundo e nosso autor é comparado, de certa forma, a Rimbaud que abandonou sua arte para viver como mercenário na África. Mas nosso Raduan Nassar, embora também tenha desistido de escrever para espanto do mundo literário mundial, gosta de ser visto até os dias atuais como escritor, mesmo tendo se tornado um simples criador de galinhas em sua fazenda no interior de São paulo.

 Críticos e analíticos da Literatura se perguntam por que Raduan Nassar teria se afastado da escrita, da manipulação do verbo. Muitos especulam que em Lavoura Arcaica, o escritor tenha deixado expor excessivamente seu interior. Quem lê este livro pode concordar com essa conjectura. É fascinante, fantástico, uma prova de que o homem, o escritor pode desdobrar barreiras de tabus e preconceitos que nós, simples mortais, jamais imaginaríamos. E toda estória é narrada de forma lírica, trágica, incomum e muito bela. Sem igual. Eu li duas vezes e virou meu consultor de vida nas horas de angústia e questionamentos.

“Lavoura Arcaica”  ganhou, em 1976, o prêmio Coelho Neto para romance, da Academia Brasileira de Letras, cuja comissão julgadora tinha como relator o crítico e ensaísta Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde). Recebe, ainda, o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (na categoria de Revelação de Autor) e Menção Honrosa e também Revelação de Autor da Associação Paulista de Críticos de Arte — APCA.

Enfim, para quem gosta de literatura, im-per-dí-vel.

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16 – Um Copo de Cólera – Raduan Nassar

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Raduan Nassar é um autor brasileiro pouquíssimo conhecido. Ele possui uma obra não muito extensa e, no entanto, sem igual em estilo. Acho que ele escreveu só (como se fosse pouco…) 3 livros: O romance “Lavoura Arcaica”, a novela “Um copo de cólera” e o livro decontos “Menina a caminho”. Apesar de ter virado filme “Um copo de cólera”, Nassar é um autor como Saramago. Quem não ler perde muito da obra. Nassar faz de cada capítulo uma frase. O capítulo é enorme, não tem ponto, muito menos parágrafo e ele não se perde!!!!

 A história desse livro é o de menos comparado a forma, na minha opinião. A essência da história passa pelos limites de um relacionamento – o amor só se faz possível quando se tem, paralelamente, o ódio. A narrativa fala de um casal que, depois de uma noite alucinante de amor, dá início a um conflito sem fim. Conflito esse que faz com que venha à tona pontos até então nunca mencionados entre eles.

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15 – As Variedades da Experiência Científica – Carl Sagan

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Para quem gosta de discutir o tema “religião x ciência”  e não tolera o tom agressivo de Dawkins, este livro de  Sagan é uma excelente opção. Ele aborda o mesmo tema de Dawkins: Deus. Mas, ao contrário dos líderes do movimento ateísta, Sagan não menospreza toda e qualquer forma de religião. Para ele, as religiões podem desempenhar o útil papel de orientar o comportamento humano. O que critica é o fato de elas fazerem afirmações sobre ciência sem usar o método científico do ceticismo e da autocorreção. Como grande divulgador da ciência, Sagan tinha o dom de falar simples, mesmo se estivesse explicando mecânica quântica. Nas palestras, ressalta a predisposição do ser humano para acreditar nas coisas e relata equívocos históricos como a descrição dos enormes canais de Marte, no início do século XX. Mesmo refutando a visão de Deus como um “homem grande de barbas brancas e compridas sentado num trono no céu e controlando o vôo de cada andorinha”, o astrônomo não descarta a existência de alguma forma de inteligência superior, e abre uma detalhada discussão sobre a inteligência extraterrestre.

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14 – Deus, um Delírio – Richard Dawkins

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O  tom é agressivo, mas eu adorei ter lido esse livro.  Dawkins despreza a idéia de que a religião mereça respeito especial, mesmo se moderada, e compara a educação religiosa de crianças ao abuso infantil. Ele concentra exclusivamente no assunto seu intelecto afiado e mostra como a religião alimenta a guerra, fomenta o fanatismo e doutrina as crianças. O objetivo principal deste texto mordaz é provocar: provocar os religiosos convictos, mas principalmente provocar os que são religiosos “por inércia”, levando-os a pensar racionalmente e trocar sua “crença” pelo “orgulho ateu” e pela ciência.

 “Se este livro funcionar do modo como espero, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem.” – Richard Dawkins

Se não for religioso, vai gostar e se for tem que saber dialogar com o inimigo, concorda?

