Fico um pouco preocupada com essa conversa de que somos todos iguais. Marido é tudo igual. Filho é tudo igual. Empregada é tudo igual. Só o que muda é o endereço. Nada disso. Tento ser superior ao meu hardware. Procuro não ficar brigando com meu marido por causa de roupas jogadas pela casa, deixo as crianças à vontade com os brinquedos e policio-me para que meus filhos tenham uma certa liberdade. Posso até dar ordens, mas nada que me enquadre em uma só gaveta. Eu quero ser um armário inteiro com várias caixas corrediças e caber em todas elas ao mesmo tempo, mas jamais me encaixar em somente uma.
Ledo engano.
Hideo, meu filho de dezesseis anos, chegou da casa da namorada segurando um presente que havia acabado de ganhar. Um porta-retrato com a foto dos dois. Ela, apaixonada, está apoiando a cabecinha no ombro forte de meu filho. Uma graça. Quis ele levar o mimo para a casa do pai onde mora de segunda à sexta e eu disse não. Deixe que ele fique aqui enfeitando a cabeceira de sua cama. Era eu, gigante contra a minha própria natureza, a fazer-lhe o pedido magnificente.
Numa tarde dessas de muita filosofia, devidamente acomodada no escritório daqui de casa com o peso de Heidegger nas mãos, ergui a cabeça para digerir algumas idéias recém adquiridas pela leitura e meus olhos inicialmente, olhando sem nada ver, miravam uma foto minha com meu filho, exposta num antigo e belo porta-retrato. Fechei os olhos para raciocinar sobre a natureza do Tempo que tanto incomodou Heidegger e que a mim, até então, é indiferente. Mas a imagem, captada por acaso pelos meus olhos abertos, parecia ter sido colada nas minhas retinas e a pergunta que se fez de repente na minha cabeça, deixou de lado (como aqueles que esvaziam uma mesa de trabalho com uma só braçada) toda a questão do Ser e do Tempo. O que este porta-retrato está fazendo aqui no escritório?
Levantei-me, peguei a nossa foto emoldurada e da mesma forma que ajeitamos um vaso de flor, inclinando o rosto para nos certificarmos de que o arranjo está na sua forma mais que perfeita, ajeitei-a juntamente com a outra, recém adquirida pelas mãos da namorada. Esta cabeceira sempre fora o seu lugar. Por um descuido meu, o objeto estava no local errado da casa. Como sou desligada com essas coisas de decoração…
Ontem, estava escovando os dentes quando Hideo me chamou assustado no seu quarto. Com o hálito refrescado e a boca limpa assim como a minha própria consciência, perguntei o que o afligia e ele simplesmente olhava para as duas gravuras que tinham em comum o seu rosto. Perguntou-me o significado de tudo aquilo. Eu, o projeto fajuto de armário, era eu que não estava entendendo o por quê de uma necessária tradução de algo tão óbvio. De uma frase tão clara. A foto não é sua, meu filho? Onde você quer que mamãe coloque a sua foto?
Mãe, você não está percebendo?
Neste momento, Nara, minha filha de doze anos, entrou no quarto. Perguntou qual era o problema da vez e Hideo apontou a nova decoração da cabeceira de sua cama. Nara olhou para mim e viu que eu estava pensando assim como aqueles que decifram um enigma. Simplesmente caiu na gargalhada e me deu um abraço bem mas bem forte mesmo.
Nara percebeu.
Eu percebi. Só depois.
Percebi que, na verdade, aquele papo de armário e inumeráveis gavetas foi um delírio da minha parte. Percebi que essa conversa de livre-arbítrio é história. É mentira. A verdade, eu vou dizer agora, quando Deus nos fez, Ele nos colocou numa camisa de força. Não nos deu opção alguma. Bobagem acreditar que trilhamos o nosso caminho. Bobagem. Um lado meu dizia que a experiência de perceber que outras pessoas gostam e amam até(!) nosso filho é encantadora. O problema é que eu sou um polígono de 387 lados e todos os outros 386, num silêncio ludibriante, fizeram de mim um simples títere, no descuido de um fechar de olhos.
