Volta às aulas presenciais. 2021.

Igor passou a pandemia toda assistindo aulas pelo computador em seu quarto do qual só saía para ir ao banheiro e comer alguma coisa. Ao contrário de muitos adolescentes e a despeito da carência de vitamina D, Igor estava feliz como qualquer pessoa mal informada sobre as mazelas do mundo.

Igor ficava uma semana na casa do pai, Fernando, e da mãe, Maria Lúcia, que morava também com seu namorado, Ricardo.

Em ambas as casas, Igor tinha um quarto só seu, um computador só seu, dois monitores e uma cadeira de gamers para não ter problema de coluna.

Acontece que a escola em que Igor estudava, estava voltando para o regime presencial e isso, para Igor, era um problemaço. 

Maria Lúcia estava aliviada. Afinal, a pandemia estava acabando e dentre tantas coisas, Maria Lúcia não aguentava mais ver seu filho ficando verde de tanto que ficava no quarto. 

Era a semana do pai. E Fernando estava já se irritando porque Igor estava dizendo que não ia de jeito nenhum para a escola.

Fernando fez o que os pais fazem quando têm problema. Foi decidido mandar mensagem no WhatsApp.

“Ô, Maria Lúcia, Igor não quer ir e eu não sei mais o que faço aqui”.

Maria Lúcia era antipunitivista, feminista, anti racista, anti machista, vegana, ambientalista, sindicalista, sambista, flamenguista e homofobia não era opinião para Maria Lúcia. Desse jeito. 

Fernando acreditava na terceira via.

Maria Lúcia estava num zoom.

“Fernando, converse com ele com amor, por favor,  estou numa reunião. Quando sair, te ligo”.

Fernando leu a mensagem. Considerou a possibilidade. Foi quando Igor saiu do quarto para beber água com o celular na mão.

– Igor, já arrumou suas coisas para a escola amanhã? Tudo certo?
– Pai, eu já disse que não vou.
– Pois se não for, esquece esse celular e seu computador! Não vou ficar pagando Internet para quem não quer estudar!
– Pai, estou estudando no remoto.
– Pois acabou! A pandemia acabou, o vírus foi dominado, as aulas vão voltar e você vai para a escola!

“Maria Lúcia, acabei de tirar o celular da mão dele e disse que se ele não for para a escola, vou cortar a Internet da casa.”

Maria Lúcia suspirou. 

Chegou em casa e foi conversar com Ricardo sobre como é difícil esse negócio do pai ser muito diferente da mãe.


– Como pode né, Ricardo? Será que só consegue educar ameaçando? Será que não tem outro jeito de educar?
– Besteira mesmo, Lucinha, bater boca com um garoto tranquilo daquele. Eu iria oferecer 20 reais para ele ir. Duvido que Igor não aceitasse.

————–

Igor foi para a escola e chegou na casa de Maria Lúcia com um cheiro forte de álcool.

Maria Lúcia chamou Igor para conversar e perguntou com todo o jeitinho de uma mãe progressista se Igor tinha bebido.

 – Mãe, de fato fiz algo errado. Saí irritado da escola e pisei forte no pedal do suporte de álcool em gel. Aquela porcaria espirrou na minha camisa.

E mostrou a camisa úmida e manchada para Maria Lúcia.

Machucada por dentro

Precisamos conversar sobre a velocidade dessas mobiletes. Eu falo mobilete porque brinquei com fofolete e vi Claudia Raia casando com Alexandre Frota.

Elas não são bicicletas porque nunca vi ninguém pedalando aquela geringonça. Também não são motos porque não tem placa e quem pilota não usa capacete. Assim entendo.

Elas andam pelas calçadas se achando gente e no asfalto se entendendo como foguetes.

Hoje, precisei ir ao centro da cidade. Decidi ir de bike Itaú. Do Largo do Machado até a Cinelândia, quinze minutos e três reais. Peguei meu capacete porque sou dessas de respeitar a quina do meio fio. Coloquei minha super máscara PFF2 porque confio na Ciência e quero conhecer meus netos e ver Lula ser presidente de novo. Vários anos de governo Lula, para ser mais exata. Portanto, cuido muito bem da minha saúde. É o que estou querendo dizer.

Parei no sinal vermelho com capacete, máscara e esperança no relatório da CPI.

Quando ficou verde, pedalei como os que estão prestes a ver o Pão de Açúcar.

Uma mobilete pilotada por um sujeito sem máscara, sem capacete, sem noção vinha naquela velocidade que estou querendo criticar e problematizar desde o início deste texto.

Comecei a prestar atenção na rapidez que elas andam quando vi, outro dia, no Aterro, uma criança sendo atingida por um adolescente que estava indo para aula de vôlei a mil por hora em plena ciclovia.

O piloto de hoje avançou o sinal como fazem os que criticam as políticas públicas que diminuem a fome neste país.