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13 – O Senhor dos Anéis – J.R.R. Tolkien

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Odiei. Perdi meu tempo. Horrível. No decorrer da história, Tolkien descreve o mundo imaginário dos hobbits e a luta de Frodo e Sam para destruir um fucking anel. Magia vá lá. Amei Harry Potter! Mas que narrativa mais arrastada desse Tolkien. Peloamordedeos. Nada acontece em 30 páginas! Esse é só o primeiro volume. Todos sabem que a obra é dividida em três: A Sociedade do Anel, As Duas Torres e O Retorno do Rei. Eu li o primeiro até o final na esperança de ver algo que justifique o sucesso dessa trilogia. Doei os 3 para uma biblioteca. Lixo nem tanto. É ruim, mas não é nenhum Paulo Coelho…

12 – Bisa Bia e Bisa Bel- Ana Maria Machado

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Livro infanto-juvenil??? Mas que todo adulto tem que ler! Ele foi escrito em 1981 e no mesmo ano ganhou o Prêmio Maioridade Crefisul, Crefisul (Originais Inéditos). Ficou conhecido mundialmente. Ganhou mais outros tantos prêmios. Ele c onta a história da relação de uma menina chamada Isabel com sua bisavó Bia que conheceu em um retrato de quando ela era pequena. Ana Maria Machado conta que escreveu esse livro pela saudade que sentia das avós e queria contar sobre elas para os filhos. Não imaginou que fosse fazer tanto sucesso, chegando a ser considerado um dos dez mais importantes livros infantis do Brasil. Em suma, tem que ler.

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11 – O Menino e seu Amigo – Ziraldo

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Ziraldo é gênio sem igual. Nesse livro, a harmonia ente os desenhos e o texto (e que texto, Ziraldo!) são de tirar o fôlego. Tem que ser muito macho para não se emocionar com o final do livro. Eu não fui. Deixei me envolver plenamente com o livro e no final… olhos inchados de tanto chorar… Sem palavras e, com certeza, um dos melhores livros da minha biblioteca.

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10 – Crônica de Uma Namorada – Zélia Gattai

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Zélia…Zélia… Um deleite esse livro! Um tema simples que, nas mãos de Zélia, se transforma num relato de formação minucioso  O romance acompanha as dores e descobertas da menina Geane, que precisa a enfrentar a morte da mãe e conviver com uma madrasta ao mesmo tempo que experimenta transformações físicas e o despertar da sexualidade.  Sem moldes e sem fórmulas, a menina se faz a cada pequeno golpe que a realidade lhe aplica.

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9 – Memorial do Convento – José Saramago

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Saramago é mestre. Fato. Qualquer livro seu é para ser lido, mas esse é por demais perfeito. A pretexto de escrever um livro sobre a história da construção de um convento em Mafra no século XVIII, Saramago inventou uma outra história, na qual entram famílias inesquecíveis. Uma história inventada com tanta competência que, depois de lida, passa a ser real, fazendo parte da longa e sofrida experiência humana. Imperdível.

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8 – Toda Mafalda – Quino

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Nossa! Diversão com reflexão! Amoooo meu “Toda Mafalda”!!!! Amooooo! Mafalda é realmente uma heroína ‘enraivecida’ que recusa o mundo tal como ele é. Na verdade, Mafalda tem idéias confusas em questão de política. Não consegue entender o que acontece no Vietnã, não sabe por que existem pobres, desconfia do Estado mas tem receio dos chineses. De uma coisa ela tem certeza: não está satisfeita. À sua volta, uma pequena corte de personagens mais ‘unidimensionais’: Monolito, o menino plenamente integrado num capitalismo de bairro; Filipe, o sonhador tranqüilo; Susanita, perdida em sonhos pequeno-burgueses. E, depois, os pais de Mafalda, resignados, vencidos pelo tremendo destino que fez deles os guardiões da Contestadora. Já que nossos filhos vão se tornar, por escolha nossa, outras tantas Mafaldas, será prudente tratarmos Mafalda com o respeito que merece um personagem real.

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7 – Atlas – Jorge Luis Borges

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O Aleph é um clássico dele, mas esse livro…nossa!!!! É uma harmonia etre as imagens e o texto impressionante. De uma delicadeza sem igual! Em 1984, Borges reuniu pela primeira vez num volume os relatos de suas andanças pelo mundo. O resultado é essa coletânea ímpar de breves textos permeados pelas lembranças dos locais que amorosamente visitou! Sabemos, pela Odisseia, que a viagem é um dos motivos mais antigos da tradição literária do Ocidente, e quem viaja tem sempre alguma história para contar, conforme diz um velho provérbio alemão. Especialmente quando o viajante é Borges: ao contrário do turista apressado, que quer ver tudo sem compreender nada do país visitado, ele escolhe uma paisagem urbana ou um elemento da natureza, para então criar uma breve história fundamentada num mito. Assim, é capaz de desenvolver analogias simbólicas a partir de um objeto banal, um simples mas delicioso brioche. Os mares, céus e noites das viagens aguardaram aqui um lento e silencioso trabalho de decantação no fundo escuro da experiência até se cristalizarem em imagens. Ilustrado com fotografias de María Kodama, Atlas foi o último livro publicado em vida pelo escritor argentino.

