Eu no Tinder

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Sábado passado à noite, eu estava comendo miojo de tomate vendo vídeos do padre Fábio de Melo. Para esclarecer, eu não sou e nem virei católica. Apenas achei um homem perfeito para mim.  Ele é mega inteligente, fala muito bem, canta muito afinado, charmoséééésimo, hiper espirituoso no twitter, lindo, lê muito, giga estudioso, carismático ao extremo. Mas é padre. O padre Fábio de Melo. Detalhes sem importância… Sigo trabalhando firme pelo nosso amor. Enfim, estava eu e meu sábado bombando quando decido fazer algo: uma coisa ultra diferente em minha vida. Um troço que jamais sonhava em fazer. Algo de muito risco e que teria, inclusive!, que fazer escondido. Ui! Então, tcharããã!, entrei no Tinder.

Vamos ver qual é dessa budega.

A coisa é bem profunda para não dizer o contrário. Para os neófitos como eu era, vou explicar rapidamente: o Tinder é um aplicativo que colocamos no celular que aparecem fotos de, no meu caso, rapazes. Daí, ou você marca um X e dispensa sem pena o carinha, ou marca um coração e a foto dele cai para outro lado da tela. Simples. Beleza. Consigo. Super consigo fazer. Mole.

Foto na praia mostrando o barrigão sarado X.
Foto com cordãozão grossão no pescoço X.
Foto ao lado do leão no zoológico de Buenos Aires X.
Foto de selfie na academia XXXXXX.
Selfie fazendo cara de sexy. XXXXXXXXX
Foto de tatuagem do vasco no peito XXXXXXXXXX
“Sou libriano bababá bububú”. XXXXXXXXXXX
“Estou aqui para te tirar daqui”. XXXXXXXXXXX

Mas gente, não tem nenhum com o fundo de uma biblioteca atrás? Tá bom. Ok. Marquei coraçãozinho em uns carinhas sem o menor entusiasmo porque não estava vendo sentido nenhum naquilo.

Daí eu pensei que fosse só isso mesmo e já estava bocejando quando, de repente não mais que de repente, a tela muda do nada e diz que eu combinei com um lá que eu havia marcado um coraçãozinho. Como assim? Ele viu? Ai que vergonha!!! E como sabe se eu combino com ele se eu nem informei nada?

E daqui a pouco, mais “combinação” e mais e mais. Caraca! Que devassa! Que vergonha! Não tem opção de me esconder atrás da pilastra? Será que tá todo mundo vendo essa orgia em que me meti? Socorro!

E o próximo passo foi a apresentação. Nessa hora, eu já queria voltar para o meu padre… Gente, que preguiça ter que falar quem eu sou, o que faço e bababá bububú. No mais, como assim o que eu faço? Como assim o cara vai ter uma ideia de quem eu sou quando eu disser que faço pilates, por exemplo? Faço pudim também. Não sei responder isso e não consigo me explicar em uma frase. Cara, vai ler meu blog, ler minhas resenhas, ver meu lattes, ver meus vídeos, conversar com meus pais, meus alunos, meus filhos… sei lá. Como ele vai saber quem eu sou ou ter uma ideia dessa nuvem trovejante com uma frase? O que dizer numa hora dessas? Mas gente… Eu sou a soma dos quadrados dos catetos, mas pode me chamar de hipotenusa? Fala sério…

Ou então: Temente à Deus fui somente na infância, ao Diabo, nunca. Professora sou somente pelas manhãs e a tarde sinto falta. Escritora serei um dia, doutora não me sinto e flamengo até morrer. Até parece. Dançarina nunca quis ser e caixa de supermercado só quando era criança. Boa aluna quando era bem menor e rebelde fui sem causa. Míope eu sou desde os doze e mocinha também. Por fora, um pouco japonesa; por dentro, completamente negra. Minha força não está na solidão. Preciso sempre ser orientada e jamais busquei a independência. Quando durmo sonho muito. Acordada, muito mais. Quando tomo banho me distraio com o vapor que ofusca o teto e se estou limpa, leio. Não sou como me veem e muito menos o que digo. Sou, agora, aquilo que eu escrevo.

Mandei essa.

Daí o crush: oi?

Aff. Fala sério… O padre teria amado…

E o pior. Recebi três mensagens inbox  no facebook mais ou menos assim: Professora, te vi no Tinder! ahahahahahaah

Ó, senhor, no que fui me meter?

No mais, fiquei pensando… quem sou eu? Em quem me transformei afinal? Isso me perturbou um pouco. Enquanto os crushs estavam alucinados querendo saber se gosto de ir ao cinema, se faço trilha, bato tambor ou fumo, eu ficava matutando na equação escrita quando as rugas ainda não eram residentes no meu rosto, ou seja, no que planejei ser quando eu era muito jovem. O resultado foi muito diferente do esperado. Mas isso pouco importa pois agora entendo que nós não temos o menor acesso aos cálculos dessa equação.

