Tarde de Outono

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Ando calada. Quieta no meu canto. Mas o silêncio é apenas aparente, pois o repouso, como se sabe, é relativo. E relativamente a torrente de meus devaneios estou para eles como a sombra para os raios de sol. Iluminada tanto quanto eles. Caso o contrário, nem penumbras seriam. Estou mais permeada de pensamentos do que um banco à beira da Lagoa.

Acho que enfim cresci desde que comecei a escrever em 2004. Já durmo sozinha (com ajuda de remédios), já almoço sem companhia (com o celular na mão), já vou ao centro da cidade sem papai, sem auxílio de drogas e de nenhum aparelho eletrônico. Enfim, mãe, cresci. Ainda que a dependência sempre vá aumentar, não mais me desespero de forma infantil como outrora quando não podia ter o brinquedo que queria, viajar para Paris na baixa temporada,  comprar a loja de sapatos na promoção ou morar ao lado de uma livraria.

Passei uma linda tarde de outono lendo Proust e me lembrando de tanta coisa bacana que o próprio autor, denso que só, remeteu-me. E foi ele quem me fez perceber hoje que virei adulta, menos por entendê-lo e muito mais pela cumplicidade dos sentimentos.

Não preciso sair de onde estou para ir longe, muito longe assim como o passado que mesmo recente (como nos foi o ontem), por ter sido deixado para trás, torna-se inalcançável como Júpiter. Aprendi como trazê-lo para mim. Digo. O passado. Há uma tela em branco que a minha memória vai pintando com umas pinceladas encharcadas de minhas aspirações mais ocultas e secretas. O quadro vai se formando inicialmente de maneira que não compreendo e muito menos me preocupa tentar entendê-lo, com a finalidade única de fazer da imagem formada um presente embrulhado em um papel de eternidade.

E descubro que  durante todo o processo que desenhava, sou capaz de sentir a mesma alegria (ou infortúnio (para que repintá-los?)) de quando experimentei a imagem pela primeira vez,  contanto que haja tempo suficiente, se não de usar todo o espectro das cores, pelo menos para manipular aquelas que foram essenciais na estrutura de minhas emoções. Já dizia a minha avó: recordar é viver. E adiciono a essa máxima uma observação em forma de pergunta: perceber a realidade por meio de nossos sentidos, comover-se com alguém à nossa frente em carne e osso, é mais real do que sonhar, se de qualquer ser que tangencia a nossa carne só percebemos em cima da noção que temos dele?

Agora entendo claramente que justamente o que escapou de uma realidade,  com massa e com um peso natimorto pela minha percepção limitada, por ser impenetrável à minha alma, tem a mesma natureza do que consegui captar no momento. Algo imaterial e, portanto, onírico.

Faço, então, do que apreendi uma repetida experiência, pois em mim a mesma beleza é revelada: as coisas pintadas na tela, que me foram preciosas,  o que de mim foi projetado sobre elas, são elas mesmas os próprios pigmentos. Não é como ver uma fotografia antiga. É tirá-lá novamente.

E rio com vontade ao ver que tudo o que lembro está provido de natureza, de realidade (sabendo que há uma para cada pessoa), do mesmo encanto, de um semelhante esplendor e influi em um ser que está situado fora de mim e longe de mim. Não me desespero mais porque sei, agora, que terei tudo. O que foi bom. Para sempre.

Enfim. Cresci.

(E como todo adulto, sei que todo esse discurso é uma bela tentativa de não tacar a cabeça na parede.)

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