Jogo do Bicho

Lk e Yuki

Acabei de ler para o Yuki Fábulas de Monteiro Lobato. Meu caçula de nove anos ficou triste como ficamos ao terminar uma deliciosa viagem. Na tentativa de resgatar o humor dele, propus um jogo que chamei de Jogo do Bicho.

– Seguinte, meu filho, eu falo um bicho e você o descreve para mim e vice versa, valeu? Três, dois, um… avestruz!

– É o bicho que come de tudo. Igual a você. Agora eu:Borboleta!

– Pisca com as asas como as pálpebras quando estamos apaixonados. Algumas moças se comparam a elas. Grande injustiça com as borboletas. Cigarra!

– São artistas. Tudo gente boa. Mas quem escreveu as fábulas não curte muito o estilo musical delas. Cegonha!

– Cegonha…ih coitada. Pagam pelo crime que não cometeram. Muita gente põe culpa na Cegonha… Touro!

– É um boi com um quê a mais. Tipo mais feliz ou mais completo. Sei lá. Parece mais macho mas também tem mais chifre…

– Faz sentido, meu filho… jacaré!

– Sorriem como sorriem os ladrões. Dragão!

– Dragão não é bicho, Yuki. Nem tem nas fábulas. Mas vamos lá. É um bicho inventado e completamente desmoralizado por São Jorge. Girafa!

– Não existe.

– Como não, Yuki? Você já viu no zoológico até!

– Não acreditei que fosse real. Não existe. Peru!

– Primo pobre do pavão. Essa foi mole.Elefante!

– Gigante. Como você, mãe.

A brincadeira acabou porque não dá para falar e beijar ao mesmo tempo.

Yukiblog

Arrumando a casa

Tudo em seu Devido Lugar

Hoje resolvi arrumar a casa. Coisa que nunca faço porque sempre tem algo melhor a se fazer, tipo dessarrumá-la mais ainda. Comecei pelo quarto dos meninos.  Aqui em casa, Yuki de 9 anos divide o quarto com Hideo de 22.  As baquetas de bateria do Yuki estavam em cima da guitarra do Hideo que estava na cama do Yuki repletas também de gibi da Mônica, livros do Ziraldo e CDs de bandas de rock que não consigo guardar o nome. Não sei de quem é o quê. Como dormiram hoje com tanta coisa em cima da cama? Ou depois que acordaram jogaram tudo em cima dela? Não entendo. Pela mesa, a dúvida persiste. Encontro partituras e desenhos feitos à mão do Angry Birds que não consigo identificar qual dos dois os fez. Os chinelos tanto do Super Homem quanto do Incrível Hulk virados de cabeça para baixo. Esses garotos querem me matar, pensei.

Desisto.

Vou para o quarto da Nara, minha filha linda que adolesce. Flores murchas em garrafinhas de água vazias nas janelas. Sei que não posso mexer. Ela gosta dessas coisas que mesmo depois de mortas têm uma forma própria e carregam história. Esmaltes em cima das letras de música do CD de Elis. Não entendo como ela lia enquanto mudava a cor de suas unhas. Rabiscos de química misturados com croqui de alguma coisa podendo ser qualquer coisa. Há vários gibis da Turma da Mônica Jovem na estante do quarto dela misturados aos livros lidos como os de Mishima e Rubem Fonseca. Não sei se estão em ordem cronológica de leitura. Maquiagem no meio das teclas do piano. Estaria ela solfejando um batom? Ou queria ela achar o tom das sombras?

Desisto.

Vou para meu escritório. É tempo de colocar ordem nessa budega. O livro de física segue mantido aberto por um menorzinho há meses: o Livro das Perguntas de Pablo Neruda. Poética a imagem. Ao invés de separá-los, peguei a máquina (Cadê ela? Ah ali!  Ao lado das folhas de papel ofício) e fotografei. Onde estava com a cabeça em deixar na mesma mesa Em busca do Tempo Perdido de Marcel Proust, 1984 de George Orwell e Vozes Anoitecidas de Mia Couto? O que Ítalo Calvino faz embaixo dos rascunhos? Caramba… que livro lindo esse do Calvino. Dei uma folheada e li quase metade dele. Fechei, levantei as folhas de rascunho (onde tenho algumas ideias anotadas de futuras crônicas) e coloquei Calvino na mesa. Cobri-o com meus repentes de novo. O bom de se esquecer das coisas é que posso fazer surpresas para mim no futuro. Não vejo a hora de encontrar Calvino de novo no susto. Por que Esconderijos do Tempo de Mário Quintana está junto de meus diários de classe? Que livro é esse dele que não me lembro? Nossa. Que lindo… li todo de novo. Levantei Felicidade Clandestina de Clarice Lispector na quina da mesa e vi três multas. Coloquei Lispector rápido de novo onde estava para acabar com aquela visão do inferno que me deu até taquicardia. Cartão de crédito bloqueado para desbloquear, caixa de chocolate em forma de livro que ganhei da Alice e dentro dela… nada. Comi tudo. Coloquei o cartão bloqueado dentro de onde estavam deliciosos bombons e deixei tudo como estava. Gosto de lembrar da Alice.

