Eu, Jesus e o Magistério

jesus

É comum na minha profissão – que é ser professora – encontrar colegas desanimados. O pior dessa apatia é a (ilusória) nostalgia. Ficam lamentando dos alunos que não temos mais e vivem dizendo: “no meu tempo…” Aff.  O próprio professor se deprime apoiado em uma nebulosa memória do aluno perfeito que foi no passado. Tratemos do que temos na nossa frente e entendamos e aceitemos essa nova realidade de braços abertos. Se ele não sabe as operações básicas da matemática, reclamar disso não vai fazer com que ele aprenda. Se ele acha que ao ler Cinquenta Tons de Cinza, Paulo Coelho e similares está se aproximando do mundo da literatura cabe a você alfabetizá-lo. Se ficar no terreno do imaginação sonhando com o perfeito e apegado ao passado não vai produzir nada.

O desânimo reina e o discurso de que os alunos estão cada vez piores prevalece. Mas pensemos em um figura conhecida por todos: Jesus. Quer você seja cristão, ateu, budista, hare chrishna, não importa. Se mora no Brasil, sabe de quem estou falando e um pouco de sua história (ou lenda). Recordemos.

Jesus, dizem, teve 12 alunos que foram todos escolhidos por ele. Nós temos, em cada turma, em torno de 40 cujo fato de estarem sentados na sua frente nada tem a ver com a nossa vontade e o nosso conhecimento em relação a eles.

Os 12 alunos de Jesus tinham aula dia e noite. Foi tempo integral se não me engano por três anos. Os nossos alunos nos veem duas vezes na semana ou nem isso.

Os 12 alunos de Jesus largaram tudo para segui-lo. Os nossos sequer largam do celular e não querem acompanhar nem por cinco minutos nossos pensamentos.

Jesus fazia milagres. Diriam alguns colegas, nós também. Concordo, mas Jesus falava levanta-te e anda para um paraplégico que saía correndo pelas ruas de Israel ou algo que o valha. Ou seja, o que estou querendo dizer é que Jesus não dava somente aulas teóricas, mostrava na prática o que a sua ciência era capaz. Melhor ainda: as aulas eram ao ar livre. No mais, Jesus andou sobre as águas enquanto nós temos que tomar cuidado para não tropeçar no tablado. Ele transformava água em vinho. Nossos alunos sequer frequentam laboratórios ou têm aulas práticas e quando as têm é manca, pois carece de uma certa magia.

Ainda assim, após 3 anos o que aconteceu justamente na última prova do quarto bimestre? Os seus três melhores alunos caíram no sono enquanto Jesus chorava sangue. O tesoureiro do grêmio delatou o mestre ao diretor por trinta pontos na média final. Pedro, o líder da turma, negou que Jesus havia lhe dado aula três vezes diante do coordenador da disciplina. E os outros nove? Fugiram. E sequer deram as caras no dia que Jesus estava sendo crucificado pelos pais dos alunos e por toda a sociedade.

Ah sim. Tem João. Ele foi até lá mas o que fez ele para impedir o linchamento? Pois é. Nada. Ainda que consideremos João como o aluno que deu certo teremos um sucesso de menos de 10% dessa empreitada, considerada baixíssima, diga-se de passagem, pelos padrões do MEC.

Jesus estava morto. Mas o carinha entregou os pontos, chutou o balde ou desanimou? Não. Acreditem. Apesar de toda essa história, ele voltou três dias depois para dar aula de recuperação nas férias. Reuniu todos que não tiveram média para passar de ano e disse: eu em verdade vos digo que vos darei mais uma chance. Jesus, como sabem, gostava usar a segunda pessoa do plural.

Qual foi a surpresa de Jesus quando Pedro, considerado um de seus melhores alunos, presidente do grêmio perguntou: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?” . Mas gente…  Um de seus alunos mais inteligentes não havia aprendido patavinas!

Rendimento de todo o esforço de Jesus ao final: 0%. Jesus padeceu? Não. Dá-lhe novos milagres, exercícios, aulas práticas explicadas com muitas parábolas para os alunos entenderem, vinho, pão, trilhas ao ar livre… nada. Ao final, Jesus sobe aos céus no meio do clarão das nuvens, um espetáculo que se compara aos fogos de Copacabana na virada do ano, e babau. Nunca mais voltou mas, bem ou mal, todos se lembram do que ele disse (até mesmo quem nunca teve aula com ele diretamente) quando a porca torce o rabo porque os que o ouviram perceberam que Ele acreditava no que dizia e tinha amor verdadeiro pelo o que fazia.

Então, meu caro colega de trabalho, se com Jesus que foi Jesus assim contam que aconteceu, por que tem se descabelado? Primeiro de tudo lembremos de como a auto estima e a confiança de Jesus era enorme: o cara simplesmente dizia que era o Filho de Deus e mandava ver. Nós estamos enriquecendo psicólogos, psiquiatras e a indústria de fármacos. Qual professor já não teve o pesadelo de perder o controle total de uma sala, especialmente na noite mal dormida que antecede o primeiro dia de aula? Segundo: como melhorar? Oras, eu não sei ao certo, mas tenho alguma ideia inspirada nessa lenda (assim considero) de Jesus.

A história conta que o Mestre disse: Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo. Quem quiser ser líder deve ser servidor. Se você quiser liderar, deve servir. Então, meu amigo, pergunte-se qual o motivo de ensinar tal coisa, qual a relevância, qual a utilidade de tal leitura. O professor é o primeiro que deve saber como tal conhecimento transformou a sua vida. Você acha que já está formado e preparado para esses novos alunos dando a mesma aula que lhe deram há 20 anos atrás? Que tal vencer a si mesmo para começar?

