Meu Ventre

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Yuki, meu caçulinha de oito anos, teve que ser entrevistado para a diretora da Escola de Música dizer se ele poderia ou não ser matriculado na aula de bateria. A entrevista foi hoje, 26 de Fevereiro, às 15h, no Méier. Ele estava nervoso e veio no carro questionando que estava querendo aprender justamente porque nada sabia e que aquela entrevista não fazia sentido. Concordei com ele, mas era protocolo da escola e vamu que vamu.

Ele entrou. Trinta minutos se passaram e eu do lado de fora sentindo como se ele estivesse numa entrevista de emprego.

– Pode entrar, mãe. Me disse a diretora mega séria cheia de óculos e notícias abrindo a porta e segurando-a para que eu adentrasse depois daquela interminável meia hora.

– Nunca vi nada igual, ela assim começou. Ele tirou nota máxima em ritmo, memória, resistência física, compreensão, raciocínio lógico e musicalidade. Essa entrevista é sempre feita para orientarmos os pais a fazer algo que ajude a criança a aprender música. Yuki, para minha grande surpresa, não precisa fazer nada. Seu filho já está pronto. É só lapidarmos esse diamante. E ele é nosso! Você vai fazer essa matrícula agora. O professor já está avisado que ganhou um presente em forma de criança. Mas você me lembra muito alguém. Você é irmã da Nara?

Nara, minha adolescente de dezesseis anos, começou a estudar canto nessa escola e fez um pouco de piano clássico lá também. Hoje faz aulas de Teatro Musical e estuda canto em uma das melhores escolas de música do Brasil com a Chiara Santoro e Mirna Rubim, na zona sul do Rio.

– Cof Cof. Eu sou a mãe da Nara.

Muitas festas, parabenizações e perguntas sobre o paradeiro dela.

– Nara foi a nossa melhor aluna aqui! Ela é outra que tem tudo!!! Já está pronta!

– Meu filho Hideo também estudou aqui.

– Você é mãe do Hideo??? – Hideo, meu primogênito de vinte a tantos anos, chegou a circular também por lá em aulas de canto. Hoje faz bacharelado em guitarra no Conservatório Brasileiro de Música.

– Caramba! Que ventre é esse, menina? Parece um palco! Não há nascimentos e sim estréias!

Vou dizer uma coisa para vocês…Chorei. Ventre que é palco foi lindimais de ouvir.

Que meus filhos continuem tornando o mundo um lugar mais agradável de se viver. Para tanto, todo o meu tempo e meu dinheiro continuarão sendo usados de forma prioritária para que eles continuem consumindo arte e aprendendo a fazê-la.

Estou extremamente orgulhosa e feliz!

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Qual o WhatsApp do Cachorrinho?

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Hoje, Nara, minha filha cheia de dezessete anos, me contou uma história que vivenciou ontem depois que perguntei para ela porque ela estava rindo sozinha. E ouvi mais ou menos isso:

Ai, mãe!, encontrei o amor da minha vida! Fui buscar Marie Curie no veterinário e quando estava voltando bem devagar porque Marie estava operada uma porta se abre lentamente de uma casa voltada para a rua, exatamente quando eu estava passando.

Fiquei olhando a porta se abrir…

Um cachorro dourado enorme, maravilhoso, peludão sai e logo atrás dele o amor da minha vida! Ele, também enorme, maravilhoso e peludão me deu um sorriso lindo!!! Sem que eu perguntasse, ele me falou:

– Ele não morde. – E me piscou com aqueles olhos cheios de verde esperança.

Ai ai… E o dono…também parecia que
nasceu para me dar carinho…

– Ele tem whatsapp? Ele votou em Aécio ou Dilma? Ele gosta de ler o quê? O cachorrinho estuda onde? Ele gosta da série Sherloque Holmes? O cahorrinho lindo gosta de vacas ou as come? Qual o signo do cachorrinho fofo?

Enquanto olhava para ele hiper piscante, sonhando com as nossas futuras viagens mega românticas, rindo por nada, só pelo fato de ele existir no mundo e atravessar o meu caminho com um cachorro lindo e me trazendo tantos sonhos lindos, Hideo chega e fala antipaticamente empurrando as minhas costas.

– Bora, Nara.

Com a delicadeza do Hideo quase caí e quando acordei o amor da minha vida estava todo sem graça, certamente sem saber como lidar com as minhas gargalhadas saídas assim do nada, só de vislumbrar as respostas para todas aquelas ingênuas perguntas.

