Não Curti

Entrei no elevador hoje no segundo andar do CEFET. Estava com preguiça de ir pela escada até o quinto. Dou de cara com um casalzinho emburrado. Em pleno 13 de junho que vem logo depois do dia 12 de junho, o dia em que mel em cima de cocada fica menos enjoativo do que as mensagens de amor no feicebuque.
– Rafa… – Ela disse logo que a porta se fechou.
– SSSHHHHH…- Fez o Rafa de cara feia olhando fixamente para baixo, exatamente para a minha pessoa, fazendo o sinal universal de cala a boca para a garota.
– Rafa, – insistiu a menininha fofa com cara de pobrezinha e com voz de meiguinha – eu só curti, Rafa…
– Só, Maria Eduarda, só curtiu? Só? Desde quando, Maria Eduarda, curtir seis vezes é ‘só’ curtir?!? – Caraca, Maria Eduarda havia pisado na bola legal. Todo mundo sabe que curtir uma vez é ser simpático, duas é ser colega, três, amizade, quatro, interesse, cinco, vem cá que eu tô facinha, seis?!?  Fala sério! Que decepção, Maria Eduarda! Que decepção!!!
– Mas você quer o que, Rafa? – perguntou a safada e sem-vergonha na maior cara de pau! Eu olhei rápido para o Rafa querendo só ver que tipo de homem ele era.
– O que eu quero, Maria Eduarda? O que eu quero? – Afe. Esse Rafa é do tipo que começa respondendo perguntando tudo duas vezes…- O que eu quero? Você ainda me pergunta? – Recriminei-o com um olhar severo. O meu andar estava chegando…Caraca, ômi, fala logo que quer que ela te respeite!, desembucha essa raiva direito ao invés de ficar perguntando igual um coió. Explica que ela fazendo esse tipo de coisa acaba com a sua masculinidância enquanto homem no feicebuque! Gasta esse latim, Rafa!
– Você quer que eu deixe de ter as minhas opiniões? Quer que eu me anule no feicebuque? – Maria Eduarda estufou o peito e falou balançando o queixo igualzinho um sino e com a mão na cintura. Como essas pessoas conseguem fazer isso com a cabeça? Sempre tentei e nunca consegui. Enquanto eu olhava a vaca da Maria Eduarda oscilando aquela fuça a porta do elevador se abriu.
Hesitei. Se eu saísse não poderia mais dar aquele apoio moral pro Rafa.
Pensa rápido, Elika, pensa rápido!
– Vocês vão descer aqui? – Perguntei com firmeza, pensando em segui-los só até o Rafa dar um fora na Maria Eduarda.
– Não. – Respondeu a hexa-curtidora descarada.
– Não? Não??? Como não? – Pronto. Peguei a doença do menino. – Esse não é o último andar?
– É, mas estávamos descendo, daí a senhora entrou e apertou o quinto. Esses elevadores do CEFET são meio malucos. – Respondeu o coiócudo do Rafael que além de tudo não deixou a porta se fechar segurando-a para eu sair em segurança. Fofurésimo. – A senhora não vai descer aqui?
– Eh, bem, eu ia, mas acabo de me lembrar que tenho que ir ao banco. – Se tem uma coisa que eu admiro em minha pessoa é meu raciocínio com a velocidade da luz.
E a porta se fecha.
Silêncio.
Mais silêncio.
Como é que é, meu povo! Bóra discutir essa relação que meu tempo é curto!
E o elevador despencando em queda livre!
Que situação! Que situação em que fui me meter! Que estresse!Que estresse!
Comecei a rodar o meu anel do mindinho e a olhar sério pro Rafa com a minha testa tensa, linguagem universal dos que acham que Maria Eduarda pisou na bola e que ele tem toda razão de ficar chateado e deve exigir mais respeito da parte dela.
– Ok, Maria Eduarda, desculpa. É que eu sou meio inseguro mesmo…
A porta se abriu, meu queixo caiu e os dois saíram abraçadinhos. Isso que dá a gente se envolver emocionalmente com o problema dos outros. O acesso ao elevador começou se estreitar cada vez mais, meu nariz quase ficou preso… congelei sem entender nada… fiquei com a maior cara de bananada diet a um centímetro daquela fenda emborrachada.
 Como essa garotada de hoje é imatura. Vou te contar, viu…

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Defenestra-me?

