Conte até 13

Ontem, em Copacabana, uma senhora muito maquiada e de cabelo feito amassou meu panfleto que lhe ofereci com carinho dizendo:

– Sou professora e candidata a deputada estadual. Interessa pensar no meu nome?.

Ela pegou, viu o Lula e disse:

– Interessa para fazer isso.

E amassou.

Contei até 13. Olhei bem para ela e disse:

– A senhora não deve se lembrar de mim porque mal cumprimenta o porteiro. Moramos no mesmo prédio. Eu sempre achei a senhora linda. Comentei com a vizinha do 202 que você devia ser modelo.

A senhora me olhou atenta mas ainda com ódio.

Continuei:

– De uns tempos para cá, comentei com seu Geraldo, nosso porteiro, que estava achando que a senhora estava doente. Perdeu o brilho na pele e seus cabelos estão sem vida. Agora entendo. Senhora, esse ódio está lhe fazendo muito mal. Não precisava ter amassado meu panfletinho.

Ela ficou em silêncio, aproveitei:

– Deus deve castigar certas pessoas tirando o colágeno mais rápido. Pode ser isso. Era só ter dito “não” para o meu panfletinho. Eu te ofereci. Nem te entreguei. A senhora pegou porque quis e porque é má.

Mas siga em paz.

Dei as costas e voltei a oferecer meus panfletos para outras pessoas ali em frente ao metrô da Arcoverde.

Olhei de rabo de olho.

Ela foi embora lentamente. Não mais com a pressa que andava.

Nunca a vi antes e não tenho ideia onde aquela senhora mora

E segui no amor. Estou com um pouco de crise de consciência. Mas foi o que saiu na hora. Não sou perfeita e posso ser cruel a ponto de fazer refletir quem amassa meus panfletinhos entregues com tanto carinho.

Sobre ser candidata em 2022

Aprendi muita coisa nos livros, mas a leitura nem sempre acontece somente quando se tem palavras as escritas.

Tenho panfletado nas ruas todo santo dia. Converso com pessoas que nunca vi na vida sobre quem eu sou e a importância de termos representantes-raiz da Educação em locais de poder.

Em 2018, fui candidata em um momento que o antipetismo tinha virado modalidade olímpica. De lá para cá, tivemos um governo perverso que armou o povo. Hoje, a população civil tem mais armas que a Polícia Militar e, vale observar, há muitas escolas públicas sem bibliotecas. Viramos o país da bala e não dos livros, conforme prometido.

Ainda que andar com blusa do Lula, atualmente, seja possível porque o clima esteja mais favorável para nós com o Lula livre, inocente e animado, o fascismo (que se sustenta pela vontade de trucidar o antagônico) avançou muito.

Sinto-me bem mais à vontade nas ruas hoje com o acolhimento que recebo. Mas o risco é muito maior em 2022 do que em 2018.

Aumento do feminicídio, das violências políticas, companheiros sendo mortos por não gostarem de Bolsonaro… Enfim, quando entrego meu panfleto com um sorriso, pode ser que esteja diante de uma pessoa extremamente violenta e que foi incentivada pelo atual presidente a ser agressiva.

E daí, cabe a leitura que hoje faço sem os livros por uma questão de ter medo mas, também, de ter a certeza de que esse sentimento não pode me imobilizar:

Se duas pessoas se aproximam e uma é mulher e a outra, homem, a minha preferência é entregar meu panfleto “Vote na Professora” para a mulher.

Se entre as duas, tiver uma pessoa nitidamente LGBTQIA+, vou sempre nela.

Entre duas mulheres, vou na que tem uma aparência mais humilde.

Se entre duas pessoas, uma dessas segura um livro, é para ela que ofereço o meu panfleto.

Entre uma mãe carregando um nenem e uma pessoa qualquer, vou na mãe.

Entre uma mulher asiática, uma branca ou uma preta, escolho quem esteja sem fone de ouvidos.

Entre uma pessoa com alguma deficiência visível e uma outra qualquer, busco me aproximar de quem passe por mais dificuldades nessa sociedade nada inclusiva.

É difícil eu errar, mas não é nada fácil acertar também. Há, obviamente, homens altos e marombados muito educados comigo, gente que tira o fone para me ouvir atentamente, pessoas que leem muito, mas somente o Olavo de Carvalho e senhorinhas fofas que pegam meu panfleto e amassam na minha cara.

Gosto quando erro porque revejo meus pré-conceitos. Como professora, admiro essa didática bruta que só a realidade domina.

Sei que nem sempre acordamos trabalhados na simpatia e com uma vontade danada de pegar panfleto de uma candidata que não conhece.

O ponto delicado é a impossibilidade de conseguir diferenciar – com esse tipo de leitura dinâmica – uma pessoa cheia de consciência de classe que acorda virada na Jiraya de um fascista feliz e sorridente porque, por exemplo, negou comida para uma pessoa com a blusa do Lula.

Escrevo tudo isso para dizer a vocês que não tem sido fácil me apresentar como professora e candidata tendo o Lula no meu peito. As fotos que tenho postado demonstram alegria e, de fato, há muito sentimento bom e trocas inesquecíveis nas ruas.

Mas tenho, em todo o tempo, a consciência do risco que corro dada a exposição que escolhi fazer. Andar sob um constante estado de alerta dá um tipo de cansaço bem específico. Falta uma palavra em português para definir esse sentimento.

A cada companheiro que se vai por acreditar no mesmo que eu, faço um esforço para não embrutecer.

Quando dizemos que o amor há de vencer, ele não ganhará fácil porque o maior obstáculo está dentro da gente.

Escrevo esse texto na estrada. Estou indo panfletar em mais um reduto bolsonarista. Semente de Marielle que sou, hei de florescer em terras áridas.

Peço com todo carinho que reguem quem está pronta para a chegada da próxima primavera.

Em tempo, sou Elika Takimoto, candidata a deputada estadual pelo PT/RJ e meu número é 13021.