Os artistas de hoje foram aqueles que foram rebeldes na época de escola ou os que tinham o nome entre os dez primeiros melhores alunos em nota? Será que a sua irritação com a turma indisciplinada não é uma espécie de raiva por saber que eles estão querendo aprender algo que lhes seja de fato útil?

Enfim, inspiremo-nos em Jesus e parafraseemo-lo: Ame o seu aluno como a si mesmo e não faça com ele o que você não quer que façam com você.

Deus, Jesus e Duvivier

Querido povo terráqueo,

Aqui quem fala é Deus. Tenho acompanhado vocês faz um tempo e sei que dispenso explicações de minha, digamos, pessoa. Resolvi interferir diretamente e de forma clara desta vez porque parece que as coisas fugiram do controle a ponto de um tal de Duvivier escrever em nome de Jesus se dizendo de esquerda e que já voltou à Terra disfarçado de prostituta, escravo, transexual, cachorro de chinês e sei lá mais o quê. Até aí, vá lá, tudo bem. Mas ele errou feio, errou rude quando disse que a nossa biografia é a Bíblia. Lendo as Escrituras fica confuso concluir algo sobre meu filho e Eu.

Vejam os Dez Mandamentos, por exemplo. Respondam-me: vocês deveriam honrar a vontade de seus pais se eles me pedissem para quebrar algum dos outros mandamentos? Vocês podem roubar para prevenir um assassinato? É certo quebrar o sábado santo ou mentir para salvar a vida de alguém? Percebem como o bem e o mal são relativos? Não dá para tomar esse livro como verdade absoluta se cada um pode interpretar de um jeito e ainda assim todos estejam corretos.

Se existe o Bem e o Mal, como vocês afirmam, como podem dizer que Eu, representando o Bem, estou no comando dado o estado calamitoso em que vocês se encontram? Como vocês justificam o câncer, os micróbios, a difteria e milhares de outras doenças que atacam as crianças comigo no poder? Vocês acham realmente que se eu fosse O Bom, O Criador e acima de tudo O Protetor isso tudo seria possível? Já contou a quantidade de pedófilos nesse mundo? Acham que Eu, O Bondoso, os criei? Quantos inocentes morrem por causa dos ciclones, dos terremotos, da pestilência e da fome? Se Eu sou o Bom e O Criador como podendo criar um mundo sem dor criei deliberadamente o contrário? Pensem, meus filhos. Reflitam peloamordedeos.

Vocês criaram conceitos que, para mim, são extremamente confusos e que não consigo sequer pensar a respeito. Comecemos pelo Amor. Muitos dizem que ele não acaba, o que não me parece verdade. Outros dizem que é um sentimento que só faz o bem, mais um equívoco gigantesco dado o número de crimes e o estado em que muitos de vocês ficam. O amor que vocês criaram vem junto de outros sentimentos que não me parecem coisa boa como ciúmes, tormentos, medo, insegurança, saudades e coisas assim que tiram a paz de qualquer amado, amante e amador tomado aqui no sentido de quem ama.

Outro conceito extremamente confuso e ininteligível é o de liberdade. O que é ser livre para vocês afinal? Quanto custa a liberdade? Como ser livre com regras que limitam e explicam essa tal liberdade? O mundo é um obstáculo para a liberdade? Um escravo pode ser livre? Dentro de seja lá qualquer sistema econômico de vocês, faz sentido falar em liberdade? Vocês se acham mesmo livres para mudar? Não é possível entender esse mundo com as palavras e conceitos que vocês criaram…

Até com a morte eu fico confuso depois que vocês passaram a existir. O que é morte depois do ser humano ter existido? A morte mata exatamente o quê? A morte liberta? Como vocês podem sentir falta de algo que nunca tiveram? Para quem teve verdadeiramente um amigo, não será a sua ausência a mais forte das presenças? É preciso estar vivo para semear uma amizade? Só há um jeito de estarmos vivos? A morte é compatível com o sentido da vida que vocês acham que existe? A morte é ou não o fim? Existimos depois de morrer?

E acrescento mais: Os pensamentos são reais? Tudo o que existe é material? Podem os mortos terem acesso a vocês? Podem os mortos compreenderem mais do que os vivos? Podem os mortos lhes ajudar senão pelas obras de arte que criaram quando vivos? As palavras que vocês criaram apontam para alguma realidade? As palavras criam mundos? O tempo que vocês inventaram, mensurável pelos relógios, é real? Há tempo por extenso? Um incêndio pode ser belo? Por que é tão difícil a comunicação entre vocês? O que vos conduz à verdade? A Verdade pode ser um ponto de vista? Um daltônico sabe o que é vermelho? É legítimo mesmo sem provas crermos em algo? Vocês são mesmo racionais? Os instintos podem estar certos ou errados? Por que é que vocês se preocupam com o passado? Quem vocês são agora determina quem serão amanhã? Pode o sentido da vida de vocês parecer sem sentido? São os deuses astronautas? Vocês podem conhecer algo inconscientemente? Não provar a culpa de alguém prova a sua inocência? Onde é que as palavras criadas por vocês se encontram com as coisas que Eu criei? Vocês conhecem melhor o mundo através dos sentidos ou através das ideias? Vocês escolhem mesmo o futuro?

Enfim, queria mostrar que as palavras são controversas e que a despeito do texto do Duvivier ter sido muito bom, ele, digamos, pecou quando mencionou que Eu e meu filho temos uma biografia pois é impossível nos descrever e falar sobre nós pelas palavras.

Em relação ao Malafaia não posso dizer nada porque não o conheço muito bem. Perguntem pro Capeta.

Fiquem em paz e bebam menos refrigerante.

Beijos divinos