A história que gostaria de esquecer

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Vou lhes contar uma história que havia até me esquecido porque o cérebro nos protege de terrível lembranças. Mas ocorreu que acabei me recordando dela por uma soma de fatores que fugiram ao meu controle.

Quando eu tinha 17 anos, na década de 90, final do século 20, um rapaz se interessou por mim. Eu já namorava o Nelson na época desde meus 14 anos, o homem com o qual fiquei 20 anos casada e que hoje considero um dos meus melhores amigos. Éramos muito jovens e Nelson não agradava muito a minha mãe por ser “um garoto” e me fazer sofrer demais, pois eu era muito ciumenta e ele vivia “me pedindo um tempo”. Enfim.

Daí que apareceu esse rapaz que, na época, tinha 23 anos. Era um recém piloto da AFA. Homem feito. Procurava uma esposa para construir um lar e se apaixonou por mim.

A pressão da família foi gigantesca e acabei assumindo um namoro sem a menor vontade. Quando ousava terminar com ele, minha mãe desatava a chorar porque sabem como é. Ele era um “partidaço”.

Daí que eu queria que ele terminasse comigo para ninguém ficar me enchendo a paciência por ter perdido uma “grande oportunidade” na vida. Mas como, gente, se o cara era todo “certinho”? Estudioso, babador de sogra e… mega religioso.

Não sabia o que fazer. Estava frequentando já a Igreja dele todo santo e maldito domingo. Minha vida tinha virado um inferno.

Até que tive uma ideia.

Resolvi me converter de vez para a religião dele porque a família de lá ficava me perturbando dizendo que eu tinha que aceitar Jesus como se, alguma vez, eu tivesse O recusado. O problema é que Cristo nunca havia aparecido para mim mas se Ele aparecer opa, Jesus! Por que demoraste tanto? Entra a casa é sua! Jamais recusaria Jesus, gente. Jamais.

Enfim. Era tanta azucrinação nas ideias que resolvi abraçar o capeta. Mas deixei claro que se tem algo que não sou é hipócrita. Pedi então um livro da Igreja dele para ler. O rapaz ficou todo emocionado e me deu logo três.

Devorei todos eles porque sou dessas. O plano se saiu muito melhor do que havia sonhado. Sublinhei várias passagens.

Todos os livros falavam do papel da mulher, da importância de se casar virgem e de obedecer ao homem. Mas isso era algo que foi frisado nos primeiros capítulos de todos os três livros. Vocês não têm ideia…

Se é para seguir uma religião, bora seguir!

Não fiz mais sexo. Não falava mais nada do que pensava sobre nada. Perguntava a opinião dele e simplesmente concordava. Ele começou a ficar muito assustado e queria me convencer que não é bem assim, que não precisava obedecer tudo ao pé da letra, levar a doutrina tão a sério…

Mas qual o quê.

Somente neste caso, eu refutava dizendo que se fosse para agir contra os preceitos, os princípios básicos de uma religião, que eu não tivesse vínculo com ela, pois, me pouparia da hipocrisia e da incoerência.

Vale lembrar que um pouco antes de eu pensar em me converter a minha menstruação atrasou. A primeira coisa que ele falou foi em aborto. Questionei se não era pecado isso para ele e ele disse que não importava muito, Deus haveria de nos perdoar e bababá bububú. Não estava grávida e, se estivesse, não abortaria e tratei de deixar isso claro para o desespero dele. Não menti. Falava sério.

O pai dele era o que mais insistia para eu aceitar Jesus. Sorte ou azar do destino, um dia, voltando da faculdade, vi o Seu Fulano, o certinho, pai de família, cidadão de bem, saindo de carro do motel com a amante. Fiz questão de buzinar e dar tchau do meu taki-móvel. Gritei: Jesus tá vendo!

No almoço de Domingo, o cara nem olhou nos meus olhos. Aliás, nunca mais.

E eu lá. Sem dar nem receber nada para desespero do meu futuro marido.

Perdi a utilidade. Fiquei chata e virei virgem. Ele dizia que eu estava implicando. Eu dizia que iria orar por ele como ele sempre me falava quando eu vinha, nos tempos idos, com umas ideias subversivas.

Enfim. Terminamos.

Esse foi o maior exemplo que tive de como religião não tem nada a ver com caráter e como os homens, cidadãos de bem, frequentadores de Igreja, agem nos bastidores. Claro, não falo de todos. Mas arrisco dizer que são a maioria.

Logo depois engravidei do Hideo. Eu nunca pude tomar pílula por questões de saúde e esses caras não gostam muito de camisinha. Aborto é coisa fácil para eles, pelo que entendi. Era boba e ainda corria o risco de pegar uma DST. Dei sorte. Só engravidei.

Não amava o pai biológico do meu primeiro filho que era um amigo da faculdade na época. Minha mãe quase morreu quando soube porque eu não queria me casar com ele e, dizia ela, nenhum homem mais iria me querer, mulher usada que havia me tornado. Como se eu estivesse preocupada com isso. Mas ok. Fazia parte da cultura dela.

Ainda grávida, Nelson, que até então havia sido minha única paixão, me pediu para reatarmos nosso namoro. Assim foi feito para desespero dos meus pais que custaram a entender que amor, este sim, não tem regras e nem preconceitos. Antes do Hideo nascer, fui chamada de puta por várias pessoas da família.

Foi muito mais do que contei aqui, mas foi o que o estômago permitiu narrar. Entendem, agora, por quê queria me esquecer de tudo isso e por que quis compartilhar?

O namorado em questão do início da história, acabou não conseguindo se formar pela AFA e virou policial, como o pai.

2 comentários em “A história que gostaria de esquecer

  1. Por tudo isso é que me afastei das religiões. Com o golpe fiquei horrorizado pelas palavras dos kardecista, evangélicos e alguns padres. Não sou totalmente ateu, ainda acredito que tem um poder superior nesse universo.

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