Histórias íntimas de Filomena, Jacinta e Claudete

fontini

Amigas mães, amigas que não são mães, amigas de todo o Brasil que estão me assistindo, bom dia, amigas! O programa de hoje vai narrar a história de Filomena, Jacinta e Claudete. Os nomes são fictícios porque elas pediram sigilo total e nós do programa respeitamos a vontade de nossas queridas telespectadoras.

As três mocinhas que entraram em contato com a produção do programa são adultas entre 30 e 50 anos. Elas têm algo em comum. Todas se separaram e enfrentam a dura jornada de encontrar um homem com a qual elas se sintam à vontade, relaxadas e satisfeitas sexualmente. Já entraram (e saíram) de sites de relacionamentos e de motéis por esse mundo mundo vasto mundo.

Filomena é mãe de dois adolescentes que moram com ela, trabalha, gosta de ler, antenada com as notícias políticas e tem um corpo normal: barriga, peitos e celulites. Linda como todas nós e com toda essa exuberância “foi para pista”. Insegura como muitas de nossas telespectadoras, Filomena estava tensa com esse negócio de depilação. Afinal, não sabia quando as agendas dos filhos, do pai das crianças, do chefe e da própria Filomena iam coincidir com a agenda do macho que se deus quiser ligaria a qualquer dia. Temos que estar pronta para a guerra sempre, pensava Filomena toda preocupada. Filomena conheceu o que vamos chamar de macho 1 para diferenciar dos machos da Jacinta e da Claudete.

Macho 1 conversava bem, estava separado e fazia mil coisas. Não era tão acessível assim. Na sexta, do nada, disse que poderia pegar Filomena no trabalho e de lá darem um rolê. Era o final de semana do pai dos filhos de Filomena, o chefe havia liberado mais cedo, a depilação estava ok e ela não estava menstruada. O vale-sexo estava em suas mãos, amigas! Mas Filomena estava angustiada, nervosa, aflita porque não estava contando com essa ligação e havia saído de casa com um cirolão branco super confortável e um sutiã preto básico que não fazia conjunto com o cirolão. Meodeos meodeos!, pensava Filomena. E agora? E agora?!, chorava Filomena. Daí, amigas, vejam o que é a sagacidade de uma mulher.

Quando o macho 1 foi encontrar com ela, Filomena estava toda sorridente. Jantaram e no restaurante o macho 1 ficou doido de tesão porque percebeu que nossa amiga estava sem calcinha!

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Jacinta nos conta que estava feliz porque estava saindo com o macho 2 que era um rapaz muito bem aparentado. A mais nova de todas as nossas três amigas também era a mais desavergonhada e mais empoderada. O macho 2 tinha a mania de se trancar com Jacinta nos cômodos que conseguia (casa de amigos, banheiro públicos, sala de reunião do seu serviço…). Lá abaixava as calças e colocava as mãos nos ombros de Jacinta daquele jeito que os machos costumam fazer. Inicialmente, Jacinta o satisfazia. Mas, logo depois, começou a cobrar reciprocidade e advinhem, telespectadoras. O macho 2, assim como o macho 1, gostava de ver uma mulher pronta para servi-lo, mas não entendia nada sobre igualdade de cuidados. Não acertava a intensidade, a frequência, o período, nada. Impressionante a falta de jeito desses machos.

Jacinta comprou um brinquedo desses que vibram e, na frente do macho 2, o usava enquanto ele olhava com cara de tarado para ela que conquistava solitariamente o seu orgasmo. Jacinta descobriu que podia usar seu brinquedinho sem ter que colocar a boca mais em lugar nenhum de macho que pensa que, no sexo, somos como um cavalo onde eles sobem em cima para galopar, seguram a crina e nos batem para que atinjamos a velocidade que eles desejam.

Nananinha, falou nossa amiga.

Jacinta segue feliz e satisfeita. Melhor dizendo, muito satisfeita porque o brinquedo faz coisas, diz Jacinta, incríveis e tem proporcionado prazeres que nunca teve com nenhum outro macho. Não está fechada para relacionamentos, mas muito menos aberta como antes.