Fiquei pensando como seria os filhotes da Marie com aquele cachorro lindo… Depois me lembrei que voltava com ela do veterinário justamente por ela ter sido castrada e que não fazia sentido perder tempo pensando então nos meus netos peludinhos.

Meus sonhos, porém, estão longe de um bisturi, mãe. Por isso cá estou eu, contando para você sobre o amor da minha vida.

Ai ai…

Depelamordedeos!

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Nara, minha filha adolescente, resolveu depilar a perna com um tal de veet. Comprou a parada sem me consultar. Enquanto eu tomava banho, ela me chega no banheiro com essa budega. Quando eu estava me enxugando, olhei para ela e vi que a criança mal sabia como abrir a embalagem. Peguei uma faca e trucidei o plástico já possessa.

– Pronto. Quem mandou você comprar isso? – Perguntei com a faca de ponta em riste.
– Se eu uso gilete os pelos ficam grossos. Com isso não. – Respondeu ela calmamente e giga animada abrindo e cheirando tudo.
– Aff. Quem disse isso?
– A moça.
– Da propaganda. Só pode. Essa merda não arranca pelo pela raiz, sua retardada.

Aqui é assim. Sigo à risca o que mandam os psicólogos: os pais devem falar claramente com seus filhos.

– Dá no mesmo, não entende? – Continuei didaticamente. – Isso só usa quem tem alergia à lâmina. Mas dá no mesmo. Só que é mais caro. Bem mais caro.

– Nada disso. Você vai ver! – Disse ela empolgadaça.

Saio do banheiro e deixo ela dois segundos sozinha. De longe, senti o cheiro de sei lá. Amônia com enxofre eu acho. Mó nhaca de laboratório de química pesada. Quando a vi, ela estava totalmente besuntada com aquela porcaria.

– Ó senhor! Você nem fez o teste para ver se é alérgica a essa meleca? Você pode se queimar toda e ficar manchada para o resto da vida!
– Ahn? – Disse ela com cara de assustada e com o corpo todo branco de veet segurando uma esponja que veio junto.
– Ai Jesus! Essa porra derrete pelo! Já imaginou se der um ruim? Um xabu? Já pensou se isso fura a sua pele?
– Você está me assustando!
– Olha o cheiro forte dessa merda, minha filha! Custava testar uma pequena parte primeiro? Não ouviu falar da Valeska Urach?
– Quem é? O que aconteceu quando ela passou veet?
– Ai meu deus. Ela quase morreu querendo ficar bonita. É uma sei lá. Outra burra inconsequente dessas popozudas ex BBB.
– Desde quando você sabe de BBB? – Perguntou Nara correndo pro chuveiro.
– Ai, meu padinciço, eu leio jornal e acesso o feicebuque dez vezes por dia, Nara! Sou mega antenada em tudo! Valeska Urach está em todos os jornais! Mas pouco importa isso. O que importa é que você pode se intoxicar. Ter um choque anafilático, minha filha! Suas pernas vão cair, Jesus!

Enquanto ouvia minhas informações mega procedentes, ela esfregava o corpo alucinadamente como se tivesse saído do esgoto.

Conclusão: Não caíram nem as pernas e nem um pelo sequer da guria. Tá com as coxas que parecem membros de macaco, coitada. Nara disse que quando eu grito a budega não funciona e o meu dinheiro vai literalmente pro ralo.

Mais essa. Agora tenho que ficar em silêncio enquanto o filho come superbonder para economizar. Faz sentido isso??? Fala sério!

A visão dessas crianças é toda muito deturpada e exagerada, né? Ainda bem que eu sou mega ligada, equilibrada e raciocino super rápido por aqui.

Cá com meus botões

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Virou febre. Listas, listas e mais listas. Lista de 100 coisas que se deve fazer antes de morrer, 50 lugares que você deve visitar antes de ter filhos, 20 sintomas que você é infeliz, 30 livros que vão mudar sua vida, 20 filmes que vão te deixar culto, as 10 profissões mais felizes,aff… e tem até números quebrados!, outro dia li “24 sinais que sua filha é sua amiga”. Bah, que diabos essa exatidão toda?

