Lei.Tu.ra.

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Eu tenho esperanças de que o Brasil melhore e carrego também a extrema necessidade de alimentá-las já que tenho filhos. É necessário acreditar em um país mais digno e assim, no meu dia a dia procuro fazê-lo. Como acreditar na solução para o nosso Brasil se para que os homens se entendam precisam conversar e para qualquer lado que se olhe a gente se sente no pátio na hora do recreio no meio de um bando de meninos de dez anos de idade? Em verdade vos digo: eu sonho. E pouco me importo se estou no terreno do onírico vendo a realidade, pois, já dizia o recém-falecido-mestre Eduardo Galeano: Me aproximo dois passos, a utopia se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.

Para que criemos um país mais justo, com menos desigualdade social e pessoas que não se incomodem em diminuí-la, com menos crimes, um país onde não se veja sequer a necessidade de diminuir a maioridade penal pois todo o sistema de, digamos, correção funcione, para que não haja policiais agindo conforme bandidos, para que não haja mais bandidos e os policias ocupem a maior parte do seu tempo de trabalho com um sorriso no rosto cumprimentando a população, para que não haja crianças nos sinais de trânsito pedindo esmola, para que a palavra esmola não faça sentido um dia, para que homens respeitem mulheres, para que todos respeitemos as minorias e também a maioria, para que se combata o crime e qualquer tipo de degradação moral, a arma contra tudo isso pode e deve ser feita de papel. No meu modo de ver as coisas, para combater à violência, a nossa arma deve ser: leitura. Se para cada mulher espancada, livros fossem difundidos; se para cada morte por bala perdida em uma comunidade, livros fossem  distribuídos nas adjacências; se para cada criança morta por policiais, uma biblioteca fosse erguida no local… Não seria um meio bem eficaz de ir mudando a cabeça da sociedade para melhor? Se ao invés de investir em melhorar a polícia, ou se gastar tempo discutindo a diminuição da maioridade penal, debatêssemos formas de implantarmos mais bibliotecas públicas nas comunidades e direcionássemos a verba para erguê-las, a criminalidade, ao certo, diminuiria.

Não posso deixar de mencionar que um tipo de violência que percebo é essa quantidade de remédios que nos são indicados para ingerirmos. Fiz uma pesquisa por alto e sei que na comunidade médica há muitos hipocondríacos. Por outro lado, nossos médicos andam muito doentes e tomando, também, drogas demais. Então, meu sonho inclui a cura pela leitura. Alguns exemplos: Para estresse: Luis Fernando Veríssimo. Insônia: Senhor dos Anéis. Ansiedade: Proust. Depressão: Kafka. Confusão: Clarice Lispector. Déficit de Atenção: Rubem Braga… Parece-lhe razoável? A mim, bastante. O poeta Affonso Romano de Sant´Anna me contou uma história de um doutor chamado Ronaldo Tournell. Há tempos ele começou a comprar livro para seus pacientes e percebendo que muitos melhoraram, fez uma biblioteca para eles e eis que algo maravilhoso acontece: um paciente começou a se recuperar de forma ímpar e se recusou a ter alta porque queria terminar de “ler” uma determinada história. O médico sabia que aquele paciente era analfabeto e perguntou como assim ele estava lendo?, e o doente se explica: o paciente do leito ao lado lê para mim e eu leio na leitura dele. A doença, em parte, era de fato a falta de leitura.

Evitando deslizar para o profético, mas ainda no plano especulativo, afirmo que estamos mal e maus porque andamos simplificando muito pela nossa limitação de abstrair, de fantasiar, de voar. Assim como temos que caminhar (e os médicos não cansam de repetir que estamos muito parados), precisamos também ler porque, penso eu, literatura é uma sinvastatina natural. Através do livro, eliminamos as gorduras tóxicas da nossa imaginação. Conflitos, metáforas, ritmos alucinantes dos parágrafos, a complexidade das frases e a escultura de uma história passam um tipo de conhecimento que nenhuma conversa,a meu ver, pode ter. Os autores disponibilizam para a gente um instrumento, um tipo de lente para se ver alguns aspectos da realidade. Não estou falando somente do estilo que se percebe pelo modo como se escreve, estou apontando algo além disso: o modo como se vê o mundo. Mais ainda, não estou também querendo dizer com isso, abusando do clichê, que um universo se abre diante dos nossos olhos. Também. Mas dependendo do autor não somente isso. Há autores que nos mostram com maestria personagens, armas, conflitos, uma história envolvente. Fato. Mas há Autores que nos emprestam lupas e microscópios para que reconheçamos realidades diante das quais seríamos como os míopes sem Eles. O que eles escrevem eu chamo de literatura e é a ela que me refiro quando prego a leitura.