Enfim, não faz o menor sentido sermos medidos pelo que fazemos hoje e sim pelo que sentimos desde sempre. Assim, são as incertezas descomunais e as inquietações colossais que nunca deixaram de existir em mim seja lá para onde eu olho que poderão dar alguma pista de quem sou eu. E isso não tem nada a ver com trabalho e muito menos com o que faço nos fins de semana. Como explicar isso para seja lá quem for? Assim. Do nada? Não consigo….

O Tinder não é, definitivamente, para mim. Nada contra quem o usa. Nada mesmo. É que eu sou chegada a uma apnéia daquelas e ele só permite mergulhos com snorkel. A conta está devidamente apagada. E os vídeos do padre Fábio de Melo falando lindamente bombaram como nunca na minha tela.

Amém.

A Mãe Desnecessária: A melhor mãe. Não. Péra…

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Há um texto que vira e mexe vejo alguém compartilhando nas redes sociais: “A Mãe Desnecessária” cuja autoria varia de Dalai Lama passando por Clarice Lispector e chegando a jornalista Márcia Neder. Para mim, pouco importa quem escreveu. Eu discordo de tudo.

O texto afirma que a boa mãe é aquela que vai se tornando desnecessária com o passar do tempo e toma como medida se fomos uma mãe certinha o fato de quando adultos nossos filhos não mais nos procurarem para algum conselho, pois, se tornaram seres autônomos, independentes e confiantes.

Isso para mim soa não somente falso como beira o absurdo. A minha força, definitivamente, não está na solidão. Preciso sempre ser orientada e jamais busquei a independência. E, sinceramente, não conheço ninguém completamente seguro de seus passos nesse planeta. A pergunta que nos acompanha e nos atormenta “E se…?” faz parte, acho eu, da essência e da vida do ser humano.

No mais, esse texto me incomoda porque cria a ilusão que os adultos são maduros ou, pelo menos, devem ser. Daí, pergunto-me: o que esse autor, seja lá quem for, pensa sobre maturidade? Somado ao fato de que insistem em nos dizer que somos o resultado de nossas decisões, o texto corrobora a ideia de que é possível ter certeza, um dia, de que acertamos em nossas escolhas. Já escrevi aqui no texto “Somos Mesmo Resultado de Nossas Escolhas?” sobre o quanto abomino essa ideia, mas ainda que você aceite isso, questiono se é possível ter segurança sobre uma decisão ainda mais nos dias de hoje.

Antigamente, não tínhamos lá tantas opções. Às mulheres eram dados como caminhos, digamos assim embora discorde dessa metáfora radicalmente, estudar no magistério ou casar – e uma vez casada sempre casada não importava o traste que fosse o marido. Hoje, até para comprar absorventes ficamos perdidas. Com aba ou sem aba?, com perfume ou sem perfume?, cobertura seca ou suave?, fluxo pequeno, moderado ou intenso?, e uma vez decididas todas essas opções, qual a melhor marca? Esse foi um exemplo, mas temos vários outros. Até comprar um pão requer expertise: tradicional, light ou premium?, com leite de vaca ou de cabra?, com ômega 3?, com glúten, com ovos orgânicos ou com ovos de galinhas estressadas e turbinadas de hormônios? Aff. Se no supermercado estamos assim, quando saímos dele a coisa piora. E muito. Como escolher uma profissão se nem sabemos todas que existem? Antes havia três: medicina, direito ou engenharia. Hoje podemos ser dentre muitas outras coisas trendspotter, gestor de responsabilidade socioambiental, gerente de trade marketing e merchandising, silvicultor e pesquisador de fezes de baleia. Fala sério. E ainda querem que eu não consulte a minha mãe e que faça com que os meus filhos achem certo não terem dúvidas e decidirem tudo sozinhos. Como fazer isso se eu mesma estou hiper confusa nessa budega?

O que podemos fazer, penso eu, é deixar de perguntar para nossos pais o que eles acham melhor para nós, mas impossível não perguntarmos para outras pessoas ou infinitamente para nós mesmos. E para que trocarei meus pais por outras pessoas? Nessa esteira de devaneios, na minha educação com meus filhos, eu procuro fazer com eles sempre me procurem e tenham confiança de que os ajudarei a pensar. E, para deixar claro, não porque eu sei mais do que eles. Por mais que leiamos e experimentemos, as escolhas são infinitas e o ser humano é ímpar e dinâmico se vivo estiver. Eu só sei que nada sei e a única coisa que posso fazer como mãe é conversar com meus filhos menos para lhes explicar algo e muito mais para trocarmos angústias, dúvidas e curiosidades sobre seja lá o que for.

