A Pomba e a Gaivota (Uma fábula pronta)

pomba

No dia 26 de Janeiro de 2014, em uma linda manhã de Domingo, o Papa faz uma oração na Praça São Pedro, no Vaticano, pedindo paz na Ucrânica, o fim da violência, um acordo para o fim do confronto e bababá bububú. Após uma belíssima oração, Francisco com a ajuda de crianças soltou uma pomba branca, símbolo da paz  como todos sabemos. O que aconteceu em seguida? Uma gaivota foi e nhac! a pomba branca da paz.

Na natureza, como disse meu sábio amigo Hélio, certamente pombas, gaivotas, cigarras, falcões, formigas, águias, raposas como todos os animais são da paz. Já dizia o ‘encantador de cães’ que não devemos analisar o comportamento dos animais sob a ótica de sentimentos e expectativas humanos, nem pautar nossas decisões pelas atitudes deles, pois equivocaríamos ao fazê-lo podendo inclusive gerar problemas que na natureza ou eles não possuem ou resolvem de outra maneira, segundo os ditames que ela (natureza) estabeleceu pra eles e para nós.

Mas nós, seres humanos, a despeito de sabermos que não podemos nos guiar pela postura desses irracionais, ficamos todos apavorados com a cena tal como se estivéssemos na Idade Média.  O ponto é que o episódio no Vaticano foi devidamente registrado pelas lentes de Gregorio Borgia. O fato de ter sido um Borgia a registrar esse momento, juntando com o episódio fotografado, não parece ter sido obra do acaso. Veja bem, a gaivota é, na maioria das vezes, a ave que é associada à liberdade… Mega hiper tenso…

O mundo moderno, diante de tudo isso, não teve outra saída: Lemos todos, devidamente apavorados pela parte racional que nos define, uma fábula pronta contada nos principais jornais através dessa fotografia borgiana.

Moral da história:

A passividade só é alcançada à custo de abdicarmos da liberdade.

Ou: Para sermos livres temos que, antes, ser atrozes.

Com outra palavras: Não há liberdade pessoal sem que estejamos livres de atrocidades com o próximo.

Maldita seja toda essa simbologia.

Errou feio. Errou rude, Gregório Duvivier.

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Errou feio. Errou rude, Gregório Duvivier.

Porta dos Fundos terminou o ano polemizando com o Especial de Natal que brinca com a imagem de Jesus sendo crucificado. Adoro Porta dos Fundos e ri em muitas partes do especial que tem mais de quinze minutos ao contrário de seus outros vídeos bem mais curtos. Sabia que a Igreja e muitos fiéis iriam se colocar contra e, assim como os roteiristas, estava esperando para assistir a discussão do camarote sem contudo, tomar partido de nenhum lado, pois, a despeito de ser atéia achei que, de fato, eles literalmente mexeram sem carinho em uma ferida aberta, a dizer, o furo feito com pregos nas mãos de Cristo. Confesso que não achei a menor graça e percebi que, nesse momento, eles queriam mais agredir do que fazer humor. Posso estar errada, mas essa foi a minha percepção.

O mais inteligente seria, penso eu, se todos os cristãos ficassem calados e não mordessem a isca, tal como fizeram na Jornada Mundial da Juventude contra ateus fundamentalistas que se esforçaram muito para atrapalhar e enfeiar a jornada. Diante das mulheres sem camisa na porta das Igrejas se beijando, os jovens na JMJ passavam reto e deram o que puderam dar de merecido aos “ateus revoltados”: o desprezo. Porta dos Fundos poderia ser muito bem desprezado também. Basta não acessar o link, não abrir o vídeo e não apertar o play. É agredido quem quer se agredir. Simples assim. Qualquer reclamação da Igreja contra o especial de Natal, portanto, seria prejudicial à própria Igreja e fácil de ser rebatida. Os integrantes da Porta dos Fundos estavam esperando a munição dada pelo “inimigo” para usá-la contra ele. A Igreja tentar censurar alguma coisa nessa altura do campeonato é de uma ingenuidade de dar dó. Mas…morderam a isca e Gregório Duvivier prontamente respondeu.