Para mim, basta um tiro certeiro. Antes de morrer, todos devemos perdoar; antes de ter filhos, precisamos ir ao topo da montanha para pensar se, de fato, queremos; para saber se é infeliz, basta pensar se é melhor dormir ou acordar (os felizes amam dormir e não se sentem mal por isso); leia Rubem Braga e jamais será o mesmo; veja o filme que tiver vontade e se lixe para ficar culto (caso contrário irá ter problemas para dormir); trabalhe com o que mais te desafie…

Ah. E para saber se a minha filha é minha amiga, para mim, foi, como defendo, suficiente uma experiência:

Andava eu deprimida com a vida no centrão muvucado de Madureira com a Nara. De repente, ela vê uma loja de máquinas de costura onde havia bacias e mais bacias cheias de botões. Ela gritou “olha, mãe!” apontando para aqueles recipientes de plástico.

Corremos ao mesmo tempo para meter a mão até o fundo das tigelonas e ficar mexendo para lá e para cá nos botões pelo simples prazer de ver ondas de botão feitas por nós e senti-los passando por entre os dedos. Botões. Muuuuitos botões. De vários tipos e tamanhos! Fizemos tudo isso em silêncio e rindo de alegria por viver essa ímpar e maravilhosa experiência sensorial. Meu deus como é bom meter a mão em um bacião cheio de botão.

Bastou. Ali eu vi. Nara é a melhor amiga que posso ter. Mostrou-me muita beleza e um interessante prazer em pleno inferno. É quem eu quero sempre ao meu lado.

Quer saber? Nada de listas. Para bom entendedor, uma atitude vasta.

Nos Embalos de Quinta à Noite

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Hideo, meu filho de vinte e poucos anos, chegou em casa um dia desta semana querendo conversar comigo. Papo reto. Mãe, é o seguinte. Quero fazer dança de salão pra pegar mulher igual o Leonardo. Tô precisando dar uma investida nisso. Ué. Faz. Respondi. Mas, mãe, o problema é que eu não sei dançar e queria que você fosse comigo para eu não ficar isolado. Daí você seria meu par.

Bom, de dança o que eu sei dá até para fazer apresentação na rua com os  meus amigos, os postes. Quando me deixo levar pela música, posso ir para um posto e passarei desapercebida como um daqueles bonecos que soltam ar pelos braços. Eu, definitivamente, ia mais atrapalhar Hideo do que ajudá-lo.

Vai, meu filho. Deve estar assim de senhorinha cheia de ginga e doida por um garotão como você. Me deixa quieta no meu canto.  Disse eu honestamente. Mas justamente disso que quero me livrar, mãe! Senhorinha por senhorinha, eu prefiro você.

Avaliei o desespero. O caso era sério. Hideo estava de verdade determinado a conquistar novinhas com passinhos marcados de bolero e samba.

– Formô. É nóis.- Falei eu com pena do meu filhote.

Quinta, na hora combinada, lá fomos nós. Quando estávamos saindo, Nara, minha filhota fofa adolescente, quis saber o que iríamos fazer. Assim que contamos, ela bateu palmas rapidinho, disse que legal!, e se juntou ao comboio.

Ao chegar ao salão onde era a aula, uma surpresa. Ao invés de senhorinhas animadas, uns doze senhorzinhos sorridentes e cheirosééésimos. Três mulheres somente contando com a professora. Bastou uma olhada rápida para perceber que a conta não fechava. Mas vá lá. Vamos ver qual é dessa aula.

Assim que foi dada a liberdade de escolhermos o par, eu e a vaca intrusa da Nara voamos no Hideo. Planei por último, perdi. O senhorzinho de blusa coral cheirando a Azarro me puxou.

Sete oito nove e um dois três quatro esquerda e um dois três quatro direita. Lá estava eu, tronco amador, rodopiando no salão mega concentrada contando até quatro infinitas vezes.

Troca o par. Sete oito nove e um dois três quatro vai pra frente e um dois três quatro vai pra trás.

Nara estava muito pior do que eu. Parecia uma múmia. Quando nossos olhos se cruzaram, ela veio em minha direção, puxou-me para um cantim para fazer uma observação: mãe, o senhor ali falou que ele me comanda, mãe! Que é o homem que conduz a mulher. Mãe! Que lugar mais machista é esse que estamos! Eu quero conduzir aquele senhor-rexona! Shhhh, Nara. Era só o que me faltava! Quer fazer a marcha das vadias em plena aula de dança? Vai pro balé dançar sozinha ou aceita o cabresto! Mas, mãe! E aquela história toda de dominação… Sete oito nove e um dois três quatro. Caguei para Nara, agarrei o Absinto que estava me esperando.