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Neste nosso último bloco, para finalizar nosso programa de hoje, amigas que ainda estão me assistindo, temos a história da nossa amiga guerreira, professora de português, Claudete. Mulher de 43 anos, separada há dois. Claudete era super romântica mas sabia que essa história de príncipe não está mais com nada. Aliás, nunca esteve né migas. Claudete resolveu seguir os conselhos dos amigos e fazer sexo sem amor. O que não faltou a Claudete foi macho a querendo. Não por ela ser bonita, mas por ter uma ampla rede de amigos de todas as idades e aquilo que ela podia chamar de pê-á. Acabou que ela, descolou um desses pê-ás para sair. Escolheu um cabra bom. 27 anos. Marombado. Daqueles que tiram selfie em academia e postam no Instagram. Vou relaxar, eu mereço, pensou nossa amiga Claudete.

E lá foi ela para os braços fortes do macho 3.

Assim que chegaram no motel, o macho 3 arrancou a roupa de Claudete e ela se viu como uma personagem de filme pornô. Foi tacada na parede enquanto o macho 3 metia freneticamente em Claudete. Depois, o macho 3 a jogou na cama. Pegou as duas pernas e girou Claudete com força a colocando de quatro. Bateu em suas pernas e em sua bunda. Ficou em pé depois e colocou a mão nos ombros de Claudete como o macho 1 fez com Filomena. Claudete não sabia o que fazer. Tentava empurrar mas não tinha força. Falar não conseguia. Procurava avisar com gestos que não estava gostando mas o macho 3 não era nada sensível, assim como o macho 1 e 2, às sinalizações.

No dia seguinte, Claudete que sempre tomava banho com suas crianças, teve que esconder seu corpo todo cheio de hematomas para que elas não se assustassem. O macho 3 mandou mensagem fofa perguntando se poderiam repetir o programa. Claudete lhe contou sobre as marcas que ele havia deixado e ele perguntou se ela não havia gostado.

Bem, é  isso por hoje, amigas. O programa  está chegando ao fim. Gostaria  de perguntar a vocês, antes de me despedir, o quanto de Filomena, de Jacinta e de Claudete temos dentro de nós e como temos alimentado cada uma delas. Aproveito para deixar o questionamento sobre quanto tempo mais precisaremos viver para que esses machos entendam que não adianta bancar uma de bacana, a favor do feminismo, gentilzão se a quatro paredes nos tratam como um mero objetos cheio de orifícios.

Fazer com que fiquemos tensas antes de um encontro simplesmente por  não estarmos com uma lingerie sexy, depilada e menstruada não é coisa que sintamos perto de um homem decente. Fica a reflexão, amigas, se masculinidade não tem muito mais a ver com habilidades cognitivas e sensitivas do que  ser ou não um bom macho.

No nosso próximo programa, contaremos mais histórias sobre como as mulheres têm trucidado esse monstro de sete cabeças que é o medo de ficar só.

Beijo e até a próxima!

 


A ilustração deste texto é da artista Fotini Hamidieli Martou.  A fonte foi: http://artodyssey1.blogspot.com.br/

Manifesto Comunista. Santa ingenuidade, Batman!

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Fui embarcar. No raio X, minha bolsa fez soar o alarme. A fiscal pediu para ver o que havia dentro. Mostrei tudo. Um policial se aproximou atento.

– Há um objeto metálico com ponta aí dentro, a moça disse.

O policial colocou a mão na cintura.

Tirei tudo da bolsa. Não sabia a quê exatamente a fiscal estava se referindo. Ela me disse séria:

– Está dentro do livro.

Entreguei o livro apreensiva.

De fato, era o que estava dentro dele.

Enfim, ela confiscou meu marcador. Meu marcador preferido. Metálico. Lindo. Em forma de S e com uma ponta super afiada, mas com zero potencial de qualquer mudança no curso da vida das pessoas nas minhas mãos.

Tentei negociar, mas a moça me explicou que o objeto poderia significar uma arma e que com ele eu tinha potencial para derrubar o avião, mudar o destino das pessoas, assustá-las, fazê-las refletir sobre tudo o que já fizeram na vida se eu o manipulasse bruscamente.

A moça super séria pegou o que ela considerava perigoso.

E devolveu-me o livro.

Fiquei sem entender nada.

Era meu Manifesto Comunista, de Engels e Marx.

Santa ingenuidade desses fiscais.

MST. A quem pertence a terra?