Meus filhos não precisarão mais de mim (assim como não precisarei mais dos meus pais) quando estiverem mortos em vida. Quando, enfim, satisfeitos. Deus me livre desse conforto… Eu quero ter sempre o direito ao desatino e desejo isso também para eles. Se maturidade tem a ver com paz e descanso, quero ser uma eterna criança cansada e desesperada buscando o colo da mãe. Que eu não tenha vergonha nem medo de ainda desejá-la.

Perguntam-me: O que mais você quer da vida depois que casou, fez doutorado e teve três filhos lindos? Oras. Quero uma primeira vez outra vez. Um beijo que me traga uma sensação que nunca tive, caminhar em ruas floridas jamais vistas, estrear sentimentos, perder as virgindades que ainda trago recatadamente comigo. Quero perder o recato, quero a dúvida até o fim dos meus dias pois a certeza de seja lá o que for é o que nos mata. Zona de conforto é óbito respirando dendagente.

E, se tenho como certo que viver no plural é muito mais interessante do que no singular, faço com que a minha companhia para meus filhos seja não somente necessária como extremamente desejada. Eu não quero ser o porto seguro deles como termina esse texto “A Mãe Desnecessária”. Eu quero estar navegando pelo mar revolto ao lado deles, assim como meus pais estão em uma canoinha sempre ao lado – se não à frente – de meu transatlântico. E que fique claro, não para me dizerem: isso, minha filha, é melhor ir por esse caminho!. Mesmo porque, por melhor que sejam os pais, eles não têm bola de cristal. Eles permanecem ao meu lado para me lembrar de que as minhas ideias pouco abençoáveis formam a minha essência. Tangenciando-me sempre, eles são as melhores pessoas para não me deixar esquecer de que eu devo arejar sempre a minha biografia.

E podem ter certeza, se aumento a minha velocidade nessa viagem dependo e muito das ondas emitidas por essa canoa. Quando um dia, não tiver mais ninguém remando dentro dela, amarrarei uma cordinha e farei com que ela continue me acompanhando porque a presença deles será para sempre necessária nem que seja em forma de ilusão ou saudade que é quando sentimos a presença de alguém distante dentro de nós.

Se não sou uma boa mãe desejando com que meu transatlântico navegue, agora, ao lado de navios do porte de petroleiros que são, como vejo daqui, os guiados pelos meus filhos, paciência. Se incentivo os meus filhos a conviver com a dúvida e fugir das certezas, mais paciência ainda. Se sou anormal e quero ser uma mãe necessária que fortalece a estrutura do cordão umbilical a cada dia em que convivemos, Je m’en fous du passéI! É normal termos o colesterol, triglicerídeos, pressão, sono e ansiedade controlados por remédios e acharmos que vivemos com saúde. É normal gastarmos rios de dinheiro para viajar e chegando ao lugar do destino perdermos tempo tirando e postando fotos e mal percebendo o que está a nossa volta. É normal chegarmos em casa reclamando para mostrarmos, a nós mesmos e aos outros, que trabalhamos muito e tivemos um dia duro, como se isso fosse algum tipo de mérito… Quero distância da normalidade.

‘Normal’ nada mais é um conjunto de hábitos admitidos pelo consenso social que, na realidade, são patogênicos em graus distintos se observarmos bem. Ser uma mãe desnecessária é considerado necessário, bacana, o normal a ser feito. Está nos manuais de auto-ajuda, dos psicólogos, nos compartilhamentos nas redes sociais e, como diz Chico, consta nos astros, nos signos, nos búzios, tá lá no evangelho, garantem os orixás! E ainda consta na pauta, no Karma, na carne, passou na novela, está no seguro e pixaram no muro essa cascata! Dane-se Dalai Lama, Clarice Lispector, Márcia Neder. Seja quem for que escreveu que tenho que ser desnecessária para quem eduquei, dane-se. Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas, os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos, profetas, sinopses, espelhos, conselhos. Que se dane o evangelho e todos os orixás.

Serei necessária.

Serei para sempre mamãe precisando de mamãe.

Terapia: Sessão Privada.

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Hoje eu fui ao banheiro no CEFET. Para quem não sabe, dou aula de física lá. A princípio seria só aquilo de sempre, trocar umas ideias com a dona Celite, mas mal sento no trono começo a ouvir vozes. Eram duas meninas conversando.

– Foi isso, Fê. Agora eu não sei mais o que faço!

– Calma, Ju. Vamos recapitular.