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6 – Città di Roma –  Zélia Gattai

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Zélia Gattai é uma memorialista sem igual. Não sei o que acontece,  eu me debulho em lágrimas toda vez que leio livros dela. Esse nem se fala! Ele disserta sobre a partida de duas famílias italianas no fim do século XIX, sob o frio de rigoroso inverno, a bordo do navio Cittá di Roma- os Da Col, dos Montes Dolomitas, e os Gattai, da cidade de Florença. O destino era o Brasil. Anos depois, na cidade de São Paulo, Angelina Da Col e Ernesto Gattai se apaixonaram, casaram e tiveram filhos. O início mesmo é agora, com o nascimento de Zélia. Caçula de cinco irmãos, Zélia cresceu na sua família italiana, com muita felicidade e alegria, cercada de avós, tios e primos, e mais de amigos, amigos de amigos, espanhóis, portugueses, imigrantes de muitos países. A menina cresceu, escreveu muitas histórias, contou outros acontecimentos, e aqui está, mais uma vez, para nos encantar com esta aventura que começou no porto de Gênova, na partida do Città di Roma, e atravessou todo um século.

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5 – Anarquistas, graças a Deus – Zélia Gattai

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Este livro traz as memórias da infância e adolescência de Zélia Gattai narrando o cotidiano das famílias dos imigrantes daquela época em São Paulo. Mostra os pequenos incidentes, os grandes eventos, as dificuldades, a luta, os ideais, os sonhos, … Esse é um dos meus preferidos. A autora consegue me emocionar sempre!

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4 – Livro Sobre Nada – Manoel de Barros

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Simplesmente divino!!! Este é um livro de poesia e prosa, de poesia em prosa, de “pensamentos” e fragmentos. Um livro diferente, sem um gênero definido. Na abertura de sua obra ele se explica:

[…]o nada de meu livro é nada mesmo. É coisa nenhuma por escrito: um alarme para o silêncio, um abridor de amanhecer, pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo, etc etc. O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer coisas desúteis. O nada mesmo. Tudo que use o abandono por dentro e por fora.

Com essas palavras, o autor quebra as expectativas em relação ao niilismo e reduz o nada à palavra “nada”, materializando-a para, em seguida, desmaterializá-la: a palavra incapaz de ocupar o lugar de uma imagem. O antesmente verbal: a despalavra mesmo, segundo o desejo e a esperança do poeta.

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3 – Cobras e Piercings –  Hitomi Kanehara

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Apesar desse livro ter ganho o prêmio Akutagawa, o mais importante do Japão e a autora Hitomi Kanehara ser considerada uma grande revelação eu não vi beleza alguma na narrativa e muito menos na história.

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2- Sayonara, Gangster

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Original e profundo. “Sayonara, Gangsters” é uma obra literária pós-moderna única. É como um alucinógeno criado para fãs de literatura. Nunca havia lido nada semelhante…adorei, simplesmente, adorei. #ficaadica

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1- As irmãs Makioka

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As irmãs Makioka’ traça um sutil e complexo perfil da sociedade japonesa durante os anos 1930 e aborda uma série de conflitos entre os valores japoneses e os ocidentais e entre a tradição e a modernidade. A história, que começa no outono de 1936 e termina em abril de 1941, sob o impacto da Segunda Guerra Mundial, retrata a vida de uma abastada família da região de Kyoto e Osaka, no oeste do país. As irmãs Makioka (Tsuruko, Sachiko, Yukiko e Taeko) tentam resolver juntas seus problemas familiares e arranjar um casamento para a terceira das irmãs, Yukiko, uma mulher de crenças tradicionais que aos trinta anos ainda não conseguiu se casar. Ao mesmo tempo representante da inércia das relações, esta personagem é também um estandarte da tradição.

7 comentários em “Resenhas

  1. Adorei descobrir o seu blog Elika. Achei incrível que você também seja professora de Física e goste de ler, que seja “uma prova viva”, embora baixinha (eu sou alto) de que “números e letras não precisam viver em conflito cisjordânico permanente”. Amei sua lista de resenhas e consegui em pouco tempo ler quase todas as 128 crônicas de cujos livros, li também vários. Enfim, adorei lhe descobrir e já estou seguindo seu blog. Felicidades! Ah! Também tenho um blog – Verdades de um Ser. Sentir-me-ia honrado com sua visita.
    http://verdadesdeumser.com.br

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  2. Tenho quatro filhos e minha terceira, a Isadora, começou a ler livros um pouco maiores este ano. Ela fez 10 anos em agosto e pouco depois eu comprei seu livro ” Isaac no mundo das partículas” porque ela adora ciências. Mas não disse nada. Só deixei ali. Ela amou tanto que, em sua cartinha de Natal, pede um livro “grande, de histórias, mas divertido e com o qual possa aprender coisas, como o Issac no mundo das partículas”. Perguntei se ela já tinha terminado e ela desandou a falar sobre filósofos e átomos. Enfim…recomenda algum outro livro como o seu? Abraço!!!

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