O choque foi inevitável. Caí como se tivesse sofrido um impeachment sem motivo.

Era injusto aquele tombo. Não tinha feito nada de errado.

Seria até pontual no meu compromisso se não tivesse sido atropelada.

O babaca quis me ajudar. Me pegou tão desarmada. Assustada, eu disse não.

Pedi para ele ficar distante já que estava sem máscara. Pedi também, se possível, que ele virasse gente. Que pensasse no próximo, que respeitasse os sinais de trânsito, a Constituição e a vontade do filho do superman.

Falei isso com a bicicleta em cima de mim e meu cóccix beijando o asfalto como um pé que encontra com uma bola.

Enfim.

Estou aqui colocando gelo na buzanfa vendo as vaias que Bolsonaro está recebendo na Itália.

Se tivesse um limite para a velocidade dessas mobiletes e para Arthur Lira, minha noite estaria sendo bem melhor.

Precisamos conversar sobre isso. Estamos correndo sérios riscos.

Como haverá Estado sem servidor público?

Estou cansada de ouvir que servidor público tem que acabar. Trago então algumas perguntas que costumo fazer para quem vem com essa ladainha para o meu lado. Compartilho com você poucas das quais me lembro. Pode contribuir, se quiser, nos comentários, ok?

Se acabar com a figura que mantém um contrato de trabalho com o Estado cujos vencimentos decorrem da arrecadação de impostos e é proveniente de concurso público, o que resta para servir a sociedade?

Como se constrói um país sem espaços, instituições, ideias e bens que não sejam ao mesmo tempo de cada pessoa e da coletividade?

Como haverá Estado sem servidor público?

Pessoas físicas que exercem uma determinada função de interesse público e ao bem comum existem em um país sem Estado?

O que significa eliminar o Estado?

Em que medida privatizar setores de interesse público se diferencia da ideia de destruir serviços essenciais à imensa população que não tem condição alguma de pagar pela prestação de determinados serviços?

Há outra maneira de destruir o Estado sem se privar de recursos a área que se deseja privatizar?

Alguém respira bem enquanto está sendo asfixiado?

A quem interessa criar e incentivar uma campanha de difamação pública contra o serviço público ou associar o servidor a uma série de coisas negativas, como à corrupção, à ineficiência, ao mau atendimento?

Há serviços privados direcionados à população baratos e bons?

As filas de espera pela prestação de serviços é um problema somente do serviço público? O que dizer sobre as filas nos supermercados, bancos, e para atendimento médico mesmo com plano de saúde?

Você está satisfeito com o quanto paga por mês para sua operadora de celular e pelo serviço prestado?

Por que devo acreditar em que defende o “Estado mínimo” se são as mesmas pessoas que praticam vários tipos de monopólio e também cartéis?

Por que falam sobre a necessidade de desmontar os serviços públicos, sendo que o Brasil continua destinando quase metade do orçamento federal para o pagamento de juros e o rolamento da dívida pública federal?

Por que em um país cujo governo federal destina aos banqueiros e rentistas a soma de R$ 1,038 trilhão ou 38,27% de todo o orçamento público federal, promove uma campanha contra o servidor público?

Como seria o atendimento da população durante a pandemia da Covid-19 se não houvesse o Sistema Único de Saúde (SUS)?

Deixo aqui essas questões no dia do Servidor Público.

Em tempo, parabéns para todas as pessoas que estão por aqui e que, como eu, trabalham em serviços públicos.

Perguntar não ofende

O que é mais condenável em nossa sociedade: a injustiça ou o fracasso?

Por que, do ponto de vista do poder, o extermínio da população pobre não é visto como um mal a ser combatido?

Por que os países que mais pregam a paz são os que mais armas vendem?

Antes de estimular a demanda, a publicidade produz que tipos de violência?

Quem matou mais pessoas até agora: a Segunda Guerra Mundial ou a pobreza?

Seria possível um planeta constituído só de países ricos?

Por que chamam de “mercado livre” aquilo que a maioria das pessoas só pode olhar e não pode comprar?

Se em um país que tivesse duas pessoas somente e uma delas fosse bilionária enquanto a outra vivesse para lhe servir, o PIB que seria alto teria qual significado?

Quem se beneficia com a decadência do controle público na economia?

Se as indústrias mais bem sucedidas no mundo capitalista são as mesmas que mais poluem o planeta, qual o preço que se paga por tanto desenvolvimento?

Em que medida a globalização se difere do imperialismo?

Por que os que vivem em comunhão com a natureza e consideram a terra sagrada são chamados de incivilizados?

Quais são as instituições que se dedicam em afirmar de diversas maneiras diferentes que a desigualdade social e o racismo fazem parte da harmonia do Universo?

Quando e onde aprendemos preferir a segurança do que a justiça?

Qual o nome que devemos dar quando um grupo de homens fardados derrubam governos civis?

Em que medida o medo alimenta o capitalismo?