Daí, pelo barulho, a Fê entrou na cabine bem ao lado da minha de forma que mesmo que eu não quisesse ouvir nada, não teve como, gente. Juro. Mal pude me concentrar no meu serviço solitário.

– Vai falando, Ju, estou te ouvindo. – disse a Fê trancando a porta.

E eu quietinha no bocão.

– Bom, primeiro o Mateus disse que estava precisando estudar e que não podia sair comigo final de semana. Eu entrava no WhatsApp e via que ele estava online o tempo todo. Depois, na segunda, ele estava super frio comigo, mas disse que me amava e coisa e tal. Na terça, estava todo esquisito. Perguntei a ele se estava tudo bem e ele disse que estava com uns problemas em casa, mas depois que eu perguntei se ele ainda me amava ele disse que me amava sim. Ontem, do nada, terminou tudo!

– Homem não presta! Tudo brocha, amiga! – sentenciou a Fê.

– Daí, eu não sei se insisto em saber o que está acontecendo. E se o Mateus estiver precisando de ajuda? Não seria meu papel, já que estou super bem de cabeça, ajudá-lo? – viajou a Ju.

– Ah não sei, amiga… Manda uma mensagem para ele!

– Mandei! Passei a minha aula toda de matemática mandando. Perguntando se ele queria conversar e coisa e tal.

– E ele?

– Ele visualizou todas. Mas devia estar enrolado prestando atenção na aula dele, tadinho. Ele anda estudando muito. – alucinou.

– Não sei não, Ju. – Disse a lerda da Fê.

E eu quieta…

– Será que o celular dele está emprestado? De vez em quando ele empresta pro João por causa da calculadora dele que é científica e calcula seno. – desvariou a Ju.

– É. Pode ser… – disse a Fê sem noção.

– Vou procurar ele na saída. Vou ficar na porta da sala dele para não me desencontrar dele. – desatinou a coitada.

– É. Pode ser. – falou a burra da Fê.

– Ah não! Isso não! – Gritei enquanto apertava a descarga cheia de atitude!

– Oi?
– Ãhn?

– Qual o problema de vocês duas?!? – abri a porta e saí direto para a pia. Enquanto lavava as mãos com firmeza continuava: – Prestenção, criatura, você não me conhece, mas eu conheço bem essa cilada. Acredita nos sinais, Ju, pelamordedeos. Não vai atrás de Mateus nenhum. Mateus não quer mais nada com você. Se quisesse e tivesse o mínimo de consideração e fosse mais homem teria aberto o jogo lá no final de semana! Mas homem é assim mesmo. Tudo covarde. Acredite nos sinais, Ju!

– Mas… mas…, tia.

– E tu não me chame de tia, Ju! Meu nome é Elika Takimoto, a rainha das sofrências! E a senhorita vai fazer o que estou falando: não vai ficar em porta de sala nenhuma, está me ouvindo? As pessoas só fazem com a gente aquilo que a gente permite! Você se dê o devido valor, dona Ju, senão não haverá Mateus, Antônio, Marcelo ou Carlos que te valorize!

– A senhora acha mesmo?

– Acho nada. Tenho certeza. Mateus não ama Ju porque Mateus despreza Ju. Mateus amanhã pode amar Ju? Pode. Mas hoje não ama. Porque quem ama dá carinho e não desprezo. Quem ama não fica falando que ama e vai embora. Deixa o homem sentir a sua falta! E se não sentir, ele quem perde. – falei olhando a fofurééésima da Ju quase que pela primeira vez.

Sei que consegui convencê-la a ir para casa, ler um livro, ver um filme e deixar o Mateus em paz e mais tarde, mais lá um pouco para frente, dar uma de Jesus e amar o próximo.

Se fiz bem se fiz mal, eu não sei. Mas recebi um abraço mega carinhoso com muitas lágrimas. Ajudei a Ju a limpar o rosto e fiz com que ela me prometesse que pelo menos durante uma semana ia ficar na dela. Foi quando a Fê saiu da cabine.

Fê olhou para mim e disse:

– Amanhã te trago a Marina. A senhora vem sempre aqui neste horário?

Enfim, meninas, agora tenho uma nova função. Das 8:00 até 8:20h, para quem quiser, terças, quintas e sextas estarei no banheiro do CEFET ao lado da lanchonete para dar uma sacudida e aquela força para quem estiver na sofrência.

Faremos bonecos de vodu caso traga foto do crush.

Beijo obrigada de nada.

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Créditos do título: Lucas Avelar.

O Amor que Me Escapa

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Quisera eu refazer o Meu Amor, como no instante da Criação onde não havia o tempo, portanto, o passado, como se tivesse reduzido a um nada todas as decepções e dores que causamos um para o outro e qualquer indício que elas permeariam o nosso futuro. Quisera eu refazer um universo novo sem pretéritos imperfeitos com exceção de uma coisa: que ele, também, ainda quisesse viver ao meu lado.

