Soldado Rogério, General Toledo e a praga do Ebola

ebola

Quando eu era criança, ouvia um burburinho que no ano 2000 o mundo ia acabar. Ficava apavorada, fazendo contas de quantos anos eu teria, meus pais teriam, meu cachorro teria, meus irmãos teriam ao perder nossas vidas… e não importava o resultado do cálculo, éramos sempre muito novos para morrer. Pesadelos aconteciam de forma frequente por conta de tanto desespero por saber a causa e a data certa que todos faleceríamos. Deixar de existir, definitivamente, não estava nos meus planos quando era pequena e aceitar a morte de meus pais continua fora de cogitação até os dias de hoje.

Com a notícia do vírus Ebola que anda se alastrando pelo mundo, agora é a vez de meu caçula de oito anos surtar. Há dias em que chego em casa e vejo meu pequeno acessando sites de notícias para saber em que pé anda a epidemia. Semana passada,  a suspeita de que o vírus não só chegou ao Brasil como ao Rio fez com que o meu menino sequer dormisse em paz. A criança passou a vir para meu quarto pelas madrugadas e acordava-me pedindo para ver se ele não estava com a garganta inflamada, para medir a sua febre ou para me dizer que não estava sentindo a ponta de seus dedinhos. Resolvi que era a hora d´eu sentar sério para termos uma conversa.

– Yuki, prestenção. Para começar, o vírus Ebola não é o único que existe no mundo. Há bilhões de outros vírus zanzando por aí. Então, se for para entrar em pânico, entra direito, sim?, por causa dos outros também!

Com certeza havia começado mal a minha missão de acalmar a criança, mas assim saiu e nessa linha-psicologia-reversa-vale-qualquer-coisa continuei.

– E se o senhorzinho pensa que só o vírus Ebola que mata, saiba que está enganado. O vírus da gripe mata, o da hepatite mata, o da Aids mata, o do rotavírus também, o da dengue idem… tudo mata! Mas vamos esclarecer uma coisa, Kinho: nem todos que pegam esses vírus morrem por causa deles. Eu, por exemplo, já peguei gripe, dengue, hepatite e estou aqui vivinha da Silva Takimoto conversando com você. Você e seus irmãos já pegaram rotavírus e quase que me mataram porque mãe é assim. O vírus pega no filho e a mãe padece junto sempre!

– Eu peguei rotavírus?- Perguntou-me assustado.

– Pegou, sim senhor. E sabe porque não morreu? Porque os seus soldadinhos estavam fortes e bem treinados!

Pausa para abrir um parêntese.

Todas as vezes que Yuki não quer comer algo tipo beterraba ou beber um suco tipo de melancia, a mamãe aqui entra em ação. Explico que no alimento ou no conteúdo do copo estão vários soldadinhos e seres com importantes missões que precisam entrar no corpo dele para irem se organizando e treinando. Assim, quando algum vírus ou bactéria resolver passar por ele, os soldadinhos estarão fortes, muito bem adestrados, prontos para entrar em ação e colocar essas figuras do mal para passear em outras terras. Sei que comer coisas que não nos apetecem é uma tortura daí, geralmente, eu entro em cena, mais precisamente na comida que está sendo rejeitada. Começo a fazer uma voz de homem e a falar coisas assim:

– Ei! Você aí. Eu sou o Soldado Rogério. Preciso entrar no seu corpo porque recebi um telefonema do General Toledo pedindo reforços.

Yuki percebe a necessidade urgente e acaba enfiando rapidamente a primeira colher na boca.

– Yuki! Yuki! Não me deixe ficar aqui sozinha sem meu papai! – Agora é uma menininha que ficou no prato enquanto o papai dela está correndo pelo corpo do meu caçula procurando se juntar ao batalhão que estava precisando de mais artilheiros.

Yuki vai e joga rapidamente a Julinha para dentro.

– Ei, menino! – Uma voz mega grossa de novo surge do prato.-  Aqui é o enfermeiro Alvarez. Recebi agora um whatsapp dizendo que há feridos no batalhão localizado na sua região abdominal. Preciso ajudá-los porque uma virose se aproxima. Rápido! Depressa que o tempo urge!

Yuki vai e manda ligeirim o enfermeiro para dentro.

– Nãããão! Não me deixe aqui! Preciso ir também, Yuki! Sem esses remédios o que o enfermeiro vai fazer lá? – Reclama a chefe Jacinta do departamento de fármacos.

E, assim, Yuki tem tomado até suco de kiwi gargalhando. Haja nomes e profissões de guerra para inventar…

Fecha parêntese.

– Então, meu filho, quando as mães ficam atrás dos filhos para que eles comam não é sem motivo. É porque elas sabem que existe um mundo invisível do mal que convive com tudo o que vemos e que somente os heróis invisíveis que entram na gente pelos alimentos corretos dão conta.

– Mas, mãe, e as crianças que não tem esses soldados de prontidão?

– Ah essas morrem. – Respondi sem pestanejar. – E você não precisa então se preocupar, ok?, porque os seus batalhões formados por anticorpos mega fortes estão de prontidão para combater qualquer vírus que vier tirar onda com eles, certo? E quanto ao Ebola, ele está láááá. Há quilôôôôôôôômetros de distância de nós, entendeu de uma vez por todas?

Yuki abaixou a cabeça com um semblante pra lá de triste.

– O que foi, meu filho? Eu não disse que você não precisa se preocupar? – Perguntei sem entender nada já que eu, de uma forma lúcida e madura, havia deixado tudo muito bem esclarecido mostrando que ele estava em total segurança.

– Estou pensando nas crianças que estão lá longe, sem soldados e no meio da guerra que esse Ebola anda fazendo.

Olhei para meu menino. Não havia mais o que dizer. Falar para ele não se preocupar com as crianças da Uganda, do Congo, do Sudão, do Gabão e da Guiné era causar um dano em meu filho muito pior do que esse Filovirus altamente infeccioso.

– Chega mais pra lá, Yuki, vamos ver o que podemos fazer por esses então.

Cá estou eu agora buscando uma forma de mandar o Soldado Rogério, o General Toledo, o enfermeiro Alvarez, a chefe Jacinta e mais tantos outros para a África.

Moral da história: As crianças devem ouvir os mais velhos, mas muito mais ganha o Universo quando os mais velhos ouvem as crianças, não?

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