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Latuff – 2013

Para aqueles que julgam que as pessoas que fazem parte do MST são um bando de criminosos e vagabundos, eu pergunto se, por acaso, sabem do que se trata esse movimento.

Entendo que o julgamento se dá porque as informações que nos chegam são dadas por uma mídia que tem interesse em estigmatizar quem atua no movimento como pessoas baderneiras e invasoras. Sabemos que os meios de comunicação que temos são instrumentos de poder das classes dominantes.

Peço para pensar se já viram o MST invadindo alguma indústria. Não, confere? Eles não fazem isso porque isso é crime já que houve um trabalho ali para se construir algo que não lhes pertence e, se tomarem esse local para eles, poderão ser presos. Só vemos o MST no meio de grandes fazendas porque a terra pertence a natureza e todos têm direito a ela.

A terra, para quem não sabe, pelas nossas leis, deve cumprir uma função social que tem a ver com o cuidado com o meio ambiente. A obrigação de fazê-la cumprir é do titular do direito de propriedade, que perde os direitos de proteção jurídica de seu título caso não cumpra.

Invasor foi quem tirou a terra de alguém (geralmente dos índios) e a demarcou dizendo que a comprou. Veja bem. “Comprou” um bem que era comum a todos. E pior. Para ou nada produzir ou trabalhar em uma monocultura que pode danificar o meio ambiente como a plantação de eucaliptos, por exemplo, esses desertos verdes que acabam com o solo e a biodiversidade local. Por lei, ele pode perder o direito a essa terra.

Geralmente, os adversários do MST são algumas forças partidárias que parecem desconhecer o contexto democrático. Porém, o verdadeiro inimigo dessas pessoas que querem terra para plantar são os grandes capitalistas do agronegócio, empresas que estão envenenando o solo brasileiro utilizando produtos que são proibidos em outros países dado o dano que causa para o nosso sistema nervoso.

Cada vez que os pobres se organizam para lutar pelos seus direitos, a mídia faz com que acreditemos que o que eles estão fazendo é algo muito errado. Jamais explicam o objetivo da luta e o motivo pelo qual a terra foi ocupada (e não invadida, vale frisar a diferença).

Temos hoje, segundo dados de documentos do MST, em torno de quatro milhões de famílias sem nenhuma terra. Em 30 anos de MST, eles conseguirem que 800 mil famílias conseguissem um pedaço de terra para produzir seus alimentos e há em torno de 200 mil famílias em acampamentos em processo de mobilização. Não se tratam de vagabundos e sim pessoas extremamente dispostas para trabalhar com a terra, produzir sem agrotóxico, organizar escolas e uma sociedade mais justa onde todos comem e estudam.

A nossa política inviabiliza o pequeno produtor. Há um acúmulo de grande capital na agricultura que é apoiado pelo poder judiciário e pela mídia que só favorece a produção de grande escala para exportação. Imagina se tivéssemos políticas públicas que fortalecessem a agricultura familiar em cada município? Certamente, haveria uma diminuição no êxodo pela melhoria de vida daqueles que vivem no campo, não? E, a longo prazo, quiçá uma diminuição da população das favelas dos grandes centros urbanos.

A reforma agrária é algo pelo qual o MST luta e por isso é taxado de comunista como se isso fosse, de fato, uma ofensa e não um grande elogio dado a essência dessa ideologia. Muitos não sabem que em grandes países capitalistas como o Japão houve a reforma agrária. Não é questão de ser ou não comunista e sim ser ou não democrático. No Brasil, a lei parece que só é aplicada para beneficiar uma classe.

Os integrantes do MST ocupam lugares onde empresas infringem leis para chamar a atenção da sociedade para aquele local. Eles entendem que não somente têm o direito de ocupar como o dever de fazê-lo para denunciar uma grande injustiça. Onde deveríamos agradecer por eles nos chamar a atenção, pela narrativa imposta pela grande mídia, acabamos por taxá-los de baderneiros. Quem, de fato, desobedecem às leis?

Saibam que o movimento é legítimo e tem como bandeira organizar os pobres do campo para que eles lutem por um direito que está assegurado na constituição. A população tem o direito de se manifestar. Se fosse contra a lei, essas 800 mil famílias que já estão assentadas deveriam ser presas. Nenhum juiz pode decretar prisão quando as massas ocupam um lugar como forma de protesto e ainda denunciam ilegalidades. As terras ocupadas são sempre terras férteis que podem ser usadas na reforma agrária.