Sinto-me na obrigação de lembrar sempre o que vivemos juntos, tal como um imigrante de outro continente se esforça por não esquecer a língua natal para poder em muitos momentos recordar do berço pátrio que, por certo, não tornará a ver. Não trabalho as minhas recordações na esperança de descobrir uma lei de causas e efeitos e dar o fenômeno como compreendido. Tudo o que nos acontece pelo qual o amor permeia, o melhor a fazer é não tentar entender, posto que, no que possuem de inesperado e imprevisível parecem não regidos por leis racionais e sim mágicas, quiçá divinas. Diante o espetáculo do mundo dos sentimentos, impossível fazer o elo entre dois momentos, tudo fica tão incerto e anacrônico como se estivéssemos no plano onírico.

Eu, amante, plena de sofrimento e uma imaginação permanente, busco, em vão, adivinhar por qual motivo sou incapaz de atrair para mim o objeto amado. Ou então, se o atraio, por que ele não se aproxima e insiste em se comportar como a Lua que mantém a mesma distância da Terra tendo em vista a enorme força de atração entre esses astros? Mais esquizofrênica ainda é essa ideia que se apossa de mim e me impede, covardemente, de querer ver quem ainda amo. Por amar, não posso sequer sentir o cheiro sem que seja perturbada por um desejo de tudo o mais que me tira, perante a quem amo, a sensação anestésica de amar.

Não importa o que se tenha ouvido, lido, estudado e vivido. Diante de um Grande Amor, somos como Einstein em tempos de escola. Queremos a imaginação e não o que nos querem impôr. E preparamos os elementos que nos iludem como preparam para um doente pratos deliciosos, mas que piorará seu estado de saúde ao ingeri-los. Somos mestres em aceitar a existência própria de uma miragem, de dar a certas pessoas que vemos uma áurea que só emergem nesse encontro e, depois, desenvolvida somente em nós – que seguiremos recusando um outro amor, pois nos acostumamos por demais ao lugar no qual habitávamos. Toda música nova, toda pintura diferente, todo estilo novo de escrever sempre há de nos parecer, ainda que preciosos, por demais fatigantes e dão-nos a impressão de uma falta de prazer. Não queremos orientações alternativas, desvarios da nossa bússola interior.

O mal mais cruel de tudo é que sou eu mesma a artesã consciente e paciente do que me adoece. A única coisa que me interessa continuo tornando impossível, criando pouco a pouco, pela distância que se prolonga de meu amor, não a sua indiferença, mas a minha, o que vem a dar no mesmo. Nesse preciso instante em que me perdi de Meu Amor, pois estou resolvida a não mais lhe pedir atenção, sinto por ele mais e mais ternura e tudo o que sentia quando podia vê-lo todos os dias; nesse preciso instante a ideia de que algum dia sinta o mesmo por outro homem parece-me odiosa porque me rouba a outra muito mais cara: a do Amor Verdadeiro. Movimentei a minha vida para uma determinada pessoa e, quando ela não mais está comigo, prefiro viver prisioneira da moradia que só a ela era destinada do que a liberdade que pixa os muros dessa casa feita com tanto carinho. Senhor, desacorrente-me dessa escravidão.

Ando tão sozinha… Por mais que eu escreva, que eu converse, a verdade que quero nas palavras de nada adianta diretamente pois sofre de evidências. Sempre dizemos o que necessitamos dizer e que o outro jamais alcançará, pois o dizer é coisa destinada somente para nós mesmos. Será necessário que se decorra o tempo para que se possa formar em quem me ouve e me analisa uma verdade da mesma espécie que a minha. Como o adversário político que, diante das provas e de todos os documentos, considera traidor e ladrão o da doutrina rival e quando passa a acreditar no que lhe falaram já não mais interessa àquele que tentava esclarecê-las, isso pode acontecer com o leitor, o amigo e o analista. Esses, muitas das vezes, pioram tudo ao dar-nos conselhos deformados pela miopia que cada um carrega. Mas, nesse trabalho de acabar com O Amor, todos que se envolvem estão muito longe de desempenhar o papel tão importante como o de duas pessoas que, por excesso de bondade de um lado e do outro, de egoísmo, costumam desfazer tudo no tempo em que tudo estava para se consertar. Porém, dessas duas pessoas não guardamos mágoa nem conseguimos odiá-las pela razão que uma delas, a última, é quem eu amo e a outra, eu mesma.