Antigamente alguns homens olhavam com muita cautela e curiosidade, como fazem aqueles que sofrem de um amor platônico, alguma janela cuja fresta dava-lhes acesso à imagem de alguma moça interessante que se expunha de maneira descuidada. Seja na forma em que a jovem falava ao telefone com as pernas estendidas na cama e que de tempo em tempo levantava uma delas e ficava naquela posição em que as senhorinhas se bronzeiam deitadas sobre uma canga na areia da praia. Seja na forma em que a moça fazia as unhas do pé no sofá de sua sala enquanto via a novela das sete. Ou seja na forma em que escolhia um vestido para ir a alguma festa. Lá estava um apaixonado por esses gestos a observar na espreita a moça à distância de dois prédios. E quando a luz do banheiro se acendia…aaahh, ele ficava atordoado em seus devaneios com a demora do banho e via, em sua imaginação, a mocinha contraindo músculos que ela jamais sequer proferiria.

(Falo somente dos homens porque não faltam nesse mundo das letras poetas e cronistas machos e tarados que colheram da janela da frente inspirações para sua arte. (Mesmo porque homens no banheiro ou vendo televisão, nem nos dias de hoje, inspiram as mulheres para coisa alguma, ainda mais para a arte)).

Mas agora as ventanas são diferentes. Com a invenção do facebook as janelas observadas são as atualizações de status que fazem muitos apaixonados se assemelharem com os de outrora que incitavam a apetência munindo-se com binóculos e até lunetas quando clicam hoje, também no seu anonimato, uma imagem para ampliá-la e contemplá-la como fazemos diante de uma escultura. Embora os tempos sejam outros, os sentimentos permanecem os mesmos e os equívocos se equivalem. Da mesma maneira que uma senhora um tanto convexa do prédio da frente fingia-se irritada por achar que estava sendo espiada por aquele que tinha os olhos fixos na janela – que não era a dela,- não é raro alguém, mergulhado nessa ilusão comum ao ego negligente, acreditar que está sendo admirado e sentir-se melhor e mais interessante. Por sua vez, assim como a moça de antigamente que enrolada na toalha, fechava a cortina não sem antes dirigir a vista para o 306 do edifício defronte – cujo morador desconhecia a sua existência, – existem aqueles que se expõem para uns e, sem querer, despertam a imaginação de outros. Colocam uma música para agradar os ouvidos de sua amada e quem ‘curte’ é outra pessoa.

Fosse Carlos Drummond vivo e estivesse antenado numa rede social, como eu estou de cá colhendo material para uma crônica, diante de tantos olhares desencontrados poderia ter escrito outra ‘Quadrilha’. João curtia Teresa que curtia Raimundo que curtia Maria que curtia Joaquim que curtia Lili que não curtia ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes quem nem tinha entrado para o facebook.

Nem só de apaixonados e namoradeiras, porém, as janelas eram e são ocupadas tanto antigamente como nos dias atuais. Há aqueles que somente para espairecer olham, pelos buracos feitos nas paredes, o movimento da rua na esperança de ver algo interessante e se distrair com alguém lá embaixo fazendo algo excêntrico, de alguma pessoa reconhecer-lhe e oferecer-lhe um tchau animado pela coincidência de ambos estarem imersos em pensamento nenhum; de um amigo passar e balançar a mão fechada como um pêndulo apontando o polegar para a boca, gesto universal daqueles que tem sede. Ou ainda, para seu deleite, abrir e fechar os outros quatro dedos restantes mantendo o olhar fixo em você, acenando a necessidade de sua companhia.