Quando Yuki nasceu, resolvi falar com ele sem significados. De vez em quando, eu me comunicava com meu caçula assim como as chuvas conversam com as rinites.
Na terça-feira, ao ver uma pomba atropelada no asfalto falei:
– Veja que desgraça, meu filho. Mas ainda podia ser pior. Imagina se a pomba era feliz…
Yuki compreendia com a imaginação, não julgava meus absurdos e nunca questionou meus passeios verbais.
Um dia, visitando esses lagos cheio de peixes, vimos pessoas dando comidinhas para verem aquelas criaturas sem pernas se aproximando. Peguei o resto da minha água e joguei com cuidado perto do cardume guloso.
– Sempre gosto de beber água quando como alguma coisa. Vai que alguns peixes são iguais à mamãe.
Yuki ria não por entender o que é a maluquice e sim a bondade.
Quando fomos à praia perto do Natal, ficamos até o pôr do Sol. Peguei uma pedra com cuidado que estava meio avermelhada pelo reflexo do fenômeno e disse.
– Olha que lindo. Esse é meu presente para você de Natal. O pôr do Sol registrado nessa pedra. Você pode molhar. Não tem problema. Esse pôr do Sol lindo aê está já para sempre nela.
Yuki guardou com cuidado a pedra.
Meses depois, no sítio de um amigo, ele quis retribuir o presente e me deu uma outra pedra.
– Onde cê pegou isso, menino?
– Ali. No laguinho do tio Luís.
– E se for de algum peixe?
Yuki respondeu que o peixe iria pensar que a pedra foi levada por um extra terrestre.
– Extra do lago, corrigi.
Percebi o quanto é bom agir como as árvores. Percebam: os passarinhos comem seus frutos e elas se alegram toda quando eles estão por perto.
Daí que Yuki foi crescendo. Curioso como todo menino que nasce e cresce. Percebeu que eu gostava de prosa e de pesquisa. Quando tinha alguma dúvida sempre anunciava:
– Mãe, quero te oferecer uma pergunta.
Numa tarde incomum, assim como são todas as manhãs, eu estava lendo Jorge Amado na minha cama. Deixei o livro aberto no travesseiro e fui fazer coisas que as mães fazem quando não estão escrevendo. Yuki passou pelo quarto e veio me avisar que havia fechado o livro, não sem antes marcar a página em que havia parado.
– Mãe, o Jorge Amado estava falando sozinho no seu quarto. Coloquei seu marcador e deixei ele quietinho te esperando.
Era quarta. Fazia Sol em alguns lugares e poesia em Madureira.
Porque deleite é educar sem rumo.
😘🌸👏
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Faz tempo que te sigo no twitter e só agora vim bater aqui. Simplesmente um deleite ler esse texto.
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Geniallllll QI de Marie Curie. Amo você 💋
Em seg, 25 de nov de 2019 às 10:01, Minha Vida é um Blog Aberto escreveu:
> elikatakimoto posted: ” Quando Yuki nasceu, resolvi falar com ele sem > significados. De vez em quando, eu me comunicava com meu caçula assim como > as chuvas conversam com as rinites. Na terça-feira, ao ver uma pomba > atropelada no asfalto falei: – Veja que desgraça, meu filho.” >
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Linda Elika!! Já te amo!!! ❤
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Coisa mais linda, esse texto!
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Que delícia!
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Sou seu eleitor e comungo com suas idéias, belíssimo texto!
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Sensacional!!!!
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