Mas… quem sabe a felicidade, de novo, chegará para mim? O risco que corro é ela chegar quando não a poderei desfrutar, quando já não mais restar a saudade por ter ela virado hábito e, portanto, indolor e cômoda como um vizinho em silêncio. Tomara que, ao aproximar da felicidade, ainda que tardia, ela seja a mesma cuja falta me fez tanto sofrer. Só há uma pessoa capaz de resolver essa situação. Os que padecem de amor são, como se dizem aos doentes, os seus melhores médicos. Como não podemos achar consolo fora que provenha de quem amamos, em nós mesmos tratamos de fazer o remédio. O diabo é achar a fórmula correta para a droga que, ao menos, amenize os sintomas. Enquanto não a encontro, continuo elocubrando e rindo à toa quando consigo em um cochilo sonhar que estou feliz ao lado dele e ele me diz que nunca mais me fará padecer.

Essas constantes visões, essas miragens, esses devaneios e desejos, no que tocam o homem que não mais me quer, como no caso dos filhos desaparecidos, saber que nada se tem mais a esperar não me impede de continuar a esperar. Mesmo diante da certeza da sua morte, a mãe acredita que o filho voltará miraculosamente com fome e frio, portanto, pronto para receber seus carinhos e cuidados. Somos obrigados, para tornar a realidade ao menos suportável, a alimentar dentro da gente algumas pequenas loucuras. O ponto culminante do meu dia não foi aquele em que me arrumei para sair colocando a roupa que melhor me vestiu, mas o que consegui perfeitamente imaginar despindo-me novamente para o Meu Amor.

Elástico é o tempo quando amamos, quando estávamos juntos o estreitávamos e agora, separados, encho e dilato minhas horas com tantas divagações….

O Amor da Nossa Vida

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Estava aqui lendo Proust (fala sério, gente, eu sou mega burguesia cultural insuportável), quando recebo o telefonema da Nara, minha filha adolescente, que acabava de sair de um ensaio.

– Mãe! Encontrei o homem da minha vida!

Nara faz cursos de teatro, dança, canto e bababá bububú lá em Copacabana. Num desses ambientes, apareceu um rapaz bonito, mais experiente que ela na carreira artística e que lhe ajudou em um ensaio lá pelas tantas. Ele explicava, ela ficava olhando com aquela cara de quem olha para um pote de nutella munido com uma colher. Entendeu, Nara?

– Ai, mãe!, eu nem havia prestado atenção!, acredita? Ele me perguntou quanto tempo eu estava estudando canto e o que mais eu fazia! Disse que sou afinada! Mãe! É o homem da minha vida! Tem que ver que fofo ele me ensinando as coisas! Quero me casar com ele, mãe! – Falava ela como se houvesse encontrado um vestido que lhe vestisse muito bem.

Nessas horas, eu tenho que fazer o meu papel de mãe e ponderar algumas coisas mega válidas.

– Ele é neoliberal? – Perguntei.

– Ai, mãe, mora na zona sul, já trabalhou para a um empresa americana… será?

– Ele é vegetariano?

– Não sei, mãe…, pode ser que sim.

– Ele tem cara de quem adotaria uma vira-lata?

– Tem super cara disso, mãe.

– Tem nada! Você não o conhece, minha filha!

Resolvi dar meu cheque-mate na conversa:

-Qual o signo dele?

(Não que isso importa para mim, mas sei que Nara é desse tipo que sabe se um relacionamento vai dar certo ou não olhando a data de nascimento dos namorados.)

– Não sei, mãe! Mãe! Ele NÃO pode ser de libra! Mãe! Se for de libra… eu teria que ver o ascendente… Eu super dou errado com librianos…

– Você não sabe nada desse rapaz e diz que ele é o homem da sua vida? E se for gay?

– Mãe! Não importa! Isso tudo que você falou são detalhes! Não dá pra ficar se pegando nessas pequenas coisas e, depois, agora ele me conheceu, né? Eu estou aqui para mudá-lo! Ele vai super ser desses que adotam vira-lata e se orgulham disso, vamos conhecer Cuba, comer só coisas que não têm cabeça, vamos andar de mãos dadas pelas ruas do Rio, ver filmes com o Johnny Depp e Helena Bonham Carter, ele vai aprender a cozinhar e vamos ser ricos cantando juntos! Não é lindo, mãe?

Nara estava com a Primavera no estômago. Que máximo…

O rapaz apareceu na aula como assistente do professor, resolveu ajudar a Nara e ela assimilou isso tal como aquelas cenas de filme onde o cara aparece no aeroporto no último segundo só pra pedir pra mocinha ficar. Nem acreditei… Incrível como Nara cresceu e está pronta para viver em sociedade. Viver a vida intensamente. Ter um relacionamento sério. Orgulho de ver minha filha iniciando o ciclo: apaixonar-se loucamente, viver o amor, desiludir-se, tomar rivotril fazer terapia engordar emagrecer e querer virar um monge budista desapegado. Se ela der sorte, o ciclo se passará ou muito lentamente, a ponto de não dar tempo de passar para a fase 3, ou terminar rápido demais e deixá-la pronta para iniciá-lo novamente.