E nem sei se é tanto especulativo assim esse meu discurso sonhador. Olhando para os países que saíram da miséria e hoje são considerados exemplos de cultura e educação, percebemos o quão fundamental foi o incentivo à literatura. Muitos não têm os recursos naturais que temos, mas têm muito mais bibliotecas e livrarias nas ruas. Até os mais humildes sabem que a leitura é um poderoso instrumento de resgate social. Outro dia, já contei por aqui pelo blog, um garoto trocou as moedas que lhe daria como esmola pelos livros que estavam no banco de trás do meu carro e pertenciam ao meu filho caçula de oito anos. Seus olhos brilharam quando pedi para que escolhesse um. Eu acabei dando todos diante a felicidade do menino que sabia o valor exato dos livros.

As frases, por vezes difíceis de serem assimiladas, de sua aparente inutilidade e perda de tempo, são uma grande isca. Uma vez que mordemos, somos puxados por um anzol que desencadeia em nós uma série de interrogações, perplexidades, devaneios, interpretações, batalhas, epifanias.

Ler é preciso.

Ler é sobreviver.

Ler é desancorar-se.

Lendo o mundo se recria. A gente ouve “era uma vez” e abre-se um mar de possibilidades, inclusive a de melhorarmos um país.

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A obra que ilustra esse texto é do artista Sérgio Ricciuto Conte. Mais preciosidades como essa, encontramos aqui:  www.sergioricciutoconte.com.br

Os Pais Educam. A Escola Também.

Não concordo de forma alguma com frase “os pais educam e a escola ensina”. Primeiro que acho que a grande maioria das escolas não ensina nada e sim adestra o aluno a fazer prova. Entre fazer uma boa prova e aprender efetivamente um assunto, segue daí uma distância infinita. Depois penso que a maior educação que podemos dar é o exemplo e isso um bom professor pode ajudar e muito.

Eu sou professora de física e completamente apaixonada pela literatura. Na minha biblioteca, os livros competem entre si nos temas. Há tantos livros de ciência como há de romances, crônicas e contos e também de religião. Enfim, sou amante da leitura e, como todos sabem, também da escrita.

Quando chego para dar a minha aula de física, peço para que os meus alunos coloquem na mesa o livro que estão lendo. Tenho vários motivos para fazer isso: o primeiro é que quero, de fato, saber o que eles leem. Mas há outras razões: quando uma diversidade de livros começam a aparecer, é normal que eles olhem os livros que os colegas estão se distraindo. Animal curioso que nós somos, não raro vejo eles pedindo para dar uma olhada no livro do amigo. E temos absolutamente de tudo: Paulo Coelho, 50 tons de Cinza, Harry Potter, Stephen Hawkings, Clarice Lispector, Gregório Divivier…

Conforme o ano vai acontecendo, a quantidade de alunos que leem aumenta perceptivelmente. E todos os anos percebo esse fenômeno acontecer. Se antes 30% colocavam um livro na mesa, percebo rapidamente mais de 50% da turma lendo dois meses depois das aulas terem iniciado. Na verdade, eles podem estar me enganando para eu ficar feliz, mas não acredito que sejam todos gaiatos assim.

Vale observar: não acho que quem não lê seja burro. Longe disso. A minha defesa pela leitura não é para a pessoa ficar mais inteligente, pois eu leio muito e tenho tremendas limitações de raciocínio. Acredito que lendo nos distraímos de forma saudável e um universo se abre diante dos nossos olhos. É um hobby como outro qualquer, mas muito fácil, barato, viciante e sem nenhuma contra-indicação. Se benefícios trouxer como passar a ver o mundo com mais atenção, escrever melhor, compreender um assunto com uma maior profundidade, ficar mais articulado e mais concentrado… tanto melhor.

Ler é um hábito. Se os pais não leem, dificilmente o filho gostará desse passatempo. Mas, se na escola ele percebe que outros da mesma idade que ele conseguem se divertir e crescer de uma certa forma pela leitura é natural que esse desejo e a curiosidade o dominem.

A leitura é, sobretudo, uma fonte inesgotável de prazer, penso eu. Dando bom dia dessa forma para meus alunos faço com que muitos deles sintam essa sede e passem a beber dessa fonte. O exemplo é dado não por mim, professora, e sim pelos próprios companheiros de turma.

A escola serve sim senhor para educar ao permitir que esse tipo de coisa – dentre outras tantas – aconteça.