Quem nunca?

Foto: Bárbara Lopes

Eu estava quieta e puríssima quando chegou a mensagem da amiga muito feliz. Vinha acompanhada de uma foto que justificava tamanha euforia.

Esse brinquedinho não tenho ainda, pensei.

Cliquei na imagem. Ampliei e tirei algumas dúvidas com a amiga que começava os áudios com “amiiiiiigaaaaa cê não tá entendendo…”

Ouvi todos na velocidade 1.5 tamanha curiosidade estava

.Pensei. Quero.

Mereço.

É disso que precisamos nesse momento: relaxar um pouco.

E que ninguém saiba jamais porque nós, as mocinhas, somos super discretas.Apaguei rápido a foto porque né. Mãe de três e toda trabalhada na crisma.

Entrei na Internet. Fui para o computador para ver melhor as fotos em vários ângulos.

É.

Dividindo em três vezes dá.

Cliquei no botão Compre Agora com gosto – não sem antes olhar para trás conferindo se não vinha alguém. No caso, um filho. Pipo está em Brasília há um mês, o que foi fundamental para minha tomada de decisão.

Coloquei o endereço e e-mail tudo certinho. Conferi várias vezes com medo da encomenda chegar em um vizinho com meu nome.

Fiz o sinal da cruz e conclui a compra. Mãe, professora, política,… se alguém sabe disso Deus me livre nem pensar. Bati três vezes na madeira porque sou dessas. Me cerquei por vários lados.

Tudo certo. Bati palminhas animada em frente ao computador como a Branca de Neve cantando para os sete anões. Nessa vibe.

Fui fazer um chá toda serelepe quando o telefone vibra.

Minha mãe mandou o print da minha primeira compra online no Sex Shop perguntando o que era aquilo que chegou no WhatsApp dela.

Levei um susto. Bem que disseram que Deus vê tudo. Jesus amado… Gelei.

Achei que Deus tinha mostrado o que fiz para todo o Brasil.

Segundos depois me dei conta. Não foi Deus que me dedurou.

Na hora de escrever o telefone, eu escrevi sem querer o número para o qual ligo todo santo dia: minha mãe.

VIxi.

“É vírus, mãe! Não abre, mãe!!! Apaga! Apaga! Joga o celular longe, mãe!”

Nem comprar um brinquedinho em paz a gente consegue neste país.

Ah gente…

Testemunhas da história

Charge do Quinho

Estava Seu Roberval atrás do balcão secando os copos no botequim ali na rua do Catete quando entra Pedrinho, garoto novo quase a completar dezoito anos que mora há tempos na comunidade Tavares Bastos e, agora, está fazendo entregas com uma mochila quadrada nas costas. Seu Roberval conhece Pedrinho desde criança. Sempre dá um suco para o garoto e deixa sempre ele almoçar no seu botequim.

Não são parentes, mas a convivência cria laços na mesma intensidade.

Outro dia, ele estava pedindo para Pedrinho tomar cuidado com o crime organizado porque lá na comunidade em que Pedrinho mora…

– Tenho medo disso não, Seu Roberval. A gente tem que ter medo é da economia mundial que é mais eficiente que o crime organizado.

Teve a outra ocasião em que Seu Roberval viu em um programa de televisão sobre matadores de aluguel. Assim que Pedrinho chegou e se sentou, lá veio Seu Roberval preocupado com o menino e tacando-lhe conselho como quem oferece pudim de sobremesa:

– Tenho medo de que me chamem para ser isso não, Seu Roberval. Evito essa gente como quero distância dos generais.

– Mas o que general tem a ver com isso, meu filho?

– Seu Roberval, matador de aluguel faz, num plano muito menor, o mesmo trabalho que cumpre os grandes generais condecorados.

Seu Roberval insistiu para que o menino se mantivesse longe das armas.

– Eu fico, Seu Roberval. Você sabe que a minha mãe me mata se eu morrer de morte com arma, disse redundantemente Pedrinho. Mas vou confessar que tá complicado porque agora os cristãos tomaram o poder. Eles tão armando todo mundo, Seu Roberval. Não é esquisito que quem mais fala de paz mais pega em armas?

Seu Roberval começou a se lastimar porque Pedrinho não teve a infância que merecia.

– Fica assim por causa de mim só não, Seu Roberval. Se o senhor pensar direitinho, nesse mundo, ninguém vive a infância direito não. Menino rico como tem aqui na Zona Sul é tratado como se fosse dinheiro para que, quando crescer, agir como se fosse o Mercado. Menino não muito rico da classe média vive olhando para o celular ou para um computador aprendendo a ser, desde meninos, prisioneiros desse sistema.

Da última vez que Pedrinho foi lá, Seu Roberval perguntou para ele se as pessoas têm lhe tratado bem. Seu Roberval morre de medo de maltratarem um garoto tão bom.

– Precisa ter medo disso não, Seu Roberval. As pessoas me tratam muito bem. Sou o pobre que elas gostam. Me porto bem, sequer olho de cara feia quando não me dão gorjeta. Essa gente sabe que serei vendedor de alguma lojinha ou um bom empregado a preço de banana de alguma empresa que fabrica traje esportivo que eles usam quando vão viajar para Europa.

Seu Roberval é desses que têm muita idade e o hábito de tentar explicar tudo com a propriedade dos que testemunharam grande parte da história. A questão é que Pedrinho, assim como Seu Roberval, já é testemunha de muita história.