Infelizmente, muitos desconhecem o trabalho do MST. Perdem por não aprender com quem sabe de verdade lições de sustentabilidade e cuidado com o solo. Hoje, há feiras orgânicas de produtos do MST pelo Brasil e eles são o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.

Uma pena que haja tanto preconceito. Enquanto isso, o agronegócio está acabando com as terras indígenas e liberando mais e mais venenos para serem usados em plantações que são proibidos pelo resto do mundo.

Que fique claro que não venho aqui atribuir santidade para ninguém. Apenas gostaria de compartilhar o que tenho aprendido por andar conversando com pessoas diretamente ligadas ao movimento. Sempre me pergunto perplexa o porquê do que eles fazem em sua totalidade não ser divulgado na mídia e nas escolas.

A resposta me parece clara. E esse texto é uma mínima tentativa de fazer com que quem leu até aqui procure saber mais sobre o MST e (re)pensar com carinho e seriedade sobre o conceito de justiça, crime e democracia.

A onda

A onda fascista não para! Matar petista, comunista, esquerdista como falam agora virou modalidade de tiro ao alvo. Na caravana de Lula, houve casos gravíssimos. Agora, no acampamento em Curitiba, onde pessoas estão lá como uma forma de resistência a essa injustiça que é a prisão de Lula (sim temos ao nosso lado importantes juristas que mostram o quanto essa prisão não se justifica) houve um ataque de mais de 20 tiros em direção às pessoas que lá estavam!

Duas pessoas ficaram feridas e companheiro do movimento sindical de São Paulo, o Jeferson, está em estado muito grave e corre risco de morrer.

Esse estado de violência não pode ser aceito. Quem fica calado está perdendo a oportunidade de mostrar aos demais o quão absurda é essa atitude fascista ou então estão gostando do que estão assistindo.

É grave demais. A cada dia vemos a superação dessa violência contra nós.

E a história se repete mesmo. Há cartaz que é vendido no museu do Holocausto em Washington, para alertar as pessoas sobre os perigos do fascismo e como identificar seus primeiros sinais. Muitos já leram, mas vale a pena repetir o que está escrito:

1. Empoderamento nacionalista contínuo.
2. Desdém por direitos humanos.
3. Identificação do inimigo como causa unificadora.
4. Supremacia militar.
5. Sexismo desenfreado.
6. Controle de mídias de massa.
7. Obsessão com segurança nacional.
8. Governo e religião interligados.
9. Poder/direitos corporativistas protegidos.
10. Poder/direitos de trabalhadores suprimidos.
11. Desdém pelos intelectuais e pelas artes.
12. Obsessão por crime e punição.
13. Corrupção e nepotismo desenfreado.
14. Eleições fraudulentas. (tradução Loo Silva)

Nos últimos anos, o Brasil tem vivido exatamente todos os pontos que estão na lista: sexismo contra uma presidente democraticamente eleita, deputadas, senadoras e vereadoras, fizeram o povo acreditar que o PT é o inimigo da nação, fizeram acreditar quando havia concursos públicos e todos estavam empregados que o Brasil vivia seu pior momento econômico, candidatos que debocham dos direitos humanos sobem nas pesquisas, a religião dá as ordens, a corrupção segue de forma alarmante e as provas apresentadas contra políticos que não sejam o Lula não causam mobilização social ainda que sejam provas verdadeiras e as acusações muito mais graves, intervenções militares e perda de direitos trabalhistas, aumento de poder corporativista e o deboche contra a arte e os intelectuais.

Dilma havia avisado que o Brasil viveria uma crise institucional sem precedentes. E foi o que aconteceu. Muitas pessoas estão perdendo a fé nas principais instituições do país, bem como o senso de direito coletivo e individual. A Democracia, há tempos eu tenho falado, não existe mais por aqui.

Idiota midiático é quem insiste que estamos dentro da normalidade e que não enxerga o quão grave é a nossa conjuntura. Há vários andando por aí.

O ataque foi sério como foram todos os outros. E mais sério ainda é o silêncio de muitos.

Eu. Pré candidata.

LKPT

Preciso lhes contar algo que decidi hoje e que vai mudar radicalmente a minha vida. Há uma dose cavalar de emoção aqui neste momento. Um misto de alegria, ansiedade, disposição e, sobretudo, esperança.