Desisto.

Fui para meu quarto. Lá, na minha cama, nos reunimos todos para conversar. Livro de fábulas, blusa usada com cecê  da Nara que chega se despindo e deitando ao meu lado, meia chulezenta do Hideo embaixo do meu lençol, pijaminha de hot whels do Yuki e minha camisolinha da Pepa foram todos para seu destino certo: espremidos ali no canto pórque daqui a pouco vamos usar de novo. As roupas sujas foram para o cesto onde encontrei um cinto que Hideo há tempos procurava. No banheiro, na pia, vejo meu caderno de anotações. Não entendo como foi parar ali, mas abro para conferir. Notas de reuniões do grupo de pesquisa em Filosofia com aulas de Física Quântica. No cantinho está escrito: paixão melhor nutella, se não nutella como sabella?

Desisto.

Parei de arrumar a casa e vim aqui escrever essa crônica.

Amor em 5D

Yukiblog

– Mãe, o que é 3D? – perguntou Yuki, meu caçula de nove anos.

– São dimensões. Veja bem: uma dimensão = 1D = uma reta. Duas dimensões = 2D = um plano. Três dimensões = 3D = o espaço tal como o conhecemos. – respondi.

– Entendi. E quatro?
– Pode ser o tempo.
– E a quinta dimensão?
– Não sei. Não temos como imaginar. É algo que se existir não temos como descrever.
– Entendi.

Quando Yuki estava deitadinho, quase dormindo, enchi, como faço toda noite, a bochecha dele de beijinhos.

– Banoite banoite banoite teamo teamo teamo.
– Mãe. – disse ele de olhos fechados.
– Oi, Kinho.
– A quinta dimensão é você me dando beijo antes d´eu dormir.

*-*

Agora estou aqui. Transbordando de amor no tempo. No espaço. E muito além dele.

Filhos que não me obedecem: uma dádiva por mim conquistada.

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A imagem do filho obedecendo os pais sempre foi, para mim, um exemplo a não ser seguido. Não sei se faço certo ou errado, mas muitas pessoas têm me perguntado como consegui essa relação de cumplicidade e amizade com meus três filhos que têm idades completamente diferente (hoje, Yuki está com 9 anos, Nara com 17 e Hideo com 22). Pelo fato da pergunta estar se repetindo, resolvi pensar na educação que dei a eles e concluí que eu jamais me importei ou precisei exigir que eles me respeitassem ou obedecessem.

O verbo obedecer significa “ato pelo qual alguém se conforma com ordens recebidas. Autoridade, mando, domínio. Sinônimo de submissão.” Deus me livre… Se o que se busca é respeito, penso eu que isso só é conseguido se o outro lado for respeitado também. Assim como faço com qualquer pessoa, respeito meus filhos e as opiniões deles em tudo. Como mãe, fico atenta às habilidades a serem exploradas, às vontades a serem aprofundadas, ao talento – seja lá para o que for – que pode aparecer a qualquer momento e precisar de um empurrãozinho para emergir.

Não quero que filho nenhum me obedeça. Não me sinto apta a comandar a minha vida quanto mais a dos meus filhos. Se eles tiverem que me obedecer é porque, de alguma forma, assim penso, eles foram podados ou castrados por mim e devem agir de acordo com os meus interesses. Eu passo ser autoridade se tiver que impor a minha vontade e fujo disso já que abomino qualquer tipo de autoritarismo. Filho meu não “tem que” me respeitar e muito menos me obedecer.

Quero que meus filhos tenham luz própria e não sejam sombras de outras pessoas muito menos de mim. Quero que eles sejam eles mesmos, reconheçam as suas vontades e tenham em mim um apoio para conseguir segui-las. As decisões são deles. “Mãe, posso…?” sempre busquei trocar por “Mãe, quero…”. Eu apenas pondero alguma coisa que acho relevante observar, mas as rédeas estão com eles. Quer matar aula, mata. Quer fumar, fuma. Quer fazer teatro, faça. Quer vender arte na praia, venda.

Como disse, não sei se faço certo ou errado, eu simplesmente não consigo agir diferente por aqui. Sei que operando assim tenho, de fato, construído uma relação que muitos têm elogiado. Vale observar que aqui vira e mexe a casa cai. Discussões homéricas são comuns nesse teto, mas nada que em algumas horas tudo volte ao normal. Não é novidade que existe uma quantidade exorbitante de jovens que se drogam. Pelo que afirmam os especialistas da área, muitos desses têm algum problema de relacionamento com os pais que exigem, de uma forma ou outra, obediência. Daí que esses meninos são praticamente forçados a seguir uma determinada profissão certamente pela questão financeira, proibidos de atender aos seus instintos e compelidos a adiar seus sonhos. Seus planos vão ficar a espera de um momento ideal para colocá-los em prática quando saírem da casa dos pais. A solução para esse inferno: as drogas. Isso posto e observado, penso que mesmo que transformemos nossa casa em um ringue de luta quando brigamos – coloquemos assim –  de igual para igual,  filho meu se um dia se drogar não vai ser por minha causa. Disso eu tenho total certeza. Não estou podando a asa de ninguém, pelo contrário, aqui eu só encorajo o voo. Não quero que eles andem no trilho, quero que eles percebam sempre que podem ir para qualquer lugar – como um trem descarrilado –  com o meu apoio.