Nara me disse que iria desligar e fazer algumas coisas importantes antes de pegar o metrô e depois o trem para Madureira. Mais tarde, a gente veria juntas o que era preciso para a cerimônia. Ok. Beijo, filha. Beijo, mãe!

– Mãe! – Ela, em menos de um minuto – Descobri! Ele pode ser de esquerda! Ele estuda na UFRJ. É de gêmeos! Hétero e compartilhou vídeos de animais! Agora estou indo para casa! Beijo de novo, mãe!

Nara stalkeou o príncipe todinho, gente.

Cá para nós… Ainda que ele tenha votado em Aécio, goste de bife mal passado e tenha um gato persa, eu sei, Nara sabe e todo mundo sabe que o amor entre o futuro-marido-da-Nara-do-momento e ela pode acontecer de verdade, pois, o amor debocha da nossa razão. Referenciais não nos enchem de desejo. Buscamos um parceiro tal como os animais: pelo cheiro. Talvez um pouco mais do que isso: pelo mistério, pela paz que a pessoa nos traz ou pelo tormento que ela nos provoca. Ama-se por aquilo que o beijo nos oferece. Pelo o que sentimos quando tocam a nossa nuca ou quando nos explicam o que não entendemos com um jeito suave, ainda que não prestemos atenção em nenhuma palavra dita.

O amor, cuja fórmula matemática é: eu fofa + você fofo = casamento eterno, não requer consulta prévia, não se dá a stalkeamentos.

O amor da nossa vida gosta de clichês, portanto, o amor da nossa vida não é aquele que nos leva a Paris e sim traz Paris para dentro da gente. Não nos faz querer a chegada da Primavera; o amor da nossa vida é a nossa Primavera.

É isso. Cá estou pesquisando na internet umas casas de campo bem bonitinhas para sugerir a eles como moradia.

Sobre Sexo, Virgindade, Sacanagem e o Amor com Tudo Isso.

sexo

Lembro-me de quando era criança e qualquer coisa que perguntasse para a minha  mãe sobre sexo ela desconversava ou respondia frases sem nexo cujo efeito era me fazer pensar mais ainda fixamente sobre o assunto. Recordo-me de ter tido uma curiosidade simples. Havia lido a palavra hímen na Revista Contigo que circulava pelos salões de cabeleireiro. Corri e perguntei à mamãe que diabos era aquilo. Minha filha, veja bem, olha, prestenção, bem, hímen?, ok, enrolava-me mamãe para finalmente responder: é uma pelinha que fica na perna e que quando a moça casa ela some. Valha-me Deus… aquilo havia sido muito pior do que entender a Santíssima Trindade! Mas, mãe, como a pelinha vai saber que eu casei? Ah, Elika!, vai brincar! Você não tem maturidade para entender isso! Conclusão: fui aprender o significado do vocábulo praticamente quando ele estava com os dias contados dentro de mim.

Exageros à parte, quando soube do que se tratava, fui questionar mamãe do porquê uma coisa que bloqueia a entrada da vagina que tem a função de proteger as meninas durante a infância dos riscos das infecções genitais estava conectado com a minha dignidade. Obtive como resposta que ele servia também e, principalmente, para que os maridos soubessem, de fato, se a sua esposa era virgem ou não, já que a tal pelinha se rompia na primeira relação sexual. E eu que fizesse o favor de proteger a minha pelinha a sete chaves sob o risco de, além de queimar no fogo do inferno por toda a eternidade, morrer solteira! Mamãe bateu na madeira e fez o sinal da cruz depois desse antológico conselho. Ah! E tem mais, minha filha, se o moço insistir, não ceda! porque todos fazem isso para nos testar! Não jogue no lixo a sua reputação e seu futuro! Eita nóis…