Depois de todo mundo ter contado até quatro com pares diferentes, eu finalmente fui dançar com Hideo. Daí, dá licença, me soltei. Senti-me nos Embalos de Sábado à Noite. Não aguentava mais contar até quatro! Vai, Elika, arrebenta! Ouvi do além. Mãe! Para, mãe! Mããããe! Está todo mundo olhando!

Sosseguei. Foco no objetivo principal! Lembrou o futuro Don Juan. Ok. Parei. Ensinei, então, calmamente,  meu filho encalhado a me conduzir mostrando como o Quasar e o Água de Cheiro haviam feito comigo.

Enfim, acho que vamos além dessa aula experimental viu. Voltamos eufóricos e assim que Nelson chegou do trabalho, mostramos alegres os passos que aprendemos. Bora. Sete oito nove e um dois três… Cada um em um tempo diferente. Uma troço de doido mesmo.  Nelson entendeu que se tem uma coisa que a gente precisa é aula de dança. Deu-nos força para continuar. Apoio moral é o que há.

Assim foi o nosso fim de tarde desta quinta e, até que Hideo consiga conquistar uma menina dançando, será assim, pelo visto,  nos próximos meses. Quiçá anos. Não sei qual será o final disso, mas pelo início já valeu.

Carta aberta à minha filha Nara (que neste ano é minha aluna)

Nara querida,

Há muito penso sobre a minha prática profissional. Tenho percebido e sentido mudanças internas, mas as externas estavam ainda muito tímidas para se fazerem visíveis. Até que a sua presença fez tudo urgente em minha vida. Quando decidi ser sua professora foi não somente porque eu queria fazer mais ainda parte de sua vida, mas porque eu queria que você tivesse o melhor profissional à seu dispor e eu teria que me fazer muito superior ao que sempre fui. Ninguém, por mais física que saiba, faria para você algo com tanto amor e coragem como eu estou fazendo. Bem sabemos, minha filha, o quanto essas coisas fazem a diferença em nossas vidas. Eu sabia, como mãe, que a melhor forma de você aprender, seja lá o que for, é ensinando e que você sempre vai me ensinar quando estiver aprendendo. Como professora, por que teria que ser diferente? Em nenhum momento de sua vida, vi você aprendendo algo sentada de boca fechada e parando de aprender quando um ser em pé na sua frente decidiu que o que foi falado era o suficiente; nunca te vi assimilando qualquer coisa ouvindo somente as respostas às perguntas dadas por mim mesma. Todo e qualquer conhecimento por você adquirido começou com uma interrogação sua e não com uma afirmação minha, começou com a sua curiosidade e não com a minha autoridade materna. Você, Nara, sempre esteve no comando de seu aprendizado. Por que na escola teríamos que agir de forma diferente?

Ao ver o discurso de profissionais que ajudei a formar, percebi que estava, sem saber, imersa nesse sistema que se auto-reproduz “naturalmente” e ajudando a fortalecê-lo. Perguntei-me: em que medida eu ajudo os meus alunos a formular o conceito de ‘ciência’, ‘cientista’, ‘método científico’, ‘saúde’, ‘vida’, ‘organismo, natureza’, etc. ? Em que medida eu estimulo meus alunos a refletirem sobre esses conceitos?

Há tempos sei que a física que eu ensino é um desserviço para a sociedade. Eu estava somente fortalecendo os vínculos com correntes político-educacionais que apenas alimentam a mera reprodução de um sistema que sempre esteve a serviço da elite e que ajuda a mantê-lo. Veja que não é sem motivo que as cotas são recebidas com asco por muita gente, não é sem propósito que sou rotulada como romântica, intelectual, burra, ingênua e defensora de bandidos quando falo em direitos humanos. Eu já sabia que teria que semear com muito cuidado para fazer brotar um outro tipo de cidadão que tenha uma outra forma de vida material e cultural e seja capaz e enxergar as novas relações sociais. Não era simples, não era fácil. Estava estudando há anos de que forma sair dessa bolha. Até que você apareceu como aluna e toda a minha timidez e covardia sumiram de repente, não mais que de repente.