Disputarei as eleições de 2018 como candidata a deputada estadual do Rio de Janeiro pelo partido que tirou o Brasil do mapa da fome.

Jamais pensei em entrar para a politica de forma efetiva, preciso confessar. Criticar quem está fazendo alguma coisa é muito mais fácil do que ir lá e tentar fazer melhor.

Fui atraída, porém, pelo desafio, assim como em tudo que fiz na vida: cursar uma faculdade de física, ter filho aos vinte anos, mudar de área no mestrado, mudar de área no doutorado, escrever um livro, escrever outro, escrever, inscrever-me em concurso público, ser mãe de três filhos, ser mãe solteira, andar de skate, ler ao menos 20 clássicos da literatura, correr 10 quilômetros, viajar sozinha e, o mais difícil de tudo, descobrir quantos meses tem uma grávida de 27 semanas.

Tudo isso são exemplos de coisas que me pareceram impossíveis de serem realizadas e quando vi já estavam feitas. E quero deixar registrado: o que fiz foi com muita insegurança e não está sendo diferente agora.

O medo, vale observar, nunca me paralisou. Pelo contrário. A química que ele gera em mim me movimenta para a luta da sobrevivência da minha essência.

Em várias dessas realizações, ouvi de muita gente que não iria conseguir. Fui sempre orientada por alguém a parar porque iria sofrer ou me frustrar. Vai acontecer de novo. Eu sei. Pressinto. “Conheço meu eleitorado”.

Vão tentar me frear.

Adianto: ninguém vai fazer com que eu desista. Nem Lula conseguiu. E olha que ele tentou dizendo que eu iria apanhar e muito. Minha mãe tentou também porque acha que posso me machucar.

Não me lembro de ter passado por nenhum processo de transformação e realização sem dor. Vai doer. Não tem problema. Mas vai ser lindo porque vou descobrir coisas surpreendentes como, por exemplo, que faltam dois meses para o bebê nascer quando a grávida diz que está 27 semanas.

O que passei nesse tempo que andei avaliando tudo não deixou de ser também uma gestação. Algo aqui dentro foi muito bem fecundado. Já se mexia forte quando era apenas uma ideia. Criou corpo.

O parto se dá agora com esse texto.

O que será dessa criança vamos descobrir juntos.

Barbearia de Macho

leão penteado

Pipo esteve alguns dias aqui em casa e precisou cortar o cabelo neste tempo. Após uma rápida pesquisa no gúgol, ele descobriu, por essas redondezas, no Méier, uma barbearia cujo nome impunha, digamos, a mim, suspeita e, confesso, uma leve crise de riso. Ok ok… não foi tão leve assim. Era algo tipo cabra macho, homem herectus ou homo bructus. Não me lembro direito. Nessa linha aê.

Sei que eu fofa fofa fofa me ofereci para ir com ele. Pipo imediatamente me deu um vale-poda-macho-acompanhante-vip, mas ficou depois preocupado com o que eu ia ficar fazendo enquanto ele cortava as madeixas. Disse-lhe que ia ficar deboa num canto lendo, afinal, o que mais poderia fazer em um ambiente super bronco, rude, grosseiro, mega másculo sem nada interessante para observar?

O salão de beleza, opa, perdão, a barbearia já tinha sido outrora um salão desses comuns de cortar cabelo. Eles só adaptaram o ambiente para ficar bem viril e deixar claro que se tratava de um clube do Bolinha-Alfa.

Os espelhos que iam até o chão foram cortados e colocados em uma moldura de madeira crua levemente patinadas. Ficaram bem menores porque homem que é homem não precisa olhar as pernas enquanto apara a barba.

Na parede, a cor salmão foi substituída por um cinza aveludado. Lindíssimo. O dono me disse que é um acetinado toque de seda fosco da marca Suviril. Másculééérrima. Achei maravilhosa.

Se você pensa que nessas barbearias com fachadas pretas que oferecem cerveja de cortesia para quem vai lá fazer o bigode têm produtos iguais dos salões unissex que vemos por aí, saiba que está muito enganado. Descobri que homem que é homem usa produtos próprios. Eles não usam cremes e sim pomadas. Várias pomadas. Na vitrine, havia umas latinhas estilo retrô e, nos rótulos, especificavam para que serviam. Há pomada que prepara a pele para fazer a barba. Pomada que faz espuma para amaciar a barba no banho. Pomada que modela a barba. Pomada que dá brilho e fixa o penteado da barba.

