
“Este não ano vai ser igual aquele que passou. Eu não brinquei. Você também não brincou…”
Era para estarmos pelas ruas, com glitter, fantasia e muita alegria.
Não é nem nunca foi alienação. Quem fala isso não entende o que se passa em um Carnaval. Se é verdade que muitas pessoas que vão para as ruas fantasiadas não estão nem aí para o sofrimento alheio, também é fato que muitas outras vão para expressar a revolta em diversas outras linguagens.
Ainda que só seja diversão, falar mal da purpurina é um tipo de morte que precisa ser evitada porque experimentá-la grudada em nosso corpo é um ritual que nos purifica e nos fortalece. Quem fala mal da alegria do Carnaval é porque há tempos já não é procurado por ele.
A magia é tão boa que melhor metáfora não há.
“Eu queria que essa fantasia fosse eterna. Quem sabe um dia a paz vença a guerra e viver será só festejar…”
Graciliano falou que a única coisa que o ser humano tem certeza é a morte e a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano.
Rio de Janeiro, 13 de fevereiro de 2021. Sábado.
Neste ano da triste era da ignorância, do negacionismo, da obscuridade política e sanitária, aqui, Graciliano, não há carnaval. De fato, está difícil conviver com mais essa dor, pois tínhamos certeza de que poderíamos contar com essa válvula de escape.
“Aquela fantasia que eu comprei ficou guardada e a sua também, ficou pendurada.”
E estamos perdidos porque o ano sempre começou, para nós, depois do carnaval. Antes dele, apenas esquentávamos nossos tamborins.
“Mas chegou o Carnaval, e ela não desfilou…”
Agora, estamos desnorteados sabendo que não ficaremos tensos pela madrugada ao ver um carro alegórico quebrar e uma escola atrasar. Como será nossa quarta-feira sem ficar sem entender a diferença das notas “9 ponto 7” e “9 ponto 8” dadas pelos julgadores das escolas de samba? É o tipo de coisa que ninguém nunca soube responder mas que faz parte da tradição de fevereiro perguntar.
Não sabemos como fazer para reiniciar com essas máscaras sem paetês.
As imagens de outros carnavais afloram nossa memória e estão sendo compartilhadas aos montes nas redes sociais.
“Tá fazendo um ano, foi no carnaval que passou. Eu sou aquele Pierrô que te abraçou e te beijou, meu amor.”
Uns passavam quatro dias de pijama, outros, com fantasia e havia quem passasse quatro dias sem roupa em alguma praia ou cachoeira deserta. Era liberado beber antes do meio-dia. Era perdoável sorrir.
Fato é que estamos no meio de uma pandemia e sem luz no fim do túnel. São quase 250 mil mortos e há quem já se acostumou com a notícia de mais de mil pessoas morrendo por dia – por negligência de um governo genocida e por pessoas que sequer usam máscaras e respeitam o distanciamento quando podiam muito bem fazê-lo.
Mais do que nunca, precisávamos deste Carnaval.
Parafraseando mestre Chico, a gente que está levando pedras feito penitentes sequer temos neste ano direito a uma alegria fugaz e a uma outra e ofegante epidemia chamada carnaval.
Vai passar…
Mas não será fácil nos próximos meses. Ainda mais, depois de viver um fevereiro com surdos e tamborins em silêncio profundo. Temos pela frente quatro dias sem passistas, sem adereços. No Rio, ficaremos sem o Cordão do Boitatá e do Bola Preta, sem Amigos da Onça, Agytoê, Carmelitas, sem confraternizar no Comuna que Pariu dentre outros blocos. Vamos ficar também sem ver a águia da Portela, o canto afro do Ilê Aiyê, o maracatu, o batuque do Olodum, o frevo, sem ver Recife, Olinda e Salvador.
A garantia de termos próximos carnavais é entender que hoje, página infeliz da nossa História, não há festas em meio a tantas mortes e que não podemos causar mais milhares delas. É necessário sermos a diferença que queremos ver no mundo.
Dói, mas “este ano, está combinado: nós vamos brincar separados…”