Tenho até netos!
Mês: julho 2010
Suíça
Quando O Coração Não Se Apóia No Diafragma
Ciclo Sem Fim
A Tristeza É Senhora
Pelo fato de não acreditar na força do Bem e muito menos na força do Mal (e na terapia), eu saía por esse mundo despida e desavergonhada. Nunca escondi de ninguém meu medo de dormir sozinha, meu excesso de alegria por ter uma casa cheia, o relacionamento truncado com meu filho mais velho, como para mim é inconcebível ficar longe de meus pais, o orgulho do meu nome e o fato de não tê-lo mudado depois que me casei, minha fobia de insetos, meu medo de envelhecer, minha descrença em qualquer religião, a vontade de crer em alguma coisa, a saudade descontrolada que sinto das minhas irmãs e dos meus sobrinhos, minha mudez nas aulas de filosofia, a dificuldade de aceitar alguém amando meu filho, a tristeza que senti juntamente com o alívio no dia em que ligaram as minhas trompas, a minha supervalorização a leitura, meus pesadelos, a quantidade de relógios que tem aqui em casa, a segurança necessária ao olhar-me no espelho, o desejo de embriagar-me, o orgulho de minha filha, a incapacidade de encorajar meu filho mais novo a dormir longe de mim, a minha dificuldade em dizer não até para atendente de telemarketing, a minha gula e outras tantas coisas que só se deve falar para os amigos mais íntimos.
Com o tempo, porém, por não ter aprendido a controlar os músculos de minha boca fazendo-os descansar com a frequência exigida pelas normas de segurança, até aqueles que nunca estiveram em um divã recomendaram-me para que eu me deitasse em um. Maldita hora em que dei ouvidos aos amigos. E lá estava eu, na terça-feira passada. Deitada. Em silêncio. Pensando sobre o que mais me afligia no momento para começarmos a terapia.
(Demorei a falar porque são muitas as minhas aflições ou porque me sentia um enólogo pagando para provarem o meu Petrus?)
Farei uma mala. Dentro dela não terá nada que não pertença a mim. Mandei um trabalho para participar de um congresso em Salvador e me inscrevi numa escola de Física de Partículas que ocorrerá em Genebra. Nada certo ainda. Mas a possibilidade não da viagem em si, mas da mala preenchida exclusivamente por coisas minhas é a visão do inferno.
(…)
Pesadelo? Que pesadelo? O da semana passada? Nem me lembrava mais do diabo desse pesadelo. Ah sim, estávamos todos num templo budista e começaria uma sessão do avesso de harakiri. Todos, a contragosto, deveriam se matar. Bem, estavam meus pais, meus filhos, meu marido,Lucimar e um punhado de gente.No final, restavam somente minha mãe e eu. Eu pedi para morrer primeiro porque não queria ficar um minuto sequer sem a minha mãe, mas no momento em que ia espetando uma faca, ou melhor, a espada ninja em meu coração minha mãe perguntou se eu não queria ligar para o Hideo, meu filho mais velho, que este ano está morando com o pai. Peguei o celular, saí do templo e liguei para meu filho em prantos, pedi para que ele estudasse, que vendesse a nossa casa e comprasse um apartamento melhor para ele e para o pai. Disse que o amava. Depois, falei com o Ricardo. Agradeci a ele o fato dele ter me dado o Hideo e disse para cuidar bem do nosso filho porque eu ia morrer em minutos. Ao desligar o celular, o pesadelo começa. A sessão esquizofrênica do harakiri havia encerrado. Apareceram duas freiras dizendo que proibiram que aquilo se repetisse. Eu não morreria mais e, no entanto, desesperei-me por continuar viva e não mais poder morrer. Não havia sobrado ninguém. Eu estava só.Voltei para casa, abri a porta e caí no chão em prantos.
(…)
Sim, é verdade, eu me perco quando estou só ou diante da possibilidade da solidão, mas isso não é característica minha. Se você tirar isso de mim, eu deixarei de ser humana.
(…) foram cinco comprimidos que tomei na semana passada. A caixa de Cefalium não tem durado quase nada ultimamente.
Continuei na minha apnéia interna olhando para um quadro feio na parede desejando não fazer parte dele.
A noite, as aulas de italiano. Chegamos num ponto no curso que o importante é falar, expressar-se sobre seja lá o que for na língua de Pavarotti. E lá estava eu falando, em italiano, da mala de novo e do pesadelo que agora eu não esqueceria mais (grande terapia…eu quero é esquecer! Esquecer!).
Hai paura di stare da soli? Perché non fare un patto con una amica? Ho fatto con la mia! Se rimaniamo in soli, vivremo insieme! Basta fare un patto! Stop con questa sofferenza!
Caramba! Adoro isso! Viver no modus simplificadus! Nada de complicar a vida! Basta combinar com uma amiga de ficarmos juntas na velhice. E se eu sentir que ela está tendo um troço, pego a espada de harakiri e me mato primeiro.
Amanhã. Terça-feira. Dia de divã.
Lá vou eu (.) (?) (!) (…)