Fazer sobrancelha não é coisa de macho, fiquei sabendo quando li no painel que imitava cartaz de botequim os serviços oferecidos. O que eles fazem é “faxina na cara”, esse era o nome porque macho que é macho não se depila e sim faxina a pele. Tinha também faxina na virilha e no cu, mas macho educado não fala bem assim. Era faxina na parte da frente e na parte de trás da virilha. Cara pra caralho diga-se de passagem e com a desculpa do trocadilho.

Pintar cabelo, macho não pinta. Desvelei também essa. Eles “camuflam a juba”. Havia vários tons de tintas para camuflagem. “Camuflagem de cabelos brancos” era um preço. “Camuflagem radical” era o preço da mesa de sinuca que tinha no canto daquela maçonaria, perdão, barbearia.

Cerveja tinha várias também, mas não consigo precisar o nome de todas que vi. Lembro-me somente de que uma delas era feita com sementes de maracujá e de uma espécie de trigo hidratado pelas águas fluviais do Tigre-Eufrates. Macho que é macho é exigente pra cacete.

Para finalizar, depois de tanta coisas mega maschas, descobri que homem que é homem também gosta de relaxar. Havia uma salinha isolada de massagens para aqueles que chegam moooortos do futebol e exaustéééérrriiiimos depois de um dia intenso de trabalho.

Pipo ficou lindo. Sejamos justos. Vamos reconhecer o poder de uma máquina bem passada em menos de dez minutos por grandes especialistas em um ambiente hiper, digamos, acuminado.

Mamãe não, gente. Mamãe não.

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Auto-retrato, Gustave Courbet.

Dona Lourdes é viúva, moradora de Madureira e cuida sozinha há anos de seus quatro filhos. Para ser politicamente correta, de três filhos e uma filha. Lourdes nasceu em 1957 e sua prole praticamente a obrigou a lidar com essa modernidade comportamental.

Julinha é toda feminista. Paulinho a chama de rádi fem. Até Dona Lourdes entender o que era isso foi um sufoco porque teve que se inteirar antes do que era “trans não binário”. Pedro Henrique diz que todos nasceram bi para desespero de Lourdes que até aceita filho gay mas não entra na cabeça esse negócio de gostar de tudo o que vê pela frente, assim ela diz. Caio é formado em sociologia daí então já viu. Dispensa comentários. Todo mundo anti-racista, pró feminista, contra Bolsonaro e a favor de gente pelada em museu para fins artísticos sim senhor. Censura nunca mais!

Dona Lourdes fica doida. Cada dia um vem com um gênero e um assunto novo.

Pior que de uns tempos para cá, ela andou pensando em sua vida toda desde que perdeu o marido. Pensou inclusive no quanto ele não fez falta e nas, digamos, fodas mal dadas com o Joaquim. Era desse jeito que ela pensava nele. Nesses termos.

Nunca mais teve ninguém por falta de tempo e sei lá também. Interesse, certamente. Mas agora já estavam todos grandes e dois deles, Pedro Henrique e Paulinho, sabiam até fazer arroz. Era hora de Dona Lourdes focar nela.

Entrou no Tinder e conheceu, gente do céu, Aparecida cuja história é mais ou menos parecida.

Cida mora no Engenho de Dentro. Perto. Ambas não gostam de sair e nem sabem como pega um Uber direito, mas fogo no rabo não lhes falta.

Começaram a frequentar a casa da outra. Diziam para as crianças que eram amigas, faziam bolo, costuravam juntas… Até que Dona Lourdes já toda satisfeita, empoderada e modernérrima resolveu contar para os filhes prafrentex que estava namorando Aparecida e que ia assumir sim o amor delas publicamente inclusive beijar de língua no Guanabara do Campinho.

Julinha, Paulinho, Pedro Henrique e Caio agora, exatamente neste momento aí que vocês acabaram de saber desse bafão, estão trancados no quarto reunides.

– Que nojo, falou Pedro Henrique derrubando uma lágrima furtiva. Mamãe não, gente. Mamãe não.

Os outros – mais Julinha – seguem em silêncio.