Então, eu acho que pelo fato de permitir que eles sigam as suas próprias vontades e de criar um ambiente de condições favoráveis e saudáveis para que isso ocorra, acabo conquistando o tal do respeito sem, contudo, ser autoritária e, muito menos, fazer deles seres obedientes. Penso que o dia que  meus filhos se comportarem bem por medo e não por vontade própria eu terei falhado como mãe.

Pela última vez, não sei se estou certa ou errada. Mas uma coisa é fato: não há parque de diversão que se equipare com o que construí com Yuki, Nara e Hideo.

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Ver e Olhar. A diferença.

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– Mãe, qual a diferença entre ‘ver’ e ‘olhar’? – perguntou-me Yuki, meu caçula de nove anos.
– Bem, well, a diferença? – E lá vamos nós… – Olhar é algo que precisa de olho, como a própria palavra indica.
– Ué. E ‘ver’ não? – assustou-se Yuki.
– Não. Podemos ver muita coisa de olhos fechados.
– Acho que não estou entendendo…
– Olhar algo pressupõe apenas que exista um objeto e um instrumento que capte a imagem desse objeto, por exemplo, um olho. ‘Ver’ pressupõe que por detrás desse instrumento exista um ser humano. E os seres humanos, bem sabemos, são únicos e extremamente complexos. ‘Ver’ é quase sinônimo de perceber. Cada um percebe, sente ou vê de acordo com a sua história, os seus defeitos e suas virtudes, consegue me entender?
– Tipo posso dizer que se olha com os olhos e se vê com o corpo? Com o coração? – questionava ele já de posse da compreensão.
– Ou com a falta dele. – E lá vou eu. – Por exemplo, quando um menino negro sem camisa e de sua idade aparece na sua frente, o que você vê?
– Uma criança oras.
– E vários desses juntos?
– Várias crianças oras!
– Pois então, muitos adultos vêem de uma forma bem diferente. Por vezes, e eles têm lá suas razões, ficam até com medo.
– É porque essas crianças também podem ver tudo diferente de mim, né, mãe?
– Justamente, meu filho. Se recebemos muito amor, a tendência é achá-lo, percebê-lo, vê-lo até no meio de um lixão. Se somos criados sem ele, é fácil perceber o mundo um lugar inóspito de convivência.
– O que é um “lugar inóspito”?
– Um lugar onde as pessoas não se abraçam, tipo isso.
– Ok. Entendi. Mas uma bola é uma bola para todos, né? – cutucou-me Yuki.
– Quando você olha para uma bola o que você vê?
– Um brinquedo. – respondeu-me prontamente.
– Eu vejo um objeto que mancha paredes e derruba meus porta-retratos na sala.

Yuki gargalhou e devolveu:

– E quando você olha uma beterraba, mãe?
– Vejo fonte de vitamina.
– Eu vejo um monstro vermelho. – disse ele com um sorriso gaiato.

E quando? E quando? E quando?… Continuamos nessa brincadeira por horas. Delícia de conversa viu.

Quando Yuki me pergunta algo, eu sempre vejo uma crônica.

Direita e Esquerda. Ensino Fundamental.

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Yuki, meu caçula de oito anos, perguntou-me o que estava acontecendo no Brasil quando viu pela televisão imagens da manifestação de ontem, 16 de Agosto de 2015. Ao ver crianças dando entrevistas, ele se interessou. Criança pode ir à manifestação, mãe? Pronto, lá estava eu numa saia justa. Sou contra a doutrinação de crianças. Acho que cabe a mim como mãe ensinar meus filhos, sobretudo, a pensar. Todos, porém, que me acompanham sabem que tenho a minha posição política muito bem definida, o que, ao meu ver, não me dá o direito de decidir qual será o lado que meu filho jogará dentro da política: esquerda ou direita. O próprio Yuki percebendo a minha hesitação ajudou-me ao perguntar justamente a diferença entre esquerda e direita, já que os próprios jornalistas toda hora mencionavam essas palavras.

– Por que não positivo ou negativo, mãe? Ou branco e preto, por exemplo?

– Bom, essa é uma boa forma de começarmos. Isso tudo começou lá na França, há pouco mais de duzentos anos. O sistema político dos franceses nessa época era composto por grupos bem definidos, sendo que um deles formado por comerciantes e artesãos, por exemplo, era o único que tinha a obrigação de pagar os impostos, além de terem inúmeras limitações, como o fato de não poderem ocupar cargos públicos, por exemplo.

– Mas pode isso?

