“Tá tudo criado já”

Sou mãe de três. Vira e mexe, nos eventos mais diversos, solto essa frase para o Universo que me rodeia. Quantos anos têm seus filhos?, pergunta sempre alguém a seguir. Atualmente, Hideo está com 29, Nara com 24 e Yuki com 16.

“Todos criados já.”, ouço. A frase vem com o sentido de que não tenho mais trabalho com eles. Traduzindo: que eles não demandam mais o meu tempo.

Sem fazer juízo de valor nenhum a quem vive de um jeito distinto do meu, não vejo diferença de um filho de 9 anos, para um de 29 e, no meu caso, filha que também sou, de 49 anos. 

Sei do trabalho que uma criança dá, mas também sei que uma pessoa adulta pode saber caminhar e ter muitas dúvidas para onde ir, pode saber falar concordando muito bem o sujeito com o verbo e não saber o que dizer em diversas situações, pode saber ler e sentir necessidade de conversar sobre o livro que terminou, pode ter independência financeira e ter questões profundas sobre o mal que o capitalismo faz para nossa saúde, pode ter “emprego bom” e ser infeliz, pode saber fazer a própria comida e querer companhia em um jantar,… E está tudo bem ser assim como está tudo bem ser o super homem ou a mulher maravilha ou uma pessoa não binária com poderes de independência e certeza plena de seus voos.

Aqui somos do nosso jeito.

Esse negócio de cortar o cordão umbilical não colou com a gente. O nosso tem uma elasticidade incrível e fazemos esse cordão de adereço. 

Ligo para a minha mãe todo santo dia para falar desde meus maiores medos e conquistas até a fofoca mais supérflua do dia. 

Para dar um exemplo recente, interrompi a escrita desse texto três vezes. Estou passando o final de semana em São Paulo para acompanhar o Pipo que vai brilhar no Teatro hoje.

Yuki me ligou para me perguntar como faço gohan (arroz japonês) já que ele vai fazer hoje o almoço para a irmã. Nara me ligou mais cedo para falar que vai tirar os sisos com um dentista que é vegetariano e que faz carinho nos coelhinhos. Pensei que ela estava falando por código e não compreendi a gíria. Ela disse que ele fica sim senhora muito feliz ao ver coelhos. Perguntei a ela como ela tinha informações tão específicas e ela disse que ele é perfeito e que com certeza se sensibiliza com a fofura desses roedores orelhudos.

Concluí que Nara não está enxergando um profissional e sim o futuro pai dos meus netos. Nara quando ovula vê o mundo com outros olhos.

O dentista explicou para Nara que ela poderia se cansar ao tirar os quatro sisos de uma vez e que ele pararia se isso acontecesse. 

“Mãe, eu olhei bem para ele e disse: eu não me canso.”

Conclusão. Vou ter que ir com ela na próxima consulta para verificar se é tudo isso mesmo que ela diz. 

Daí liguei para a minha mãe para contar que a Nara quer dar para o dentista que vai tirar os quatro sisos dela de uma vez. Era muita informação que não deu tempo de aprofundarmos porque Hideo estava lá almoçando com a avó contando sobre seus novos projetos.

Mandei o print para a Nara de uma conversa que tive com a Mayara que acabou de ser aprovada para o mestrado. Mayara vai trabalhar no meu gabinete e tem a idade da Nara. Nara chorou emocionada feliz (como eu) com a Mayara. 

Enfim, a minha relação de mãe (e de filha) não se encerra com a vida adulta. Pelo contrário. A cada novo aprendizado e experiência é um motivo a mais para conversarmos e trocarmos muitas figurinhas. Adoro.

Para algumas pessoas, isso é visto como dependência emocional. Para mim, estou deboaça em ter parido minhas melhores amizades.

No mais, penso que “mãe” – quando é boa de verdade como a minha – é um privilégio e tanto. Seria um desperdício de estadia não aproveitar tamanho conforto.

4 comentários em ““Tá tudo criado já”

  1. Adorei seu texto, Elika!! Sou pai de um, Pedro, 20 anos, e a elasticidade do cordão umbilical por aqui também é incrível (embora muito mais metaforicamente, por ser eu pai e, por isso obviamente, não ter compartilhado biologicamente o cordão umbilical com o rebento). Mas a relação é essa: de amizade. E de trocas de experiências, de conhecimentos e de afetos. Enfim, de troca de figurinhas, muitas vezes pelo whatsapp (onde elas viram “sticker”).
    Um beijo nosso de Campinas/SP pra essa sua família linda, Elika!

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  2. Gostei! Tive dois filhos com minha falecida esposa (nissei): ambos já são quase cinquentões (um mora no Rio; outro em São Paulo/New York) e até hoje nos falamos ao menos uma vez por semana. E como é bom para nós e nossos netos!…

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