Por que chamamos de progresso quando algumas pessoas passam fome e outras são envenenadas pela comida?

Por que nunca nos unimos contra as pessoas que lucram em cima da nossa dor?

Em que momento passamos a achar normal escolas privadas?

Temos mais medo da multidão ou da solidão?

Quem foi mais enfático em nos convencer que indígenas são selvagens porque tudo compartilham e não tem ambição de riqueza: a indústria cinematográfica de Hollywood ou as escolas?

Assusta mais uma criança sem livro ou com um celular?

O que acontece com os policiais honestos do Rio de Janeiro?

Por que quanto maior é o montante de dinheiro roubado menor é a pena?

Se as prisões significam segurança, por que os países com menos prisões são os menos violentos?

Se houver mais desempregados que empregados, como vão fazer para que a maioria obedeça?

Os responsáveis pela poluição de um rio são chamados de criminosos ou empresários?

A sociedade de consumo produz só objetos descartáveis ou, também, seres humanos que são usados e jogados fora a seguir?

Se somos livres, somos livres de quê exatamente?

Qual o nome do lugar em que pessoas que trabalham não têm medo de ficarem desempregadas?

Como se luta contra o terrorismo vendendo armas para países terroristas?

As caveiras riem de quem ainda vive?

Morre-se mais de overdose ou traficando drogas?

Contra quem as leis são aplicadas?

Se quem luta pela diminuição da desigualdade social é chamado de comunista, como devem ser chamadas as pessoas que não se preocupam com as injustiças sociais?

É direito dos empresários roubarem em grande quantidade?

Que nome damos ao sistema que há seres trabalhando em condições insalubres, sem lugar para comer, sem banheiros para usar durante o expediente, sem aposentadoria, sem direitos, sem férias e que ainda precisam agradecer por estarem trabalhando?

Se um país enriquece vendendo muitas armas, o PIB alto significa o quê exatamente?

Por que chamamos de progresso quando aplicamos uma tecnologia de ponta em indústrias que gera uma alta taxa de desemprego?

Por que em países, como o Japão, que morrem milhares de pessoas por ano por excesso de trabalho são considerados desenvolvidos?

Por que dizem que se portam mal quem defende a natureza e deseja que o salário mínimo seja maior?

As loucas da Praça de Maio são assim chamadas porque se recusam a esquecer?

Os terapeutas que percebem que grande parte de seus pacientes sofrem por excesso de trabalho lutam por um mundo mais justo?

Os cardiologistas que sabem que grande parte de seus pacientes sofrem infarto por tanta preocupação se manifestam contra o sistema que lhes adoecem?

É confiável o local cujas indústrias ecológicas movimentam uma fortuna maior do que as indústrias químicas?

A história oficial é escrita por quem preza a memória ou por quem tem interesse em apagá-la?

O quão disposta está em combater as causas das doenças a pessoa que lucra com elas?

Quem nada consome também pode ser chamado de cidadão?

O gastroenterologista que detecta que muitas gastrites são causadas por conta dos baixos salários de seus pacientes se manifestou contra a reforma trabalhista?

Países desenvolvidos são chamados assim porque se desenvolveram “a despeito” ou ‘por causa” do subdesenvolvimento alheio?

Por que quem participa da Guerra às drogas não se manifesta contra os agrotóxicos?

Por que os que matam os pobres não lutam para erradicar a pobreza?

Quando elogiamos uma flor dizendo que ela parece de plástico, precisamos de terapia ou de um professor de história?

Por que não proíbem também a propaganda de carros os que proibiram a propaganda de cigarros se ambos estragam o ar que respiramos?

Por que temos facilidade de condenar o criminoso e não o modelo de sociedade que intensifica o crime?

Qual o nome do sistema em que muitos constroem algo que jamais terão dinheiro para comprar?

Qual é a única espécie do planeta que acredita que um país vai melhorar cortando gastos com saúde e educação?

Engarrafamento também é sinal de progresso?

Por que quem se esperneava diante um triplex se cala ao ver apartamentos e mansões comprados com dinheiro vivo?

Por que na escola, quando explicam as cadeias alimentares, não falam das longas cadeias de subordinações sucessivas em nossa sociedade?

Por que chamam de democracia o sistema que ignora mais de cem processos de impeachment?

Quem naturalizou o fato dos animais não poderem pastar ou ciscar e terem o tempo de vida reduzido para que nos alimentemos com seus pedaços?

Nessa sociedade de consumo, a injustiça social é um erro a corrigir ou uma necessidade essencial?

O que mais assusta um empresário: um hipopótamo ou um sindicato?

Por que os que não se importam com o desmonte das estatais se mostram tão preocupados com os empregos criados pelo véio da Havan?

Quem nos ensinou a não se importar com os animais que são fervidos vivos?

Faz sentido definir a riqueza sem a pobreza?

Quando uma mulher negra será presidenta de um país?

Quem mandou matar Marielle?