– Pois então. Parece meio injusto, não? Por isso talvez, pelo fato dos privilégios serem dados somente a uma pequena parte da população, que se iniciou a famosa Revolução Francesa. Nessa época, a burguesia procurava, com o apoio da população mais pobre, diminuir os poderes da nobreza e do clero. Daí então, para se criar uma nova Constituição, montaram uma Assembleia Nacional Constituinte. Acho que as camadas mais ricas não gostaram da participação das mais pobres, e preferiram não se misturar, sentando separadas, do lado direito. Não sei ao certo se foi isso, mas sei que a galera que representava o povão menos favorecido ficou posicionada à esquerda. Por isso, até hoje, o lado esquerdo foi associado à luta pelos direitos dos trabalhadores, e o direito ao conservadorismo e à elite.

Dentro dessa visão, ser de esquerda presumiria lutar pelos direitos dos trabalhadores e da população mais pobre, a promoção do bem estar coletivo e da participação popular dos movimentos sociais e minorias. Já a direita representaria uma visão mais conservadora, ligada a um comportamento tradicional, que busca manter o poder da elite e promover o bem estar individual.

Mas o mundo, meu filho, é muito mais complexo do que isso. Com o tempo, as duas expressões passaram a ser usadas em outros contextos. Hoje, as palavras ‘esquerda’ e ‘direita’ parecem não dar conta da diversidade política do século 21. Os contrastes até hoje como você pode ver existem, porém, não são mais do tempo em que nasceu a distinção. De uma forma geral, uma diferença crucial seria que a esquerda busca promover a justiça social enquanto a direita trabalha pela liberdade individual. Tivemos uma época no Brasil, por exemplo, da Ditadura Militar…

– O que é Ditadura Militar, mãe?

– Bem, podemos dizer que foi um período da política brasileira em que os militares governaram o Brasil. Esta época vai de 1964 a 1985. Caracterizou-se pela supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar, ou seja, pela falta de democracia.

– O que é democracia?

– A palavra democracia tem sua origem na Grécia Antiga. Demo quer dizer povo, kracia, governo. Dessa forma, a democracia pode ser entendida como um regime de governo onde o povo (cidadão) é quem deve tomar as decisões políticas e de poder.

Então, meu filho, continuando: essa divisão de direita e esquerda se fortaleceu muito no período da Ditadura Militar, onde quem apoiou o golpe dos militares era considerado da direita, e quem defendia o regime socialista, de esquerda.

– O que é socialista?

– Bom, o Socialismo é um sistema político-econômico ou uma linha de pensamento criado no século 19 para confrontar o liberalismo e o capitalismo. A idéia foi desenvolvida a partir da realidade na qual o trabalhador era subordinado naquele momento, como baixos salários, enorme jornada de trabalho entre outras.

Nesse sentido, o socialismo propõe a extinção da propriedade privada dos meios de produção e a tomada do poder por parte do proletariado e controle do Estado e divisão igualitária da renda. Todos ganham o mesmo. Não há como dentro do socialismo um ter carro zero enquanto o outro não tem o que comer. Isso, porém, é um sonho. Diria que é praticamente impossível pensar nesse regime.

Mas hoje, muitas outras divisões apareceram dentro de cada uma dessas ideologias de esquerda e de direita. Atualmente, os partidos de direita abrangem conservadores, democratas-cristãos, liberais e nacionalistas, e ainda o nazismo e fascismo na chamada extrema direita. Na esquerda, temos os social-democratas, progressistas, socialistas democráticos e ambientalistas. Na extrema-esquerda temos movimentos simultaneamente igualitários e autoritários. Cada qual dos lados, em diversos momentos da história (sobretudo no século 20), empenhou-se até a barbárie para fazer valer sua visão ideológica de mundo.

– Não tem meio termo? Eu tenho que escolher em que lado quero ficar?

– Não precisa. Há a posição de “centro”, por exemplo. Esse pensamento consegue defender o capitalismo sem deixar de se preocupar com o lado social. Em teoria, a política de centro prega mais tolerância e equilíbrio na sociedade. No entanto, ela pode estar mais alinhada com a política de esquerda ou de direita dependendo de sua visão sobre a economia. Por exemplo, os de esquerda pregam uma economia mais solidária, com maior distribuição de renda. Os de direita seriam associados ao liberalismo, doutrina que na economia pode indicar os que procuram manter a livre iniciativa de mercado e os direitos à propriedade particular. Algumas interpretações defendem a total não intervenção do governo na economia, a redução de impostos sobre empresas, a extinção da regulamentação governamental, entre outros. Mas veja que confuso e difícil, isso não significa que um governo de direita não possa ter uma influência forte no Estado, como aconteceu na Ditadura.

– Liberalismo me parece um nome bonito…

– E é. Na raiz, o adjetivo liberal é associado à pessoa que tem ideias e uma atitude aberta ou tolerante, que pode incluir a defesa de liberdades civis e direitos humanos. Mas não podemos esquecer que essa “liberdade” pode ter como consequência a privatização de bens comuns e espaços públicos o que poderia gerar mais desigualdades sociais.