Com o inconsciente devidamente desmascarado e já cabendo exatamente numa só gaveta, estendi rapidamente os braços para tirar o porta-retrato que estava a mais naquela cama.
Mãe!
Pronto. Virei sogra.
Li."Mãe é tudo igual". Rsrsrsrsr
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Fala, Deise!Que droga, né? Se bem que você, as vezes, disfarça super bem! Eu mesma fico admirada com a sua performance!!!:-DBeijos
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Inevitável – e, talvez por isso mesmo, desejável – a passagem do tempo, das cousas e das gentes.Filho sempre será filho. Não tem jeito, contudo. A cada dia que passa, o mundo mais o abraça e, assim, seguimos nossos contornos diante dessa admirável estranheza chamada de mundo.Bom de sempre te ler.bj
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O mundo todo pode abraçar o meu filho. O problema é umazinha só querer se apossar dele.Sograça. Vade retro!:-)Bom de sempre te encontrar.
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Meu amor,SENSACIONAL!Volto aqui depois para comentar devidamente os trechos maravilhosos que me encantaram, sua criatividade abunda.beijos
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"Eu quero ser um armário inteiro com várias caixas corrediças e caber em todas elas ao mesmo tempo, mas jamais me encaixar em somente uma." Grande sacada."Ela, apaixonada, está apoiando a cabecinha no ombro forte de meu filho. Uma graça."Esse (Uma graça) já nos preparava para o que viria."…e da mesma forma que ajeitamos um vaso de flor, inclinando o rosto para nos certificarmos de que o arranjo está na sua forma mais que perfeita,…"Adorei essa imagem."…Como sou desligada com essas coisas de decoração…"SENSACIONAL"…Com o hálito refrescado e a boca limpa assim como a minha própria consciência,…"Perfeito"…Eu, o projeto fajuto de armário,…""…Com o inconsciente devidamente desmascarado e já cabendo exatamente numa só gaveta,…"Ainda bebendo da grande sacada do início."…A foto não é sua, meu filho? Onde você quer que mamãe coloque a sua foto? "Este (mamãe) tem tudo a ver com todo o texto."… estendi rapidamente os braços para tirar o porta-retrato que estava a mais naquela cama."este trecho e a foto no final dão o tom certo e terminam o texto da melhor maneira possível.Arrebentou, meu amor,parabéns!
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Tem tanta gente querendo descobrir o lado escuro da lua, a estrela vermelha que está atrás do sol, a composição do pó das estrelas, e a água subterrânea em Marte. E você descobre-se de uma maneira inesperada, profunda, respeitosa e alegre.Não acredito na sograça. Acredito em alguém ciumenta da cria e querendo o que há de melhor para ela. E é muito difícil alguém oferecer algo a mais que a mãe. Lindo texto, jeitoso, claro como sempre, e uma confissão admirável, pública e que prova justamente o contrário do estereótipo da sogra. O texto é ótimo. E, por último, e não menos importante, o tempo do Heidegger acabou provado que é apenas o passar do tempo, nada além. Beijos e felicidades sempre.
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Meu amor!Adoro quando você me entende! Dessa vez vc prestou bem atenção mesmo.:-)
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Puxa, Djabal… obrigada por não acreditar na sograça e pelas suas (sempre) palavras carinhosas.É, descobrir-se é um momento interessante, mas muitas das vezes vem um pouco de tristeza e vergonha juntos. O consolo é saber que todo mundo é igual.:-)Beijos
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Elika,Muito bom o seu texto.Só falta virar avó :))Beijos, Elise.
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Elise,Avó deve ser fácil. O brabo é ser sogra mesmo. Por mais que eu me esforce não consigo ser maior do que isso aí que vc viu. 😉 Beijos
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Nelson,Voltando aqui sobre a minha criatividade que abunda e sobre os outros comentários.Só para ficar registrado: nada inventado, tudo caso verídico. Seria cômico senão fosse realidade.Difícil é conviver com esse monstro aqui dentro.