Sempre quis que a educação formasse um sujeito reflexivo, crítico, que fomentasse a emancipação popular e não mais que ela fosse a responsável pela formação de indivíduos acríticos, obedientes e conformistas, contribuindo para manutenção de um quadro de inércia coletiva diante das questões sociais. Na história da educação brasileira, Nara, até mesmo na época da ditadura, a legislação educacional não deixou de mencionar, como principal finalidade do processo educacional, a formação do cidadão. Há muitos paradigmas de cidadania e tenho pensado muito qual está sendo adotada na educação: para as elites condutoras ou para as massas a serem conduzidas? Analisando os documentos oficiais, a resposta foi clara. Afinal, não podemos e não devemos considerar que a escola pode se aproximar de instituições vinculadas não aos interesses concretos do povo, mas sim aos interesses dos processos produtivos? Se tomarmos em consideração que vivemos em um país que condenou milhares de pessoas a uma vida demarcada por condições de miséria, desemprego, violência, e demais indicativos de condições sociais inaceitáveis e as políticas sociais que o atual governo está implantando, o assunto ‘cidadania’ deverá ser, no mínimo, mais esclarecido. E em verdade, em verdade vos digo, minha filha, que o ensino de física, há muito praticado por mim que seguia O Padrão, contribui como um instrumental de formação política e não-reflexão sobre as mazelas do país e do mundo, além de influenciar a postura do indivíduo diante dos problemas que nos afetam diretamente como a saúde pública, por exemplo. Perdoe, Senhor, eu pequei tanto…

Eu via a necessidade de mudar, Nara, mas não sabia como. Até que você apareceu sentada à minha frente e  virar a mesa ficou fácil. O tempo urgia com seu olhar de aprendiz e eu não podia te passar de forma alguma que a física é um conhecimento compartimentado, isolado de outros. Não podia deixar você pensar que a minha aula terminava quando a de história começava e muito menos que a matemática é a única forma em que a natureza se manifesta para os cientistas. Não queria que você estudasse em uma escola em que os professores competem entre si em grau de importância da disciplina que leciona. Não me permiti estimular a ideia de que há uma diferença entre ciências exatas e todas as demais. Não posso aceitar você pensar que não pode ser engenheira porque gosta de literatura, pois nós, Nara, não somos tal qual o monstro criado pelo Dr. Frankstein. Um ser feito de pedaços. Nós fomos criados inteiros e tudo de uma só vez. A visão de você decorando fórmulas para uma avaliação me dava náusea. Não quero que você use o mínimo de seu cérebro como depósito de algum tipo de informação. Quero você usando-o para conectar os dados que lhe são apresentados. Que você analise-os, critique-os e reflita sobre eles.

Repudiei a imagem d´eu dando uma nota ruim para você e isso ter algum significado sobre a sua inteligência. As provas, definitivamente, não são capazes de medir a tua capacidade e nem a de ninguém. E as que eu fazia, antes de te ter como aluna, serviam apenas para provar quem estava mais adequado a viver no mundo do passado ou pronto para repeti-lo. Se você não estiver no seu tempo de assimilar o que tenho para te dizer, esperarei o momento certo sabendo que estou lidando com um ser altamente capaz de entender absolutamente tudo o que quiser. Não posso forçar nada porque isso seria um crime. Não posso fazer com que você acredite que errar seja uma coisa ruim e aprenda a evitar o erro. Quero ver você errando, minha filha,  e feliz com isso. Quero que você se orgulhe de seus erros e não os compare com os de ninguém. Quero você e todos os seus amigos errando quantas vezes forem necessárias até aprender e acertar. E não terei pressa para isso.

Não podia imaginar você se esforçando para alcançar a média imposta e, pela necessidade de se viver e aprender coisas mais úteis e mais belas, não se esforçar para passar com nota máxima na minha matéria. Não quero que você se contente por passar de ano se você não deu o que há de melhor em cada etapa do seu aprendizado e quero mais!, quero que isso seja o natural nesse processo.

Portanto, querida, se hoje você e seus amigos têm uma professora completamente fora do padrão, saiba que é porque estou envolvida até o último fio de cabelo para fazer que a escola em que vocês estudam, ao contrário de tantas outras, não veja o ENEM como o futuro e sim vocês como cidadãos. Luto por um CEFET em que os melhores alunos não sejam aqueles que acumulam mais informações e sim os que aprendem a gerá-las; luto por um CEFET em que os melhores alunos não sejam aqueles que se adaptam à escola e sim aqueles que fazem a escola se reinventar para melhor servi-los.

Sonho por uma escola em que os alunos não são ensinados e sim aprendam. E que todos percebam essa enorme diferença.

Com amor e esperança

Mamãe.