A coisa, no entanto, é muito complexa. Por exemplo, o pensamento conservador geralmente é associado à direita. Propostas progressistas, à esquerda. No entanto, ambos, conservadores e progressistas, não raro, associam-se com liberais. É o caso, por exemplo, de quem defende ideias progressistas, como o aborto, políticas de cotas etc., mas defende a liberdade econômica, isto é, livre mercado, livre concorrência etc.; ou, ao contrário, quem defende política antiaborto, política contra as cotas e contra programas sociais fomentados pelo Estado, mas também se ajusta, igualmente, à prática do liberalismo econômico. Do ponto de vista político e ideológico, progressistas e conservadores divergem, mas concordam, por vezes, quanto à economia. Vê-se, então, que o problema é mais complexo do que se imagina.

– Não sei se estou te entendendo…

– Se você está confuso é sinal de que está bem informado e que agi honestamente. Quando, meu filho, neste mundo você vir uma pessoa com ideias muito claras sobre política, saúde, economia, progresso… pode ter certeza de que essa pessoa está mal informada. Fiquemos por aqui e aguardemos as próximas imagens e notícias para voltarmos a discutir.

– Quando você for à manifestação eu posso ir com você como essas crianças estão indo hoje?

– Não, meu filho. Quando participo de uma manifestação pode ter certeza que ninguém vai confundir a minha luta com piquenique.

Perdão, senhor, não sou de ferro. Fiz o melhor que consegui.

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Chapeuzinho Vermelho

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– Mãe, me conta uma história? – pediu-me Yuki, meu caçula de oito anos, ontem antes de dormir já que havíamos acabado de ler Reinações de Narizinho e o assunto, aparentemente, havia se esgotado.

– Eu não sei, Yuki… – falei enquanto pensava – Tipo qual? – sondei.

– Pode ser aquela da Chapeuzinho Vermelho…- respondeu-me ele.

– Conte-me você essa historinha para eu saber se você entendeu bem o enredo.

E daí, ele me contou o que todos estão carecas de saber. Mãe, doce, Chapeuzinho, Lobo mau, vovozinha, caçador…

– Tudo errado, meu filho. Não é nada disso. – falei ao final. – Deixe-me eu te contar a verdadeira história. Para começar, jamais o Lobo chegaria primeiro na casa da vovó que a Chapeuzinho porque ela era campeã em corrida na escola e nem o Flash seria capaz de alcançá-la.

– Jura? – estranhou ele.

– Claro que juro. E eu já menti para você alguma vez?

E lá vamos nós…

Era uma vez, uma mãe muito trabalhadeira e que, por sua vez, tinha uma mãe que morava mais ou menos perto e que estava doente: a Vovozinha. Essa mãe pediu para Chapeuzinho, a campeã de corrida na categoria infanto-juvenil em 200 metros rasos e alguns quilômetros profundos, levar a marmita para a vovó.

No meio do caminho, ela encontrou o Lobo que estava não com fome, mas sedento por  uma companhia. O Lobo era um sujeito com uma conversa muito boa e extremamente simpático e foi logo se apresentando e puxando assunto. O sorriso,  não economizado por ele, encantou Chapeuzinho (que nunca ouviu os conselhos de sua mãe e adorava conversar com estranhos que, percebia Chapeuzinho, eram muito mais interessantes que os normais).

Papo vem papo vai, rolou um clima bom entre eles.

O Lobo possuía olhos grandes que observavam com doçura as falas de Chapeuzinho. Suas orelhas pareciam aumentar de tamanho ao ouvir de forma tão atenciosa tudo o que aquela menina explanava. O nariz do Lobo não acreditava que estava diante do melhor cheiro que havia sentido em sua vida. E a boca do Lobo, ah a boca do Lobo… era carnuda e profanava coisas em que jamais Chapeuzinho pensara a respeito… Meodeos, como o Lobo era inteligente…

– Mas ele não queria comer a Chapeuzinho? – interrompeu-me Yuki de forma certeira.

– Ô. E se queria, Yuki. – respondi olhando para o teto cheia de devaneios.

De repente, me dei conta (em tempo de não causar um estrago) que estava ao lado de uma criança. Então emendei:

– Mas não no sentido ruim da coisa, meu filho. No sentindo bem metafórico. Tipo assim, ele queria saborear Chapeuzinho mas como saboreamos um doce. Um sorvete, melhor dizendo, já que não mordemos e nem trituramos o sorvete e sim deixamos que ele se derreta todo dentro da gente. Entende? Percebe a diferença? Então…

Acabou que os dois se apaixonaram e Chapeuzinho convidou o Lobo para ir até a casa de sua Vovozinha. A Vovozinha era uma senhora muito cheia de medos e preconceitos. Ao ver sua neta com aquele sujeito diferente opôs-se sem pestanejar àquela união e começou um bate-boca daqueles na choupana. Foi um quiprocó dos diabos.

Sem que Chapeuzinho e o Lobo percebessem, Vovozinha pegou o celular e ligou para a milícia. Em poucos minutos, chegou o Caçador, apelido dado para o miliciano mais ignorante da região, que mal entrou no recinto já começou a atirar no Lobo.

– Ele morreu? – perguntou Yuki com carinha tristonha.

– Ah não, Yuki… O Lobo era faixa preta em Jiu-Jitsu. Imobilizou o Caçador sem muita dificuldade.

