#ChegaDeAssédio

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Aqui em Madureira, no colégio Pensi, várias meninas usaram a rede social para relatar casos de assédio através da hashtag #AssedioÉHabitoNoPensi. O ato de denunciar teria sido incentivado por uma professora da própria escola e funcionou muito bem atingindo o trendig topics no twitter em poucas horas. Não tardou para que outras alunas de instituições como, por exemplo, o Miguel Couto no Méier e o CEFET no Maracanã também se manifestassem nas redes e nas ruas com cartazes e blusas vermelhas e pretas.

Esse caso me remeteu a um outro também iniciado nas redes sociais há três anos. A campanha #PrimeiroAssedio teve mais de 80 mil tweets e surgiu em apoio à menina de 12 anos que foi alvo de comentários de cunho sexual na internet durante sua participação em um reality show de culinária.

Vemos todos os dias casos de violência contra a mulher em seus mais variados níveis. Os números são assustadores e se há algo certo é que enquanto você está lendo esse texto várias mulheres estão sendo assediadas e estupradas.

Por que quando uma começa a falar aparecem milhares de outras atrás? Qual a explicação por detrás desse fenômeno?

Vamos entender: existe uma repetição da natureza da violência sexual contra a mulher como parte de uma misoginia institucionalizada e que resulta na contínua não penalização dos agressores em muitos processos.

A sociedade tende a corroborar com a famosa e maldita cultura do estupro que afirma de várias maneiras diferentes que a culpa é da vítima. Segundo pesquisa feita pelo IPEA em 2014, quase 60% dos brasileiros concordam com a afirmação de que “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros”.

Quando, porém, surge uma válvula de escape dada até mesmo na forma de uma hashtag onde mulheres não se sentem sozinhas, começamos a ouvir, literalmente, milhares de histórias. Sabemos que não é uma missão simples, indolor. Todas sabemos o quão difícil é se expor.

Concluímos que a média de  idade do primeiro assédio que sofremos não é quando já somos adultas, passamos batom e andamos de saia curta e salto alto na rua. A realidade é que a primeira vez que um homem comete essa violência é com meninas de nove anos e 65% dos casos são cometidos por pessoas próximas da família – muitos deles dentro da própria casa da vítima.

Mas o fato recente de encorajamento ao grito e à denúncia foi feito dentro de uma escola. Não faz sentido fixar o nome de uma somente já que o problema é endêmico. A Escola é uma das instituições que dão sustentação ao Estado patriarcal e ao sistema Capitalista. Cada vez mais se educa para o mercado de trabalho e cada vez menos para o pensamento crítico. Não sem motivo, quando começamos a debater os problemas de preconceito dentro das instituições de ensino, somos ameaçados até mesmo por projetos de lei que buscam amordaçar professores e professoras. Nada é por acaso. Tudo está conectado.

Já temos Estados no Brasil em que o governo decidiu instituir a obrigatoriedade da oferta de ensino religioso nas escolas. Tal decisão fere, inclusive, a constituição federal que determina a laicidade do Estado. Para tanto, as escolas do Rio Grande do Sul, por exemplo, estão tendo que diminuir carga horária de outras disciplinas e a opção tem sido cortar tempos de aula de sociologia e de filosofia, justamente por serem disciplinas que mais promovem o debate. Qualquer semelhança com a época da ditadura não é mera coincidência. O argumento de que a disciplina abordará a diversidade religiosa brasileira não procede pois diversidade religiosa já é um tema tratado nas aulas de filosofia, de sociologia, de história e quiçá de física. Não existe razão para a existência dessa disciplina além de transformar a escola num espaço de disseminação da fé cristã. Juntamente com isso, tivemos a retirada dos temas de diversidade sexual dos planos nacionais, estaduais e municipais de educação. Mais uma vez: nada é por acaso.

Por que estou dizendo isso? Porque tudo está conectado de verdade. A nossa saúde está ligada ao transporte que pegamos todos os dias para irmos ao trabalho, por exemplo. A violência está associada a falta de oportunidades e do tipo de educação que andamos recebendo dentro de casa e nas escolas – ou na ausência total dela.

A escola, o local onde todas e todos julgam ser o lugar do conhecimento e do ensino, também é um lugar onde se produz e reproduz violência. O assédio sexual cometido dentro delas é uma das grandes aflições que atingem meninas e jovens de várias idades. O problema está na própria sociedade demarcada pelo machismo da qual a escola também faz parte.

São quase 25 anos de magistério mais meus tempos como aluna sendo testemunha e vítima de diversos assédios, vendo professores e funcionários em posição de prestígio coagir meninas e mulheres.

O silêncio é a regra.

Nosso grito, exceção.

A média é que 80 % das mulheres que sofrem assédio preferem não prestar queixa.

A verdade é que temos medo. Medo de sermos reprovadas, medo de perdermos o emprego, medo de represálias, medo de passar vergonha e medo de levar a culpa, pois, o que mais vemos é o agressor nada sofrer após a denúncia e a mulher ser desacreditada e ridicularizada publicamente.

