Em que medida expulsando Beto Richa a situação muda?

professores doentes

Eu até agora não havia me manifestado em relação ao caso Beto Richa versus professores do Paraná. Ando aqui calada. Pensando. Não que não ficasse revoltada e achasse tudo um absurdo mas, sinceramente, temo como professora pelas consequências desse movimento ao ver tanta gente esbravejando, querendo expulsar Beto Richa e gastando tanto energia para isso. Explico-me:

Entendo todo o alvoroço com Beto Richa e acho que ele deve responder pelo o que fez com os professores. Como todos, quero justiça e exijo respeito. Fui, porém, antes de ser professora do CEFET/RJ, uma escola federal de excelência, professora na rede estadual e particular. Quanto a isso, tenho a dizer que visitei o inferno e já vi inúmeras vezes o capeta.

No caso das escolas estaduais do Rio de Janeiro, eu dava aula em uma sala sem janela, ventilador, ar condicionado e mesa de professor. Como se isso não fosse suficiente, meus alunos do Ensino Médio eram, em grande parte, quase analfabetos. Some-se a isso o fato de alguns irem para escola armados e ameaçar com frequência os professores. Não é raro lermos notícias de professores sendo agredidos por alunos e pais de alunos. Essa é uma parte da realidade de um professor da rede estadual. A outra é o salário que todos sabem.. é surreal.

Pergunto-me: eu não moro no Paraná, não sou professora do Paraná, não teve pitbull me mordendo e não fui atingida por bala de borracha no rosto, mas em que medida a agressão que os professores de outros estados sofrem é menor? Por que não consideram que sangramos a olhos vistos todos os dias há anos neste país?

E quanto ao meu trabalho em Escolas Privadas? Em verdade vos digo, não sei o que foi pior. Esclareçamos para início de conversa que escola privada, a despeito das altas mensalidades, e educação de qualidade não andam de mãos dadas e sequer são sinônimos. Em reuniões fechadas, os diretores sempre se sentiam muito à vontade para nos ameaçar. Ou deixávamos os alunos felizes ou seríamos demitidos. Ou faríamos o que os diretores mandassem ou rua. Nessas escolas, há sempre turmas especiais com os “melhores alunos” que darão nome ao colégio pelo índice de aprovação no vestibular. Para todos os outros, a ordem é fazer aquele café com leite e pronto. Mantê-los ali dentro para que o nosso salário esteja garantido. Não vi pelas escolas particulares em que andei preocupação com a formação de um futuro cidadão. E pelo que sei, são raríssimas as escolas particulares que têm, de fato, compromisso com a educação. Dito de outra forma, não pisei em escolas que vissem o aluno como um ser em formação – e não um cifrão.

Os pais da classe média deste país matriculam seus filhos em escolas particulares pensando em um futuro melhor, quiçá seguro. Mal sabem que, a despeito do filho passar para uma universidade federal, ele não passa, em certa medida, de um boçal devidamente formado pela escola com sua criatividade devidamente engessada. Ainda assim, esse jovem se acha melhor do que outros e é levado a acreditar na tal da meritocracia.

O fato da escola ter um bom índice de aprovação no vestibular não quer dizer que seu filho tenha recebido uma educação de qualidade por ter estudado nela. Quer dizer sim que seu filho foi ou será bem adestrado para fazer uma prova. Parafraseando Rubem Alves, há escolas que são gaiolas que existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Mas há outras escolas que são asas – essas são raras e eu, infelizmente, só conheço de nome. Elas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo e elas o encorajam. Enfim, o que Rubem Alves queria dizer é que educação é algo muito mais complexo do que preparar o aluno para tirar uma boa nota no ENEM.

A realidade é que nós, professores, de uma forma geral, ou bem viramos marionete de diretores que percebem as escolas como uma empresa ou bem fingimos que ensinamos algo recebendo o salário que recebemos e nas condições em que trabalhamos. E todos nós, adultos, que vimos literalmente professores sangrando somos resultado de uma ou outra “educação”. A quantidade de gente achando o cúmulo o massacre dos professores do Paraná e tomando as dores ‘somente’ desses professores mostra o quão pessimamente fomos todos educados. Aprendemos a aceitar as mazelas do sistema, convivemos bem com os professores de todo o país apanhando diariamente de todos os lados, lidamos com apenas um lamento ao lermos uma notícia que os professores do Brasil – quer sejam eles de escolas públicas ou particulares – estão se drogando para aguentar a lida e que o Brasil é um país que tem um dos piores salários de professores do mundo e que isso já rola há séculos por aqui. A humilhação diária dessa classe não comove tanto quanto o sangue escorrendo dos professores do Paraná. Por que será?

Pergunto: Em que medida expulsando Beto Richa a situação muda? Em que medida um impeachment desse governador pode ser considerado uma vitória ou sinal de que as coisas vão melhorar?

Enfim, não que eu não lamente profundamente as imagens que vi. O ponto é que sei – pela minha prática – que elas são verdadeiras metáforas do que ocorre não só em Curitiba, mas em todo o Brasil. E, do jeito que fomos todos educados, temo que a saída – ou a punição – de Beto Richa, pela qual torço e acho necessária que aconteça mas, que a meu ver funciona, numa certa medida, como um esparadrapo colocado em cima de uma fratura exposta, dê a sensação de que algo verdadeiramente efetivo foi feito pelos professores deste país.

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