Mas Duvivier errou feio. Errou rude. Em sua coluna no Folha de São Paulo escreveu a resposta tão compartilhada pelas redes sociais e transcrevo aqui parte dela:

“Vossa Eminência disse em vosso Twitter que o especial de Natal do Porta dos Fundos era de “péssimo mau gosto”. Poderia dizer que V. Emmo. cometeu um pleonasmo, pois na palavra “péssimo” já está incluída a palavra “mau”, mas vou supor que V. Emmo. tenha “redundado” propositalmente, para fins estilísticos. Entristece-me, pois gostaria que o nosso especial de Natal tivesse agradado a todos (embora o homenageado em questão não tenha agradado).

O que me consola é que não somos os primeiros a termos o gosto julgado mau ou péssimo ou ambos pela vossa Igreja. Na realidade, arrisco-me a dizer que estamos em boa (e vasta) companhia. Entre os numerosos condenados, está um astrônomo de nome tão redundante quanto a vossa expressão.

Como V. Emmo. deve saber, não foi a teoria heliocêntrica que causou a condenação de Galileu Galilei. Copérnico já havia dito que a Terra girava em torno do Sol e a Igreja não se importou. O que provocou a ira papal foi o humor.

Para defender o heliocentrismo, Galileu criou um diálogo fictício entre um personagem sábio, Salviati, e um personagem imbecil, Simplício. O sábio acreditava que a Terra girava ao redor do Sol e o imbecil achava o contrário. O livro foi um sucesso retumbante. E a Igreja vestiu a carapuça do imbecil. Galileu foi obrigado a negar tudo o que havia dito para escapar da fogueira. Negou e ainda assim foi condenado à prisão perpétua.

Giordano Bruno, contemporâneo de Galileu, acreditava que o universo era infinito. Negou-se a se negar. Foi queimado vivo. (…)”

A resposta de Duvivier teve em torno de 15 mil curtidas e quase 10 mil compartilhamentos somente na página da ATEA até hoje e agora que escrevo. Vejam que ironia, Porta dos Fundos que critica a hipocrisia da Igreja e aponta os cristãos como ignorantes que não pensam, na voz de Duvivier, usaram argumentos falsos, inverdades claras e o tiro (cuja munição foi a dada pela própria Igreja, vale lembrar) saiu pela culatra. Tive que sair do camarote do qual assisto tudo e resolvi agitar mais ainda a platéia.

Li o livro de Galileu de capa à capa e posso garantir: de humor o livro não tem nada. Eu que rio de qualquer imbecilidade não achei a menor graça em uma linha sequer. Falando em imbecilidade, chamar Simplício de imbecil é de uma injustiça que despertaria, acho eu, profunda tristeza em Galileu. Simplício representa o pensamento aristotélico e apresenta em seus argumentos a filosofia natural de Aristóteles para o leitor. Chamar Simplício de imbecil é qualificar mal Aristóteles e alto lá!, se Aristóteles é um imbecil somos o que? Duvivier é o que? Os argumentos de Simplício são inteligentíssimos, Gregório. Fala sério!

Quanto ao fato de Copérnico ter dito que a Terra gira em torno do Sol é outro erro crasso. No prefácio do livro de Copérnico, escrito por Osiander, é dito (quase com essas palavras) que o que seria apresentado é um ‘modelo’ matemático apenas, que é claro que a Terra está no centro do Universo e que o Sol gira em torno dela, mas se supusermos que o Sol está no centro, economizaremos muito em papel ao fazer as contas. Podemos, à luz desse ‘modelo’ desprezar todo o arsenal criado por Ptolomeu para prever, por exemplo, um próximo eclipse. O modelo heliocêntrico é mais simples e fácil de trabalhar, mas não representa a Realidade, pois esta, é tal e qual a representada na Bíblia. Assim diz o prefácio e por conta dele, certamente, o livro de Copérnico não provocou a mesma reação do livro de Galileu. Quanto ao que fez Giordano Bruno ir para a fogueira, nem se fala. Duvivier reduziu uma interessantíssima história e fez um desserviço para o filósofo que deve estar se remexendo no túmulo.