Quando crescemos e entramos no mercado de trabalho, queridas alunas, saibam: não estamos livres dessa violência. O machismo e o preconceito são estruturais. Muitas vezes envolvem não apenas a opressão de gênero, mas também a opressão de classe. Entendam, homens. que o assédio, assim como o estupro não é apenas o ato sexual em si. “Piadinhas” e comentários que nos colocam em situação de coação psicológica são enquadrados como assédio sexual. Não é nada fácil lidar com isso. Por vezes, ficamos deprimidas, desistimos de um curso, sofremos de ansiedade, não acreditamos no nosso próprio potencial,…

Quando voltamos para a casa após um dia cansativo, nós, mulheres, ainda temos que enfrentar muita coisa. Homens aproveitam os trens, metrôs e ônibus lotados para tocar nas nossas partes íntimas. Eles não entendem que o transporte é público, mas o nosso corpo não.

Isso tudo gera nojo, revolta. Porém, mais do que punir, o que mais precisamos fazer é desconstruir o patriarcado. Não quero andar armada e me tornar uma assassina para combater o estupro e o assédio. Há outros caminhos que indicam ser muito mais efetivos e duradouros; por eles andaremos. Precisamos debater em todos os lugares sobre igualdade de direitos, conscientização e empoderamento das mulheres. Mas, principalmente, dentro das escolas mais do que nunca.

Por isso, os “movimentos hashtag” devem ser vistos com toda a atenção. Eles nos mostram algo assustador. Quase 100% das mulheres são vítimas ou conhecem vítimas de assédio sexual que, como já falado aqui, muitas vezes ocorrem quando somos crianças. O medo e o risco são constantes justamente por não sabermos de quem e quando podemos sofrer um abuso.

Nem nas escolas estamos protegidas.

Nem nos hospitais.

Nem nas nossas casas.

Daí a expressão “todo homem é um estuprador em potencial”.

Acho bom que você, homem bonzinho e honesto, que se ofende com essa frase “todo homem é um estuprador em potencial avise a sua filha, a sua afilhada, a sua irmã e a sua mãe que todo homem é sim um estuprador e um assediador em potencial. Se tivessem me avisado isso com todas as letras, talvez eu não tivesse sofrido o que sofri com um médico, um vizinho e um desconhecido na rua. Todos me pegaram, me sarraram, botaram o pênis para fora… e, pasmem, quando eu ainda era criança.

Quando colocamos a boca no trombone e saímos gritando de forma uníssona seja nas ruas seja nas redes sociais não estamos querendo dizer que todos os homens são ruins. Estamos falando que precisamos do apoio de toda a sociedade. Estamos pedindo socorro e reflexão profunda sobre o tema porque há mulheres sendo estupradas e meninas sendo assediadas diariamente.

Algumas histórias pessoais:

9 anos. Fui fazer exame de vista. O oftalmo apagou a luz e mandou eu ler as letrinhas. A sala ficou muito escura. O médico segurou o meu braço e começou a me sarrar toda. Minha mãe estava na sala mas não viu nada naquela escuridão. Eu apavorada me calei. – ‪#‎PrimeiroAssedio‬

11 anos. Em Minas. Fui na beira do rio pegar capim para os porquinhos da índia. Um homem que estava passando abaixou as calças e começou a se esfregar todo em mim. Consegui me desvencilhar dele e corri gritando. Foi preso. – #‎SegundoAssedio‬

12 anos. No ônibus. Eu sentada sozinha um homem senta ao meu lado. Pega a minha mão com força e coloca em cima do pênis dele. Ameaça-me com um canivete. E eu sou obrigada a obedecê-lo. Mais gente entrou e ele parou e desceu. Fiquei em estado de choque. – #‎TerceiroAssedio‬

Acabou? Não. Mas acho que está suficiente.  A mente agoniza.

Para que todas as mulheres denunciem e digam basta para a violência, elas precisam se sentir seguras, acolhidas e aí está a última questão que gostaria de comentar. É importante o empoderamento entre nós, mas o poder público não pode se eximir do seu papel. A violência contra a mulher se dá por causa de uma opressão histórica de gênero dos homens em relação às mulheres em todas as esferas sejam elas públicas sejam privadas. Essa reparação precisa começar acontecer também e, principalmente, na escola com o apoio do Estado. É nesse templo que considero sagrado o local mais apropriado para debatermos as diferenças de direito e de tratamento na nossa sociedade. Não à toa, tenho sido alvo de críticas por quem defende um modelo de educação que se fundamenta na mera transmissão de conteúdos.

Não vou cair aqui na hipocrisia de dizer que a escola é neutra. Ser laica é uma coisa, neutra é outra. O meu conceito de educação inclui entender como funciona a sociedade e essa grande máquina chamada mercado de trabalho. Ou educa a favor dos privilégios ou contra eles, ou a favor das classes oprimidas ou contra elas. Ou para falar ou para ficar calado. E ambas as formas de educar são políticas. A primeira forma cidadãos-zumbis que acreditam que o mundo é assim, nada mais pode ser feito e só lhes resta ser mais uma peça substituível nesse sistema. A outra é a que eu defendo.

Por isso espero que tudo o que aconteceu nesses últimos dias seja amplamente discutido dentro das salas de aula, porque mais importantes do que o valor da força de atrito para que o bloco não desça num plano inclinado são os valores éticos e morais que levamos conosco em qualquer lugar pelo qual passemos.

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