Mamãe nasceu em Itajubá, uma cidadezinha que fica no sul de Minas e chegou a ser freira. Tudo bem que ela foi expulsa do convento por ter mandado a madre superior para o Inferno, mas os valores de mamãe não foram exorcizados com esse fato. Como tantas de sua época, casou-se virgem. Fui educada para fazer o mesmo e a pressão para isso era terrível e vinha de tudo quanto é lado. De vovó, das tias, das primas mineiras e de algumas amigas tão aterrorizadas como eu. Ah! E do padre. Numa confissão que havia feito, que me rendeu quase uma hora rezando sabe deus quantos pais-nossos e mais outras tantas ave-marias, o reverendo me explicou calmamente a parada toda que seguia mais ou menos essa sequência: Primeiramente tem que se entender o significado da aliança que é a decisão de amar outra pessoa até morrer. Isso posto, é importante que se saiba que Deus fez uma aliança conosco e que, na Bíblia, para oficializar qualquer aliança dessa natureza há um derramamento de sangue. Geralmente, um cordeiro. Se a moça quiser, de fato, ter uma aliança no dedo e ser alguém para a sociedade, há de provar que é merecedora disso para seu parceiro. A verdadeira aliança ocorreria quando o marido visse o sangue no lençol na noite de núpcias. Virgem santa…

Esse papo havia me aterrorizado por completo. Daí que fui entender o branco da noiva e, uma vez isso tudo devidamente esclarecido, desejei jamais adentrar uma igreja para me casar. Cremdeuspai… A ideia d´eu entrando e todos me olhando sabendo que eu ia dar pela primeira vez naquela noite me enchia de constrangimento. Como assim, gente? Isso sim era, literalmente, uma pouca vergonha! Como pode essa exposição de uma intimidade que só diz respeito à moça e ao seu amor? Jamais! Isso nunca aconteceu e, de modo algum, ainda acontecerá comigo! Sei que atualmente perder o celular é motivo de muito mais drama e estardalhaço do que perder a virgindade, coisa que as meninas têm tirado de letra e as vezes até com a mão. O trauma, portanto, dessa educação esquizofrênica incapacita-me de colocar um vestido branco, ainda que seja só na imaginação, de uma forma leve e alegre. E sim, ainda sou virgem como verão os que me lerem até o final.

Como não fiz terapia, não é raro me ver também assustada pensando nas coitadas que foram obrigadas a se casar virgens e passar por toda aquela presepada, humilhação, vexame e exibição. Penso nas tímidas, nesse sentido, como eu. E quando considero as noites de núpcias de antigamente juntamente com o repúdio que a sociedade dirigia às desquitadas, Jesus… meupadinciço… aí me compadeço com tudo de mim das mulheres que foram tratadas com pouco carinho sabendo que assim seria para todo o sempre; das enrustidas, por medo de serem mal faladas; das frígidas, das que não viram beleza em um pênis ereto, das que morreram sem atingir um orgasmo, das que quiseram experimentar outros homens, das que deram e nada receberam. E não foram poucas, sabiam? Para se ter uma ideia de como funciona a nossa sociedade, somente no início do século 21 aprovaram por unanimidade a exclusão do termo “mulher honesta” do Código Penal. Antes disso, a definição de um crime sexual era: “Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude”. É claro que o sentido de “honesta” é uma mulher virgem, casada, pudica, casta. Se desonesta, o cara era absolvido sob aplausos. Minhanossinhora…

Nunca falei sobre sexo aqui por ser um assunto tenso para mim (dado o pouco que aqui foi exposto que não corresponde a 10% da história). No entanto, hoje deixo o pudor de lado para explicitar o meu conceito de sacanagem e virgindade. Comecemos pelo último que, na minha opinião, não está conectado ao sexo em si, ao rompimento da pelinha na perna, como diria a minha mãe. Aliás, este é um conceito um tanto elástico quanto alguns hímens. Pelo modo que o entendo, todos nós, homens e mulheres, de uma forma ou de outra, morreremos virgens. Por mais que já tenhamos amado, gozado, seduzido, capturado, experimentado, por mais que sejamos rodados, não há experiência amorosa que se repita, pois as nossas paixões são variadas e nos transformamos demais a cada dia a ponto de sempre sermos novatos mesmo com vinte anos de casamento.  Sobre sacanagem queria registrar que se te contaram que tu és uma metade da laranja e que o amor é quando encontramos a outra metade, te sacanearam. Nascemos inteiros e não vamos colocar nas costas do outro a responsabilidade de sermos felizes porque isso sim é tipo ménage-à-vingt-trois! O amor, penso eu, se dá quando alguém pega a gente, laranjas inteiras rolando pelo mundo, e nos dá a sensação de ter nos colocado de volta à árvore. Sentimo-nos internamente florescer, amadurecer, vivos e, como dizia Aristóteles, no nosso lugar natural.

Isso tudo colocado, finalizo. Sexo sem amor é bom, interessante, quiçá intenso e inesquecível, mas não transcende. Com amor, o sexo se torna mega. Metafísico. E, pelo orgasmo – não nosso e sim de quem nos acolhe – recebemos a explicação de nossa existência e percebemos, até de olhos fechados, o verdadeiro movimento das estrelas.