Depois, pegou a Chapeuzinho e foram viver em paz no meio de uma linda floresta.

Até hoje, nas noites de lua cheia, nova, minguante e crescente, há quem ouça uivos de felicidade da Chapeuzinho.

Falando de Sexo Em Família

EF

Fui convidada de novo para participar do programa de televisão Em Família do Canal Saúde/Fiocruz, emissora de televisão do ministério da saúde. Já havia participado de um em que discutíamos sobre privacidade na rede. Eu com o Minha Vida é um Blog Aberto fui lá para mostrar como podemos nos expôr sem fazer mal a nós mesmos. Mas no último programa que foi gravado ontem e que em breve vai ao ar, o tema era “Falando com os Filhos sobre Sexo”. Aceitei o convite, mas logo depois me desesperei. Fala sério eu em rede nacional falando de rami rami! Caraca! Se gaguejo na frente dos meus filhos, da televisão então…

Hideo, meu filho mais velho e guitarrista, pediu para eu aproveitar e dizer em rede nacional que ele é pegador profissional, Nara, minha filha que está saindo da adolescência, falou para eu contar, como eu já lhe expliquei um dia, aquela história que sai o negocim tipo um liquidozim do homem quando ele fica extremamente feliz tipo mega feliz mesmo. Yuki disse que aquele papo de rabo com semente de feijão na ponta desse rabo confunde ele até hoje (falei isso para ele na tentativa de explicar a reprodução humana de forma hiper didática e ele até hoje não entendeu). Enfim, eu não estava certa de que poderia contribuir com algo para esse tipo de programa mas vamu que vamu…

Meus dois filhos mais velhos me acompanharam no dia da gravação. Nara e Hideo sempre estão ao meu lado em momentos tensos como esse. Chegamos lá pontualmente às 9:30hs da manhã e ficamos em uma salinha esperando a hora de ir para o estúdio. Estávamos conversando com o produtor Telêmaco quando fomos interrompidos pela maquiadora me chamando para o camarim. Maquiadora?!? Ui! Que máximo! Levantei-me, e fui dançando ula-ula pelos corredores do canal mega feliz com o momento-estrela-de-roliúde.

Mal voltei para a salinha com o reboco da fuça nos trinques, chegou a outra convidada. Uma senhora para lá de simpática que se apresentou como Maria Cristina, psicóloga, terapeuta de casal e sexóloga.

– Que bom te conhecer! – disse Hideo. – Você é tudo o que minha mãe precisa!

– Mãe! Aproveita! Conversa com ela! – disse Nara mega animada.

Meus filhos acham que eu estou ficando maluca depois que me separei. Não que eu tenha feito nada excêntrico, mas ando, é verdade, sem entender o mundo e sobretudo a mim mesma. De qualquer forma, ser anunciada assim pelos filhos a uma profissional super fofa é meio barra pesada.

– Você trabalha com o quê, Elika?- perguntou-me ela curiosa.

– É. Bem. Acho que devo me apresentar primeiro como escritora. Tenho escrito muito mais do que dar aula e… ai que vergonha eu ao seu lado no programa, olha, eu não sei porquê me chamaram aqui e já te adianto que eu não sei nada sobre sexo, sou praticamente uma virgem e mal conheço esses dois aí. – disse apontando para meus filhos.

Nisso chega o produtor animado dizendo que já que Hideo e Nara estavam ali, poderiam eles também participar do programa. Oi? Eles não vão…

– Jura? Eu quero! – disse Nara.

– Posso dar meu telefone depois que eu falar tudo o que sei fazer? – perguntou Hideo.

Pronto. As chances daquilo virar uma crônica estavam definitivamente aumentando.

Nara foi chamada para se maquiar e eu resolvi acompanhá-la.

– E eu vou ficar aqui sozinho com a sexóloga? – perguntou Hideo se virando desesperado para a Maria Cristina que olhava para ele sorrindo com todos os músculos da face.

– Aproveita e se trata um pouco, meu filho! Cuida dele para mim, sim? – pedi olhando para ela que aparentemente se divertia com tanto doente em sua volta.

Hora da gravação. Na primeira parte do programa decidiram colocar a apresentadora, eu, Nara e Hideo. Somente no segundo bloco chamariam a profissional do assunto para ficar ao meu lado.

– E então, Hideo, é fácil conversar com sua mãe sobre sexo?

– Não. Impossível falar com ela sobre qualquer coisa. Tudo ela faz escândalo e chama todas as minhas namoradas de fedorentas.- respondeu ele super sério com cara de pobre coitado. Eu não estava acreditando…

– Nara, é fácil conversar com a sua mãe sobre sexo já que você é menina?

– Não. E nem posso contar todas as besteiras que ela fala para mim porque se chegar em casa ela me bate.