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Pois eh. se ser cunhada pra mim nao foi nada facil quem dira virar sogra.E o pior que ainda sobra pra Deus a culpa desse nosso vicio de posse…hahahahahaBom te ler e me preparar para quando esse dia chegar.Excelente texto.Bjos
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Que texto perfeito! E as fotos também! Ameeeei de verdade!eu já me sinto um pouco 'mãe' do meu irmão mais novo em relação à essas coisas, imagina quem é mãe de verdade! rsBeijões, parabéns mais uma vez pelo blog (:
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Ingrid,Sogra é o bicho mesmo. Eu estou só ensaiando hein?!? Nada a vera ainda!Quanto à Deus, se ele é o Criador e nos fez com tantos potenciais porque não fez com que fosse natural aceitar, de coração e de primeira, noras e genros? Mas cá para nós, isso é só para implicar porque como já exposto aqui eu não acredito em nada disso.beijokasssss
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Rulliane,Quero ver quando seu irmãozinho fofo e lindo que vc cuida com tanto carinho e que te quer tão bem começar a te deixar de lado, a te achar uma chata e a não ouvir mais nada do que vc diz a ele. Em compensação…ouvirá, cantará, dançará, conversará e etc e tal com uma outra aí que ele encontrar pelo mundo.É mole não, meu bem! É mole não!!!Beijos e beijos
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Querida,Seu blog é uma verdadeira coletânea de crônicas do cotidiano. Impecáveis.Que tal amadurecer uma publicação para além da virtual?O mundo merece conhecer você.Mil beijos com um orgulho de ser sua amiga e ser agraciada com suas reflexões.BeijosDrips o meu, que tem 9 anos, já fez isso há tempos…
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Dri! Obrigada pelo carinho. Minha mãe tb acha que eu devo publicar isso em papel. Estou esperando ter mais algumas para poder escolher as melhores e sair por aí, batendo nas portas das editoras. Eu achava que fosse a opinião só da minha mãe. 😀 adorei saber que vc gosta de me ler!!!! Saudades e boa sorte para nós! A tarefa é árdua! Beijos beijos beijos!!!!!!!!!!!!!!!!! Ps. 9 anos???? Já?????? =P
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Voce escreve bem minha amiga.Um beijo.Buaiz
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Elika, alguem ja disse (quem?) que a única emoção capaz de nos mostrar, exatamente, o lugar que ocupamos no mundo é a vergonha. Pra nós, portanto, é sempre bom poder olhar pro próprio obscuro e elameado interior, pegando carona num texto carregado de tanto humor como o seu.Fica bem mais fácil…
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Buaiz?!?Bela surpresa!!!! Obrigada amigo, muito obrigada!!!!
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É, AnônimoNa medida do possível eu tento aliviar um pouco esse peso. Na verdade, a escrita funciona como a força de empuxo, me dá a ilusão de que a coisa fica mais leve.Mas eu não sou boba. Sei que a realidade não mostra os dentes.Da próxima vez não esqueça de assinar, ok?
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Professora,sou eu de novo, seu aluno da 1E, guilherme =)Vou ser bem direto. Você TEM (com caps lock) que publicar essas crônicas! Entenda como uma ordem de um dos (muitos) que te acompanham! hahahaDe verdade mesmo, não sou o primeiro a dizer isso, e digo com toda sinceridade, são sensacionais.Vou ficar esperando notícias dessa publicação, quero acompanhar cada passo.. E se ela não sair, eu faço um abaixo-assinado no cefet inteiro! hahahahaBeijos e, mais uma vez, Parabéns!
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Rá!Guilherme meu puxa-saco!Brigadão pela força, pelo carinho e pela atenção nas minhas aulas.Elogio de aluno bom é o que há!Beijokasssss
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