Enfim, sou fã de carteirinha do Porta dos Fundos, mais uma vez, ri em muitas partes do Especial de Natal, mas essa resposta deles me deu vergonha alheia e como atéia gostaria de deixar claro que eles, a despeito de me fazerem rir, não me representam.

Ah, o verão carioca…

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Ah, o verão carioca…

Esse que não nos permite tomar um sorvete sem que este espere ser lambido para só depois derreter-se todo. Esse que nos torna levianos, pois, força-nos a despir-nos. Faz-nos desavergonhados. Transforma-nos em animais. Ficamos, aparentemente, todos no cio. Anticalmos. A carne faisca, envia mensagens sem que toquemos em nada.

Ah, o verão carioca…

Não nos permite guardar a timidez, como no inverno. Insiste que sigamos na linha de frente engrossando a revolução epidérmica e estrepitosa com roupas diminutas que mais servem para camuflar a nudez do que nos vestir e proteger.

Ah, o verão carioca…

Que acaba com o limite entre o corpo e a areia. Entre mim e meu amor. Que nos incendeia pela manhã e a noite faz com que viremos estrelas-do-mar em plena cama. Que faz o Sol não entrar na nossa casa educadamente pelas frestas das janelas e sim também o torna despudorado. Raios entram pela frente, por trás, pelos lados rindo das cortinas.

Ah, o verão carioca…

Ele faz nosso paladar querer águas frias, cachoeiras, ter gula de peixes. Torna-nos seres aquáticos que nadam em seu próprio suor e também no alheio. A vista de uma copa balançando nos faz, por reflexo, erguer as mãos para o céu não para agradecer o vento e sim para refrescar nossos suvacos.

Ah, o verão carioca…

Faz com que as emoções e as frases escorram como duchas. Quer despedir-se da primavera hasteando nossos corpos como bandeiras que se adejam em um mastro lascivo. Como uma mãe que obriga os filhos a se entenderem entre si, ele nos uni nas praias e calçadas forçando-nos a conviver harmoniosamente.

Ah, o verão carioca…

Expõe a pele dos morenos e denuncia a dos brancos e a ambas faz almejar contato, sorrisos e liberdade. Verão carioca não é uma estação. É um alarde, uma explosão. Um inferno pleno de beleza, samba, palavras e icegurt.

Ah, o verão carioca…

De repente, quarenta anos.

De repente, surpreendi-me com mais de quarenta anos. Posso avaliar-me, pois me chamam de senhora. Sim, sou dona de mim e rainha do meu Castelo.

Percebo-me mais serena, ainda que não o suficiente para muitos que convivem comigo, mas sim, não há como negar que melhorei nesse quesito. Meu olhar sobre os objetos não mais os engolem com uma certa gula e sim os envolvem com uma incerta e inquieta ternura. Antes, um girassol que se guia pela luz e cresce estabanado; hoje, um canteiro de margaridas que tagarelam entre si até mesmo quando a noite cai. Tornei-me minha própria luz. Sou um ser repousante às dez da manhã.

Já chorei tanto pelas madrugadas e, somente por isso, já considero as minhas mãos sábias o suficiente para redigir dramas líricos. Meu corpo é cheio de inscrições na superfície e não mais quando era menina-moça portadoras de carnes que são pura possibilidade.

Se viajo, dou-me ao luxo de passar uma tarde em uma praça observando as crianças e os namoros da região com um olhar complacente mas de quem já está pronta para ir à Grécia.

Não ostento jóias. Mereço mais profundidades.

Os sentidos estão piorando, é verdade. Visão e audição já deixam tanto a desejar, mas a percepção nunca esteve nesse estado tão alerta.

Pulei do abismo em uma determinada parte do espaço e encontrei-me, de repente, no tempo. Descobri uma outra dimensão além da vivenciada pelo corpo. Densifiquei-me após autocatografar-me. Sou o pássaro que canta não para comunicar-se e sim para permitir o amanhecer. Da reta fiz-me curva.

Enfim, olhando meu reflexo tão refratado, avalio-me.

Um mulher de quarenta anos plena de muitos eus e infinitos nós. Jamais ao Sol.

Jamais a sós.
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