Mas, gente… quase dei uma bifa na Nara ali mesmo. Como assim? Helooou! Sabe lá o que é ter seus filhos diante das câmeras falando assim de você? Eles, para variar, estavam de gaiatice, mas o público não me conhece e minha imagem acabou ficando muito pior do que imaginei que ficaria se somente eu falasse sobre mim. Sei que os dois seguiram me esculachando e eu ali toda maquiada de cabelos escovados sendo bombardeada de perguntas cabeludas intercalados de comentários altamente travessos de Nara e Hideo.

No segundo bloco, entrou a Maria Cristina que chegou para salvar a minha imagem. Disse ela olhando para a apresentadora Yasmine que o importante é ter uma relação saudável, de intimidade e amizade com os filhos que o resto vem naturalmente, “algo como a relação da Elika com  a Nara e Hideo como pudemos ver”. Ufa. Amém.

E seguiu o programa com várias discussões sobre esse tema cabeludo que tem andando bem careca dado a moda da depilação. E não adianta falar o contrário ou tentar dar receita de como abordá-lo. É tabu sim senhor e vai ser sempre. Expôr a sua sexualidade é ficar literalmente e metaforicamente nu. É tenso. Somos inseguros não importa a idade porque sobre sexo todos somos neófitos. Até mesmo a sexóloga. A diferença dela para nós é que ela sabe menos ainda sobre o assunto porque estudou muito mais e, portanto, fica paradoxalmente bastante segura ao dissertar sobre o tema por entender que nessa esteira todos somos estranhos uns para os outros. Por exemplo, sexo acrobata e brinquedinhos que tanto excitam muita gente por aí a mim pouco ou nada impressionam. Por outro lado, jamais vou entender porque a posição papai e mamãe é classificada como pouco prazerosa, careta, nada criativa e sinônimo de sexo insosso para várias pessoas. E paremos por aqui porque já falei demais!

Acho eu, sinceramente, que educação sexual teremos todos enquanto vivermos porque por mais que leiamos e experimentemos o assunto é inesgotável como qualquer ser humano em si o é. Espero ter deixado claro que eu só sei que nada sei e a única coisa que posso fazer como mãe é conversar com meus filhos menos para lhes explicar algo e muito mais para trocarmos angústias, dúvidas e curiosidades sobre sexo, um jogo onde, penso eu, não há regras.

É isso. Só queria dar uma prévia do que foi essa aventura. Certamente, ao final, eu mais atrapalhei do que ajudei mas, ainda assim, o produtor falou que todos adoraram e que o programa muito em breve vai ao ar. Aguardemos, então, o resultado final.

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Segue o link do programa: http://www.canal.fiocruz.br/video/index.php?v=Falando-de-sexo-com-os-filhos-EMF-0095

Amor aos Animais (?)

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Yuki, meu caçula de oito aninhos, sempre que chega da escola é recebido com algumas perguntas feitas por mim que sondam como foi o seu dia. Uma coisa eu aprendi: se quisermos saber se foram boas as horas que seu filho passou na escola, jamais pergunte isso diretamente para ele porque a resposta será uma palavra: legal, boa, normal… coisas assim. Sempre que quero mesmo saber as novidades pergunto: o que aconteceu de mais engraçado hoje na escola? O que você acha que poderia não ter acontecido? O que a tia falou hoje que você acha que jamais vai se esquecer? Se viesse uma nave espacial, quem você acha que deveria se abduzido? Coisas assim que, literalmente, dão o que falar.

Esta semana que passou, por exemplo, sabendo que ele havia tido aula de ciências perguntei o que ele aprendeu sobre a natureza e havia achado maneiro.

– Bem, mãe, estou meio confuso quanto ao que aprendi. A aula foi sobre os animais, tipo: mamíferos, répteis, moluscos… essas coisas. – Respondeu meu pequeno.

– Ah sim. E qual foi o motivo da confusão? – Indaguei curiosa.

– A tia falou que é preciso querer muito bem aos animais…precisamos cuidar da flora. Não. Fauna, né?

– Isso. Disse a tia muito bem, meu filho. Você sabe disso. Sua irmã inclusive é vegetariana e aqui só comemos galinha que sabemos que foi feliz um dia ciscando.

– É. Bem. Eu sei disso. Os bichos, disse a tia, são muitos úteis. Quem tem cachorro em casa?, ela perguntou. Sabiam que ele é nosso melhor amigo e protege a nossa casa?, ela disse. Mas eu fiquei muito confuso, mãe.

– Por que, meu filhote?

Agora o que segue foi mais ou menos, por tudo o que Yuki me contou, o que pode ter sido essa aula sobre como o homem deve amar e respeitar os animais.

– O cavalinho… vocês sabem para que serve o cavalo? Eles são muito utilizados como meios de transporte. Além disso, ajudam o homem do campo em serviços mais pesados como para puxar carroças e arados. Quem já andou à cavalo na pracinha? Viu? Os cavalinhos são nossos amiguinhos, certo? .

– E aquele ali, tia?

– Aquele é o burro. Muito usado no nordeste. Ele carrega peso para o homem.

– Mas o cavalo não faz isso também?

– Ah sim, mas cavalos necessitam mais comida do que burros e mulas e são menos vigorosos quando submetidos a dias longos de trabalho com pesadas cargas. Um burro carrega em torno de 70 quilos, já imaginou? Como desvantagem, os burros requerem muito mais atenção que um cavalo devido ao seu caráter. No seu habitat natural, burros tendem a viver separados uns dos outros o que torna difícil a condução do animal em bandos. Burros são muito mais teimosos e não obedecem ordens com facilidade. Empacam, sabiam? Fora isso, burros tem dificuldade em se adaptar em grandes altitudes ou locais muito frios. Ou seja, tem hora que ele é legal para o homem tem hora que não nos serve para nada.

– Olha uma vaca malhada com seu filhotinho! Que bonitinhos! – Exclamou Julinha.

– Ah sim, Júlia. Dos bois e vacas podemos tirar muitos outros proveitos, sabia? Além de alimentos, como a carne e o leite, podem também nos fornecer o couro. Do chifre do boi fazemos utensílios como cinzeiro, pente, enfeite… E o bezerro nem precisa crescer para ser útil. Já experimentaram baby beef? Pede para a mamãe comprar. É uma carne super macia. O bezerro é confinado em uma caixa e fica paradinho. Assim, sua carne fica bem molinha depois que ele é abatido. Uma delícia!

– Mas a vaca não fica triste quando matam o filhote dela, tia?

– Mas temos que tirar o filhote dela porque ele bebe o leite da vaca e tira o nosso leite, concorda? Você quer deixar de beber leite, Joãozinho? Então…

– Olha o canguru! Tem canguru no zoológico, tia?

– Tem sim. Mas eles são muito comum lá na Austrália. O couro dele é extremamente útil.

– O que é couro, tia?

– É a pele dele, Juliana.

– Mas não dói se tirarmos a pele dele? Ele não chora? – perguntou Arthur.

– Não, Arthurzinho, ele morre antes! – gargalhou a tia com a ingenuidade da criança. – Quem morre não sente dor, não é verdade? Claro que a gente mata antes de tirar o couro. Então, temos malas, bolsas, sapatos… tudo feito com o couro do canguru! E ainda dizem que a carne dele é gostosa! Mas nunca vi vendendo por aqui.

– E aquele todo fofinho, tia?

– Aquela é a ovelha, Carminha. Agora que estamos chegando no frio, vocês vão utilizar muitos casacos quentinhos graças às ovelhas.

– Elas fazem casacos para a gente, tia?

– Não. – disse a amorosa tia. – Ela só fornece a lã que é o pelo dela. A gente raspa a ovelha e com o pelo dela fazemos a lã. Se ela sente frio, Paulinho? Oras bolas… O pelo nasce de novo! Igual o nosso cabelo.

– Mas daí a gente só raspa uma vez, né, tia?

– Não, a gente raspa sempre que cresce, Marcelinho. E esse aqui, conhecem o peixe-boi? Na verdade, ele é um mamífero e não peixe, sabiam?

– A gente pesca ele, tia?

– Não, sabe como se pega fácil o peixe-boi? Os índios faziam isso de uma forma bem certeira. Usavam um arpão. Eles entravam na canoa e quando viam o animal colocar o focinho para fora da água para respirar, zás!, arpoavam ele. Mas de tanto caçarmos, ele entrou em extinção e agora a caça está proibida. Mas daqui a pouco volta. A carne dele é uma delícia, dizem. Fora isso da gordura dele se faz um óleo muito bom.

– O porco eu conheço!

– Sabia que se você for um pintor, o melhor pincel é o do porco?

– Eles fazem pincel, tia?

– Quem. O porco? Não, Flavinha. – riu-se a tia de novo –  Ele só fornece o pelo. Por exemplo: pelo de porco preto dá pinceis ótimos para a aplicação de tintas a base de petróleo, álcool e solvente. Pincéis feitos de pelo de porco branco tem cerdas mais suaves. Por isso, os pincéis de grandes artistas são feitos todos  com cerdas naturais. Qualidade garantida! Fora isso o porco nos fornece a carne que é uma iguaria dos deuses! Quem aqui gosta de bacon levanta a mão!

– Mas como matam os porcos, tia?

– Ah, tem várias maneiras. Geralmente eles são desacordados através de eletrochoques.

– Isso dói, tia?

– Deve doer, mas é coisa rápida. Depois, eles são então pendurados em correntes por uma das patas traseiras e degolados com uma faca afiada, quando se aguarda então o sangue escorrer para os tanques. As próximas etapas são de imersão em água fervente e desmembramento. Se ele não morrer no eletrochoque morre quando for imerso na água bem quente. O importante é que vocês entendam que temos que viver em harmonia com a natureza, respeitando os animais para que eles continuem nos servindo, entenderam?

Yuki estava atordoado e não era para menos. Amar e respeitar está longe de ser sinônimo de matar, comer, pelar, caçar, arrancar o filhote da mãe…

Pois bem, daqui de casa, minha filha adolescente é a única que se recusou a entender o amor e o respeito dessa forma. Depois dessa aula do Yuki e de como ele ficou confuso com esses conceitos, penso que Nara tem agido muito bem. Menos com os animais e infinitamente mais com ela mesma.